Resumo: O artigo aborda a tutela do direito de imagem, compreendido como um direito da personalidade assegurado pela Constituição da República como um direito fundamental do indivíduo.
1. INTRODUÇÃO
O direito de imagem é um direito fundamental do indivíduo, previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição da República, que assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Esse direito é disciplinado no Código Civil brasileiro que, em seu capítulo II, trouxe um rol exemplificativo de direitos da personalidade, dentro os quais se inclui o direito de imagem.
Os direitos da personalidade são compreendidos como o conjunto de caracteres e atributos do indivíduo essenciais para o reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Tratam-se de atributos relacionados ao desenvolvimento físico, psíquico e moral do indivíduo.
Nesse contexto de direitos da personalidade, consagrados como direitos fundamentais no texto constitucional, está inserido o direito de imagem, que se refere à proteção da projeção da representação gráfica do aspecto físico de um indivíduo.
2. A TUTELA DO DIREITO DE IMAGEM
A tutela do direito de imagem está disciplinada no art. 20 do Código Civil nos seguintes termos:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Em primeiro lugar, a análise do dispositivo legal supratranscrito permite verificar que a divulgação não autorizada de imagem de um indivíduo, por si só, não gera violação a direito da personalidade do indivíduo. A violação ao direito de imagem ocorre em duas hipóteses:
a) se atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade;
b) se for destinada a fins comerciais.
No primeiro caso, caberá ao indivíduo a demonstração da lesão à sua honra pela utilização indevida de sua imagem. Já na hipótese da imagem ser utilizada para fins comerciais, trata-se de dano in re ipsa, sendo desnecessária a comprovação de efetivo prejuízo, pois este decorre da própria violação do direito de imagem.
Nesse sentido, a súmula 403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”
Mesmo que o interesse comercial não seja direto, mas apenas reflexo, é possível a tutela do direito de imagem. No julgamento do REsp 1.307.366-RJ, divulgado no Informativo nº 546 de 24 de setembro de 2014 do Superior Tribunal de Justiça, foi analisado um caso em que a imagem de um indivíduo foi utilizada por uma empresa, sem a sua autorização, em campanha publicitária de incentivo à limpeza pública urbana. Nesse caso, o STJ refutou o argumento de ausência de fins econômicos da propaganda, pois esse tipo de campanha vincula a imagem institucional da empresa de forma positiva. Assim, entendeu-se que houve violação ao direito de imagem do indivíduo pela sua utilização com fins comerciais.
Outro aspecto que deve ser analisado é que a imagem pode ser utilizada quando necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Diante disso, é possível a exposição da imagem de um indivíduo procurado pela polícia ou de um indivíduo preso em flagrante, quando a divulgação da imagem puder colaborar para a identificação de outras vítimas.
Além disso, verifica-se que a tutela do direito de imagem não pode aniquilar o direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Nesse sentido, o enunciado nº 279 do Conselho da Justiça Federal dispõe que:
“A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”
De acordo com o entendimento fixado no enunciado supratranscrito, permite-se, por exemplo, a divulgação da imagem de agente público vinculada à notícia de denúncia verossímil da prática de condutas praticadas no exercício de sua atividade profissional que sejam desabonadoras de sua boa fama e respeitabilidade. Destarte, a divulgação de informações e imagens verídicas de interesse público não constituem violação ao direito de imagem. Na linha desse raciocínio, o acórdão proferido no Resp 680.794-PR:
RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA JORNALÍSTICA QUE IRROGA A MOTORISTA DE CÂMARA MUNICIPAL O PREDICADO DE "BÊBADO". INFORMAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO QUE, ADEMAIS, NÃO SE DISTANCIA DA REALIDADE DOS FATOS. NÃO-COMPROVAÇÃO, EM SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA, DO ESTADO DE EMBRIAGUEZ. IRRELEVÂNCIA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ABUSO DE DIREITO.
1. É fato incontroverso que o autor, motorista de Câmara Municipal, ingeriu bebida alcoólica em festa na qual se encontravam membros do Poder Legislativo local e que, em seguida, conduziu o veículo oficial para sua residência. Segundo noticiado, dormiu no interior do automóvel e acordou com o abalroamento no muro ou no portão de sua casa. Constam da notícia relatos da vizinhança, no sentido de que o motorista da Câmara ostentava nítido estado de embriaguez.
2. Se, por um lado, não se permite a leviandade por parte da imprensa e a publicação de informações absolutamente inverídicas que possam atingir a honra da pessoa, não é menos certo, por outro lado, que da atividade jornalística não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial.
3. O dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de
imprensa não deve consubstanciar-se dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas.
4. Não se exige a prova inequívoca da má-fé da publicação ("actual malice"), para ensejar a indenização.
5. Contudo, dos fatos incontroversos, conclui-se que, ao irrogar ao autor o predicado de "bêbado", o jornal agiu segundo essa margem tolerável de inexatidão, orientado, ademais, por legítimo juízo de aparência acerca dos fatos e por interesse público extreme de dúvidas, respeitando, por outro lado, o dever de diligência mínima que lhe é imposto.
