RESUMO: A proteção do consumidor foi consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como direito fundamental, no artigo 5º, inciso XXXII, bem como princípio da ordem econômica, no artigo 170, inciso V, ambos da CF/1988. Destarte, é relevante compreender o fundamento constitucional da proteção do consumidor a partir dessa dupla perspectiva, refletindo sobre a densificação normativa desses dispositivos em sede infraconstitucional, sobretudo a correlação com o elenco de direitos básicos do consumidor previstos no artigo 6º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que sintetiza a tutela dos direitos do consumidor.
Palavras chave: Consumidor. Constituição. Direito fundamental. Ordem econômica. Direitos básicos.
1. INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro o direito do consumidor possui fundamento constitucional. É corolário do direito constitucional a proteção afirmativa dos consumidores previsto nos artigos 5º, inciso XXXII[1] e 170, inciso V[2], da Constituição Federal, complementado pelo artigo 48 do ADCT[3].
O presente estudo objetiva analisar a proteção constitucional do consumidor a partir dessa tríplice determinação constitucional: promover a defesa dos consumidores (art. 5º, XXXII, da CF); assegurar a tutela do consumidor como princípio geral da atividade econômica (art. 170, V, da CF); e, por fim, sistematizar esta proteção especial através de uma codificação (art. 48 do ADCT).
2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR
O legislador constituinte originário erigiu o direito do consumidor ao altiplano dos direitos constitucionais fundamentais, ao fazer inserir, de forma incisiva, no Título II da Constituição Federal (Direitos e Garantias Fundamentais), a obrigação de o Estado promover a defesa do consumidor.
Para Antônio Carlos Efing (2004, p. 26), a inserção da proteção do consumidor na Constituição harmoniza-se com a função do Estado em intervir nos casos de desigualdade e desequilíbrio social, as quais não poderiam ser suficientemente ponderadas por meio de mecanismos meramente políticos ou econômicos.
Por ser a Constituição Federal a Lei Fundamental, porque nela previstas as disposições básicas à organização do Estado, assim como os direitos e garantias fundamentais, assumindo preeminência hierárquica em relação às demais espécies normativas, nela se encontra, em razão disso, o fundamento de validade de todas as normas de proteção do consumidor.
Nesse sentido, afirma Cláudia Lima Marques (2009, p. 27) que “a Constituição Federal de 1988 é a origem da codificação tutelar dos direitos dos consumidores no Brasil [...], garantia institucional da existência e efetividade do direito do consumidor”.
Cuida-se do reconhecimento de um novo sujeito de direitos, os consumidores, individual ou coletivamente, e de compromissos do Estado para a sua proteção, assegurando-lhes a titularidade de direitos constitucionais fundamentais (artigo 5º, XXXII, da CF), bem como uma legislação codificada especial (artigo 48 do ADCT) e, ainda, a consagração da defesa do consumidor como princípio da Ordem Econômica (artigo 170, V, da CF).
Conforme a lição de Bruno Miragem
A referência a um novo sujeito de direitos, o consumidor, é antes de tudo, o reconhecimento de uma posição jurídica da pessoa numa determinada relação de consumo, e a proteção do mais fraco (princípio do favor debilis). A rigor, todas as pessoas são em algum tempo, ou em um dado número de relações jurídicas, consumidoras. Nesta perspectiva, a caracterização dos direitos do consumidor como direitos humanos, revela o reconhecimento jurídico de uma necessidade humana essencial, que é a necessidade de consumo. (2008, p. 38).
Outra importante inovação foi a previsão da elaboração de um Código de Defesa do Consumidor, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da promulgação da Constituição Federal, consoante o artigo 48 do ADCT, o que somente ocorreu 02 (dois) anos depois, com a edição da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispôs sobre a proteção do consumidor e outras providências correlatas.
