Resumo: O presente artigo tem por objetivo tecer alguns comentários sobre o princípio da eficiência, incluído expressamente no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional 19/98.
Palavras chaves: Princípio. Eficiência. Constituição Federal. Administração Burocrática. Administração Gerencial.
1. Introdução
Conforme entendimento do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:“princípio, é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhes a tônica que lhe dá sentido harmônico”, sendo, de acordo com o ilustre doutrinador, mais grave violar um princípio do que transgredir a norma[1].
A Constituição Federal de 1988 previa no caput do artigo 37 como princípios gerais constitucionais da administração pública a legalidade, a impessoalidade, a moralidade eapublicidade.
O princípio da eficiência não estava incluído expressamente no rol dos princípios constitucionais daadministração pública, em sua redação original. Foi incluído pela Emenda Constitucional 19/98, após a reforma administrativa, que abrangendo diversos outros institutos de direito administrativo.
Para entender sua criação, é necessário informar que, no momento de promulgação da EC 19/98, o Brasil era governado pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que, por sua posição política, pregava o neoliberalismo econômico, com a atuação estatal mínima.
No campo da administração pública, pregava um novo modelo de atuação, com a busca docontrole de resultados, aliando a economia e a produtividade. Era a chamada administração pública gerencial.
Mas como será analisado em seguida, este modelo não é compatível com a Constituição Federal de 1988, e a maioria de seus institutos não são aplicados na administração pública. Contudo o princípio da eficiência deve ser observado pelo administrador público em toda a sua atuação.
2. O princípio da eficiência e a administração gerencial
O princípio da eficiência pode ser entendido como o princípio da boa administração, de acordo com os estudiosos italianos. Muitos afirmam que sua inclusão no caput do art. 37 da CF/88 constitui uma inovação, no memento em que se buscava uma administração pública voltada para os resultados e não para os meios. Como inserida na CF/88 pela reforma administrativa, pode-se dizer que possui alguma relação com a aplicação do modelo de administração pública gerencial.
Tradicionalmente, a administração pública se firmou na concepção de administração pública burocrática. O termo “burocrático” atualmente possui um viés pejorativo. O significado deste termo na administração pública passou a indicar a prestação de um serviço público que não atende as expectativas do cidadão, demorado e com a utilização de procedimentos pré-definidos, emuitas vezes, desnecessários.
Pode-se constatar, contudo, que a administração burocrática visava, tão somente, a organização, tendo inspirado a nossa Constituição Federal de 1988. Com ela, se buscava a ordem, a manutenção de um Estado hierarquizado, responsável pelo bem-estar social.
O Estado deveria intervir diretamente nos diversos setores da sociedade de forma impositiva, já que caberia a ele o bem-estar da coletividade. Exercia, assim, um papel importante na sociedade, visando reduzir as desigualdades sociais e fomentar a economia. A prestação e a execução dos serviços ficariam sob a sua responsabilidade, como o exercício de poderes fiscalizatórios, o exercício do poder de polícia, prestação de serviços públicos diretamente ou por intermédio de terceiros, além de garantir o crescimento da economia, cuidar da assistência e previdência social, etc.
Tendo em vista as diversificadas atuações, tornou-se necessário a regulamentação expressa de formas e procedimentos para garantir ao administrado a atuação do Estado de maneira uniforme, sem privilégios indevidos, com vistas ao desenvolvimento econômico e social.
Com esse objetivo, a Constituição Federal de 1988 adotou o modelo de administração pública burocrática, onde o procedimento acabou por deter uma importância maior do que o resultado.
O neoliberalismo influenciou o Governo brasileiro no período entre 1995 a 2002, e com isso, o Estado passou a ser concebido como o Estado mínimo ou subsidiário, contrariando a administração pública burocrática. No Estado mínimo, as tarefas são desenvolvidas pelos particulares, e somente subsidiariamente, o Estado intervém, prestando serviços públicos. Normalmente, a atuação do Estado ocorrequando os particulares não desempenhamtais atividades.Como exemplo, temos o fomento de privatizações, com a transferência para o setor privado de serviços antes prestados pelo setor público.
A administração gerencial surgiu sob a égide deste entendimento, enfatizando queo controle sobre o resultado seria o objetivo, sem se importar como o rito. Com isso, o cumprimento de metas pré-estabelecidas deveria ser o principal objetivo.
Esse novo entendimento foi introduzido pela EC 19/1998, que dispunha sobre a reforma administrativa, com a criação de institutos voltados às atividades de um Estado subsidiário.
O princípio da eficiência estava dentre desses novos institutos, e passou a ser expresso em nossa Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 37, que versa sobre os princípios constitucionais gerais da administração pública.
Com esse princípio, preocupou-se o legislador em expressar de forma clara a importância do resultado na atuação administrativa, voltada para o controle de resultados, economia, rapidez, qualidade na prestação dos serviços, produtividade e rendimento funcional.
Não se pode dizer que o modelo de administração pública gerencial prevalece da forma como concebida, sem a preocupação de respeito aos ritos. Aliás, a maior parte dos institutos previstos na EC 19/98 não se coaduna com a Constituição Federal de 1988. E o princípio da eficiência, para ser concretizado deve aliar o respeito aos procedimentos previstos pela administração burocrática, com a economia e a produtividade.
