Sempre existiram na legislação brasileira, mesmo que de forma esparsa e pouco expressiva, dispositivos que já demonstravam a preocupação com a proteção do consumidor.
O Código Comercial de 1840 é um exemplo nítido que tal preocupação já vinha inserida no contexto legal do país desde o século XIX.
Os artigos 629 a 632 do citado diploma já estabeleciam direitos e obrigações dos passageiros de embarcações, destacando-se, nesse sentido, o artigo 631, in verbis:
“Art. 631 . Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de conserto de navio, o passageiro pode tomar passagem em outro, pagando o preço correspondente à viagem feita. Se quiser esperar pelo conserto, o capitão não é obrigado ao seu sustento; salvo se o passageiro não encontrar outro navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço da nova passagem exceder o da primeira, na proporção da viagem andada."
O Código Civil de 1916, no início do século passado, por sua vez, já regia as responsabilidades do fornecedor empreiteiro, demonstrando a preocupação com a parte mais fraca de uma relação de consumo, conforme se verifica da leitura do seu artigo1245:
“Art. 1.245 - ... o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra."
Nos anos posteriores, surgiram diversos movimentos de iniciativa popular relacionados à falta de produtos e ao aumento excessivo e sucessivo dos seuspreços. Esses movimentos já demonstravam a insatisfação dos consumidores trazendo noções básicas do direito em gestação.
A partir de 1960, no Brasil, a revolução dos direitos do consumidor surgiu de forma extremamente tímida, com a decretação da Lei Delegada nº 4, de 1962, que vigorou até 1998. A referida lei visavaa fiscalização e regulação das normas de comercialização, assegurando a livre distribuição de produtos.
Nos anos posteriores, o consumidor passou a exigir mais concretamente os seus direitos, com a criação do Primeiro Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, em 1976, em São Paulo, um marco na evolução do direito no país, por ter sido o primeiro órgão oficial público que visava apenas a defesa e proteção ao consumidor. Esse órgão, desde a sua criação, ficou mais conhecido como PROCON, ainda de fundamental importância no cenário da defesa do consumidor.
O exemplo de São Paulo viabilizou a formação dosPROCON´S nos demais estados do Brasil, de grande valia para a consolidação do movimento, viabilizando sua inserção Constituição Federal de 1988, nos termos do inciso XXXII, do artigo 5º, que trata dos direitos fundamentais:
“Art. 5 –
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
A constituição ainda coloca a defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica, nos termos do artigo 170, inciso V, da Constituição Pátria.
“Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os .ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V - defesa do consumidor;”
Nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, no seu artigo 48, ficou determinado que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação daquela carta, elaboraria o Código de Defesa do Consumidor.
Tal não ocorreu no prazo previsto, pois aquele diploma protecionista somente viria a ser sancionada no ano de 1990.
Ainda na década de 1980 passou a se intensificar a participação popular em tudo que era relativo ao consumo. Muitos foram os regulamentos setoriais, as normas técnicas e de condutas, entre outros instrumentos, que eram criados para proteger os consumidores. Várias entidades civis também se formaram, conquistando diversas garantias em áreas específicas, como a Causa Comum, em Pernambuco, responsável por uma enorme demanda em ralação aos adquirentes de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação, além da curiosa Associação de Inquilinos Intranquilos.
Em 1980, também, foi criado o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e em 1989 inaugurada a primeiraComissão de Defesa do Consumidor da OAB, na Secção de São Paulo.
O Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8078/90, foisancionado com força de Lei Complementar, tornando-se um verdadeiro macro-sistema jurídico, disciplinador todas as matérias pertinentes às relações de consumo, constando dispositivos a respeito de todos os ramos do direito que possam influenciar no direito do consumidor, seja ordem civil, processual civil, penal e administrativa.
O Código de Defesa do Consumidor sofreu muitas influencias do direito, das leis e dos princípios já efetivados em diversos países, como a França, Itália, Estados Unidos, Alemanha e Portugal, tornando-se uma das leis de proteção ao consumidor mais completa e moderna do mundo.
O formal reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor na relação de consumo, junto com a aplicação efetiva dos princípios da igualdade, liberdade, boa-fé objetiva, entre outros, culminou com a repressão eficiente dos abusos, a atenção às necessidades do consumidor, como a proteção à sua dignidade, saúde, segurança,seus interesses econômicos, sua qualidade de vida e a transparência e harmonia das relações de consumo.
O Direito do Consumidor já avançou muito no Brasil, tendo tido, a sociedade, papel determinante em todo o processo de conquista que culminou com o brilhante diploma legal, que deve ser utilizado na busca da melhor realização da prática comercial.
REFERÊNCIAS
BEGALLI, Paulo Antônio. Direito Contratual no Novo Código Civil, Editora de Direito, São Paulo, 2006.
CAVALCANTI, Francisco. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2001.
COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor, Editora Forense, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, Editora Saraiva, São Paulo, 2013.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, Editora Saraiva, São Paulo, 2013.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria geral dos contratos, Editora Atlas,São Paulo, 2013.
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