Sobre o tema pontifica Bruno Miragem (2008, p. 42) que o artigo 5º, inciso XXXII, ao utilizar a locução “na forma da lei”, inseriu uma determinação específica ao legislador ordinário para detalhar a proteção constitucional, atribuindo a este a possibilidade de elaborar normas específicas de proteção, a fim de aperfeiçoar a tutela prevista na Constituição Federal.
O direito do consumidor constitui, em síntese, um conjunto de normas destinado ao cumprimento dessa tríplice determinação constitucional: promover a defesa dos consumidores (art. 5º, XXXII, da CF); assegurar a tutela do consumidor como princípio geral da atividade econômica (art. 170, V, da CF); e, por fim, sistematizar esta proteção especial através de uma codificação (art. 48 do ADCT).
Convém mencionar ainda o artigo 129, inciso III[4], da Constituição Federal, que estabelece, como uma das funções institucionais do Ministério Público, a de promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos. Tal proteção vem disciplinada pormenorizadamente no artigo 81 do CDC[5], dispositivo que veicula o tratamento da tutela jurisdicional coletiva dos direitos e interesses do consumidor.
3. A PREVISÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Diz o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988, que o Estado promoverá a Defesa do Consumidor. Trata-se, portanto, de um direito fundamental dirigido contra o Estado a determinar a realização de prestações positivas cuja materialização pressupõe uma atuação deliberadamente comissiva, visando a efetivar a proteção dos consumidores, a fim de equilibrar as relações de consumo.
Segundo os ensinamentos de Cláudia Lima Marques (2009, p. 26), significa “assegurar afirmativamente que o Estado-juiz, que o Estado-Executivo e o Estado-Legislativo realizem positivamente a defesa, a tutela dos interesses destes consumidores”, no direito de fomentar ações deliberadamente positivas a fim de assegurar a integridade do exercício dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, Bruno Miragem (2008, p. 36) aduz que tal proteção traduz um dever do Estado, eis que a garantia dos direitos fundamentais exige ao Estado o abandono da posição de adversário para uma posição de garantidor desses direitos, “o que vai determinar ao poder público não apenas uma proibição do excesso, mas também uma proibição da omissão”.
No âmbito do direito das relações de consumo, o fundamento para a proteção do consumidor repousa na desigualdade intrínseca entre os sujeitos das relações consumeristas. Se, no contexto de tais relações, observa-se grande desigualdade entre os indivíduos, impõe-se o reconhecimento de direitos fundamentais em prol dos consumidores, a fim de evitar o predomínio dos interesses do contratante mais forte, os fornecedores.
Surge, portanto, a necessidade de buscar a equidade através instrumentos normativos aptos a reequilibrar normativamente uma relação faticamente desigual, ou seja, tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
Pondera judiciosamente Bruno Miragem que
em se tratando de relação de consumo, a figura da desigualdade fática, é que legitimará o tratamento desigual na medida desta desigualdade real. (...) A desigualdade, in casu, reside na posição favorecida do fornecedor em relação ao consumidor, sobretudo em razão de um pressuposto poder econômico ou técnico mais significativo, que corresponderá, necessariamente, a uma posição de fragilidade e exposição do consumidor, o que se convencionou denominar de vulnerabilidade deste em relação àquele.(2008, p. 37).
Percebe-se que a proteção dos consumidores como direito fundamental se ampara na desigualdade verificada nas relações estabelecidas entre consumidores e fornecedores no mercado de consumo. Impõe-se ao Estado o dever de intervir nessas relações para promover a equalização dos interesses rivalizados, de sorte a salvaguardar os consumidores das “estratégias do lucro”. Funda-se, por fim, no princípio de igualdade entre todos, igualdade de oportunidade e igualdade de tratamento.
4. PRINCÍPIO BASILAR DA ORDEM ECONÔMICA
Conforme já afirmamos, o legislador constituinte originário inseriu a “defesa do consumidor” no elenco dos princípios gerais da atividade econômica, conferindo-lhe idêntica estatura atribuída aos princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da livre concorrência, dentre outros.