No entanto, apesar de incluído expressamente como princípio constitucional da administração pública somente com a EC 19/1998, pode-se verificar que este princípio já encontrava previsão no texto original da Constituição Federal de 1988, em outros dispositivos, como no artigo 74, inciso II, artigo 70, caput, artigo 71, inciso VII e no §7º do artigo 144.
Isto implica em afirmar que o dever de atuar de forma eficiente sempre foiimposto ao administrador público, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfação do administrado, mesmo antes de se pensar na aplicaçãoda administração pública gerencial.
Deste modo, a eficiência é um atributo inerente a toda e qualquer função estatal. Não se admite que o administrador público atue de forma ineficaz, negligente e com gastos desproporcionais. Até mesmo o poder Judiciário pode intervir, quando o administrador não observa o cumprimento deste princípio, notadamente nos atos administrativos de competência discricionária, onde a melhor opção deve ser a escolhida.O interesse público pleno é o objetivo a ser alcançado e isso inclui economia e ótima prestação do serviço público.
Por estar inserido na reforma administrativa introduzida pela EC 19/98, e, portanto, com íntima relação com a administração pública gerencial, pode-se entender que existe uma correlação entre o princípio da eficiência com a atividade privada, que busca de maneira incessante os lucros e resultados. Entretanto, na esfera pública esse princípio adota outro panorama, pois o Estado não é uma empresa, e seu objetivo não é o lucro.
Para garantir que o Estado permaneça atuando de forma a preservar o interesse público, que é indisponível, deve aliar a aplicação do princípio da eficiência ao cumprimento irrestrito da norma legal. O princípio da legalidade, que norteia toda a administração pública, aqui mantém sua grande importância.
Isso por que, ao compreender que o princípio da eficiência ingressou no ordenamento jurídico em um momento onde se buscava o cumprimento de metas e resultados, poderia se pensar que seria desnecessário ou pouco importante, o rito procedimental.
Contudo, o modelo de administração gerencial não foi implantado de forma plena, pois não se compatibilizou com a Constituição Federal de 1988. Para se garantir a igualdade entre os administrados, se impõe o cumprimento das normas legais, e o respeito aos procedimentose ritos mantém sua importância.
Desse modo, como exemplo, temos o procedimento licitatório. Ele existe para garantir a igualdade entre os participantes, e a lisura na contratação administrativa. Contudo, ele deve ser realizado com o menor custo possível, de forma rápida e eficaz. Somente assim atende ao interesse público em sua plenitude. A atuação administrativa deve ser eficiente e legal.
O princípio da eficiência está presente em toda prestação de serviço público. Podemos notar que o servidor público quando em estágio probatório é avaliado por sua produtividade, e ainda, deve realizar atendimento com presteza e economia de material, consoante destaca a Lei 8.112/90. A prestação do serviço deve ser célere, bem realizada e com o menor dispêndio de recursos materiais. Deve aliar a simplicidade, economia e celeridade. Isso gera benefícios tanto para a administração quanto para o administrado.
Assim, podemos constatar que, estando a gestão pública disponível para prestar serviços ao público, deve atuar da melhor forma possível, visando atender aos anseios sociais. Para concretizar o princípio da eficiência é necessário aliar: menor custo, celeridade, satisfação do administrado, produtividade, e ser aplicado juntamente com os demais princípios gerais de direito administrativo.
3. Conclusão
Podemos perceber que o princípio da eficiência não é absoluto e não tem importância superior aos demais princípios da administração pública. Ao revés, deve ser adotado de forma conjunta, com os demais princípios, e em especial, com o da legalidade.
Destaca-se que não pode ser aplicado de forma a sacrificar os ritos e procedimentos. O que se entende, 15 anos após a EC 19/98 é que a administração tem que buscar os melhores resultados possíveis, com o melhor rendimento funcional dos agentes públicos, com os menores custos, com respeito a todos os princípios, e principalmente, toda a legislação.
Não sendo uma novidade no ordenamento constitucional, as condições que justificaram sua inclusão no rol do caput do art. 37 da CF/88 pela EC 19/98, revelam uma necessária de se renovar a atuação administrativa, que mesmo “burocrática” deve ser eficiente.
REFERÊNCIAS:
ÁVILA. Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa.Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 4 – outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 15 de dezembro de 2014.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros. 2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ª ed. São Paulo. Saraiva. 2013.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo.4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014.
MODESTO, Paulo. Notas para um Debate sobre o Princípio Constitucional da Eficiência.Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 10, maio/junho/julho, 2007. Disponível na internet:<http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em 15 de dezembro de 2014.
Nota:
[1]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros. 2014, p 54.
Procuradora Federal, graduada em Direito pela Universidade Salvador - UNIFACS. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIOS, Elaine Virginia Castro Cordeiro. Breves Considerações sobre o Princípio da Eficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42659/breves-consideracoes-sobre-o-principio-da-eficiencia. Acesso em: 22 nov 2024.
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