1. INTRODUÇÃO
Uma das controvérsias que mais aparecem em tema de execução fiscal diz respeito à possibilidade de redirecionamento da execução para o patrimônio do sócio-gerente ou administrador da pessoa jurídica executada,nos casos de ocorrência de sua dissolução irregular.
Ocorre que a Fazenda Pública vinha enfrentando dificuldades nos Tribunais para obter a responsabilização dos administradores das empresas nas hipóteses de extinção irregular quando a execução fiscal era ajuizada para a cobrança de crédito não tributário. O argumento jurídico que inviabilizava o redirecionamento da execução fiscal de crédito não tributário era o de que o art. 135, III, do Código Tributário Nacional - CTN seria aplicável apenas ao crédito tributário, não existindo autorização legal para se alcançar o patrimônio dos administradores das empresas quando a execução for de dívida ativa não tributária.
Neste estudo, será demonstrada a inviabilidade de tal argumentação jurídica com apoio em recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.371.128/RS, segundo o qual a extinção irregular da pessoa jurídica autoriza o redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio do sócio-gerente tratando-se de crédito tributário ou não tributário.
2. A EXECUÇÃO FISCAL DE CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO E O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O PATRIMÔNIO DO SÓCIO-GERENTE DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA
Como se sabe, o patrimônio das pessoas jurídicas não se confunde com o patrimônio de seus sócios, sendo o instituto da personalidade jurídica essencial para o desenvolvimento das atividades econômicas por limitar a responsabilidade pelo insucesso da empresa somente ao capital da pessoa jurídica, impedindo a sua extensão aos sócios componentes, o que incentiva o empreendedorismo e aqueles que desejam se arriscar em exercer uma atividade no mercado.
Na lição de Fábio Ulhoa Coelho “como toda empresa pode redundar em insucesso, se este tiver o potencial de comprometer a totalidade do patrimônio do investidor, os de perfil conservador ficarão desinteressados; e os arrojados, para obterem o ganho proporcional ao alto risco assumido, precisarão que os produtos ou serviços sejam oferecidos pela empresa ao mercado por preços elevados”[1]. Assim, verifica-se a grande importância assumida pelo princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária para o exercício das atividades econômicas.
No entanto, é frequente por parte dos empresários o abuso na utilização do instituto da personalidade jurídica, o que impõe seja analisada com parcimônia essa independência do patrimônio dos sócios em relação às obrigações sociais assumidas pelas pessoas jurídicas.
No campo da execução fiscal, é comum a constatação pela Fazenda Pública de que as sociedades empresárias se encontram com suas atividades encerradas, porém de maneira irregular, deixando dívidas a pagar e sem bens que possam garantir a execução. O que se verifica, na prática, é que a dissolução irregular das pessoas jurídicas tem servido como um grande empecilho à satisfação dos créditos cobrados por meio do executivo fiscal.
Como estratégia para contornar esse problema, diante da inexistência de bens penhoráveis das sociedades empresárias para saldar as dívidas com o fisco, e constatado o encerramento irregular das atividades empresariais, a alternativa que se impõe é a busca do patrimônio dos responsáveis (sócios ou administradores) por esse encerramento irregular. Com efeito, não se trata de afastamento do princípio da autonomia patrimonial das sociedades empresárias, mas sim de aplicação de outro princípio que é o da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, o qual incide quando, diante dos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, o patrimônio empresarial é insuficiente para saldar as dívidas sociais.
Na prática, a dissolução irregular é constatada quando as empresas encerram as suas atividades sem a comunicação às autoridades competentes, deixando de proceder à baixa de suas inscrições perante a Receita Federal e a Junta Comercial em que estão registradas.Fala-se em dissolução irregular em razão da não observância dos ritos e formalidade dos arts. 1033 a 1038 e arts. 1102 a 1112 do Código Civil, ou em razão da não submissão da sociedade empresária ao processo falimentar previsto na Lei 11.101/2005.
