Resumo: O presente texto tem por base os dispositivos constitucionais atinentes aos direitos e garantias fundamentais. Através da análise sistemática de tais dispositivos e da reflexão de posições e debates doutrinários a respeito do tema, são sugeridas interpretações que promovam um alargamento do objeto de tais garantias em razão da indivisibilidade dos direitos humanos por elas assegurados.
Palavras-chave: direitos humanos; direitos fundamentais; indivisibilidade; garantias fundamentais.
Abstract: This text has like base constitutional articles about fundamental rights and guarantees. Through systematic analysis of these articles and reflection of doctrine positions and dialogues about this theme, it’s suggested interpretations that promote an increase in the object of these guarantees due to indivisibility of human rights guaranteed by them.
Keywords: human rights; fundamental rights; indivisibility; fundamental guarantees.
Sumário: 1. Introdução – 2. Direitos Humanos / Direitos Fundamentais: 2.1. Conceituação; 2.2. Classificação; 2.3. Características: 2.3.1. Universalidade; 2.3.2. Historicidade; 2.3.3. Indivisibilidade / Interdependência – 3. Garantias Constitucionais / Fundamentais : 3.1. Conceito; 3.2. Espécies; 3.2.1. Mandado de Segurança; 3.2.2. habeas corpus; 3.2.3. habeas data; 3.2.4. Mandado de Injunção; 3.2.5. Ação Popular – 4. O reflexo da indivisibilidade dos direitos humanos na utilização das garantias fundamentais – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Antes de adentrarmos ao tema objeto do presente trabalho, são necessárias algumas considerações introdutórias, inclusive quanto à extensão da análise a ser feita sobre os institutos jurídicos aqui invocados, quais sejam: os direitos humanos / fundamentais e as garantias constitucionais.
Muitos são os aspectos que giram em torno de tais institutos, especialmente por possuírem sede constitucional e carregarem em si facetas cujo regramento opera-se por meio da edição de normas regulamentares.
Assim, é relevante mencionar que não se tem aqui a pretensão de esgotar os aspectos atinentes ao tema, e tão-somente pincelar de forma perfunctória aqueles necessários à reflexão e conclusão a que se pretende chegar.
Por essa razão, serão abordados aqui apenas os aspectos atinentes aos sujeitos ativo e passivo, bem como aos objetos imediato e mediato das garantias constitucionais, afim de traçar contornos breves e suficientes à caracterização de tais institutos para, após, demonstrar a ampliação de tais objetos como reflexo da influência da indivisibilidade dos direitos humanos.
Isso porque a finalidade precípua dessas linhas é demonstrar que tal indivisibilidade, enquanto característica dos direitos humanos / fundamentais, acaba por refletir de forma inevitável sobre o uso daqueles instrumentos garantidores de seu gozo, já que amplia de forma reflexa o seu objeto.
Para alcançar a finalidade do trabalho, iniciar-se-á a abordagem dos aspectos atinentes aos direitos humanos / fundamentais, i.e., seu conceito, classificação e características, após o que será dada especial atenção às garantias constitucionais que asseguram a sua fruição e, enfim, ao reflexo da indivisibilidade daqueles direitos no uso dessas garantias.
Vale ressaltar ainda que serão abordadas nesse trabalho apenas as garantias elencadas no art. 5º da Constituição Federal – CF (mandado de segurança, habeas corpus, habeas data, mandado de injunção e ação popular), e não aqueles instrumentos também arrolados pela moderna doutrina como remédios garantidores do exercício dos direitos e liberdades, quais sejam: ADIN genérica e ADIN por omissão.
Também importa deixar registrado que as expressões garantias fundamentais e garantias constitucionais serão usadas nesse trabalho como sinônimos que efetivamente são.
Passemos, então, à abordagem do tema nos mencionados termos.
2. Direitos Humanos / Direitos Fundamentais
2.1. Conceituação
Uma das tarefas mais complexas na atualidade é a delimitação conceitual dos direitos humanos em razão do alargamento de seu uso e aumento da imprecisão de seu sentido.[1]
A doutrina adota diferentes concepções e, consequentemente, aceita uma diversidade de conteúdos jurídicos para a expressão direitos humanos, o que dificulta sua precisão conceitual.
Nesse sentido são as palavras de Angelo Patrício Stacchini ao citar Germán: “Os posicionamentos acerca da definição de direitos humanos são tão variados que Germán J. Bidart Campos ressalta essa diversidade de enfoques e consigna que a definição de direitos humanos “talvez seja a tarefa mais difícil e comprometida, do que são prova as numerosas propostas definitórias dos autores que se ocupam do tema”; assim, para abordar o assunto abre um subtítulo, sugestivamente denominado “definições possíveis dos direitos humanos”.[2]
A doutrina vem adotando uma concepção contemporânea para esses direitos, que os toma por seus atributos; assim, seriam direitos humanos aqueles caracterizados pela universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relação.[3]
Tal concepção nem de longe logra êxito na definição dos direitos humanos.
Em razão da dificuldade na aludida delimitação conceitual, é necessária a adoção de alguns critérios de base entre os quais os seguintes: 1) a demonstração da existência de dois planos distintos quanto a localização dos direitos; e 2) a utilização do vocábulo adequado para definição do instituto que se pretende nominar.
