A democracia pressupõe uma identidade do povo em relação aos próprios representantes. Requer, portanto, uma legitimidade fundada na autodoação do próprio Direito, de tal forma que as pessoas sintam-se co-autoras das normas que as regem. A materialização deste processo deve contar com garantias processuais de participação e de controle, por parte dos afetados, das medidas tomadas em seu nome e que visem o seu bem estar, sob pena de se institucionalizar o oposto do que se pretendera ou se afirmara pretender. Assim, a democracia requer limites constitucionais para que o representado possa exercer controle e fiscalização dos atos praticados por seus representantes em seu nome.
O constitucionalismo atual requer a democracia por ser esta da sua essência, na medida em que tem como foco central a questão da cidadania como processo, como participação efetiva. Trecho do texto do Prof. Menelick explicita bem esta questão: “Temos que aprender a fazer democracia e, ao contrário do que a ditadura afirmava, não temos de esperar qualquer bolo crescer, até porque esse bolo jamais vai crescer como democrático se de seu crescimento não formos o fermento, se não atuarmos efetivamente na construção e reconstrução cotidiana do regime como sujeitos ativos e destinatários ao mesmo tempo”.
Somente há que se falar em cidadania como participação efetiva, na medida em que a massa alcança o direito de voto, que somente será conseguido a partir do momento em que os direitos que lhe são atribuídos sejam materializados, possibilitando-lhe alcançar a plenitude da cidadania, e como isto possa exercê-lo de forma consciente.
A experiência do estado social ensinou que não basta que as constituições prometam saúde e educação para todos. Faz-se necessário que estes direitos sejam efetivamente garantidos a todos. A causa da falência do estado social foi justamente não conseguir proporcionar o acesso pleno à cidadania, entendida esta como a materialização dos direitos sociais e coletivos.
Para o Prof. Menelick a doutrina do Direito Constitucional apresenta uma história passível de ser apreendida em períodos, em distintos paradigmas.
O primeiro destes dá-se com o surgimento do Estado de Direito, afirmando-se pela primeira vez que todos os homens são livres, iguais e proprietários, ainda que essa liberdade esteja assentada na ideia de uma igualdade meramente formal. O Estado, enquanto figura política, existe apenas para garantir pura e simplesmente o livre curso da sociedade civil. É visto como um mal necessário, devendo ser mínimo e assegurar apenas que o excesso de egoísmo não destrua a sociedade.
O segundo dá-se a partir da configuração do constitucionalismo social, que redefine os conceitos de liberdade e igualdade. A liberdade é vista agora como uma igualdade material, através do reconhecimento na lei das diferenças materiais entre as pessoas, e sempre na proteção do lado mais fraco das várias relações, originando os chamados direitos sociais coletivos.
Tem-se aqui uma nova concepção de liberdade e de igualdade, ou, em termos práticos, de cidadania constitucional, a exigir não apenas o direito de voto, mas o direito de acesso à saúde, à educação, à cultura, ao trabalho, à previdência ou mesmo à seguridade social.
O terceiro dá-se a partir da constatação de que o Estado Social foi capaz de gerar tudo, menos cidadania. A materialização não resolve tudo por si só, a economia não supre os direitos de forma alguma. A grande questão passa a ser a da cidadania como processo, como participação efetiva.
Aqui a questão central passa ser a dicotomia do público e privado. Os direitos emergentes apontam exatamente para essa problemática. O público não mais pode ser visto como estatal e o privado não mais pode ser visto como individual.
A complexidade social dá-se ensejo ao aparecimento de organizações da sociedade civil para defenderem os interesses públicos contra o Estado privatizado.
Feitas estas ponderações, o que se observa é uma certa linha de continuidade, ainda que perpassada por grandes rupturas, as quais trazem consigo um novo foco valorativo conceitual dos princípios fundamentais.
Daí a afirmação do Prof. Menelick de que “não estamos diante de um mero alargamento da tábua de direitos fundamentais, mas de outra mudança de paradigma, o que significa outra mudança total de visão de mundo e do constitucionalismo.”
De certa forma, pode-se dizer que, teoricamente, os direitos fundamentais, quaisquer que sejam, sempre existiram. A sua materialização é que somente se tornou possível a partir das rupturas empreendidas no tempo pelo constitucionalismo, enquanto permanente tentativa de se instaurar e de se efetivar concretamente a exigência idealizante de construção de uma comunidade de homens livres e iguais, co-autores das leis que regem o nosso viver em comum.
Assim é que o momento histórico e político é que vem propiciando ao longo dos tempos uma nova conotação aos direitos fundamentais liberdade e igualdade e, com isso, alargando a sua aplicabilidade e os seus reflexos na esfera de cada indivíduo integrante da coletividade, ensejando o surgimento de novos direitos.
Referências bibliográficas
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HABERMAS, Jürgen. Era das transições. 8. O estado democrático de direito – uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?; tradução e introdução de Flávio Siebeneicher. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
MOUFFE, Chantal. Pensando a democracia moderna com e contra Carl Schmitt. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/mod/folder/view.php?id=242 . Acesso em: agosto de 2008.
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