RESUMO: Este artigo defende a existência de um direito humano à auditoria das eleições, como consequência deduzível de previsões expressas de tratados internacionais de direitos humanos.
Palavras-chave: Auditoria. Eleições.
INTRODUÇÃO
No dia 30 de outubro, o PSDB formulou ao TSE pedido de auditoria especial na apuração das eleições presidenciais de 2014, requisitando acesso a diversos dados de posse da Jusiça Eleitoral e formação de comissão especial para sua análise, tudo em razão de relatos de fraudes que se espalharam pela internet, advindos de todos os cantos do país e que fazem pairar desconfiança sobre a legitimidade do pleito.
O Ministério Público Federal exarou parecer sobre o pedido destacando que se trata de pleito extravagante dada a ausência de previsão legal. Ao final, o Tribunal Superior Eleitoral optou por permitir o acesso do partido a determinadas informações, mas negou a formação de comissão para a realização de auditoria nos sistemas de votação. A matéria tem tratamento relativamente suficiente no ordenamento jurídico pátrio, porém, considerando os entendimentos tanto da Procuradoria-Geral da República como do Tribunal Superior Eleitoral, parece-nos imperioso ver a questão à luz do Sistema Internacional de Proteção de Direitos Humanos, o que se propõe no presente artigo.
O DIREITO DE AUDITORIA DAS ELEIÇÕES
Na abordagem da imperatividade da realização de auditorias das eleições, interessam-nos dois tratados internacionais de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, e que possuem força supralegal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário 466.343; Habeas Corpus 95.967): o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto 592/1992) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto 678/1992).
Ambos os tratados asseguram aos cidadãos o direito de participar da direção dos assuntos públicos, assegurando o voto em eleições autênticas (artigo 25 do PIDCP; artigo 23 da CADH). Tais dispositivos não asseguram expressamente um “direito de auditoria”. Todavia, o direito de voto em eleições autênticas deve ser interpretado à luz de outros dispositivos normativos do próprio Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e também da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que nos conduzem à conclusão da imperatividade de auditorias no processo eleitoral, quando requisitadas.
Primeiramente, devemos trazer à baila o direito à informação, corolário do direito de liberdade de expressão, assegurado expressamente no artigo 19, § 2º, do PIDCP e no artigo 13, § 1º, da CADH. O direito à informação assegura que qualquer cidadão possa buscar e que receba informações públicas. Trata-se de um instrumento indispensável para assegurar transparência e prestação de contas na gestão da coisa pública. Consiste, em síntese, no direito de verificar como se dá a gestão estatal – aí indubitavelmente incluída a gestão do processo eleitoral.
Além do direito à informação, tem-se o direito de proteção judicial, previsto no artigo 25 da CADH e no artigo 2º, § 3º, do PIDCP, consistente na possibilidade de se socorrer do Poder Judiciário contra atos que violem direitos ou garantias. Vale destacar que ambos os tratados são expressos ao assegurar proteção judicial mesmo quando a violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. Mais importante, porém, é consignar que pressuposto necessário de um direito de proteção judicial é o direito de exigir a investigação de alegadas violações a direitos, sem o que se esvazia de eficácia a proteção judicial desses mesmos direitos – afinal de contas, como é sabido, alegar sem provar é o mesmo que não alegar, e provas se produzem mediante investigação.
Como se nota, tratam-se de disposições relativas a direitos humanos amplamente reconhecidas, não só na esfera internacional, mas também no ordenamento jurídico pátrio. O direito à informação está previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição e o direito de proteção judicial no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição. Vale lembrar, nesse ponto, as previsões do artigo 2º, § 2º, do PIDCP e do artigo 2º da CADH, que impõem ao Estado o dever de adotar as medidas necessárias para tornar efetivos os direitos previstos nesses tratados.
Em conclusão, interpretados em conjunto os direitos à informação e de proteção judicial, forçoso concluir pela existência de um direito de prestação de contas na gestão estatal, ou um “direito de auditoria”. Tal direito, obviamente, alcança os pleitos eleitorais, quando tal direito de auditoria visa resguardar o direito de participar da direção dos assuntos públicos mediante o voto em eleições autênticas (artigo 25 do PIDCP; artigo 23 da CADH). À vista disso, pode-se afirmar que decorre do Sistema Internacional de Proteção de Direitos Humanos um direito de auditoria das eleições.
CONCLUSÃO
Em sua construção genérica, os direitos à informação e de proteção judicial não estão vinculados ao exercício do direito de voto em eleições autênticas. Todavia, são incontestavelmente garantias indispensáveis a um processo eleitoral genuinamente democrático e sujeito ao Estado de Direito, por possibilitarem ao cidadão o controle da lisura das eleições. O livre acesso à informação combinado com a proteção judicial desse acesso, inclusive com a determinação de investigações, é a base para eleições transparentes e, por conseguinte, para eleições democraticamente “controladas” e não apenas democraticamente “votadas”. São direitos humanos exercitados no pedido de auditoria ao Tribunal Superior Eleitoral – cuja negativa foi um retrocesso e uma violação dos direitos humanos no Brasil.
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