A existência de dois planos distintos quanto a localização dos direitos;
De uma reflexão mais profunda sobre o assunto é possível afirmar pela existência de dois planos distintos nos quais encontram-se inseridos os direitos inerentes à pessoa humana: 1) o plano da suprapositivação constitucional; e 2) o plano da positivação.[4]
No plano suprapositivo encontram-se inseridos os direitos inerentes à pessoa humana que, por estarem acima da positivação do ordenamento ao qual ela se encontra vinculada, estão imunes às cargas valorativas inerentes ao relativismo cultural; assim, tais direitos recebem a denominação de direitos humanos stricto sensu.
Vale lembrar nesse ponto que os direitos humanos não são conceitualmente idênticos aos direitos naturais por serem mais abrangentes que esses, i.e., embora esses sejam parte integrante daqueles, não os esgotam.[5]
De outro lado, no plano positivo, os direitos inerentes à pessoa humana encontram-se positivados, i. e., previstos no ordenamento jurídico que os define; assim, assumem feições menos neutras porquanto carregados da carga valorativa que lhes é atribuída pelo ordenamento jurídico no qual se encontram inseridos.
Desse modo, tais direitos recebem a denominação de direitos fundamentais, ou seja: fundamentais segundo o ordenamento que os prescreve, e devem ser entendidos por direitos humanos lato sensu.
A utilização do vocábulo adequado para a definição do instituto que se pretende nominar
Como a própria expressão demonstra, os direitos humanos são todos os direitos atribuídos à pessoa pelo simples fato de sê-la, independentemente de qualquer condição; os direitos fundamentais, por sua vez, a despeito de integrarem o conteúdo jurídico dos direitos humanos em seu sentido amplo[6], são os direitos tidos por fundamentais pelo ordenamento jurídico que os abriga; assim, direitos considerados fundamentais em determinado país (e.g., França) podem não o ser em outro (v.g., Índia) e é nesse sentido que atualmente se fala em direitos fundamentais como reflexo da forma de Estado e forma/sistema/regime de governo adotados por uma nação.[7]
2.2. Classificação
Para a classificação dos direitos humanos devemos, inicialmente, tomar por base os dois planos anteriormente estudados: 1) da suprapositivação constitucional; e 2) da positivação.
No primeiro plano – da suprapositivação – temos como ponto de referência para classificação dos direitos humanos stricto sensu as previsões normativas inseridas nos principais documentos internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos – Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH (1948), Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos (1966) e Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) -.
Segundo os aludidos documentos, os direitos humanos são essencialmente classificados em: a) direitos civis; b) direitos políticos; c) direitos econômicos; d) direitos sociais; e e) direitos culturais.
No plano positivo-constitucional brasileiro, os direitos fundamentais – direitos humanos lato sensu – consistem em uma categoria de direitos veiculada pelos dispositivos constitucionais inseridos no Título II da Carta Fundamental intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”; e o aludido Título encontra-se constituído pelos seguintes capítulos: 1) Capítulo I “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” (art. 5º); 2) Capítulo II “Dos Direitos Sociais” (art. 6º ao art. 11); 3) Capítulo III “Da Nacionalidade” (art. 12 e art. 13); 4) Capítulo IV “Dos Direitos Políticos” (art. 14, art. 15 e art. 16); e 5) Capítulo V “Dos Partidos Políticos” (art. 17).[8]
Vê-se, portanto, que os direitos humanos enquanto direitos fundamentais positivados na CF consistem em uma categoria formada pelos direitos civis e políticos – direitos individuais -, direitos sociais – aqui inseridos os direitos econômicos e culturais - e os direitos da nacionalidade; assim, em âmbito interno, são esses os direitos considerados fundamentais e inerentes à pessoa humana.
Contudo, tal elenco é meramente enumerativo.
Consoante norma inserida no art. 5º, § 2º da Carta política, que determina que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”, resta clara a adoção pelo nosso sistema da cláusula de abertura material dos direitos humanos.[9]
Assim, devem ser tidos por fundamentais todos os direitos que materialmente o são, ainda que não elencados no Título II da Constituição, estejam eles inseridos no corpo da Carta política, estejam, quiçá, tão-somente previstos em tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Vale lembrar nesse momento que em razão de o Brasil ter ratificado os principais documentos internacionais de direitos humanos como, v.g., a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, são fundamentais também para nosso ordenamento os direitos econômicos e culturais embora não tenham sido utilizadas as aludidas nomenclaturas para a denominação de capítulos específicos do Título II da CF.
2.3. Características
Os direitos humanos possuem diversas características que lhes são peculiares e que os diferem em nascimento e essência dos demais direitos previstos no ordenamento jurídico.
Vejamos algumas delas.
2.3.1. Universalidade
O caráter universal dos direitos humanos é reconhecido hoje tanto em âmbito internacional, como em âmbitos regional e local, e diz respeito ao fato de tais direitos serem reconhecidos, declarados e atribuídos a todos os seres humanos integrantes da família humana; assim, decorrem da natureza humana, i. e., são direitos inerentes ao homem pelo simples fato de sê-lo.[10]
Justamente em razão de a universalidade atribuir a titularidade dos direitos humanos a toda pessoa integrante da família humana[11], e por tais direitos serem reconhecidos às pessoas pelo simples fato de serem detentoras de personalidade jurídico- natural e dignidade humana[12], tais direitos devem estar isentos e imunes ao relativismo cultural de nações específicas.
São universais os direitos humanos stricto sensu, ou seja: os direitos assim reconhecidos, declarados e titularizados pela pessoa independentemente do reconhecimento de sua fundamentalidade pelo ordenamento jurídico ao qual ela se encontra vinculada.