De outro lado, a jurisprudência presume encerramento irregular da sociedade quando o Oficial de Justiça certifica não ter encontrado a empresa no domicílio fiscal por ela informado perante a Receita Federal. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça - STJ editou a Súmula 435, com o seguinte enunciado:
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
Nesse contexto, é possível a responsabilização do sócio-gerente ou administrador da sociedade empresária pelo débito cobrado em execução fiscal na hipótese de dissolução irregular. Como, em regra, originariamente o nome do sócio-gerente ou do administrador não constam do título executivo representado pela certidão de dívida ativa – CDA, trata-se de uma hipótese de redirecionamento da execução fiscal, já que a responsabilidade do sócio-gerente ou administrador é subsidiária em relação à responsabilidade primária patrimonial da pessoa jurídica.
No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vinha oscilando quanto à possibilidade desse redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio do sócio-gerente, fazendo uma distinção quanto essa possibilidade, e inadmitindo-a em caso de crédito não tributário.
Nessa toada, impende verificar com que fundamentação legal seria possível o redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio do sócio-gerente. No caso das cobranças de crédito tributário, o art. 135, III, do Código Tributário Nacional- CTN prevê a responsabilidade pessoal dos diretores ou gerentes das pessoas jurídicas de direito privado nos termos seguintes:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Assim, tratando-se de cobrança de crédito tributário, seria aplicável o Código Tributário Nacional, exigindo a lei, para a responsabilização pessoal dos diretores, administradores ou sócios com poder de gerência, tão somente que as obrigações tributárias resultassem de atos praticados com excesso de poderes ou com infração à lei.
No caso, como a dissolução irregular da pessoa jurídica constitui infração à lei, está aberta a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio dos sócios com poderes de administração ou em face dos administradores das sociedades empresárias. Nessa linha, vem decidindo o STJ conforme julgados que seguem:
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DISPENSA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. TRIBUTO NÃO PAGO PELA SOCIEDADE.
1. A jurisprudência desta Corte, reafirmada pela Seção inclusive em julgamento pelo regime do art. 543-C do CPC, é no sentido de que "a apresentação de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensando, para isso, qualquer outra providência por parte do Fisco" (REsp 962.379, 1ª Seção, DJ de
28.10.08).
2. É igualmente pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que asimples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nemem tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiáriado sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto,que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, aocontrato social ou ao estatuto da empresa (EREsp 374.139/RS, 1ª Seção, DJ de 28.02.2005).
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.”[2] (grifado)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO.DISSOLUÇÃO IRREGULAR. CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA. INDÍCIO SUFICIENTE.
1. ‘Em execução fiscal, certificada pelo oficial de justiça a não localização da empresa executada no endereço fornecido ao Fisco como domicílio fiscal para a citação, presume-se (juris tantum) a ocorrência de dissolução irregular a ensejar o redirecionamento da execução aos sócios, na forma do art. 135, do CTN’ (REsp 1.374.744/BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 17.12.2013).
2. Hipótese em que o Tribunal de origem reconheceu, com base na certidão do Oficial de Justiça, que a empresa não exerce atividades no local diligenciado (seu domicílio informado à Receita Federal e/ou Junta Comercial), mas entendeu necessária a apresentação de prova concreta da dissolução irregular.
3. Recurso Especial provido.”[3]
(grifado)
Destarte, o que fundamenta o redirecionamento da execução para o patrimônio do sócio-gerente da sociedade empresária não é o simples inadimplemento da obrigação tributária, mas sim a existência de infração à lei praticada pelo administrador, sendo a dissolução irregular da pessoa jurídica uma hipótese em que está caracterizada essa infração à lei.
Sobre esse ponto, Hugo de Brito Machado assevera que para o redirecionamento da execução “é preciso que o débito tributário em questão resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”[4].
Logo, como se vê, na execução fiscal de crédito tributário é pacífica a possibilidade de responsabilização dos sócios-gerentes ou administradores em caso de dissolução irregular da sociedade empresária.
