“Até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos”. O reconhecimento da necessidade de afirmação e proteção jurídica desses direitos pela comunidade internacional – materializada primordialmente na assinatura da Declaração Universal (1948), no âmbito das Nações Unidas – representou e representa, sem dúvida alguma, um grande e importante passo dado pela humanidade.
Comungando com esse pensamento, o professor Jayme de Altavila, há mais de cinquenta anos, já dizia: “A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948, em Paris, constitui a página mais brilhante do pensamento jurídico da humanidade e, em tese, o diploma de sua maior conquista”. Mas surge, nesse contexto, uma indagação: os direitos humanos, no direito internacional, constituem um conjunto finito e hermético? É sobre esse tema que se debruça este artigo.
Citando a definição dada pelo célebre Celso Albuquerque de Mello, pode-se dizer que Direito Internacional dos Direitos Humanos é “o conjunto de normas que estabelece os direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento da sua personalidade e estabelece mecanismos de proteção a tais direitos”.
Trata-se, destarte, de autêntico ordenamento jurídico, dotado de normas cogentes, específico em seu tema, e que transborda os limites do direito interno. Ao contrário do que se pode pensar, entretanto, não se perfaz como um sistema normativo fechado e finito, cujo rol não é passível de expansão. Na verdade, o próprio conceito de direitos humanos não permite esse fechamento, posto que possui uma grande carga valorativa, que o torna fluído, dinâmico, aberto.
Para comprovar esse fato, basta observar a história. Desde a Antiguidade, é possível constatar que os direitos humanos (direitos fundamentais dos seres humanos) foram sendo pouco a pouco reconhecidos, antes mesmo de qualquer positivação, até o culminarem em um amplo rol, no Estado Social de Direito. Prova cabal dessa abertura e expansão, a propósito, é a classificação dos direitos humanos em três gerações, divididas basicamente em razão da ordem cronológica com que foram sendo reconhecidos, conquistados.
O fato de os direitos humanos serem dotados de um grande conteúdo axiológico, pois, é o que em grande parte explica a ampliação de seu rol. Fala-se aí, então, de uma não-tipicidade, na medida em que se protege um determinado direito fundamental, não porque ele está tipificado em algum documento normativo, mas sim em face de seu conteúdo. “Esse conteúdo consagra uma intenção de proteger um princípio maior que é a dignidade da pessoa humana, de um ponto-de-vista ético-valorativo”.
Partindo-se de tais premissas, portanto, chega a ser possível falar aí na existência de uma espécie de cláusula aberta em tema de direitos humanos, ou mesmo até em uma eficácia irradiante desses direitos, posto que o catálogo de direitos fundamentais nunca é exaustivo, sempre podendo ser acrescidos novos direitos, desde, apenas, que se tratem de direitos cujo conteúdo esteja intrinsecamente relacionado à dignidade da pessoa humana em um dado contexto histórico.
Nesse sentido, é crescente a “necessidade de serem explicitados novos direitos, adequados às particularidades dos seres humanos na vida social. Incrementa-se o quantitativo dos bens tidos como merecedores de proteção, animando alguns a anunciar o aparecimento de novas gerações de direitos fundamentais”.
“Existem direitos inatos de que o homem teve consciência e porfiou em defendê-los bravamente, agindo em regra por compulsão instintiva. Outros que foram sendo percebidos em sociedade, na interação dos seus componentes, aprimoraram-se ao longo da evolução cultural. A emergência de novos direitos certamente será revelada em tempos vindouros, como fruto da irrequietude mental do homem”.
Diante dessas considerações, portanto, em que demonstrada a abertura e fluidez do conceito de direitos humanos, em virtude de seu forte conteúdo axiológico, bem como a profunda relação com o próprio conceito de dignidade da pessoa humana, infere-se com facilidade que os direitos humanos no direito internacional não constituem um conjunto finito e hermético.
Na verdade, a situação é justamente o oposto. “É por demais distendida a trajetória a vencer para que a humanidade, empolgada pela materialidade das coisas, se dê conta da importância dos direitos inatos no plano da felicidade da espécie (...) É mister que o homem se disponha a avançar com passos firmes e decididos no seu sendeiro de vida, sob a luminária dos próprios direitos, sem fazer-se de cego aos correlatos direitos de seus semelhantes, já que todos nasceram iguais em face do Direito”.
Felizmente, o rol de direitos humanos, que cresceu a olhos vistos ao longo da história, só tende a ampliar-se, conferindo cada vez mais proteção aos indivíduos, seja enquanto cidadãos, seja enquanto sociedade, seja enquanto seres humanos, que efetivamente merecem viver como tais.
REFERÊNCIAS:
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 3. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1963.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar.6 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996.
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