Introdução.
O controle político, para UADI LAMMÊGO BULOS[1], é aquele realizado por órgão não pertencente ao Poder Judiciário, o qual se baseia muito mais em um juízo de conveniência, desprovido de respaldo técnico; por outro lado, será jurisdisdicional quando exercido pelo Judiciário. Não raras vezes o controle político se confunde com o controle preventivo, vez que a doutrina[2] elenca somente as comissões de constituição e justiça e o veto do Presidente da República como mecanismos de fiscalização preventiva dos projetos de atos normativos. O mandado de segurança de parlamentar contra o Presidente da Mesa da Câmara ou Senado que visa recompor uma inconstitucionalidade do projeto de lei ou emenda constitucional é arrolado juntamente no estudo do controle difuso de constitucionalidade. Isso acaba dando a falsa idéia de que o controle político é prévio. UADI LAMMÊGO chega a assentar que o controle repressivo é realizado pelo Judiciário, assinalando que há algumas exceções[3].
Dentre os tais controles políticos, podemos elencar duas possibilidades, no âmbito do Congresso Nacional: (i) o controle realizado pelo Presidente da Câmara dos Deputados; e (ii) as comissões de constitucionalidade.
I. Do Controle de constitucionalidade realizado pelo Presidente da Câmara dos Deputados.
Antes de abordar a mecânica e a processualidade das comissões de constituição e justiça e do veto jurídico do Presidente da República, não se poderia deixar de referir a primeira fiscalização de constitucionalidade das propostas legislativas que ingressam na Câmara dos Deputados: o juízo de admissibilidade de toda e qualquer proposição, quanto aos aspectos constitucionais, realizado pelo Presidente da Mesa da Câmara dos Deputados. Com efeito, prescreve o art. 137 do Regimento Interno da Casa, in verbs:
Art. 137. Toda proposição recebida pela Mesa será numerada, datada, despachada às Comissões competentes e publicada no Diário da Câmara dos Deputados e em avulsos, para serem distribuídos aos Deputados, às Lideranças e Comissões.
§ 1º Além do que estabelece o art. 125[4], a Presidência devolverá ao Autor qualquer proposição que:
I - não estiver devidamente formalizada e em termos;
II - versar sobre matéria:
a) alheia à competência da Câmara;
b) evidentemente inconstitucional;
c) anti-regimental. (grifo nosso)
Como se denota pela literalidade do artigo acima mencionado, as propostas de emendas constitucionais ou os projetos de lei claramente inconstitucionais poderão ser, liminarmente, abortados pela Mesa da Câmara, por meio de seu Presidente. Realiza, assim, o Presidente da Câmara dos Deputados o primeiro juízo prévio de inconstitucionalidade do ato normativo. Vez que, sendo um juízo unipessoal, realizado muitas vezes por pessoa não técnica, apenas os vícios grosseiros e cristalinos merecerão a reprimenda do Presidente.
Muitas vezes, as proposições apresentadas à Mesa versam matérias já discutidas anteriormente, colidindo com o entendimento pacificado pela Casa, levando o Presidente a devolver a proposição ao seu autor, evitando-se tramitações desnecessárias. Ora, se em uma legislatura é apresentada proposta de lei, em que, em legislatura pretérita, a Comissão de Constituição e Justiça rechaçou a sua tramitação, não haveria sentido um novo trâmite, congestionando os trabalhos da Câmara dos Deputados, sobrecarregando o trabalho das comissões. Não é por outro motivo que a Comissão de Constituição e Justiça, como se verá mais adiante, possui súmulas de seus entendimentos, os quais devem vincular os membros da Casa.
Uma vez devolvida a proposição ao seu autor, poderá ele, caso não se resigne da decisão exarada pelo Presidente da Mesa, recorrer da decisão. Interposto o recurso, pelo autor da proposta inconstitucional, assim declarada pelo Presidente, no prazo de cinco sessões, a matéria será levada à Comissão de Constituição e Justiça, órgão especializado da Casa. Caso a comissão divirja da decisão da Mesa, voltará a proposição ao Presidente para o devido trâmite, conforme preleciona o § 2o do art. 137 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.[5]
Após o juízo prévio de admissibilidade de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional, cumpre ao Presidente da Mesa despachá-la às Comissões técnicas da Câmara dos Deputados, conforme versar a matéria objeto de debate, bem como à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Cumpre salientar que as demais proposições poderão ser objeto de decisão direta do Presidente, sem ou com a oitiva prévia da mesa. Mas tais proposições, como, por exemplo, os pedidos de informação sobre a ordem do dia, não são objeto do presente trabalho.
