SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO II.EVOLUÇÃO À BRASILEIRA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE III. CONCENTRAÇÃO PROMOVIDA PELA EC 45/2004 IV. CONCLUSÃO V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
I. INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos surge com as noções de supremacia (material e formal) e de supralegalidade da Constituição.
A fiscalização da constitucionalidade pode se dar de duas formas. Uma é a difusa, quando a verificação da (in)constitucionalidade se correlacionar com a solução de um caso concreto, ou seja, guardar certa prejudicialidade com o julgamento da causa. A outra é a concentrada, quando a verificação da (in)constitucionalidade for feita em um processo objetivo, sem partes, cujo mérito seja única e exclusivamente lei ou ato normativo.
Representantes notórios do controle de constitucionalidade na feição difusa são os Estados Unidos da América. Foi neste país que se consagrou não só a necessidade dos atos dos Poderes Executivo e Legislativo se submeterem à autoridade da Constituição, mas também a possibilidade do Poder Judiciário efetuar este controle repressivamente (judicial review).
Esta prerrogativa do Judiciário, contudo, não estava prevista na Constituição Norte-Americana. Foi fruto da jurisprudência, argutamente desenvolvida por Marshall, em 1803, no julgamento do caso Marbury vs. Madison. Afirmou Marshall naquela oportunidade:
Se, pois, os tribunais têm por missão atender à constituição e observá-la, e se a constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a constituição, e não essa resolução ordinária, governará o caso a que ambas se aplicam [...]. Assim, a fraseologia particular da constituição dos Estados Unidos confirma e corrobora o princípio essencial a todas as constituições escritas, segundo o qual é nula qualquer lei incompatível com a constituição; e que os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento. (apud MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 41).
Já o controle concentrado de constitucionalidade deita raízes na formulação teórica de Hans Kelsen, que enxergou o ordenamento jurídico como uma pirâmide, colocando a Constituição na parte mais alta justamente para servir de fundamento de validade aos demais atos normativos. Suas idéias sobre controle concentrado foram pela primeira vez normatizadas na Constituição Austríaca de 1920.
II. EVOLUÇÃO À BRASILEIRA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
No Brasil, a adoção duma e doutra forma de controle se deu gradualmente.
Com proclamação da República, surgiu a necessidade de se romper com o regime constitucional anterior e iniciar um novo que refletisse os novos ideais federativos e republicanos. Um primeiro passo foi a elaboração de uma Constituição Provisória já em 1890. Neste primeiro momento, Rui Barbosa, responsável pela redação desta Constituição, introduziu no sistema jurídico brasileiro o modelo difuso, inspirado que fora pelo modelo norte-americano.
Por sua vez, o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, que renomeou o então Supremo Tribunal de Justiça de Supremo Tribunal Federal e organizou a Justiça Federal, atribuía competência ao STF para decidir, em grau de recurso, as sentenças definitivas proferidas pelos tribunais e juízes dos Estados, "quando a validade de uma lei ou ato de qualquer Estado seja posta em questão como contrária à constituição, aos tratados e leis federais e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou do ato".
Foi, porém, com o advento da Lei 221, de 20 de novembro de 1894, que o legislador fixou o conceito, numa forma concisa e imperativa, através do art. 13, que estabelecia: "Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos concretos as leis manifestamente incompatíveis com as leis ou com a constituição" (apud MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 42).
As Constituições de 1891 e de 1934 mantiveram a regra.
Nada obstante fosse consabido que a eficácia da decisão se restringiria às partes litigantes, vozes importantes se levantaram preconizando a eficácia erga omnes das decisões, ainda que tomadas em via incidental. O próprio Rui Barbosa, personagem destacado na formulação e implementação das instituições republicanas, defendeu, nos seus Comentários à primeira Constituição da República, a adoção, entre nós, do stare decisis, quando a decisão pela inconstitucionalidade tivesse partido do Supremo Tribunal Federal [...]. Sustentou Rui que
'ante a sentença nulificativa o ato legislativo, imediatamente, perde a sua sanção moral e expira em virtude da lei anterior que com ele colidia. E se o julgamento foi pronunciado pelo mais alto tribunal de recurso, a todos os cidadãos se estende, imperativo e sem apelo, no tocante aos princípios constitucionais sobre que versa. Nem a legislação tentará contrariá-lo, porquanto a regra stare decisis exige que todos os tribunais daí em diante o respeitem com res judicata; e enquanto a constituição não sofrer nenhuma reforma, que lhe altere os fundamentos, nenhuma autoridade judiciária o infringe [...]. Essa doutrina não logrou adesão. Isso se deve não propriamente a empecilho de natureza constitucional, mas à ausência de uma cultura de valorização dos precedentes judiciais, inclusive os da Corte Suprema. Tem razão, nesse ponto, René David quando afirma que, relativamente à adoção do stare decisis, 'no fundo, tudo isso é mais uma questão de psicologia jurídica que de direito' (ZAVASCKI, 1999, p. 29).