6. A pedra de toque para aferir-se legitimidade na crítica jornalística é o interesse público, observada a razoabilidade dos
meios e formas de divulgação da notícia.
7. A não-comprovação do estado de embriaguez, no âmbito de processo disciplinar, apenas socorre o autor na esfera administrativa, não condiciona a atividade da imprensa, tampouco suaviza o desvalor da conduta do agente público, a qual, quando evidentemente desviante da moralidade administrativa, pode e deve estar sob as vistas dos órgãos de controle social, notadamente, os órgãos de imprensa.
8. Com efeito, na reportagem objeto do dissenso entre as partes,
vislumbra-se simples e regular exercício de direito, consubstanciado em crítica jornalística própria de estados democráticos, razão pela qual o autor deve, como preço módico a ser pago pelas benesses da democracia, conformar-se com os dissabores eventualmente experimentados.
9. Recurso especial provido.
((STJ, Resp 680.794-PR, Relator: Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 17/06/2010, T4 - QUARTA TURMA)
As autoridades públicas estão naturalmente expostas a opiniões e críticas, razão pela qual a proteção do direito de imagem é relativizada nesse caso. Contudo, o exercício do direito de liberdade de imprensa encontra-se limitado pela proteção da dignidade da pessoa humana, havendo violação ao direito de imagem quando utilizada fora dos limites da informação, com intuito exclusivo de atacar a honra do indivíduo. Nesse sentido, o acórdão proferido no REsp 1.328.914-DF:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÕES EM BLOG DE JORNALISTA. CONTEÚDO OFENSIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA. ABUSOS OU EXCESSOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 186, 187 e 927 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de compensação por danos morais ajuizada em 09.10.2007. Recurso especial concluso ao Gabinete em 03.06.2013.
2. Discussão acerca da potencialidade ofensiva de publicações em blog de jornalista, que aponta envolvimento de ex-senador da República com atividades ilícitas, além de atribuir-lhe as qualificações de mentiroso, patife, corrupto, pervertido, depravado, velhaco, pusilânime, covarde.
3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.
4. Em se tratando de questões políticas, e de pessoa pública, como o é um Senador da República, é natural que haja exposição à opinião e crítica dos cidadãos, da imprensa. Contudo, não há como se tolerar que essa crítica desvie para ofensas pessoais. O exercício da crítica, bem como o direito à liberdade de expressão não pode ser usado como pretexto para atos irresponsáveis, como os xingamentos, porque isso pode implicar mácula de difícil reparação à imagem de outras pessoas - o que é agravado para aquelas que têm pretensões políticas, que, para terem sucesso nas urnas, dependem da boa imagem pública perante seus eleitores.
5. Ao contrário do que entenderam o Juízo de primeiro grau e o Tribunal de origem, convém não esquecer que pessoas públicas e notórias não deixam, só por isso, de ter o resguardo de direitos da personalidade.
6. Caracterizada a ocorrência do ato ilícito, que se traduz no ato de atribuir a alguém qualificações pejorativas e xingamentos, dos danos morais e do nexo de causalidade, é de ser reformado o acórdão recorrido para julgar procedente o pedido de compensação por danos morais.
7. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1328914-DF, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/03/2014, T3 - TERCEIRA TURMA)
Por fim, é importante destacar que o artigo 12, do Código civil traz a previsão de mecanismos de proteção aos direitos da personalidade, nos seguintes termos:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Esse dispositivo prevê a possibilidade de reparação por meio da tutela preventiva, para cessar a lesão, e da tutela ressarcitória, contemplando as perdas e danos. Além disso, é possível a utilização da tutela reintegratória, visando o restabelecimento do status quo ante, o que permite, por exemplo, o direito de resposta, a retratação pública e a divulgação na mídia de sentença condenatória proferida em face do agente causador do dano.
3. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que o direito de imagem é um direito da personalidade elencado como direito fundamental do indivíduo pela Constituição da República.
Contudo, o direito de imagem não é tratado como um direito absoluto, sendo cabível a sua tutela somente quando houver divulgação da imagem sem autorização que provoque violação à honra, a boa fama, ou a respeitabilidade do indivíduo ou ainda quando a divulgação for destinada a fins comerciais. Além disso, não configura violação a divulgação da imagem quando necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.
Além disso, verifica-se que é comum a colisão entre o direito de imagem e os direitos do amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Nesse caso, deve haver uma ponderação de interesses norteada pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Portanto, ocorrendo violação do direito de imagem é possível a utilização de mecanismos de proteção desse direito, mediante as tutelas repressiva, ressarcitória e reintegratória, visando a reparação integral do dano.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 4ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2000.
DINIZ, Maria Helena – Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.
DURVAL, Hermano. Direito à imagem. São Paulo. Editora Saraiva. 1988.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
MORAES, Walter. Direito à própria imagem. 1ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. 1977
RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. A tutela do direito de imagem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42398/a-tutela-do-direito-de-imagem. Acesso em: 22 dez 2024.
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