Assim, o primeiro momento de fiscalização do projeto de lei é exercido pelo Presidente da Câmara dos Deputados, respaldado pelo disposto no regimento da Casa. Claro que, nesta fase do processo legislativo, não é viável um exame mais detalhado e minucioso dos aspectos constitucionais, bastará uma análise perfunctória, objetivando afastar o processamento de flagrantes inconstitucionalidades, saneando os trabalhos do Congresso, que não despenderá forças em deliberar acerca de projetos que mais tarde serão cassados do ordenamento, desgastando o trabalho parlamentar. Caso este primeiro crivo de inconstitucionalidade não derrube a proposição parlamentar, caberá às comissões de constituição e justiça a tarefa de analisar os aspectos constitucionais do projeto de norma, situação que será abordada a seguir.
II. Das Comissões de Constituição e Justiça
No Direito brasileiro, existem alguns institutos jurídicos, previstos durante o processo legislativo (por isso preventivo), momento em que poderá ser realizada a fiscalização do futuro ato normativo, em face da Constituição da República, em que o legitimado não é qualquer órgão jurisdicional (por isso não-jurisdicional). Este controle pode ser exercido pelo Poder Executivo ou pelo próprio Poder Legislativo. Neste último caso, o artigo 58 da CRFB prevê a criação de comissões, nas casas do Congresso Nacional, constituídas na forma do respectivo regimento ou do ato que resultar sua criação e com atribuições nelas previstas. Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal criaram, em seus regimentos internos, comissões encarregadas de fazer um prévio controle da constitucionalidade do projeto normativo, antes da deliberação parlamentar. Tais mecanismos funcionam como verdadeiro controle de constitucionalidade, na medida em que podem barrar a tramitação de futuras normas inconstitucionais.
A idéia de comissões, com o fim de aprimorar e otimizar a tarefa legislativa, não é nova. Já na Grécia, segundo MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, apoiado em Glotz, uma vez apresentada a proposta de lei pelo cidadão, ela era submetida a peritos – syngrapheis – e, com o parecer destes, discutida pelo Conselho, entrando, somente após o seu parecer favorável ou desfavorável, em debate na Assembléia popular.[6]
CASCELLI DE AZEVEDO, por outro turno, em interessante monografia sobre o tema, aponta que, já nas primeiras formações do Congresso americano (1789-1809), havia a preocupação de que todos os parlamentares participassem dos temas submetidos à apreciação, no entanto existiam pequenas comissões ad hoc para cuidar de assuntos específicos, que se exauriam após a realização de seu desiderato. Relata, ainda, o autor que a Câmara, a partir dessas experiências, estabeleceu comissões de rotina, tendo em vista certas particularidades ou complexidades dos assuntos, como pela reiteração de determinados temas. As primeiras comissões permanentes americanas teriam sido a Comissão de Comércio Interestadual e Exterior (1795) e a Comissão de Meios (1802)[7].
Atualmente, parece ser primordial a presença de comissões temáticas nos Parlamentos de todo o mundo. Pertinente trazer à baila pequeno trecho do Professor MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, quando se debruça nas características do processo legislativo contemporâneo, em sua obra Do Processo Legislativo:
O ponto capital de toda a reforma do Legislativo pode ser resumido numa pergunta formulada pelo Prof. Griffith, ilustre especialista americano nesse problema: ‘Como pode um grupo de não-especialistas, eleitos como representantes do eleitorado, realmente funcionar numa época tecnológica e especializada?’. De fato, no Welfarestate, os parlamentos são chamados todos os dias a manifestar-se sobre questões técnicas, sobre assuntos onde a prudência do bonuspater familias é guia insuficiente. (grifo no original)[8]
Assim, se já se sentia a necessidade de um corpo técnico no Parlamento, com o intuito de colaborar com a boa técnica legislativa, nos primórdios das Revoluções Liberais, muito mais agora, em períodos de inflação normativa, em um momento complexo como o contemporâneo. A idéia é criar comissões temáticas, compostas por pessoas capacitadas (na medida do possível), possibilitando, ao legislador, a especialização acerca de determinado assunto. Desse modo, o parecer das comissões passa a ser preponderante no momento da confecção do ato normativo[9].