Somente com a Constituição de 1934 é que se torna possível conferir eficácia erga omnes às decisões do STF. O Senado Federal passa a deter competência para suspender, no todo ou em parte, a eficácia da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo.
Durante a vigência da constituição de 1946, por intermédio da Emenda Constitucional 16/65, instaurou-se o controle concentrado ou abstrato típico no sistema constitucional brasileiro.
As Cartas Militares de 1967 e 1969 concederam exclusivamente ao Poder Judiciário a competência para declarar a inconstitucionalidade das leis e atos do Poder Público, e ao Senado a competência para suspender a execução do ato impugnado (MOTTA; DOUGLAS, 2002, p. 43). Entrementes, até a promulgação da Constituição de 1988, apenas o Procurador-Geral da República possuía legitimidade para acionar o controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade através da representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção federal, quer por descumprimento dos chamados princípios sensíveis, quer por negativa de execução da lei federal.
Decerto, é fácil constatar que a Constituição de 1988 promoveu significativa ampliação do direito de propositura da ação direta. Isto é, em seu art. 103, já na redação original, alargara o rol de legitimados ao controle concentrado. Depois foi a vez da EC 3/93 que, dentre outras modificações, introduziu a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e a Ação Declaratória de Constitucionalidade - verdadeira Ação Direta de Inconstitucionalidade com o sinal trocado. Quanto a esta última, limitou seus aspectos temporais (pois só poderiam versar sobre leis ou atos normativos posteriores a 1993) e materiais (pois só poderiam ter como objeto lei ou ato normativo federais); e assegurou-lhe eficácia contra todos e efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
Ficava ainda adescoberto do controle concentrado, realizado em face da CF/88, as leis municipais e o direito pré-constitucional, consoante entendimento pacificado no STF. Não tardou, e advieram as Leis 9.868/99 (dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF) e 9.882/99 (dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do parágrafo primeiro do art. 102 da CF). Como o STF já tinha se posicionado no sentido de que o parágrafo primeiro do art. 102 da CF, que criara a ADPF, não era auto-aplicável, reclamando legislação infraconstitucional para desdobrar seus efeitos, a edição desta lei redundou em mais uma ampliação, porquanto, a partir dela passou a ser possível a sujeição das leis municipais e das leis anteriores à CF ao controle concentrado de constitucionalidade.
Diante de todo esse contraste proporcionado pelo Texto de 1988, Gilmar Mendes (2004, p. 208) advertia:
A constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas [...]. Portanto, parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
III. CONCENTRAÇÃO PROMOVIDA PELA EC 45/2004
Mais recentemente, a EC 45/04 promoveu algumas alterações que vão ao encontro desta tendência à concentração do controle de constitucionalidade.
São elas: (a) nova redação do parágrafo segundo do art. 102, CF, que criara a ADC, passando-se a reconhecer eficácia contra todos e efeito vinculante às decisões definitivas de mérito também nas ações diretas, e não mais apenas nas ações declaratórias, o que aliás já era reconhecido pela jurisprudência do STF; (b) acréscimo de um parágrafo terceiro ao art. 102, que criou novo requisito de admissibilidade para o Recurso Extraordinário, devendo, agora, o recorrente demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no seu caso, a qual (alegação de repercussão) somente poderá ser recusada pela manifestação de dois terços dos Ministros. Esta modificação se assemelha, em muito, à argüição de relevância de matéria federal, vigorante no regime constitucional anterior. Ademais, não bastasse essa tentativa de infirmar a importância do controle difuso, exercido em última instância através de Recursos Extraordinários, consta do próprio RISTF dispositivo que vincula os julgamentos futuros a serem efetuados, colegialmente, pelas Turmas ou, monocraticamente, pelos juízes daquela Corte, à decisão plenária do Supremo que já tenha se pronunciado a respeito (art. 101, RISTF); (c) modificação do art. 103, caput e incisos, que ampliou ainda mais o rol de legitimados para ação direta e ação declaratória, muito embora algumas figuras já fossem reconhecidas pelo STF como legitimados implícitos; e (d) criação do art. 103-A, CF, autorizando o STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, a aprovar súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
A declaração de inconstitucionalidade nos Tribunais parece seguir o mesmo padrão:
Em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no art. 97 da constituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta de seus membros de um ou de outro (STF, RE 179.170, Primeira Turma, Ministro Moreira Alves, DJ de 30.10.1998).