2.3.2. Historicidade
A historicidade, por sua vez, decorre do fato de os direitos humanos terem sido fruto de um processo de conquistas humanas deflagrado ao longo da história em razão da insatisfação social quanto às condições de vida humana em cada período.
Consoante visto acima, em um primeiro momento buscou-se o reconhecimento dos direitos individuais civis e políticos como reação à presença do Estado Absolutista na vida dos indivíduos; assim, pretendia-se um non facere do Estado para preservação dos direitos de liberdade e propriedade - direitos de 1ª geração -.
Em um segundo momento, já no período da Revolução Industrial, a preocupação mudou de enfoque já que a industrialização colocou os trabalhadores e, assim, suas famílias, em uma situação de vulnerabilidade social; portanto, ao contrário da abstenção do Estado, a preocupação nesse momento passou a ser pela necessidade de sua intervenção, prestação e suprimento quanto às necessidades humanas individuais; do que se passou a exigir um facere do Estado para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais - direitos de 2ª geração -.
Por fim, no período pós-Segunda Guerra, quando a sociedade internacional encontrava-se traumatizada pelas atrocidades cometidas no aludido período, deu-se início a um processo de conscientização universal a respeito da necessidade de fraternidade e solidariedade entre os povos para que fossem evitadas ações como as praticadas durante a guerra; surge aqui a consciência pela necessidade de fraternidade e solidariedade humanas - direitos de 3ª geração -.
Vê-se, portanto, que os direitos humanos foram conquistados gradativamente no curso da história, através de um processo de conscientização e amadurecimento do pensamento humano e, assim, sócio-político, não tendo sido tais direitos reconhecidos como fruto do mero acaso, e aqui reside o seu caráter histórico.[13]
2.3.3. Indivisibilidade / interdependência
O atributo da indivisibilidade[14] consiste na característica de interdependência peculiar aos direitos humanos, i.e., no caráter de complementariedade existente entre eles, de modo que os direitos se complementam com o propósito de permitir o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.
Isso porque não se pode falar em efetividade de um direito humano, qualquer que seja sua categoria, se não for assegurada a efetividade dos demais que se lhe encontram ligados em razão daquele atributo; assim, não há se falar em concretização plena dos direitos civis e políticos sem a efetiva proteção e garantia de exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais, e vice-versa, já que se encontram todos imbricados em decorrência de sua indivisibilidade e complementariedade.
Tal imbricação pode ser constatada da reflexão sobre o fato de que a efetividade dos direitos sociais - como, v.g., o direito à saúde e à educação que permitem o desenvolvimento da personalidade humana - garante, ainda, e consequentemente, o exercício das liberdades públicas e da igualdade de oportunidades ínsitas a uma democracia material.[15]
A indivisibilidade dos direitos humanos, sua complementariedade e a consequente imbricação que lhes é inerente resulta no reconhecimento de um sistema de direitos humanos / fundamentais baseado no princípio da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º)[16] e alicerce comum que lhes dá sustentação e lhes atribui conteúdo jurídico.
Nesse ponto reside o aspecto fundamental do trabalho, já que o reconhecimento de tal sistema enquanto decorrência lógica da indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais influencia de forma direta o uso das garantias constitucionais conforme se verá adiante.
Embora haja fortes posições no sentido de inexistência de um sistema autônomo de direitos humanos / fundamentais apartado de nosso sistema constitucional,[17] entendo, particularmente, que não se pode negar a caracterização de um sistema - ainda que não autônomo - com peculiaridades, tais como a imbricação de tais direitos em suas diversas categorias – individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais -, e seu alicerce fixado sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, ponto esse no qual reside a identidade de seu conteúdo, embora se reconheça existam pontos que não convergem em sentido semântico.[18]
É exatamente esse sistema decorrente da indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais que influencia o uso das garantias constitucionais e implica em ampliação de seu objeto.
Se não, vejamos.
3. Garantias Constitucionais / Fundamentais
3.1. Conceito
Por garantia (“in. Security; fr. Assurance; al. Assecuranz; it. Assicurazione”[19]), compreende a língua portuguesa o “(...) ato ou palavra que assegura o cumprimento de uma obrigação, promessa etc. (...). garantias constitucionais loc. subst. Direitos, privilégios que a Constituição de um país confere aos cidadãos.”[20]
Considerando os aludidos conteúdos semânticos do vocábulo em questão correspondentes ao âmbito específico do qual extraídos, e atribuindo-se-lhe, ainda, o caráter fundamental em razão de sua ratio essendi, já que instrumento de proteção de direitos, têm-se como produto a conhecida expressão garantias fundamentais consistente em instrumentos postos à disposição dos titulares de direitos – ou daqueles que em seu nome possam exercê-los e defendê-los – a fim de que tais direitos possam ser objeto de promoção e proteção em Juízo por meio do exercício de tais garantias.
Destarte, as garantias fundamentais devem ser compreendidas como instrumentos postos à disposição dos titulares de direitos humanos / fundamentais, manejados para sua promoção e proteção.
Para a compreensão do reflexo da indivisibilidade de tais direitos na manipulação das garantias fundamentais, faz-se necessária uma breve e perfunctória análise de suas espécies, e dos sujeitos e objetos que a elas correspondam, após o que o trabalho será finalizado com as cabíveis conclusões.
Vejamo-las.