No Brasil, as comissões, também, a exemplo da América do Norte, estiveram presentes no Congresso logo após a independência. Com efeito, ainda valendo-se do trabalho de pesquisa realizado por CASCELLI DE AZEVEDO, a referência a um órgão técnico, ao menos na Câmara dos Deputados, remonta ao Regimento vigente em 1823, que fazia expressa menção a uma Comissão da Constituição. Em 1826, o Regimento Interno estabelecia a existência de uma Comissão da Guarda da Constituição; em 1831, previu-se uma Comissão de Constituição e Poderes. Já sob a égide da Constituição de 1891, os Regimentos passaram a denominá-la de Comissão de Constituição e Justiça, os quais foram, ao longo da história, ampliando as atribuições dessa comissão, especializada em realizar um prévio controle das proposições instauradas pela Casa.[10]
Hoje, em seus regimentos, ambas as casas do Congresso Nacional adotam Comissões de Constituição e Justiça, encarregadas, entre outras atribuições, do exame dos aspectos constitucionais das matérias que lhe são submetidas à deliberação. No entanto, ainda que presentes hálonga data no ordenamento, muitas críticas são feitas às Comissões de Constituição e Justiça, no sentido da pouca efetividade desta fiscalização (as inúmeras ações de inconstitucionalidade procedentes no STF a respaldam). Some-se a isso o fato do órgão encarregado de realizar esta tarefa confundir-se com o órgão legiferante, inspirando suspeição ao controle ora exercido.
A título ilustrativo, KILDARE GONÇALVES salienta:
Note-se que o controle assim estruturado, ou seja, político-preventivo, revela-se frágil e ineficaz, porquanto nele os controlados se confundem com os controladores, e a apreciação da matéria constitucional se faz à luz de aspectos concernentes à conveniência e oportunidade.[11]
Aqui, volta-se a uma questão já indagada anteriormente. O que é considerado político? O termo político estará relacionado ao órgão controlador, em contrapartida aos órgãos jurisdicionais? Ou a terminologia empregada refere-se ao caráter de mando-obediência, ínsito à política, designando algo definido discricionariamente? KILDARE, no trecho acima colacionado, dá sinais que opta, pelo menos, com a última alternativa, ao argumentar que as Comissões podem, facilmente, moverem-se por conveniência e oportunidade.
Não se discute a precariedade do controle de constitucionalidade preventivo não-jurisdicional, em comparação ao controle repressivo, mormente jurisdicional. No entanto, reportando-se aos ensinamentos de JORGE MIRANDA, lembrado no capítulo anterior, não há que se negar a importância dos mecanismos de controle das normas realizado preventivamente, com o escopo de evitar inconstitucionalidades grosseiras.
De qualquer sorte, a maneira como é previsto o controle realizado pelas Comissões de Constituição e Justiça, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, militando um caráter técnico na análise das proposições e obstando a desnecessária tramitação de projetos incompatíveis com o ordenamento constitucional, bem demonstra a eficácia do instituto. Sempre lembrando os limites naturais que devem ser esperados por uma casa eminentemente política, ainda que criadora do Direito.
Inicialmente, cumpre abordar o trabalho da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, já que é a casa em que, ordinariamente, iniciam-se os projetos de lei e atos normativos, sendo, portanto, o primeiro momento em que a proposição legislativa é confrontada com a CRFB.
Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça estáprevista no art. 32, IV, do Regimento Interno da Casa:
Art. 32. São as seguintes as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos ou áreas de atividade:
(...)
