Resumo: Trata este artigo sobre o dano moral coletivo e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
1. Dano moral coletivo
O dano moral coletivo, no conceito de Carlos Alberto Bittar Filho, consiste na injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, na violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos(BITTAR FILHO, Carlos Alberto, p. 55).
São exemplos de dano moral coletivo aqueles lesivos a interesses difusos ou coletivos, como o dano ambiental e a violação da honra de determinada comunidade.
Em se tratando de dano moral coletivo, a responsabilidade do agressor é objetiva, ou seja, para que seja caracterizada a sua ocorrência, não é necessária a demonstração de dolo ou culpa, mas apenas do dano e do nexo de causalidade.
O instrumento processual que se presta por excelência à defesa dos valores coletivos em geral, na hipótese de dano, é a ação civil pública, em virtude da regra aberta acolhida pelo artigo 1º, IV, da Lei 7.347/85.
2. Posição do Superior Tribunal de Justiça
O STJ tradicionalmente sempre se posicionou pela impossibilidade jurídica da ocorrência do dano moral coletivo, ao fundamento de que se fazia “necessária a vinculação do dano moral com a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual, incompatível, assim, com a noção de transindividualidade – indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão” [1]
O entendimento de que o dano moral só era cabível em relação às pessoas físicas individualmente consideradas, por serem as únicas suscetíveis de sofrer dor e abalo moral, foi repetido sistematicamente pelo STJ ao longo do tempo.
No entanto, em dezembro de 2009, o julgamento do REsp 1.057.274-RS, tendo como relatora a Min. Eliana Calmon, trouxe à tona novamente a discussão sobre a possibilidade da existência e mensuração do dano moral coletivo.
Embora se tenha decidido pela inexistência de dano moral coletivo naquela oportunidade, o caso sob enfoque foi considerado um marco na jurisprudência nacional quanto ao tema, por admitir a possibilidade jurídica, ao menos em tese, de responsabilização por prática de conduta que lesione direitos coletivos e difusos da sociedade.
Afastando o entendimento majoritário no âmbito do STJ, no sentido do não cabimento do dano moral coletivo, o julgamento da Min. Eliana Calmon, que é o objeto desse trabalho, decidiu que “para aferição do dano coletivo se mostra impertinente qualquer digressão afeta à dor psicológica, angústia ou outro sentimento de desvalia, porquanto tais variáveis somente são possíveis de ponderação quando em análise a pessoa humana considerada em sua individualidade”[2].
Citando a corrente doutrinária que defende a possibilidade de dano moral em relação à tutela de interesses difusos ou coletivos, a ministra relatora decidiu que o dano moral coletivo pode ser mensurado, ainda que o grupo ou coletividade não sofra as consequências do dano da mesma forma que um indivíduo.
E mais: deixou claro que a tendência é da evolução no sentido da admissão do dano moral coletivo, uma vez que a lesão aos interesses de massa não poderiam ficar sem reparação.
Embora o tema ainda não esteja pacificado, alguns julgados mais recentes da Corte vemadmitindo a possibilidade de se fixar condenações por danos morais coletivos, dos quais tomamos como exemplo o acórdão proferido no julgamento do RESP 1291213/SC:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DE TELEFONIA - PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES - DANO MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE - OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA - DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS - DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DEEXECUÇÃO INDIVIDUAL - CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL ADEQUADO.
1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.
2.-Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).
3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade.
4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos.
5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-MIX", pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso;
c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas.
6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra).
(REsp 1291213/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/08/2012, DJe 25/09/2012)
Conclusão
Antes do julgamento do REsp 1.057.274-RS, tendo como relatora a Min. Eliana Calmon, a posição majoritária era no sentido da impossibilidade de existência de dano moral coletivo.
Com o julgamento do referido recurso especial, passou-se a admitir a possibilidade de dano moral aos interesses difusos e coletivos, tendência que possivelmente irá prevalecer no âmbito daquela Corte, ao fundamento de que, para caracterização do dano extrapatrimonial coletivo, não é essencial a comprovação de que houve dor, sentimento ou lesão psíquica, devendo a sua averiguação ser pautada nas características próprias dos interesses difusos e coletivos.
Referências bibliográficas
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,1994.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. rev., de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2003
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed.São Paulo: Saraiva, 2007.
Notas
[1]REsp 971.844-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 3/12/2009.
[2] Resp1.057.274 - RS. Relator:Min. Eliana Calmon. Brasília, DF, 01 de dezembro de 2009.
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