No entanto, a questão suscitava dúvidas quando a execução fiscal se referia a créditos não tributários. Isto porque a Fazenda Pública costumava também requerer ao juiz da execução fiscal o redirecionamento do feito executivo para o patrimônio dos administradores com base no art. 135, III, do CTN, nas hipóteses de dissolução irregular das empresas. Com efeito, o art. 4º, §2º, da Lei 6.830/80 prevê a possibilidade de aplicação das normas relativas à responsabilidade previstas na legislação tributária à dívida ativa da fazenda pública de qualquer natureza, o que fundamentava o pleito da Fazenda Pública. Sobre essa autorização, veja-se o art. 4º, §2º, da Lei 6.830/80:
“§ 2º - À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.”
Há, contudo, precedentes jurisprudenciais que já entenderam que não é possível a aplicação do art. 135, III, do CTN, nos processos de execução fiscal de dívida ativa não tributária. De fato, esses precedentes terminam por afastar a aplicação das normas relativas à responsabilidade tributária nas execuções fiscais de dívida ativa não tributária, desconsiderando a literalidade da regra do art. 4º, §2º, da Lei 6.830/80. A título de exemplo, cita-se o seguinte julgado do STJ:
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À CLT.
IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO.
1. O redirecionamento ao sócio-gerente inserto no artigo 135 do Código Tributário Nacional restringe-se às obrigações de natureza tributária.
2. Recurso especial improvido.”[5]
(grifado)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA POR INFRAÇÃO DA CLT. INAPLICABILIDADE DO CTN.
1. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que as regras previstas no CTN aplicam-se tão-somente aos créditos decorrentes de obrigações tributárias. Assim, tratando-se de cobrança de multa por infração da CLT, mostra-se inviável o pedido de redirecionamento fulcrado no art. 135 do CTN.
2. O exame de suposta contrariedade a princípios positivados na Constituição Federal, mesmo que para fins de prequestionamento, é alheio ao plano de competência desta Corte, porquanto trata-se de matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal.
3. Agravo regimental desprovido.”[6]
(grifado)
O precedente acima citado do STJ (além de vários outros neste sentido) não analisou a questão acerca do redirecionamento da execução fiscal de dívida ativa não tributária de maneira adequada. Nessa esteira, este entendimento desconsidera por completo a possibilidade de aplicação da legislação tributária na execução fiscal de créditos não tributários; e por consequência, desconsidera a incidência do art. 135, III, do CTN para autorizar o alcance do patrimônio dos administradores na cobrança da dívida ativa não tributária, na hipótese de dissolução irregular da sociedade empresária.
Provavelmente, aqueles que entendem pela inaplicabilidade do art. 135, III, do CTN à dívida ativa não tributária, o fazem porque compreendem a necessidade de previsão expressa dessa incidência na Lei de Execução Fiscal, a exemplo do que ocorreu no texto do §4º, do art. 4º, da Lei 6.830/80, o qual estatui que “aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária o disposto nos artigos 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional”. Como se vê, esse dispositivo, o qual faz referência expressa à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária não menciona a aplicabilidade à essa dívida dos artigos do CTN que tratam da responsabilidade tributária.