IV - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania:
a) aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas Comissões;
b) admissibilidade de proposta de emenda à Constituição;
c) assunto de natureza jurídica ou constitucional que lhe seja submetido, em consulta,
pelo Presidente da Câmara, pelo Plenário ou por outra Comissão, ou em razão de recurso
previsto neste Regimento;
d) assuntos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, à organização do Estado,
àorganização dos Poderes e às funções essenciais da Justiça;
e) matérias relativas a direito constitucional, eleitoral, civil, penal,penitenciário, processual, notarial;
f) Partidos Políticos, mandato e representação política, sistemas eleitorais e eleições;
g) registros públicos;
h) desapropriações;
i) nacionalidade, cidadania, naturalização, regime jurídico dos estrangeiros;
emigração e imigração;
j) intervenção federal;
l) uso dos símbolos nacionais;
m) criação de novos Estados e Territórios; incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Estados ou de Territórios;
n) transferência temporária da sede do Governo;
o) anistia;
p) direitos e deveres do mandato; perda de mandato de Deputado, nas hipóteses dos incisos I, II e VI do art. 55 da Constituição Federal; pedidos de licença para incorporação de Deputados às Forças Armadas;
q) redação do vencido em Plenário e redação final das proposições em geral; (grifo nosso)
Trata-se, assim, de uma comissão permanente da Câmara dos Deputados, encarregada precipuamente, entre outras atribuições, da aferição da constitucionalidade das proposições[12] que tramitarão na casa.
No que toca aos projetos de lei e propostas de emenda constitucional, o encaminhamento destas proposições à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania é obrigatório, consoante preleciona a alínea c do inciso II do art. 139 do Regimento Interno da Câmara[13].O controle de constitucionalidade, ainda que realizado pela própria casa legislativa, uma vez sendo regra cogente de tramitação dos futuros atos normativos, evita, desta maneira, tramitações desnecessárias e aborta vícios grosseiros, otimizando o trabalho legislativo. Sempre haverá um parecer positivo à tramitação quanto à juridicidade e constitucionalidade da proposta, o que dará maior segurança ao plenário na votação do mérito.
Outra característica marcante do mecanismo procedimental instaurado na proposição do ato normativo, no que tange ao controle prévio de constitucionalidade, é o caráter terminativo dos pareceres exarados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Com efeito, dispõe o Regimento da Casa que será terminativo o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, quanto à constitucionalidade ou juridicidade da matéria, e da Comissão de Finanças e Tributação, sobre a adequação financeira ou orçamentária da proposição, e da Comissão Especial, sobre proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada.[14] Assim, enquanto os pareceres das comissões permanentes, em regra, são meramente consultivos, não vinculando a votação da proposição, nos casos acima referidos, o juízo de desvalor destas comissões fulmina o projeto normativo, o qual não terá outro destino senão o arquivamento.
Tendo em vista as conseqüências da proposição julgada inconstitucional, admite-se, uma vez veiculada uma irresignação contra o parecer terminativo, a apreciação preliminar em Plenário, que deliberará sobre a inconstitucionalidade da matéria, podendo, inclusive, acolher emendas saneadoras do vício, nos termos dos artigos 144 e seguintes do Regimento Interno.[15]
Em um primeiro momento, pode-se dizer sensata a possibilidade de recurso, quando é abortado o projeto de ato normativo, já no seu nascedouro, durante a apreciação pelas Comissões, cujos pareceres sejam terminativos. Afinal, toda e qualquer decisão preliminar, recomenda a boa técnica, mormente de caráter terminativo, deve contar com a possibilidade de revisão. No entanto, como se percebe, ao longo das características apontadas até então, a possibilidade da derrubada do parecer contrário à proposição, em face de possível inconstitucionalidade, por meio de uma deliberação eminentemente política, destoa do caráter técnico empregado ao procedimento.
Não se está, de maneira alguma, pregando a impossibilidade de recurso das decisões terminativas da Comissão de Constituição e Justiça, mas é questionável, sob o aspecto técnico, que uma decisão, ao que tudo indica, de caráter jurídico – o parecer terminativo, quanto à constitucionalidade e juridicidade da matéria – seja, em grau de recurso, decidida politicamente.
