Resumo: Este breve artigo busca fazer um estudo de alguns aspectos relacionados com o e-commerce e a bitributação em sede internacional.
Palavras-chave: Comércio eletrônico. Bitributação internacional. Possíveis causas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Bitributação internacional: aspectos gerais. 2.1. Conceitos e requisitos. 2.2. Causas da bitributação internacional. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A dinâmica e gradativa importância do e-commerce é bem documentada na imprensa internacional. O grande volume das operações, entretanto, carece de uma estimação confiável. As previsões sobre seu crescimento anual variam entre 20% a 150%. Esses números, em que pese parecerem paradoxais, são abertos à interpretação.
A maior parte das empresas que pesquisa o assunto o fazem com base no tráfego pela internet, e não nas vendas – com efeito, mais de 98% apenas consulta os sítios, não havendo efetivação do negócio. As empresas que pesquisam por volume de vendas o fazem por intermédio de pesquisas de opinião, e não dos relatórios de vendas dos destes sítios.
É conhecido que o comércio eletrônico é uma atividade em franca expansão. O comércio eletrônico pode ser sinteticamente dividido em: 1) vendas de empresa diretamente ao consumidor (B2C ou business-to-consumer) e; 2) negócios realizados estritamente entre empresas (B2B ou business-to-business)[1].
Os números têm demonstrado o que se esperava da comparação entre o B2C e o B2B: o maior responsável pelo crescimento quase que exponencial do comércio eletrônico na ultima década é o B2B .
Em realidade, quando pensamos nas feições atuais do comercio eletrônico, vemos o porquê de sua predominância atualmente. Não é raro encontrarmos empresas que não tem sede física, ou seja, a atividade é toda desenvolvida por uma, duas ou três pessoas, em um quarto dos fundos de uma determinada casa, como se amadores fossem.
Assim, a gama de pessoas que potencialmente podem ser comerciantes aumenta muito, mormente em épocas de crise financeira, em que se busca alguma forma de se obter renda extra.
Nesse contexto, não é estranho que tenham surgido tantas e tantas empresas, de maneira que o Estado – aqui considerado em seu sentido lato – não pode dar o mesmo regramento fiscal às negociações ocorridas no mundo físico, puramente, sob pena de se tratar situações distintas de forma desigual.
2 – A BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL: ASPECTOS GERAIS.
2.1. Conceito e requisitos.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE[2], ao elaborar o modelo de convenção que versava sobre dupla tributação em matéria de impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, criou definição própria do que seria dupla tributação[3]-[4]-[5]: "O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode se definir de forma geral como sendo o resultado da percepção de impostos similares em dois ou mais Estados Soberanos, sobre um único contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo".
A questão aqui tratada é deveras sensível, mormente se tivermos em mente que um sistema fiscal assume-se como sendo a estrutura de um dado território, máxime de um país, quanto à base fiscal e, naturalmente, quanto às taxas de impostos.[6]
Ocorre o fenômeno em tela – dupla tributação internacional - quando vários titulares de soberania em matéria tributária (Estados), independentes entre si, submetem ao mesmo contribuinte, pelo idêntico fato gerador, um imposto de similar espécie.
Essa bitributação, assim, deve ser observada à base de uma composição de quatro identidades: a) aplicação de impostos similares, b) dois ou mais Estados soberanos, pelo c) mesmo fato imponível (aspecto material); d) mesmo contribuinte, e desde que; e) se trate do mesmo intervalo de tempo compreendido.[7]
Analisaremos, agora, cada um destes elementos:
a) Similaridade do imposto: A identificação da incidência de tributos similares sobre o mesmo fato, passa pela necessária a confirmação de que se trata de tributos com a mesma natureza jurídica (identidade de três elementos: do elemento material do fato gerador, do sujeito passivo e da naturezada base de cálculo).
b) Dois ou mais Estados soberanos: A concorrência de normas sobre o mesmo fato gerador em mais de um ordenamento jurídico; O exercício de duas ou mais soberanias jurídicas, notadamente em matéria tributária é essencial para o fenômeno em comento.
c) Identidade do fato imponível: Para que haja a bi(ou pluri)tributação, deve haver a incidência de dois ou mais impostos semelhantes sob o mesmo fato gerador.
d) Identidade do contribuinte: Ou seja, incidir os tributos sobre o mesmo sujeito passivo, sendo esse o elemento mais flexível dos que os outros até agora apresentados, pois em certas ocasiões, a interpretação literal deste requisito pode ser igualmente nociva, mormente se tratar, v.g., de marido e mulher.
e) Identidade do período: A incidência do tributo deve ter por base o mesmo intervalo de tempo, condição sine quo non para a configuração da dupla tributação.