Noutro giro, essa corrente jurisprudencial entende inaplicável à dívida ativa de natureza não tributária o §2º do art. 4º da Lei 6.830/80, eis que lhe confere a seguinte interpretação: o dispositivo quer significar que à dívida ativa da Fazenda Pública de natureza tributária aplica-se às normas de responsabilidade relativas à legislação tributária, à dívida ativa de natureza civil aplica-se as normas de responsabilidade relativas à legislação civil e à dívida ativa de natureza comercial aplica-se as normas de responsabilidade previstas na legislação comercial.[7]
Todavia, impende gizar que além da autorização do §2º do art. 4º da Lei 6.830/80, a possibilidade de alcance do patrimônio dos administradores das sociedades empresárias em caso de dissolução irregular também encontra guarida no art. 50 do Código Civil. A esse respeito, confira-se o escólio de Leonardo Carneiro da Cunha:
“No caso de dívida não tributária, a situação é a mesma. O que difere é, apenas a fundamentação legal: ao invés de a responsabilidade ter escoro no art. 135 do CTN, incide o art. 50 do Código Civil de 2002, permitindo-se seja a execução proposta contra o sócio ou que se promova a desconsideração da pessoa jurídica para que se atinjam bens do sócio, administrador ou diretor. Estando o nome do sócio, administrador ou diretor na CDA, a execução fiscal pode ser, sem maiores exigências, redirecionada contra ele. Na hipótese de não estar seu nome na CDA, poderá haver o redirecionamento, desde que comprovado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (CC/2002, art. 50).”[8]
Apesar da opinião do reconhecido autor mencionar a possibilidade de redirecionamento da execução em caso de crédito não tributário com fundamento no Código Civil e não no CTN, ressalte-se novamente a incidência concomitante ao caso do art. 135, III, do CTN em razão de autorização expressa da Lei 6.830 (art. 4º, §2º). Essa também é a opinião de João Aurino de Melo Filho para quem “nas execuções fiscais de dívida ativa não tributária, em tese, também são aplicáveis as regras específicas da responsabilidade tributária, por disposição expressa do §2º do art. 4º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980”.[9]
Por fim, essa questão referente à aplicabilidade das normas de responsabilidade previstas na legislação tributária às execuções fiscais de créditos não tributários foi superada com a recente publicação do REsp 1.371.128/RS em 17 de setembro de 2014. Nesse julgamento, realizado sob a sistemática de recurso repetitivo, o STJ terminou por consolidar entendimento de que, quando a sociedade empresária for dissolvida irregularmente, é possível o redirecionamento de execução fiscal de dívida ativa não-tributária contra o sócio-gerente da pessoa jurídica executada, independentemente da existência de dolo. Nesses termos, veja-se a ementa do julgado do REsp 1.371.128/RS:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA EM VIRTUDE DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. ART. 10, DO DECRETO N. 3.078/19 E ART. 158, DA LEI N. 6.404/78 - LSA C/C ART. 4º, V, DA LEI N. 6.830/80 - LEF.
1. A mera afirmação da Defensoria Pública da União - DPU de atuar em vários processos que tratam do mesmo tema versado no recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de amicuscuriae. Precedente: REsp. 1.333.977/MT, Segunda Seção, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em 26.02.2014.
2. Consoante a Súmula n. 435/STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".
3. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 à 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 - onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência - ou na forma da Lei n. 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei.
4. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico "dissolução irregular" seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não-tributário. "Ubieademratioibieadem legis dispositio". O suporte dado pelo art. 135, III, do CTN, no âmbito tributário é dado pelo art. 10, do Decreto n. 3.078/19 e art. 158, da Lei n. 6.404/78 - LSA no âmbito não-tributário, não havendo, em nenhum dos casos, a exigência de dolo.
5. Precedentes: REsp. n. 697108 / MG, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 28.04.2009; REsp. n. 657935 / RS , Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 12.09.2006; AgRg no AREsp 8.509/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 4.10.2011; REsp 1272021 / RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07.02.2012; REsp 1259066/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012; REsp.n. º 1.348.449 - RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11.04.2013; AgRg no AG nº 668.190 - SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 13.09.2011; REsp. n.º 586.222 - SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23.11.2010; REsp 140564 / SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 21.10.2004.
6. Caso em que, conforme o certificado pelo oficial de justiça, a pessoa jurídica executada está desativada desde 2004, não restando bens a serem penhorados. Ou seja, além do encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, não houve a reserva de bens suficientes para o pagamento dos credores.
7. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.[10]
Desse julgado, vale ainda destacar trecho do voto do Ministro Relator Mauro Campbell Marques:
“Esta jurisprudência [possibilidade de responsabilização do sócio-gerente] a entendo ser perfeitamente extensível às execuções fiscais de dívida-ativa de natureza não tributária. Principalmente porque não se pode conceber que a dissolução irregular da sociedade seja considerada ‘infração à lei’ para efeito do art. 135, do CTN e assim não seja para efeito do art. 10, do Decreto n. 3.078/19[11], dispositivos idênticos.