De qualquer sorte, não há como negar que o objetivo do Parlamento não é o de realizar o controle de constitucionalidade, função precípua dos Tribunais Constitucionais. E, além disso, mesmo eles, muitas vezes, modificam os entendimentos exarados anteriormente sobre a constitucionalidadede determinado ato normativo, demonstrando a dificuldade na interpretação das normas, tarefa que deve ser destinada a juristas.[16]
Feitas estas observações, cumpre dizer que quis a rotina parlamentar e a cultura brasileira que o instituto do recurso contra parecer terminativo da Comissão de Constituição e Justiça fosse pouquíssimo utilizado, ao menos até a presente legislatura, conforme se apurou em pesquisas ao site, na Internet, da Câmara brasileira. Ainda: dos poucos recursos, não foi encontrado, ainda que em uma análise perfunctória, nenhum provimento do Plenário.
No Senado Federal o papel das comissões não é diferente. Com efeito, está previsto, no art. 101 do Regimento Interno da Casa que uma das funções da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) é opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe forem submetidas por deliberação do Plenário, por despacho da Presidência, por consulta de qualquer comissão, ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o Plenário. Outra importante atribuição desta comissãono âmbito do controle de constitucionalidade é a de propor, por projeto de resolução, a suspensão, no todo ou em parte, de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (art. 101, inciso II, do Regimento Interno). Assim, é na seara de atribuições da CJC que está a oportunidade e conveniência para o cumprimento do papel constitucional do Senado Federal dado no art. 52, inciso X, da Constituição.
No exercício do controle preventivo de constitucionalidade, caberá à Comissão emitir parecer pela inconstitucionalidade e antijuridicidade de qualquer proposição, assim como acontece na Câmara dos Deputados. Há um prazo de 20 dias para a manifestação das comissões acerca das proposições apresentadas, nos termos do art. 118, inciso I, do Regimento Interno. Tal prazo poderá ser prorrogado, como também poderá ser suspenso, como se observa nos seguintes parágrafos do mencionado artigo do Regimento, in verbs:
(...)
§ 1° Sobre as emendas, o prazo é de quinze dias úteis, correndo em conjunto se tiver que ser ouvida mais de uma comissão.
§ 2° Se a comissão não puder proferir o parecer no prazo, tê-lo-á prorrogado, por igual período, desde que o seu Presidente envie à Mesa, antes de seu término, comunicação escrita, que será lida na hora do expediente e publicada no Diário do Senado Federal. Posterior prorrogação só poderá ser concedida por prazo determinado e mediante deliberação do Senado.
§ 3° O prazo da comissão ficará suspenso pelo encerramento da sessão legislativa, continuando a corre na sessão imediata, salvo quanto aos projetos a que se refere o art. 375, e renovar-se-á pelo início de nova legislatura ou por designação de novo relator.
§ 4° Será suspenso o prazo da comissão durante o período necessário ao cumprimento das disposições previstas no art. 90, II, III, V e XIII.
§ 5° O prazo da comissão não se suspenderá nos projetos sujeitos a prazo de tramitação.
As suspensões mencionadas acima no § 4° referem-se às audiências públicas da sociedade civil, às convocações de autoridades públicas para prestarem informações ou depoimentos (neste último caso, inclui-se qualquer cidadão por ventura convocado) e a realização de diligência.
A rejeição da proposição pela comissão importa em arquivamento definitivo. Entretanto, tal definitividade, tal qual ocorre na Câmara, tambémcomporta certo grau de relativismo. Nesse rumo, não sendo unânime o parecer exarado, poderá haver a interposição de um recurso, nos termos propugnados no § 1° do art. 101 do Regimento Interno da casa.
O recurso por ventura interposto deverá receber a assinatura de um décimo dos membros do Senado no sentido de sua tramitação, no prazo de dois dias úteis contados da comunicação (art. 254 do Regimento Interno).
Vale dizer que a cultura da Casa é a de respeitar a decisão da Comissão, vez que seu parecer tende a ser técnico. Como se observa, nesse condão, é de que todos os comentários até então tecidos no estudo da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados são válidos, também, na comissão do Senado Federal.
