Resumo: O presente artigo propõe-se a discorrer sobre a interpretação literal e em que medida deve ser ela utilizada pelos juristas.
Introdução
É comum ouvir-se expressões tais como “a regra é clara” ou “está na letra da lei”. Expressões que traduzem a utilização do método de interpretação literal pelo intérprete da lei. Importa investigar, aqui, até que medida a norma pode ser extraída da simples e fria literalidade de seu enunciado, sem socorrer-se o exegeta a outros métodos interpretativos. É dizer, será, realmente, que o sentido da norma pode ser desvelado somente a partir de seus elementos literais/gramaticais? Dito de outro modo, sua literalidade já encerra seu conteúdo? São essas as questões que se propõe a debater.
Desenvolvimento
Analisar um texto normativo pelo método literal é analisá-lo a partir de seu texto escrito e da gramática que o envolve, sem qualquer aprofundamento teleológico, sistêmico, social ou histórico. Como cediço, a letra da lei é, usualmente, ponto de partida do hermeneuta em seu processo de interpretação. O problema reside, entretanto, quando alguns alçam-na simultaneamente à condição de ponto de chegada.
A interpretação literal agrada sobremaneira aos indoutos que não tem formação jurídica, que alimentam a doce ilusão de que o Direito é algo descomplicado e resume-se a “ler o que está escrito na lei”. Contudo, ao contrário do leigo, o jurista não se pode dar ao luxo de contentar-se apenas com o que está literalmente escritos na lei, objeto de sua interpretação. Fosse assim, como bem adverte Hugo de Brito Machado Segundo (2014, p. 39), “para atribuição do título de bacharel em Direito seria suficiente a alfabetização, e todo ‘doutor do ABC’, aos seis anos de idade, seria, também, doutor em Direito...”
Nessa perspectiva, é possível dizer, com inabalável convicção, que o fator diferenciador de um cidadão qualquer e um jurista é o domínio desse último de métodos hermenêuticos variados e a consciência de que o processo de interpretação normativa não pode se resumir à interpretação gramatical ou meramente literal da norma jurídica. Aquele jurista que aferrenha-se ao estéril literalismo da lei está não só atentando contra a cientificidade do Direito, mas também desprestigiando a sua formação acadêmica.
Ora, o processo de interpretação deve, então, fundar-se em vários elementos (literal, finalísitico, sistêmico, social, histórico, etc) e não apenas em um deles. Nesse sentido, Carlos Maximiliano explica que (1991, p. 106), “A interpretação é uma só; não se fraciona: exercita-se por vários processos, no parecer de uns; aproveita-se de elementos diversos, na opinião de outros.”
Erro comum daqueles que cingem o processo interpretativo à gramaticalidade é interpretar a lei em tiras, isoladamente, atingindo-se um resultado hermenêutico completamente alheio ao sistema normativo no qual seu objeto de estudo se insere, o que acaba por minar a integridade e coerência do ordenamento jurídico.
Nesse particular, é preciosa a lição de Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 72), que alerta para essa patologia inerente à interpretação exclusivamente literal, in verbis
Daí a atenção de cortar o problema, ofertando soluções simplistas e descomprometidas, como ocorre, por exemplo, com a canhestra “interpretação literal” das formulações normativas, que leva consigo a doce ilusão de que as regras do direito podem ser isoladas do sistema e, analisadas na sua compostura frásica, desde logo “compreendidas”. Advém daí que, muitas vezes, um único artigo não seja suficiente para a compreensão da norma, em sua integridade existencial. Vê-se o leitor, então, na contingência de consultar outros preceitos do mesmo diploma e, até, a sair dele, fazendo incursões pelo sistema. P. 72
A norma só pode ser alcançada qualitativamente a partir de outros elementos de interpretação, sobretudo o elemento sistêmico, que a analisa em confronto com todo o sistema do qual faz parte, e o elemento teleológico, que desnuda a finalidade (o espírito) existente por detrás dela.
Com efeito, não se admite a interpretação literal como único e exclusivo elemento do processo hermenêutico de interpretação da lei. Como dito, a literalidade é a porta de entrada, o ponto de partida do exegeta, não podendo ser, também, seu ponto de chegada, sob pena de se levar a cabo um processo interpretativo reducionista, incompleto e, portanto, fadado ao fracasso. Longe de ser um método interpretativo desnecessário, a interpretação literal tem por missão delimitar, na medida do possível, os prováveis sentidos normativos encontrados pelo hermeneuta, que não pode desprezar completamente a literalidade da lei na busca da sua melhor exegese..
Conclusão
De tudo quanto exposto, é inexorável concluir que o processo de extração da norma jurídica a partir de seu texto normativo exige muito mais do que simples análise gramatical. Deve orientar-se, igualmente e sobretudo, pelo todo que a norma se insere, bem como pela finalidade subjacente a sua existência. Dito de outro modo, a interpretação literal não pode ser usada em excesso, deve ser dosada por outros elementos de interpretação, sobretudo o sistemático e finalístico.
Referência bibliográficas
CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário - Vol. 1. 1. ed. Noeses: São Paulo, 2011.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 7. ed. Atlas: São Paulo: 1991.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 11. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1991.
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