Reza o art. 58, § 3º, inserido no Capitulo “Do Poder Legislativo” da Carta Maior, in verbis: “As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
O texto constitucional acima transcrito pode levar o intérprete a equivocadas conclusões acerca de sua aplicação. Quando se fala em poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, pode-se inferir – erroneamente – que é dado às CPI’s praticar toda a gama de atos franqueados ao juiz. Na verdade, contudo, não é (e nem deve ser) essa a realidade. Com efeito, seus poderes sofrem várias limitações. É sobre esse tema que se debruça esta breve reflexão.
As comissões parlamentares de inquérito são espécie do gênero comissão parlamentar, cujos poderes têm sede na Constituição Federal de 1988, nos Regimentos Internos das Casas Legislativas e do Congresso Nacional, além da Lei nº 1.579/52 (esta última apenas nas condutas penais que tipifica, segundo defende parcela da doutrina). É na Carta Magna, contudo, que estão delineados os seus principais contornos e limites.
A CF/88, em seu art. 58, § 3º, versa que as CPI’s possuem poderes investigativos próprios das autoridades judiciais. Ocorre que o juiz, ele mesmo, não tem esse poder. Não há, no direito brasileiro, a figura do juiz-investigador, que se afasta de sua natural – e necessária – posição equidistante. Em nosso ordenamento jurídico, só é dado ao juiz adotar providências para a instrução de processos quando há interesses indisponíveis em jogo.
Em verdade, o poder das CPI’s é exatamente este: os poderes de um magistrado durante a instrução processual penal, relacionados à dilação probatória, o que lhes possibilita invadir várias liberdades públicas individuais, desde que respeitados certos limites constitucionais, tais como as garantias e direitos fundamentais e a exigência de motivação de suas decisões.
“Segundo o STF, poderes de investigação de autoridade judicial das CPI’s são os poderes que o juiz tem na fase de instrução processual. Por exemplo, na instrução processual penal. Ou seja, sem dúvida, são os poderes que o juiz tem na fase de dilação probatória, na busca da verdade material”.
De todo modo, o fato é que, “malgrado o constituinte originário tenha conferido poderes à CPI, restritos à investigação, referidos poderes não são absolutos, devendo sempre ser respeitado o postulado da reserva constitucional de jurisdição”. Isso quer dizer, portanto, que há determinados atos cuja prática, em razão de determinação explícita da própria Constituição, somente podem emanar de um juiz, e apenas dele, ainda que eventualmente se atribua a terceiros “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.
O STF, a propósito do assunto, inclusive, construiu uma espécie de doutrina limitadora das CPI’s, ao decidir que elas podem, por exemplo, proceder à quebra dos sigilos bancário, fiscal e de dados de um cidadão, mas não podem, por outro lado, praticar atos que a CF/88 afirma só poderem advir de uma decisão judicial. Tal é o caso, por exemplo, da prisão preventiva.
“Certo que as CPI’s, segundo a própria jurisprudência do STF, não têm Poder Geral de Cautela. Esse poder, diga-se de passagem, só o juiz tem. A CPI faz as vezes de juiz, mas não é juiz!”.
O art. 5º, LXI, da Carta Maior determina que ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Ora, não é preciso ser operador do direito para saber que uma CPI, integrada por membros do Poder Legislativo que é, nem de longe se enquadra no dispositivo constitucional, que expressamente se refere à autoridade judiciária.
Sendo assim, uma CPI não pode decretar a custódia de um investigado, seja de que modalidade for a segregação, porque claramente não possui poderes para tanto. A única exceção – vale ressaltar – é no caso de flagrante delito, possibilidade que, todavia, é franqueada a qualquer pessoa.
“As Comissões Parlamentares de Inquérito não possuem competência constitucional para a decretação de prisões temporárias, preventivas ou quaisquer outras hipóteses, salvo as prisões em flagrante delito, uma vez que a Constituição Federal reservou ao Poder Judiciário a função de zelar pelo status libertatis individual, nos termos do art. 5º, LXI”.
Diante dessas considerações, portanto, vê-se que as CPI’s possuem amplos poderes, os quais são, entretanto, nitidamente limitados pelo texto constitucional, que põe a salvo de sua esfera de atuação certos atos que cabem exclusivamente ao juiz.
Essa realidade, a propósito, é bem elucidativa da própria estrutura da federação brasileira e da teoria da separação dos poderes, posto que os limites impostos à CPI deixam à evidência exatamente o fato de que o Poder Legislativo, embora exerça funções que de certa forma escapem às suas funções típicas – como é o caso da CPI – não pode desnaturar-se, fazendo integralmente as vezes de Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3% A7ao.htm>. Acesso em 01 dez. 2014.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2014.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NOTAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3% A7ao.htm>. Acesso em 01 dez. 2014.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2014, P. 793.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 796.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 388.
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