Na seara das relações de consumo, polarizam-se as figuras do fornecedor e do consumidor; enquanto o primeiro é hipersuficiente, o segundo é tido como hipossuficiente. Distinção legal que vem a proteger o mais fraco da relação que se estabelece, a fim de equiparar ambos colocando-os em igualdade de condições.
Contudo, não são raros os casos em que um fornecedor de produto ou serviço abusa quando da cobrança de débitos em face do consumidor.
Essa conduta, por certo, é absolutamente inaceitável, uma vez afronta a lei federal e a jurisprudência majoritária.
Nesse sentido, dispõe o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”
Mais gravosa ainda a situação em que o consumidor sequer estabeleceu qualquer relação jurídica com um fornecedor, e este lhe impõe uma cobrança indevida inclusive com indicação de nome no rol de maus pagadores ou nos órgãos destinados à proteção do crédito, tais como SERASA e SPC. Mais gravosa, porém infelizmente cotidiana.
Trata-se de um absurdo! Na pratica, o consumidor, que não possui qualquer relação jurídica com o fornecedor, é obrigado a ingressar judicialmente a fim de comprovar tal inexistência.
Ainda que a dívida se encontre em discussão na esfera administrativa, não é lícito promover a inscrição do nome do consumidor em serviço de proteção ao crédito, o que configura o constrangimento ou ameaça a que se refere o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (REsp. n° 180.843-RS, Rei Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
Vale a pena lembrar que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça tem sufragado o entendimento de que "estando em discussão judicial o débito, regular a determinação de que se afaste o nome do devedor do cadastro de inadimplentes, mormente porque não comprovado o prejuízo ao credor. Precedentes." (Ag.Rg.Ag. n° 230.809-RS, Rei Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
No mesmo sentido:
"Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível o deferimento de liminar para obstar a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, pendendo de decisão judicial a definição do valor da dívida1' (Medida Cautelar n° 2.071-MG, STJ, Rei. Min. Sáivio de Figueiredo Teixeira, DJ de 15.02.2000, p. 209).
Muito embora não seja ilícita a inscrição do nome do devedor em cadastros restritivos de crédito (SERASA, SPC, entre outros), essa inscrição pode ser sustada, por decisão judicial, enquanto pendente processo no qual o débito esteja sendo discutido, a menos que seja comprovada a urgência e o perigo de dano irreparável.
São notórios os constrangimentos decorrentes da inscrição em cadastros dessa natureza, muitos dos quais a final acabam se revelando injustos, dando azo ao ajuizamento de ação reparatória de danos morais.
Mais eficaz e justo, portanto, obstar a negativação do nome do devedor enquanto não houver certeza quanto ao montante da dívida do que compensá-lo, no futuro, com uma indenização pecuniária suficiente para reparar o prejuízo sofrido.
Ademais, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça definiu situações nas quais o dano moral é presumido. Dentre elas está a inserção do nome da pessoa nos serviços de proteção ao crédito.
Assim dispôs o STJ:
‘No caso do dano in reipsa, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano. Uma das hipóteses é o dano provocado pela inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes. ‘
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), Cadastro de Inadimplência (Cadin) e Serasa, por exemplo, são bancos de dados que armazenam informações sobre dívidas vencidas e não pagas, além de registros como protesto de título, ações judiciais e cheques sem fundos. Os cadastros dificultam a concessão do crédito, já que, por não terem realizado o pagamento de dívidas, as pessoas recebem tratamento mais cuidadoso das instituições financeiras.
Uma pessoa que tem seu nome ‘sujo’, ou seja, inserido nesses cadastros, terá restrições financeiras. Os nomes podem ficar inscritos nos cadastros por um período máximo de cinco anos, desde que a pessoa não deixe de pagar outras dívidas no período.
No STJ, é consolidado o entendimento de que “a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in reipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos” (Ag 1.379.761).
Esse foi também o entendimento da Terceira Turma, em 2008, ao julgar um recurso especial envolvendo a Companhia Ultragaz S/A e uma microempresa (REsp 1.059.663). No julgamento, ficou decidido que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes caracteriza o dano moral como presumido e, dessa forma, dispensa a comprovação mesmo que a prejudicada seja pessoa jurídica.
Assim, apesar de legalmente abusiva e de haver precedentes de condenação, a prática continua a ser reiterada pelos fornecedores de serviços e produtos. Até que ponto chegarão os hipersuficientes que assim agem desrespeitando a lei e seus próprios clientes?
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