3.2. Espécies
Da leitura dos dispositivos constitucionais que veiculam a matéria, mais especificamente do art. 5º da Carta Política, extrai-se comporta o gênero garantias fundamentais as seguintes espécies: 1) mandado de segurança individual e / ou coletivo; 2) habeas corpus; 3) habeas data; 4) mandado de injunção; e 5) ação popular.
3.2.1. Mandado de Segurança
É sabido que o mandado de segurança enquanto garantia / instrumento de tutela de direito líquido e certo subdivide-se em: a) individual; e b) coletivo.
O mandado de segurança individual encontra-se previsto no art. 5º, LXIX da CF/88 segundo o qual “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (...).”
O mandado de segurança coletivo, por sua vez, encontra-se inserido no art. 5º, LXX da mesma Carta Política, e “(...) pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (...).”
Por sujeito ativo em mandado de segurança individual entende-se o titular do direito líquido e certo cuja tutela se pretende em Juízo, lembrando-se da possibilidade de terceiro autorizado por lei a pleitear em Juízo em nome próprio direito alheio (CPC, art. 6º[21]) como, v.g., o Ministério Público quando atua em Juízo na defesa de direito de incapaz , bem como a possibilidade de representação processual como, e.g., no caso das Associações que, autorizadas por seus associados, pleiteiam em Juízo a tutela dos direitos da aludida classe (CF/88, art. 5º, XXI[22]).
Por sujeito ativo em mandado de segurança coletivo compreende-se os sujeitos aos quais fora atribuída a legitimidade para seu ajuizamento nos termos em que determinado pelo art. 5º, LXX da Constituição acima transcrito.
Por sujeito passivo em mandado de segurança individual e coletivo entende-se aquele que deva sofrer as consequências de seu julgamento, i.e., a União, os Estados, os Municípios ou delegados de serviço público, sejam dirigentes de estatais ou concessionárias de serviço.[23]
Vale lembrar que o sujeito passivo não se confunde com a figura da autoridade coatora porquanto essa é a autoridade administrativa que pratica o ato ou, em caso de omissão, deixa de praticá-lo, i. e., aquela a quem as regras de competência obrigam à prática do ato[24], ao passo que, como dito acima, o sujeito passivo é aquele que suportará as consequências de seu julgamento.
Analisados brevemente os sujeitos em o writ, faz-se necessário abordar os seus objetos imediato e mediato.
É sabido que a ação / processo judicial enquanto instrumento de tutela de direitos veicula pretensões que se desdobram em objetos imediato e mediato, consistindo o primeiro em o provimento jurisdicional propriamente dito – declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental e/ou executivo lato sensu -, e o segundo em o bem da vida cuja tutela se pleiteia em Juízo.
O objeto imediato em mandado de segurança reside em a pretensão de um provimento jurisdicional mandamental que tutele o direito, i. e., em uma ordem de caráter positivo e/ou negativo, a fim de que o sujeito passivo observe e garanta o exercício do direito líquido e certo por parte do impetrante em o mandamus.
Vê-se, portanto, que o objeto imediato em mandado de segurança consiste em um provimento jurisdicional apto a corrigir o ato ou omissão ilegal ou abusiva a direito líquido e certo do impetrante.[25]
Vale lembrar nesse ponto que, nos termos do art. 5º, LXIX da CF/88, o direito líquido e certo deve ser não amparado por habeas corpus ou habeas data para que possa ser objeto em mandado de segurança.
O objeto mediato, por sua vez, consiste em o bem da vida propriamente dito como, v.g., o direito à participação em concurso público cuja realização tenha sido obstada por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública que tenha excluído o paciente do certame.
Outro aspecto relevante sobre os contornos dessa garantia consiste em definir quando o mandado terá caráter individual ou coletivo.
Não obstante entendimento em sentido contrário[26], entendo não seja a natureza do direito – individual, coletivo ou difuso - para o qual se busca a tutela que determinará a espécie do mandado de segurança impetrado – individual ou coletivo -, e sim a qualidade do sujeito ativo que o deflagra, i.e., o indivíduo ou a categoria representativa, conforme art. 5º, LXIX e LXX da CF, respectivamente.
Tanto é assim que a Constituição Federal, ao dispor sobre os aludidos instrumentos, distingue os mandados de segurança individual e coletivo por meio da atribuição de legitimidade ativa desse último a algumas categorias específicas, quais sejam: “a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (...).”, sendo esse o ponto que os distingue, e não o direito passível de tutela.
Ademais, entendo ainda que quando o art. 5º, LXX, parte final da CF dispõe que as aludidas entidades impetrarão o mandamus “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”, tal dispositivo não se refere à defesa tão-só dos direitos atribuídos à coletividade de pessoas, e, quiçá, a uma só pessoa vinculada a tal coletividade, titular de direitos estendíveis aos demais.
Desse modo, poderá ser objeto de tutela por meio de mandado de segurança (individual ou coletivo) todo e qualquer direito líquido e certo (individual, coletivo ou difuso) não amparado por habeas corpus ou habeas data, atribuído ao impetrante/indivíduo ou impetrante/coletividade; mais do que isso, caracterizada a liquidez e a certeza do direito em questão, e em razão da indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais, categoria essa à qual pertença aquele, têm-se um alargamento de seus objetos imediato e mediato.
Como já ressaltado, a indivisibilidade dos direitos e a sua fundamentação no princípio da dignidade da pessoa humana, que lhes garante identidade de conteúdo jurídico, acabam por formar um peculiar sistema de tutela de direitos de modo que poderá ser manejado o mandado de segurança para garantir o exercício de todo e qualquer direito humano / fundamental posto que todos se encontram imbricados em razão daquela indivisibilidade.