Conclusão
Ainda que o controle repressivo de constitucionalidade seja o mais eficiente, demonstrou-se que é salutar a existência de mecanismos prévios de controle dos atos normativos, evitando-se, assim, inconstitucionalidades grosseiras, corroborando a presunção de constitucionalidade das leis. A realização de tais controles prévios, nesse rumo, merecem maior atenção da doutrina e operadores do Direito. Como se viu, ao longo do trabalho, a doutrina, nos manuais de Direito Constitucional, tem sido econômica no estudo da matéria; também os operadores do Direito não dispensam maiores atenções ao ponto. Exemplo disso é que os manuais de Direito Constitucional não arrolam a possibilidade de controle de constitucionalidade realizado pelo Presidente da Câmara dos Deputados.
Ressalte-se, também, que nem todo o controle de constitucionalidade, mormente o realizado pelas comissões de constituição e justiça, estão previstos na Constituição. É o Regimento Interno de cada uma das Casas do Congresso Nacional que irá disciplinar este controle. Por conseguinte é discutível a possibilidade de o STF ingressar no mérito desses regimentos, porquanto desrespeitada, flagrantemente, uma regra previamente estipulada pela Casa. Não se pode olvidar que um dos compromissos de um Estado Democrático é, além de governar conforme os ditames da maioria, respeitar e ouvir as minorias.
[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:. Saraiva, 2007: p. 109.
[2] Para fins exemplificativos, podemos citar ALEXANDRE DE MORAES, PEDRO LENZA, KILDARE GONÇALVES, UADI LAMMÊGO BULOS, entre outros
[3] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007: p. 275-6.
[4] Art. 125. O Presidente da Câmara ou de Comissão tem a faculdade de recusar emenda formulada de modo inconveniente, ou que verse sobre assunto estranho ao projeto em discussão ou contrarie prescrição regimental. No caso de reclamação ou recurso, será consultado o respectivo Plenário, sem discussão nem encaminhamento de votação, a qual se fará pelo processo simbólico.
[5] § 2º Na hipótese do parágrafo anterior, poderá o Autor da proposição recorrer ao Plenário, no prazo de cinco sessões da publicação do despacho, ouvindo-se a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em igual prazo. Caso seja provido o recurso, a proposição voltará à Presidência para o devido trâmite.
[6] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo,5a ed., São Paulo: Saraiva, 2002: p. 25-6
[7] AZEVEDO, Luiz H. Cascelli de. O Controle Legislativo de Constitucionalidade. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2001:p.95
[8] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo,5a ed., São Paulo: Saraiva, 2002:p. 132
[9] A Câmara dos Deputados, hoje, conta com 18 comissões permanentes; já o Senado Federal é composto de 10 comissões permanentes.
[10] AZEVEDO, Luiz H. Cascelli de. Ob. cit. p.32-47
[11] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006:p. 330.
[12] O termo proposição está conceituado e delimitado no próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados no art. 100:
Art. 100. Proposição é toda matéria sujeita à deliberação da Câmara.
§ 1º As proposições poderão consistir em proposta de emenda à Constituição, projeto, emenda, indicação, requerimento, recurso, parecer e proposta de fiscalização e controle.
§ 2º Toda proposição deverá ser redigida com clareza, em termos explícitos e concisos, e apresentada em três vias, cuja destinação, para os projetos, é a descrita no § 1º do art. 111.
§ 3º Nenhuma proposição poderá conter matéria estranha ao enunciado objetivamente declarado na ementa, ou dele decorrente. (grifo nosso)
[13] Art. 139. A distribuição de matéria às Comissões seráfeita por despacho do Presidente, dentro em duas sessões depois de recebida na Mesa, observadas as seguintes normas:
I - antes da distribuição, o Presidente mandaráverificar se existe proposição emtrâmite que trate de matéria análoga ou conexa; em caso afirmativo, faráa distribuição por dependência, determinando a sua apensação, após ser numerada, aplicando-se àhipótese o que prescreve o parágrafo único do art. 142.
