Resumo: Trata o presente artigo de análise acerca da recepção dos arts. 1º e 2º, do Decreto nº 1537/77, que instituiu a isenção da União em relação ao pagamento de emolumentos cartorários, pela Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Palavras-Chave: Isenção. União. Emolumentos Cartorários. Decreto nº 1537/77. Recepção pela CF/88.
Introdução
Inicialmente, cumpre esclarecer que, nos termos do caput, do art. 236, da Constituição da República, os “serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
A atividade cartorária, assim, é serviço de titularidade do Poder Público e prestado, por delegação, por particulares.
Desenvolvimento
Conforme acima explicitado, os serviços notarias e de registro são, por força da Constituição Federal, art. 236, exercidos em caráter privativo, por delegação do poder público.
Ao analisar os serviços notariais e registrais, José Afonso da Silva em sua Obra Comentário contextual à constituição, defende:
“(...)
A questão que se põe é esta: o serviço de registro é um serviço público ou é serviço particular? Para se resolver essa alternativa, cumpre fazer a distinção entre natureza do serviço em si e natureza de sua execução.
É fora de qualquer dúvida que as serventias notariais e registrais exercem função pública. Sua atividade é de natureza pública, tanto quanto o são as de telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica, de navegação aérea e aeroespacial e de transportes, consoante estatui a Constituição (art. 21, XI e XII). A distinção que se pode fazer consiste no fato de que os últimos são serviços públicos de ordem material, serviços de utilidade pública ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, enquanto os prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem jurídica ou formal, por isso têm antes a característica de ofício ou função pública, mediante a qual o Estado intervém em atos ou negócios da vida privada, para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica, por isso, sua prestação indireta, configura delegação de função ou ofício público, e não concessão ou permissão, como ocorre nas hipóteses de prestação indireta de serviços materiais – consoante observação de Celso Antônio Bandeira de Mello. Ou seja – conforme Frederico Marques: o registro público desempenha uma função de administração pública de interesses privados. A terminologia- função ou serviço-, para os fins aqui em vista, não é relevante. Apenas se pode notar que a Constituição fala em serviço de registro; só por esta razão vamos utilizar a terminologia constitucional, falando, de preferência, em serviço, embora reconheçamos que melhor seria o termo “função”.
O STF, quando do julgamento da ADI n° 3151, analisou a questão, tendo afirmado expressamente que os serviços cartorários e notariais seriam atividades jurídicas próprias do Estado, transpassadas a particulares por delegação.
Já no julgamento da ADI nº 1.800-1, a Suprema Corte asseverou que lei federal pode estabelecer isenção relativa a serviço notarial, com esteio na competência da União para fixar normas gerais sobre emolumentos, prevista no art. 236, 2º, da Constituição Federal.
No mesmo sentido, o STF, quando do julgamento da ADC nº 05, concluiu pela constitucionalidade da lei federal nº 9.534/97, que isentou aos reconhecidamente pobres, do pagamento de emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e óbito. Na ocasião, consolidou-se o entendimento segundo o qual a atividade notarial e registral sujeitar-se-ia a um regime de direito público; que os emolumentos possuiriam natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos; que tais serviços são exercidos por delegação do poder público e, finalmente, que a União tem competência para legislar sobre a matéria, nos termos do art. 22, XXV e 236, § 2º, da CF, motivo pelo qual eventual isenção a ser deferida decorreria, necessariamente, da existência de lei federal.
Ora, tem-se que o constituinte atribui à União competência para legislar sobre normas gerais visando à fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, cabendo aos Estados-membros e ao Distrito Federal, tão somente, a fixação do valor dos emolumentos cartorários, ex vi, do art. 1º, da Lei nº 10.169/2000.
Sobre a questão, o Decreto nº 1.537/77 assim previu:
Art. 1º - É isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos.
Art. 2º - É isenta a União, igualmente, do pagamento de custas e emolumentos quanto às transcrições, averbações e fornecimento de certidões pelos Ofícios e Cartórios de Registros de Títulos e Documentos, bem como quanto ao fornecimento de certidões de escrituras pelos Cartórios de Notas.
Assim, nos termos do entendimento do STF, não se está diante de isenção heterônoma, vedada pelo art. 151,III, da CF, mas sim diante de atividade legislativa da União, amparada no art. 236, §2º, da CF, que atribuiu ao referido ente federativo, competência para editar normas gerais sobre emolumentos.
Sobre o assunto em pauta, analisa Orlando Luiz Zanon Júnior, em seu Artigo “Recepção da isenção da União quanto ao pagamento de emolumentos aos cartórios estaduais perante a Constituição da República Federativa do Brasil:
“Verificada a substância dos preceitos legais sob análise, reitera-se que a negativa dos Oficiais de Registro lastra-se no argumento único de que a isenção da União ao pagamento dos emolumentos (arts. 1º e 2º do Decreto-lei 1.537/1977) não foi recepcionada pelo art. 151, III, da CRFB, o qual veda que o ente federativo maior institua isenções de tributos de competência dos Estados e Municípios.
Todavia, tal argumento não merece prosperar, porquanto a Lei Maior possui dispositivo específico atribuindo à União a competência legiferante para disciplinar a fixação de emolumentos.”
Nesse contexto, imprescindível esclarecer que o requisito elencado pela doutrina e jurisprudência para que se opere o fenômeno da recepção de ato normativo infraconstitucional anterior, pela nova Constituição é a compatibilidade material.
Vejamos as lições Bernardo Gonçalves Fernandes em sua Obra Curso de Direito Constitucional:
“a) Como já externalizado, a compatibilidade exigida para que normas infraconstitucionais anteriores a uma nova constituição sejam recepcionadas pela mesma é de cunho material. Ou seja, exige-se que o conteúdo da lei ou ato normativo não contrarie o conteúdo da nova constituição.”
Assim, é inegável que qualquer tentativa de negativa de isenção à União que venha a ser perpetrada pela autoridade cartorária representa afronta ao art. 150, VI, a, da CF/88 eao Decreto nº 1537/77.
Conclusão
Diante de todo o exposto, não resta dúvida de que o Decreto-lei 1.537/77, o qual trata sobre isenção da União ao pagamento de emolumentos cartorários, foi devidamente recepcionado pela atual ordem constitucional, consoante exegese do art. 246, § 2º, da CRFB, encontrando-se em plena vigência.
Referências Bibliográficas
- SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
- FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Juspodivm, 2014.
- Zanon Junior, Orlano Luiz. “Recepção da isenção da União quanto ao pagamento de emolumentos aos cartórios estaduais perante a Constituição da República Federativa do Brasil (2006). Jusnavigandi. Acesso em /11/2014.
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