3.2.2. habeas corpus
Enquanto garantia / instrumento de defesa da liberdade de locomoção, o habeas corpus encontra-se previsto no art. 5º, LXVIII da CF/88 segundo o qual “conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; (...).”
A previsão da aludida garantia assume feição de instrumento de proteção da liberdade de locomoção[27] consagrada pela Constituição Federal em seu art. 5º, XV que prevê que “(...) é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; (...).”.
Assim, eventual restrição ao aludido direito deverá encontra-se prevista em lei como é o caso, v.g., das prisões cautelares que restringem o direito de locomoção por necessidade de investigação ou instrução criminal e aplicação da lei penal (CPP, arts. 282-3[28]).
Vê-se tratar-se de garantia / instrumento / ação por meio da qual tutela-se a liberdade de ir e vir, podendo assumir a natureza de recurso em um sistema de duplo grau de jurisdição como o nosso.[29]
Por sujeito ativo em habeas corpus compreende-se qualquer pessoa física que vier a sofrer ou se achar ameaçada de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, podendo ainda consistir em terceiro que eventualmente o impetre em favor da vítima.[30]
O sujeito passivo, por sua vez, consiste em a pessoa de cujo poder emana o ato que restringe / limita a aludida liberdade, ou ainda em o particular que pratica ilegalidade da qual promana a restrição à liberdade de terceiro.[31]
O objeto em habeas corpus de modo geral traduz-se em a insurgência contra determinada restrição à liberdade de locomoção do impetrante ou de terceiro, provocada por violência ou coação.
Tal violência ou coação restará caracterizada quando, limitada a liberdade de ir e vir, não se encontrarem presentes quaisquer dos pressupostos constitucionais e/ou legais que autorizam a referida restrição.
O objeto imediato em habeas corpus consiste em o provimento jurisdicional que ordena a soltura do acusado/apenado ao qual o instrumento se refere, por ilegalidade ou abuso na privação de sua liberdade, ou, também, e considerando sua utilização para trancamento de inquérito policial e/ou ação penal, em o provimento que ordena o trancamento de tais procedimentos.
O objeto mediato, por sua vez, consiste em o bem da vida cuja tutela se pretende, i. e., em a liberdade de ir e vir em território nacional ou fora dele nos termos constitucionais e legais.[32]
Em razão da indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais, categoria à qual pertence a liberdade de ir e vir, entendo haja um alargamento do objeto da garantia que o assegura, i.e., do habeas corpus.
Quando a restrição à liberdade de locomoção inviabilizar o exercício de quaisquer outros direitos humanos / fundamentais, embora efetivada tal restrição dentro dos parâmetros constitucionais e legais que a autorizam como, e.g., na hipótese de presença dos pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventiva, há que se admitir o manejo do habeas corpus em benefício do acusado afim de se garantir o exercício do direito que se encontra inviabilizado, após o que, garantido tal exercício, poderá ser restabelecida a restrição inicial.
Assim é que gerando a restrição da liberdade de locomoção uma flagrante inconstitucionalidade pela inviabilização de outro direito ou liberdade cuja limitação não se encontra inserida no rol das restrições automáticas decorrentes da medida cautelar ou da aplicação da pena, caberá a impetração de habeas corpus para a garantia de exercício de tal direito, após o que, restabelecida a ordem mediante exercício do direito, restabelecida será a prisão do acusado, se for o caso.
É a hipótese, v.g., do direito ao livre exercício do culto religioso e suas liturgias que, em não sendo assegurado quando da execução de prisão cautelar ou definitiva, autorizará a impetração de habeas corpus para seu exercício, já que a assistência religiosa é obrigatória em estabelecimentos prisionais porquanto direito dos acusados e/ou apenados (CF, art. 5º, VI[33] c.c arts. 10, 11, VI e 24 da Lei de Execução Penal[34]).
Ressalte-se, contudo, devam ser utilizadas todas as medidas necessárias à garantia da ordem e segurança públicas no ato que se pretende seja praticado para o exercício do direito ou liberdade anteriormente inviabilizada.
O exemplo citado retrata hipótese de alargamento do objeto em habeas corpus, inicial e constitucionalmente previsto para a defesa da liberdade de ir e vir, a fim de abranger situações nas quais se pretenda a defesa e garantia de exercício de outros direitos e liberdades, tais como direito ao livre exercício de culto religioso e suas liturgias.
Passemos agora à breve análise do habeas data.
3.2.3. habeas data
O habeas data consiste em a garantia/instrumento veiculada pelo art. 5º, LXXII da CF/88 segundo o qual “conceder-se-á "habeas-data": a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; (...).”
Vê-se que se trata de instrumento manejado pelo indivíduo interessado em conhecer informações pessoais constantes de registros e banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público ou pleitear sua eventual retificação.