Trata-se da Reserva de Plenário. Entretanto, jamais se teve por violador da norma do art. 97 da constituição o fato de uma Turma invocar, no julgamento de uma apelação, a decisão tomada pela Corte em incidente de argüição de inconstitucionalidade processado em recurso análogo, dispensando-se, por essa forma, de suscitar novo incidente de inconstitucionalidade (cit STF, RE 190.727, Primeira Turma, DJ de 13.12.1996, voto do Ministro Ilmar Galvão).
Por outro lado, com fundamento no sentido teleológico da norma do art. 97, CF, alguns tribunais passaram a considerar dispensável a instalação do incidente de inconstitucionalidade nas hipóteses em que já houvesse precedente do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Prestigiavam-se, com isso, os princípios da segurança jurídica, da igualdade perante a lei, da economia processual, da racionalidade dos serviços judiciários e da autoridade do STF, guardião da constituição. Em nome desses mesmos valores e princípios, também essa prática foi considerada perfeitamente legítima pela Corte Suprema. (STF, AgRg, 168.149, Segunda Turma, Ministro Marco Aurélio, RTJ 162:765) - (ZAVASCKI, 1999, p. 35).
Essa orientação jurisprudencial ensejou, em 1998, por meio da Lei 9.756, o acréscimo do parágrafo único ao art. 481, CPC, o qual passou a enunciar que "os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento deste ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão". Em mais uma oportunidade o precedente da mais alta Corte vincula órgãos do Judiciário, mesmo que em controle difuso de constitucionalidade.
Ainda quanto à declaração de inconstitucionalidade nos Tribunais, prevista nos arts. 480 a 482, CPC, merecem referência os parágrafos primeiro a terceiro do art. 482, acrescidos pela Lei 9.868/99, que mesclam aspectos do controle difuso com procedimentos típicos do controle concentrado, numa tentativa manifesta de concentração.
No que se refere aos recursos, a invocação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite um julgamento simplificado, mediante decisão individual do relator. Se o recurso está em confronto com a referida jurisprudência, cumpre ao relator, de plano, negar-lhe seguimento, confirmando a decisão recorrida. Se é a decisão recorrida que afronta o precedente, está o relator autorizado a, desde logo, dar provimento ao recurso para reformá-la. É o que estabelecem o art. 557 e seu parágrafo primeiro-A do CPC. O mesmo procedimento, aliás, é admitido em relação à matéria relacionada com jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. (ZAVASCKI, 1999, p. 38).
IV. CONCLUSÃO
Levando em consideração todas as razões e exemplos aduzidos, não é difícil contextualizar a súmula com efeito vinculante em matéria constitucional nesta perspectiva teórica e pragmaticamente destinada à concentração do controle de constitucionalidade, onde se privilegia as decisões do STF.
Vive-se no sistema jurídico brasileiro uma declarada fase de preponderância do método de controle concentrado sobre o método de controle difuso. O novo art. 103-A da CF, enfim, não é uma inovação pontual sem contemporaneidade. É sim mais um passo na caminhada à concentração, iniciada há muito tempo.
V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo : Malheiros, 2002.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. São Paulo : RT, 1999.
PROCURADORA FEDERAL. ESPECIALISTA EM DIREITO CONSTITUCIONAL PELA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. ESPECIALISTA EM CI ÊNCIAS PENAIS PELA UNISUL<br>CURSANDO LLM EM DIREITO EMPRESARIAL. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Ivja Neves Rabelo. Controle de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro: uma tendência à concentração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42683/controle-de-constitucionalidade-no-sistema-juridico-brasileiro-uma-tendencia-a-concentracao. Acesso em: 22 nov 2024.
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