Assim, conclui-se que a dupla tributação internacional ocorre quando dois ou mais Estados impõem a uma mesma pessoa o pagamento de tributos em razãodeigual fato gerador.
2.2. Causas da Bitributação Internacional.
Não temos dúvida em afirmar quea principal causa do problema no âmbito da bitributação internacional relaciona-se diretamente com a interação, em diferentes esferas, de ao menos dois ordenamentos jurídico-tributários soberanos, fomentada por previsíveisintenções de tributar um mesmo fato gerador, em nível transnacional, pela incidência de diferentes normas dos Estados, seja por aquele da situação da fonte efetiva dos rendimentos , como pelo outro onde se encontra a residência.[8]
Esse problema – da bitributação internacional – decorre do poder soberano de cada Estado em poder positivar as normas de direito tributário de acordo com suas conveniências.[9]-[10]
Não raro, os estados adotam duas estruturas de tributação: a fundada no postulado da universalidade (levando em conta a nacionalidade ou residência) e o da territorialidade (levando em conta a fonte dos rendimentos).
Os Estados que possuem um sistema moderno de tributação prevêem elementos de conexão de natureza subjetiva – pessoal -, e adotam, ainda, o princípio da universalidade, a fim de tributarqualquer rendimento dos sujeitos passivos que possuam relação de natureza subjetiva com este Estado (seja por residência, seja por nacionalidade), pouco importando, para tanto, o local onde foram efetivamente gerados esses rendimentos.
Dessa forma, uma multinacional sediada (matriz) em um país que adote este sistema de tributação acima referido, teráinevitavelmente tributados os ganhosauferidos em outros países por suas respectivas filiais. Serão também tributados os rendimentos auferidos por uma dada filial de uma multinacional instaladaem um país que adote este princípio, à medida que a legislação interna correlata preveja como residente (ou como nacional) a empresa que tenha um estabelecimento permanente – ou não - em seus territórios.
De modo reverso, os Estadosoptantes pelo sistema de tributação fundado em elementos de natureza puramente objetiva, tendem a adotar o princípio da territorialidade, tributando quaisquer rendimentos auferidosem seu território, privilegiando, assim, a fonte do rendimento necessariamente interna. À guisa de exemplo, uma sociedade multinacional que detenha filial neste país terá seus rendimentos tributados normalmente.
A fim de sistematizar a matéria, podemos afirmar que haverá colisão entre sistemas tributários desde que: a) os dois (Estado da filial e Estado da matriz) adotem o princípio da universalidade, à medida que o ordenamento interno do Estado da fonte dos rendimentos (da filial, v.g.) preveja como residente (ou nacional) àquela empresa que detenha estabelecimento com animuspermanente em seu território; b) qualquer deles (o Estado da matriz, p.ex.) adote o princípio da universalidade,ao passo que o outro (o Estado da filial), o princípio da territorialidade.
A realidade de qualquer ordenamento jurídico, entretanto, é deveras complexa, razão pela qual é ainda possível encontrar sistemas chamados de “mistos”, ou seja, adotam o princípio da universalidade em determinadas situações e para outras, o princípio da territorialidade, priorizando um ou outro, de acordo com sua política fiscal.
Assim, os Estados que geralmente exportam capitais (os Estados desenvolvidos) preferem o princípio da universalidade (em sua maioria, por intermédio do critério da residência). Já os Estados ditos importadores de capital, por seu turno, tendem a prever o princípio da territorialidade ou o princípio da universalidade, utilizando-se, neste último caso, do conceito de residente (ou nacional) a empresa que tenhaqualquer estabelecimento permanente em seuslimites.
A dupla tributação internacional é o resultado dos relacionamentos que transbordamoslimites de um Estado, conjugando-se critérios distintos de delimitação da respectiva competência tributária internacional, ou ainda com o mesmo critério, porém em sentido diverso.
Neste últimocaso, damos como exemplo a dupla nacionalidade, é dizer, uma pessoa – física - que possua a nacionalidade originária de pelo menos dois Estados, uma pelo “ius soli” e outra pelo “ius sanguinis”, como um caso em que pode haver dupla tributação, desde que cada um delesadote o princípio da universalidade pelo critério da nacionalidade.