Em razão do que determina o dispositivo constitucional transcrito, resta claro tratar-se o sujeito ativo do próprio indivíduo ao qual se referem as informações constantes dos registros e banco de dados das mencionadas entidades ou para as quais será eventualmente pleiteada a retificação.[35]
O sujeito passivo, por sua vez, consiste em a entidade governamental ou de caráter público que mantenha o registro ou banco de dados com a aludida informação cujo conhecimento ou retificação se pretenda, e que possa vir a ser comunicada a terceiros.[36]
Em razão do que determina o art. 5º, LXXII, “a” e “b” da CF/88, o objeto imediato em habeas data consiste em um provimento de natureza mandamental que determine sejam prestadas informações à pessoa do impetrante nos termos em que pleiteadas, ou, então, a sua retificação.[37]
O objeto mediato, i. e., o bem da vida para o qual se pretende a proteção, consiste em o direito à informação relativa à pessoa do impetrante constante de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, a fim de que seja a mesma conhecida ou retificada também para proteção do direito à intimidade e vida privada da pessoa do impetrante.[38]
Assim como ocorre no manejo das demais garantias, o atributo da indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais, categoria à qual pertence o direito à informação (CF, art. 5º, XXXIII[39]), provoca um aumento nos contornos do objeto em habeas data, de modo a possibilitar o manejo da aludida garantia para a proteção de outros direitos que não o direito à informação, mas que se lhe estão imbricados em razão de tal indivisibilidade como, v.g., o direito à honra e a imagem (CF, art. 5º, X[40]), e que acabam por garantir a efetividade também daquele.
Desse modo, entendo deva ser considerado possível o manejo do habeas data para garantir a proteção à honra e à imagem da pessoa do impetrante ameaçadas por informações errôneas, equivocadas ou obsoletas, e quando defendo tal uso para a proteção da honra e imagem não estou me referindo a colocá-las na posição de objetos de proteção reflexa em razão da decisão em habeas data, e sim como objeto mediatos efetivos no ato de sua impetração.[41]
Essa é apenas uma das possíveis situações de manipulação dessa garantia impetrada não com base no direito à informação, e sim usando como supedâneo jurídico todo e qualquer direito humano / fundamental integrante do sistema peculiar a tais direitos.
Vejamos, agora, o mandado de injunção.
3.2.4. Mandado de Injunção
O mandado de injunção encontra-se previsto no art. 5º, LXXI da CF/88 segundo o qual “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; (...).”
Vê-se tratar-se a aludida garantia de instrumento apto a suprir situação concreta na qual se encontre caracterizada a mora legislativa inviabilizadora do exercício de direitos e liberdades assegurados na Constituição ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.[42]
Diferencia-se da ação direta de inconstitucionalidade por omissão – ADIn por Omissão - em diversos aspectos, especialmente porque nessa inexiste relação jurídico-material / subjetiva a ser solucionada em concreto, como no caso do mandado de injunção, visto tratar-se de processo objetivo de análise de omissão de lei em tese.
Em mandado de injunção, tem-se por sujeito ativo todo e qualquer sujeito titular de direito, liberdade, ou, então, portador de prerrogativa cuja inviabilidade tenha sido provocada pela ausência de norma regulamentadora.
Quanto ao sujeito passivo, há divergências.
Há entendimento no sentido de que o mesmo consistiria na autoridade ou órgão que se encontra em mora em regulamentar o exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania, e há também posição no sentido de que seria a pessoa pública ou privada à qual incumbe prestar o dever correspondente ao direito subjetivo do autor.[43]
Entendo, particularmente, no sentido de que o sujeito passivo em a aludida garantia será a autoridade ou órgão que se encontra em mora quanto ao dever constitucional de regulamentar o exercício do direito ou liberdade que se encontra inviabilizada.
Falemos, então, do objeto imediato.
Como por tal objeto tem-se a pretensão veiculada pelo instrumento processual em análise, outra conclusão não há senão tratar-se ele de um provimento jurisdicional apto a tornar viável o exercício de direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente à nacionalidade, soberania e cidadania.
Há divergência na doutrina quanto ao conteúdo jurídico do aludido provimento porquanto parte entende deva ser dada ciência ao órgão responsável pela omissão; outra parte entende deva ser elaborada a norma faltante com caráter genérico e efeito erga omnes; e, enfim, há quem entenda deva ser elaborada a norma apenas para o caso sub judice com efeito inter partes, a fim de suprir a lacuna e viabilizar o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa anteriormente inviabilizada, tratando-se essa última posição da corrente que predomina em doutrina.[44]
No que diz respeito ao objeto mediato, consistindo o mesmo em o bem da vida para o qual se busca a proteção através do manejo da garantia em análise, tem-se como certo tratar-se do direito, liberdade ou prerrogativa inerente à nacionalidade, cidadania e soberania.
Contudo, também aqui são necessárias algumas considerações quanto ao alargamento de tais objetos já que por pertencerem tais direitos, liberdades e prerrogativas à categoria de direitos humanos / fundamentais (CF, art. 5º), e por serem esses indivisíveis e imbricados entre si, qualquer deles terá o condão de deflagrar a manipulação do aludido instrumento, inclusive aqueles que decorram da norma inserida no art. 5º, §2º da Carta Política.
Determina o aludido dispositivo que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (CF, art. 5º, §2º).
Possível é notar que mesmo os direitos humanos / fundamentais não arrolados no art. 5º da CF, i. e., os direitos implícitos em nosso sistema em razão do regime e dos princípios por ele adotados, bem como os que decorram do conteúdo de tratados internacionais ratificados e promulgados pela República Federativa do Brasil, poderão ser objeto em mandado de injunção quando inviabilizado o seu exercício por falta de norma regulamentadora.
Tal é o resultado do reflexo da indivisibilidade dos direitos humanos.