De acordo com o artigo 170, caput, da Constituição Federal, a ordem econômica tem por base, concomitantemente, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, com a finalidade de assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, e deverá observar os princípios indicados nos incisos do referido artigo 170.
Segundo Manoel Jorge e Silva Neto (2006, p. 675), a “ordem econômica” consiste num “plexo normativo, de natureza constitucional, no qual são fixadas a opção por um modelo econômico e a forma como deve se operar a intervenção do Estado no domínio econômico”.
De posse deste conceito, tem-se que a ordem econômica se destina a assegurar a todos existência digna, observados, dentre outros, o princípio da propriedade privada. Parece claro que a Constituição consagrou, de um lado, uma economia de mercado, de natureza capitalista, entretanto, de outro lado, procurou resguardar a defesa do consumidor. Daí a liberdade econômica não ser absoluta, eis que conformada pela finalidade da ordem econômica (dignidade da pessoa humana) e pela defesa do consumidor.
O princípio de defesa do consumidor, em razão disso, não se resume com conteúdo exclusivamente proibitivo ou limitador da autonomia privada, mas incorpora ainda um mandamento de caráter interventivo ou promocional, de efetivação dos preceitos constitucionais. (MIRAGEM, 2008, p. 41).
4. A DENSIFICAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR
O princípio constitucional de proteção ao consumidor, previsto no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988, impõe ao Estado o dever de proteção e promoção eficiente dos direitos e interesses dos consumidores através dos direitos fundamentais.
Nessa perspectiva, o Código de Defesa do Consumidor concretizou a determinação constitucional, ao elencar no capítulo III, do Título I, os direitos básicos do consumidor. Tais direitos são considerados basilares, ou, em outros termos, fundamentam a tutela jurídica do consumidor, porque servirão de supedâneo a toda legislação consumerista.
Segundo Leonardo de Medeiros Garcia (2011, p. 63), “ao elencar os direitos do consumidor, o legislador fez questão de ressaltar que se tratam de direitos básicos, ou seja, aqueles que irão servir de base na orientação e instrumentalização das relação de consumo”.
Vê-se que este rol de direitos básicos estabelecido no artigo 6º do CDC busca a proteção do consumidor, sujeito vulnerável da relação de consumo. Diante da desigualdade evidenciada entre os sujeitos dessa relação, na qual o consumidor é presumidamente vulnerável, coube ao Estado intervir e dispor tais direitos, a fim de equalizar os interesses contrapostos no mercado de consumo.
Vale ainda lembrar que este rol de direitos básicos é meramente exemplificativo, porque se existirem violações a princípios do direito do consumidor não contemplados neste artigo 6º do CDC, ainda assim poderá haver ampla proteção jurídica, com fundamento nas normas constitucionais de defesa do consumidor.
5. CONCLUSÃO
Ante o exposto, concluímos que a Lei Maior elevou o direito das relações de consumo ao altiplano das normas constitucionais, determinando a defesa do consumidor como direito fundamental (art. 5º, XXXII, da CF), bem como princípio geral da atividade econômica (art. 170, V, da CF), e ordenou a proteção especial através de uma codificação (art. 48 do ADCT), que redundou na elaboração do Código de Defesa do Consumidor.
No plano infraconstitucional, o artigo 6º do CDC enumerou os direitos básicos do consumidor. É possível, portanto, concluir que tal dispositivo, ao estabelecer as garantias fundamentais de proteção ao consumidor, sintetizou toda a proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor.
REFERÊNCIAS:
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2004.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. Niterói: Impetus, 2011.
MARQUES, Claudia Lima. Introdução ao Direito do Consumidor. In: BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Marques, Claudia Lima. Bessa, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006.
[1] CF, art. 5º, XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
[2] CF, art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor;
[3] ADCT, art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
[4] Art. 129, da CF: São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
[5] Art. 81, do CDC: A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Advogado formado pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Altino Conceição da. A proteção constitucional do consumidor e sua densificação normativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 abr 2015, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43677/a-protecao-constitucional-do-consumidor-e-sua-densificacao-normativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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