Aliás, cabe aqui o registro de que o art. 135, III, do CTN traz igual comando ao do art. 10, do Decreto n. 3.078/19, sendo que a única diferença é que, enquanto o CTN enfatiza a exceção (a responsabilização dos sócios em situações excepcionais), o Decreto n. 3.078/19 enfatiza a regra (a ausência de responsabilização dos sócios em situações regulares). No entanto, ambos trazem a previsão de que os atos praticados (obrigações contraídas em nome da sociedade, inclusive as tributárias) com excesso de poder (mandato), violação à lei, contrato ou estatutos sociais ensejam a responsabilização dos sócios para com terceiros (redirecionamento) e para com a própria sociedade da qual fazem parte.”[12]
Como destacado, o STJ entendeu perfeitamente cabível a responsabilização do sócio-gerente por infração à lei, mesmo nos casos de execução fiscal para cobrança de créditos da Fazenda Pública de natureza não tributária. Contudo, para o STJ, a fundamentação da possibilidade desse redirecionamento da execução no caso de créditos não tributários não se dá com base no art. 135 do CTN, mas sim com fundamento no art. 10 do Decreto 3.078/19 e art. 158 da Lei 6.404/78 (REsp 697.108/MG, REsp 657.935/RS, AgRg no AREsp 8.509/SC e REsp 1.272.021/RS).
3. CONCLUSÃO
Ante todo o aqui exposto, é possível concluir que a dissolução irregular da pessoa jurídica, quando esta encerra suas atividades sem comunicação às autoridades competentes e sem a adoção das formas de extinção legalmente previstas, configura infração à lei (artigos 1033 a 1038 e artigos 1.102 a 1112, do Código Civil ou na forma da Lei 11.101/05).
Portanto, não restam dúvidas de que, hodiernamente, tanto na execução fiscal de créditos tributários como na execução fiscal de créditos não tributários, constatada essa dissolução irregular da pessoa jurídica executada, é possível o redirecionamento da execução para atingir o patrimônio do sócio-gerente ou de seus administradores.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 1: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2012.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10.ed. São Paulo: Dialética, 2012.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
MELO FILHO, João Aurino de. Modificações no polo passivo da execução fiscal: consequências da falência, da morte, da dissolução irregular da pessoa jurídica e da sucessão empresarial no processo executivo. In: MELO FILHO, João Aurino de (coord). Execução Fiscal Aplicada. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 1: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 296.
[2] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.101.728/SP, Rel.(a): Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 11.03.2009, DJe 23.03.2009.
[3] BRASIL, Superior Tribunal de Justila, REsp 1484407/SP, Rel.(a): Min.Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23.10.2014, DJe 27.11.2014.
[4]MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 167.
[5]BRASIL, Superior Tribunal de Justiça,REsp 408.618/PR, Rel.(a): Min.Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 03.06.2004, DJ 16.08.2004, p. 174.
[6] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça,AgRg no REsp 735.745/MG, Rel(a): Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 23.10.2007, DJ 22.11.2007, p. 190.
[7] Sobre esse ponto, conferir a argumentação do voto do Min. Castro Meira no AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 242.114/PB, quando afirma “ainda que assim não fosse, a orientação adotada não é incompatível com o disposto no art. 4º, §2º, da LEF, cuja interpretação deve levar em conta, necessariamente, a natureza própria da dívida ativa a que se refere (tributária, civil ou comercial) consoante se pode inferir de seu próprio texto...”.
[8] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 393.
[9] MELO FILHO, João Aurino de. Modificações no polo passivo da execução fiscal: consequências da falência, da morte, da dissolução irregular da pessoa jurídica e da sucessão empresarial no processo executivo. In: MELO FILHO, João Aurino de (coord). Execução Fiscal Aplicada. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 375.
[10] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1371128/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10.09.2014, DJe 17.09.2014.
[11]Art. 10 do Decreto n 3.078/19: “Os socios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei”.
[12] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1371128/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10.09.2014, DJe 17.09.2014.
Procurador Federal atuante na Procuradoria-Federal em Goiás, órgão de execução da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Victor Nunes. O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente em caso de dissolução irregular da pessoa jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42155/o-redirecionamento-da-execucao-fiscal-para-o-socio-gerente-em-caso-de-dissolucao-irregular-da-pessoa-juridica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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