3.2.5. Ação Popular
Também espécie de garantia / instrumento fundamental de defesa de direitos, a ação popular encontra previsão no art. 5º, LXXIII da CF/88 que dispõe que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, (...); (...).”[45]
Consoante se extrai de sua leitura, vê-se que o sujeito ativo em a aludida garantia será qualquer cidadão interessado em ver anulado eventual ato lesivo aos bens jurídicos tutelados pela norma que a prevê, entendendo o ordenamento jurídico por cidadão todo brasileiro nato ou naturalizado que se encontre no gozo dos direitos políticos, e, assim, que se encontre quite com a Justiça Eleitoral.[46]
O sujeito passivo, por sua vez, consiste em toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, seus funcionários, autoridades ou administradores de cujo poder emana o ato para o qual se pretende a nulidade por lesivo ao patrimônio público, moralidade administrativa, meio ambiente e patrimônio histórico e cultural, ou ainda a omissão de ato que deveria ter sido praticado e que, por omissão, deixou de sê-lo, gerando lesão àqueles bens, e, por fim, ainda sujeitos passivos os beneficiários diretos do ato.[47]
Consoante redação do dispositivo constitucional transcrito, pretende-se com o ajuizamento da ação popular um provimento jurisdicional anulatório que tenha o condão de retirar do mundo jurídico o ato lesivo aos bens jurídicos tutelados contra o qual se insurge o sujeito ativo, bem como um provimento condenatório (Lei n. 4717/65, art. 11[48]).
Vê-se, assim, tratar-se o objeto imediato da demanda popular em um provimento constitutivo negativo e condenatório.[49]
O objeto mediato, por sua vez, é o restabelecimento do estado de legalidade, único contexto no qual é possível permaneça incólume o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, porquanto são esses os bens que se pretende preservar, tutelar e proteger por meio da anulação do ato que lhes fora lesivo.[50]
Também os contornos dos objetos veiculados por essa garantia serão alargados como reflexo da imbricação dos direitos por eles albergados em relação a outros direitos com os quais formam a categoria dos direitos humanos / fundamentais indivisíveis e fundamentados no princípio da dignidade da pessoa humana.
Os bens jurídicos tutelados pela previsão da ação popular são o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, tratando-se o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe de res publica formada precipuamente pelo patrimônio individual dos cidadãos e administrados em geral, sendo esse patrimônio um dos direitos humanos / fundamentais por excelência (CF, art. 5º, XXII[51]); assim, todos os demais direitos dessa natureza que se lhe encontram ligados pelo atributo da indivisibilidade também poderão ser objeto de proteção em ação popular.
Traçados os breves contornos das garantias fundamentais arroladas no art. 5º da Constituição Federal, faz-se necessário agora ressaltar o ponto de destaque desse trabalho, consistente no reflexo da indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais no uso das aludidas garantias.
4. O reflexo da indivisibilidade dos direitos humanos na utilização das garantias fundamentais
Após leitura e reflexão em torno do tema e das considerações expendidas no presente trabalho, deve ser enfatizada nesse momento a ideia que se pretendeu aqui defender, i. e., no sentido de que a indivisibilidade dos direitos humanos / fundamentais acaba por refletir no uso das garantias constitucionais provocando o aumento de seus objetos imediato e mediato.
Tal se dá em razão de alguns fatores ocorrentes em âmbito jurídico como, v.g., 1) a formação de um peculiar sistema – ou, para quem preferir, de um subsistema constitucional – integrado pelos direitos humanos / fundamentais, e 2) o fato de esse sistema se impor perante a sistemática de utilização das garantias constitucionais que lhes são correspondentes.
Quanto ao sistema dos direitos humanos / fundamentais, decorre ele do tratamento diferenciado que é dispensado aos aludidos direitos por sua indivisibilidade, complementariedade e interdependência, bem como por serem eles fundados no princípio da dignidade da pessoa humana que lhes atribui identidade de conteúdo jurídico.
Ao lado do reconhecimento desse sistema, importa ainda ressaltar que se imponha ele diante da sistemática de utilização das garantias constitucionais que lhes são correspondentes em razão de os institutos jurídicos das duas categorias encontrarem-se inseridos no mesmo sistema constitucional brasileiro.
Assim, porque esse sistema constitucional dispensa aos direitos humanos/fundamentais o tratamento que lhes é peculiar, inclusive pela atribuição de sua indivisibilidade, tal tratamento deverá ser considerado no ato de manipulação das garantias que asseguram o seu gozo e exercício.
Não se propõe aqui a invocação dos direitos humanos / fundamentais como causa de pedir nas aludidas garantias porquanto é sabido que é perfeitamente possível usar os aludidos direitos na posição jurídica de causa petendi, e aqui não haveria novidade.
Propõe-se invocar tais direitos como objetos imediato e mediato daquelas garantias, ainda que não os expressamente previstos para a espécie de que se cogita, e tal possibilidade decorre da existência de um sistema de direitos humanos / fundamentais que os tornam incindíveis, complementares e fundados no mesmo princípio da dignidade da pessoa humana.
Embora as garantias constitucionais tenham objeto específico segundo sua regulamentação, podem elas ser utilizadas para a defesa dos direitos humanos em geral, ainda que não sejam o objeto específico previsto pela norma que prevê o uso da garantia.
Isso decorre até mesmo do fato de que em razão da indivisibilidade de tais direitos - individuais, civis, políticos, econômicos, culturais e sociais -, eventual violação de qualquer deles pode ensejar a inviabilidade de exercício dos demais; assim, as garantias constitucionais sempre poderão ser utilizadas para a defesa de qualquer dos direitos humanos/fundamentais, considerando ainda a necessidade de sua máxima efetividade.