Nesse diapasão, uma pessoa jurídica também pode ser considerada nacional por dois Estados diferentes, desde que um deles adote a teoria da sede social, ao tempo que o outro, a chamada teoria da origem, vale dizer, que é aquele que prevê como critério o território de constituição da sociedade.
3. CONCLUSÃO
Neste contexto, a bitributação internacional, segundo maior parte da doutrina, e do senso comum, viola claramente a justiça fiscal, pois tributa os rendimentos globais de uma determinada pessoa, ignorando o principio da capacidade contributiva.
Ademais, a dupla tributação internacional é, sem dúvidas, um óbiceaos relacionamentos internacionais no âmbito do comércio, na medida em que onera de forma excessiva uma atividade desenvolvida internacionalmente, afetando, ainda, os movimentos de capitais – por que não dizer de pessoas também? -, prejudicando, por fim, as transferências de tecnologia, bem como os intercâmbios de bens e serviços.
No intercâmbio entre os Estados na esfera cultural, a bitributação atrapalha a difusão da propriedade intelectual e do direito autoral, criando enormes empecilhos à consecução de apresentações por artistas e atletas estrangeiros, ou mesmo da presença de cientistas e estudantes.
Dessa forma, conseqüência lógica da bitributação internacional recai, inevitavelmente na elisão e sonegação fiscal internacional, já que, diante de tão elevada carga tributária, as empresas transnacionais tenderão a lançar mãos dessas práticas.
No que tange ao comércio eletrônico internacional, a bitributação terá efeitos ainda mais perniciosos, mormente se considerarmos que antes mesmo de adentrarmos na discussão da aplicação a priori dos princípios tributários internacionais sobre o tema, teríamos, como questão prejudicial, saber o que é bem e o que é serviço no âmbito da internet, pois alguns de seus conceitos parecem não se amoldar com exatidão àquele utilizado no mundo “físico”.
Bibliografia:
ALTAMIRANO, Alejandro, "La tributacion directa ante el comércio eletronico y la fiscalizacion de las operaciones desarolladas a través de internet", Revista de Ciência e técnica, n 397, Lisboa, 2000.
BARCELÓ, Rosa Juliá, Comércio Eletronico entre empresarios - La Formacion y prueba del contracto eletronico (EDI), ed. Tirantloblanem, Valencia/ESP, 2000.
CAMPOS, Diogo Leite de, "A internet e o princípio da territorialidade dos impostos", Revista da Ordem dos Advogados (ROA), ano 58, jul, Lisboa, 1998.
GRECO, Marco Aurélio, Relações Jurídicas na Sociedade Informatizada - 1ª edição, Ed. Dialética.
HART, H.L.A, Positivismand separation of Law and Morals. Harvard Law Review, v.71, 1958.
KRAKOWIAK, Ricardo, Direito e Internet - Ed. Revista dos Tribunais.
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TEIXEIRA, Glória "Taxation of el etronics Commerce: The portuguese perspective", extraído do livro "O Comércio eletronico em Portugal - O quadro legal e o negócio", ANACOM - Diversos autores, 2004.
TEIXEIRA, Glória, A tributação e o rendimento, Coimbra, 2000.
[1]Aliás deve ser dito que o termo “comércio eletrônico” é deveras amplo, pois abrange diferentes modelos ou segmentos de negociação, consoante a categoria dos operadores em presença e o sentido das transações que se efetuam, falando-se, assim, em: B2B – business-to-business; B2C – Business-to-consumer; B2E – Business-to-employee; B2A – Business-to-administration; A2B – Administration-to-Business; C2B – Consumer-to-Business; C2C – Consumer-to-consumer. In O Comércio Eletrônico Estudos Jurídicos – Econômicos, A Tributação no Comércio Eletrônico, Adérito Vaz Pinto.
[2]A OECD - cuja sigla em português é OCDE - corresponde a ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICOS reúne cerca de 30 (trinta) países, quais sejam: os membros originais da OECD eram Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Grécia, Islândia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Suíça, Suécia, Turquia, Inglaterra e Estados Unidos, aos quais se agregaram, posteriormente, Japão, México, República Tcheca, Hungria, Polônia, Coréia, Finlândia, Austrália, Nova Zelândia e República Eslovaca.
