RESUMO: Este artigo tem por objetivo expor breves considerações a respeito do instituto previsto no artigo 2.018 do Código Civil de 2002 conhecido como “partilha por ato inter vivos” e a possibilidade de anulação no caso de vir a causar prejuízo aos herdeiros necessários.
PALAVRAS-CHAVE: Sucessão. Herança. Partilha. Herdeiros Necessários. Legítima. Doação. Sucessão Contratual. Ato Inter Vivos.
1. INTRODUÇÃO
A partilha em vida, também conhecida como partilha por atos inter vivos, pode ser realizada por meio de escritura pública ou testamento pelos ascendentes, no entanto, o ato não pode prejudicar a legítima dos herdeiros necessários. É o que dispõe o artigo 2.018 do CC. In verbis:
Art. 2.018: é válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.
A partilha realizada nos termos do aludido art. 2.018 do CC é recebida pelo beneficiário sob as formalidades da doação. Sendo assim, alguns autores consideram que a doação por ato inter vivos é uma exceção à proibição de sucessão contratual entabulada no art. 426 do Código Civil.
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
Nessa senda, desde que a legítima dos herdeiros necessários seja mantida incólume o autor da herança pode dispor do restante dos seus bens da forma que lhe aprouver, assim, não precisa observar divisão justa ou igualitária, entretanto, deve ficar claro no documento que as desigualdades por ventura verificadas devem ser atribuídas à sua parcela disponível do patrimônio.
2. DESENVOLVIMENTO
Os bens objeto da partilha por ato inter vivos não se sujeitam ao procedimento do inventário, isso porque a partilha em vida se caracteriza como verdadeiro inventário antecipado, mais que isso, não devem sequer ser trazidos à colação quando da morte do autor da herança, o máximo que se pode admitir é a alteração das parcelas doadas no caso de algum herdeiro necessário ter sido prejudicado.
Em relação à inobservância da legítima dos herdeiros necessários Silvio de Savo Venosa explica que:
A partilha em vida não dispensa o inventário. Quando não houver perfeita igualdade entre os herdeiros, aberta a sucessão, cada um deve trazer os bens recebidos à colação. Caso a partilha exclua herdeiro necessário será nula.
A capacidade de partilhar em vida exige a mesma capacidade para os atos e negócios jurídicos em geral e a partilha pode ser anulada por vícios de vontade. Todos os herdeiros necessários devem ser incluídos na partilha em vida, caso contrário a mesma será nula. Os netos, representando filho pré-morto herdam por representação.
O Superior Tribunal de Justiça analisando caso em que o pai doou à filha e à ex-esposa parcela de bens que extrapolaram a sua quota disponível decidiu que o ato caracterizava doação inoficiosa e que por tal motivo deveria ser anulado. Na ocasião o Tribunal decidiu que a ação declaratória de nulidade de partilha tem natureza desconstitutiva uma vez que se funda em defeito do negócio jurídico e, em razão de inexistir previsão específica no Código Civil, aplica-se ao caso o prazo prescricional decenal. Segue transcrição do Acórdão:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DOAÇÃO E PARTILHA. BENS DOADOS PELO PAI À IRMÃ UNILATERAL E À EX-CÔNJUGE EM PARTILHA. DOAÇÃO INOFICIOSA. PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL, CONTADO DA PRÁTICA DE CADA ATO. ARTS. ANALISADOS: 178, 205, 549 E 2.028 DO CC/16.
1. Ação declaratória de nulidade de partilha e doação ajuizada em 7/5/2009. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/11/2011.
2. Demanda em que se discute o prazo aplicável a ação declaratória de nulidade de partilha e doação proposta por herdeira necessária sob o fundamento de que a presente ação teria natureza desconstitutiva porquanto fundada em defeito do negócio jurídico.
3. Para determinação do prazo prescricional ou decadencial aplicável deve-se analisar o objeto da ação proposta, deduzido a partir da interpretação sistemática do pedido e da causa de pedir, sendo irrelevante o nome ou o fundamento legal apontado na inicial.
4. A transferência da totalidade de bens do pai da recorrida para a ex-cônjuge em partilha e para a filha do casal, sem observância da reserva da legítima e em detrimento dos direitos da recorrida caracterizam doação inoficiosa.
5. Aplica-se às pretensões declaratórias de nulidade de doações inoficiosas o prazo prescricional decenal do CC/02, ante a inexistência de previsão legal específica. Precedentes.
6. Negado provimento ao recurso especial.
3. CONCLUSÃO
Pelo exposto, depreende-se que é lícito ao autor da herança dispor conforme a sua vontade de metade de seus bens, pois a outra metade pertence, por previsão legal, aos herdeiros necessários. Inclusive, a quota disponível pode ser destinada aos próprios herdeiros necessários de forma desigual, de modo a beneficiar uns em detrimento dos outros, desde que a legítima não seja afetada.
Entretanto, caso não haja observância à defesa da legítima os herdeiros prejudicados poderão propor ação anulatória e, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o prazo prescricional será de 10 anos, contados a partir da prática do ato considerado nulo.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1321998/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 20/08/2014.
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 7: Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva. 2010.
VENOSA. Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. 5ª Ed., São Paulo, Atlas, 2005.
NOTAS:
VENOSA. Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. 5ª Ed., São Paulo, Atlas, 2005, p. 402.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1321998/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 20/08/2014
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