II - excetuadas as hipóteses contidas no art. 34, a proposição serádistribuída:
a) às Comissões a cuja competência estiver relacionado o mérito da proposição;
b) quando envolver aspectos financeiro ou orçamentário públicos, àComissão de Finanças e Tributação, para o exame da compatibilidade ou adequação orçamentária;
c) obrigatoriamente àComissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para o exame dos aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e de técnica legislativa, e, juntamente com as Comissões técnicas, para pronunciar-se sobre o seu mérito, quando for o caso;
d) diretamente àprimeira Comissão que deva proferir parecer de mérito sobre a
matéria nos casos do §2ºdo art. 129, sem prejuízo do que prescrevem as alíneas anteriores;
[14] Art. 54. Seráterminativo o parecer:
I - da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto àconstitucionalidade ou juridicidade da matéria;
II - da Comissão de Finanças e Tributação, sobre a adequação financeira ou orçamentária da proposição;
III - da Comissão Especial referida no art. 34, II, acerca de ambas as preliminares.
Art. 34. As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre:
I - proposta de emenda àConstituição e projeto de código, casos em que sua organização e funcionamento obedecerão às normas fixadas nos Capítulos I e III, respectivamente, do Título VI;
II - proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada.
[15] Art. 144. Haveráapreciação preliminar em Plenário quando for provido recurso contra parecer terminativo de Comissão, emitido na forma do art. 54.
Parágrafo único. A apreciação preliminar éparte integrante do turno em que se achar a matéria.
Art. 145. Em apreciação preliminar, o Plenário deliberarásobre a proposição somente quanto àsua constitucionalidade e juridicidade ou adequação financeira e orçamentária.
§1ºHavendo emenda saneadora da inconstitucionalidade ou injuridicidade e da inadequação ou incompatibilidade financeira ou orçamentária, a votação far-se-áprimeiro sobre ela.
§2ºAcolhida a emenda, considerar-se-áa proposição aprovada quanto àpreliminar, com a modificação decorrente da emenda.
§3ºRejeitada a emenda, votar-se-áa proposição, que, se aprovada, retomaráo seu curso, e, em caso contrário, serádefinitivamente arquivada.
Art. 146. Quando a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, ou a Comissão de Finanças e Tributação, apresentar emenda tendente a sanar vício de inconstitucionalidade ou injuridicidade, e de inadequação ou incompatibilidade financeira ou orçamentária, respectivamente, ou o fizer a Comissão Especial referida no art. 34, II, a matéria prosseguiráo seu curso, e a apreciação preliminar far-se-áapós a manifestação das demais Comissões constantes do despacho inicial.
Art. 147. Reconhecidas, pelo Plenário, a constitucionalidade e a juridicidade ou a adequação financeira e orçamentária da proposição, não poderão essas preliminares ser novamente argüidas em contrário.
[16] Vale lembrar a decisão da Suprema Corte Americana, em 1857, no caso Dred Scott vs Sandford, em que restou inconstitucional um ato normativo abolicionista. Segundo preceitos da Constituição Americana, no entendimento da Corte, não poderia uma lei determinar a perda da propriedade – no caso os negros foram reconhecidos como propriedade – dos senhores escravocratas sem o devido processo jurídico. Mais tarde, em nova leitura dos princípios constitucionais insculpidos na Constituição americana, restou assentada a inconstitucionalidade da escravidão. Recentemente, no Brasil, pertinente ilustrar a decisão, em habeas corpus impetrado perante o STF, que julgou a inconstitucionalidade do art. 2o, § 1o, da Lei Federal n.º 8.072/90, porquanto determinava o regime integralmente fechado para o cumprimento das penas relativas aos crimes hediondos, contrariando a pacífica jurisprudência anterior, inclusive sumulada (Súmula do STF n.º 698: Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.)
Procurador Federal, mestre em Direito pela UFRGS, professor da pós-graduação da IMED-RS e formado em engenharia civil pela UFRGS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Odilon Carpes Moraes. O controle de Constitucionalidade no âmbito do Congresso Nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42306/o-controle-de-constitucionalidade-no-ambito-do-congresso-nacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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