[3] “Deve ser dito que vários modelos de Tratado para Evitar a Dupla Tributação, um dos mais utilizados é, sem sombra de dúvidas, o da OECD, que foi elaborado em 1963, revisado em 1977, e que sofre constantes revisões, sendo sua última atualização de janeiro de 2003.” (tradução livre) In VOGEL, Klaus et at. Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Kluwer : Haia, 1997, 3ª ed.
[4]Modelos utilizados, além da OECDMC, podem ser encontrados nos volumes 1 e 2 do “Material son International& EC Law”, publicados em colunas para comparação, um trabalho extremamente útil de KEES VAN RAAD, International Tax Center Leyden : Leyden, 2002.
[5]O Brasil celebrou, ao todo, 24 Tratados para Evitar a Dupla Tributação, com os países seguintes: Alemanha (Dec.nº. 76.988, de 6-1-1976); Argentina (Dec. nº 87.976, de 22-12-1982); Áustria (Dec. nº78.107, de 22-7-1976); Bélgica (Dec. nº 72.542, de 30-7-1973); Canadá (Dec. nº 92.318, de 23-1-1986); China (Dec. nº 762, de 19-2-1993); Coréia (Dec. nº 354, de 2-12-1991); Dinamarca (Dec. nº 75.106, de 20-12-1974); Equador (Dec. nº 95.717, de 11-2-1988); Espanha (Dec. nº 76.975, de 2-1-1976); Filipinas (Dec. nº 241, de 25-10-1991); Finlândia (Dec. nº 2.465, de 19-1-1998); França (Dec. nº 70.506, de 12-5-1972); Holanda (Dec. nº 355, de 2-12-1991); Hungria (Dec. nº 53, de 8-3-1991); Índia (Dec. nº 510, de 27-4-1992); Itália (Dec. nº 85.985, de 6-5-1981); Japão (Dec. nº 61.899, de 14-12-1967); Luxemburgo (Dec. nº 85.051, de 18-8-1980); Noruega (Dec. nº 86.710, de 9-12-1981); Portugal (Dec. nº 4.012 de 13-11-2001); República Tcheca (Dec. nº 43, de 25-2-1991); República Eslovaca (Dec. nº 43, de 25-2-1991); Suécia (Dec. nº 77.053, de 19-1-1976).
[6] Teixeira, Glória; A tributação do Rendimento, Coimbra, 2000, p.41.
[7]A Bitributação pode ser classificada de duas formas: Ela será Econômica - ou de fato – se vários tributos, de diferentes Estados, incidirem sobre o mesmo fato imponível, pouco importando se se tratarem de contribuintes distintos, sendo esta pluralidade de sujeitos passivos a distinção basilar no que tange à pluritributação. PIRES, Manuel. Da Dupla Tributação Jurídica Internacional sobre o Rendimento. Centro de Estudos Fiscais (Ministério das Finanças) Lisboa, s/data, p. 101.
[8] Sobre o tema, vale trazer à baila alguns modelos europeus de acordo de intercâmbio que propõem a aplicação da Teoria da Recepção para definição do lugar do contrato: a) Modelo Europeu de Acordo de EDI, b) Lei modelo sobre comércio eletrônico da CNUDMI; c) Modelo de Acordo de Intercâmbio da American Bar Association e; d) Modelo Alemão de Intercâmbio Eletrônico de dados. In Comercio Eletrónico entre empresarios – La Formación y pruebadelcontracto eletrônico (EDI), Ed. Tirantloblanem, Valencia/ESP, 2000, Rosa JuliáBarceló, p.357.
[9]Como bem aponta Rosa JuliáBarceló, “en consequência y con base enlo anterior, cabe afirmar laconveniencia de laalteración de las normas legales de perfectióndel contrato por medioselectronicos por mediodelacuerdo de intercambio”. Idem p. 356.
[10]Amory, B., Thunis, X.,Dematerialisation, authentification et resposabilité, Le droit Continental, Lestransactionsinternationalesassistées par ordinateur, Paris, 1987, p.86 e ss; Miller, C., InterchangeAgreements, EDI e the Law, London, 1992, p.22, apud Rosa JuliáBarceló, idem, nota 463.
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. Aspectos sobre a bitributação internacional sob o viés do E-Commerce Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42213/aspectos-sobre-a-bitributacao-internacional-sob-o-vies-do-e-commerce. Acesso em: 22 nov 2024.
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