5. Conclusão
De todo o exposto, algumas conclusões se fazem necessárias.
A indivisibilidade dos direitos humanos amplia o objeto das garantias fundamentais, e isso não implica em derrogação das normas constitucionais e infraconstitucionais de cunho processual que estabeleçam a especificidade do objeto de cada uma delas.
Isso porque na equação “efetividade dos direitos humanos” vs. “vinculação a disposições de cunho processual atinentes às garantias fundamentais”, não restam dúvidas devam prevalecer os direitos humanos enquanto fins constitucionais mais relevantes a serem perseguidos.
Não se pretende aqui defender a tese de que no corpo normativo da Constituição hajam antinomias, até porque o sistema jurídico-constitucional é coerente e harmônico; o que se pretende é tão-somente demonstrar que, em certas situações, é evidente a necessidade de uma cedência recíproca para mais ou para menos entre os institutos jurídico-constitucionais e entre os princípios/valores que se irradiam através dos comandos normativos da Constituição para uma melhor adequação dos princípios fundantes à realidade que se apresenta.
Tal é o caso da cedência no contexto daquela equação.
Além disso, é sabido que os direitos humanos enquanto direitos fundamentais positivados consistem em cláusulas pétreas, a teor do que dispõe o art. 60, §4º da CF[52], pelo que possuem, assim, um maior rigor normativo, devendo eles, e por mais essa razão, ter cedido a seu favor parte do conteúdo jurídico das disposições constitucionais de cunho processual atinentes às garantias constitucionais.
Não é demais deixar registrado que as normas constitucionais referentes aos direitos humanos / fundamentais devem ter a seu favor cedido o conteúdo jurídico das normas atinentes às garantias constitucionais porquanto a questão de fundo das primeiras é de índole subjetiva ao passo que a das segundas é de índole instrumental e, por isso, acessória.
Por fim, faz-se necessário registrar que a ampliação do objeto das garantias constitucionais não implica em derrogação de normas processuais que as regulamentam, e sim alargamento de seu conteúdo semântico; e tal deve ser aceito em razão da necessidade de se fazer prevalecer, como dito, a efetividade dos direitos humanos em detrimento do rigor dos contornos processuais decorrente da interpretação literal das normas que regulamentam tais garantias.
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[1] Confira-se lição de Antonio Henrique Perez Luño: “De ahí que, a medida que se ha ido alargando o ámbito de uso del término “derechos humanos”, su significación se há tornado más imprecisa. Ello há determinado una pérdida gradual de su significación descriptiva de determinadas situaciones o exigências jurídico-políticas, em la misma medida em que su dimensión emocional há ido ganado terreno. Esta situación há conducido a que fuera empleada em la lucha ideológica para exteriorizar, justificar o agudizar ciertas actitudes, desde posturas em las que el término “derechos humanos” se há utilizado com significaciones muy diversas. Pudiera creerse que esta significación oscura y contradictoria de los derechos humanos, motivada por la hipertrofia de su empleo, era privativa del lenguaje vulgar y, especialmente, del de la práxis política; pero que, frente a ella, existe uma caracterización doctrinal clara, unívoca y precisa del término. Conviene dissipar cuanto antes esta presunción, ya que em el lenguaje de la teoria política, ética o jurídica la expresión “derechos humanos” há sido empleada también com muy diversas significaciones (equivocidad), y com indeterminación e imprecisión notables (vaguedad).” Vale mencionar aqui que Perez Luño traz diversas concepções para os direitos humanos, o que é encarado por Lewandowski na obra Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana não como concepções, e como fatos e movimentos históricos formadores da doutrina dos direitos humanos. Derechos humanos, Estado de Derecho y Costitución. Madrid : Editorial Tecnos (Grupo Anaya, S.A.), 2005. p. 24.
[2] Direitos humanos e fundamentais e doutrina social / Ivanaldo Santos, Lafayette Pozzoli, organizadores. – 1. ed. – Birigui, SP : Boreal Editora, 2012. – (Coleção Instituto Jacques Maritain). p. 108.
[3] Confira-se nesse sentido a lição de Lauro Cesar Mazetto Ferreira: “Nesse contexto, com a aprovação da Declaração de 1948, podemos afirmar que foi introduzida a concepção contemporânea dos direitos humanos, caracterizada pela universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relação desses direitos.”. Seguridade social e direitos humanos, Lauro Cesar Mazetto Ferreira. – São Paulo : LTr, 2007. p. 76.
[4] “Por sua vez, Bidart Campos, em interessante posicionamento de natureza mais eclética, ao buscar uma definição de direitos humanos, ressalta a existência de dois planos: o primeiro, numa posição de “suprapositividade”, levando em conta o que “deve ser”, e mais relacionado com a ideia de direito natural (seriam os chamados direitos morais); e um segundo plano, consistente nos denominados direitos fundamentais, ou direitos subjetivos jurídicos, que seriam os mesmos direitos do primeiro plano, mas já inseridos na ordem jurídica positiva. O primeiro plano, mais ligado à questão dos valores, define as exigências decorrentes da dignidade da pessoa humana, e assim fornece os parâmetros para a positivação.” Op. Cit., p. 109.
[5] “El problema de las relaciones entre los derechos humanos y los derechos naturales reviste una importância especial desde el punto de vista de la génesis de los derechos humanos. En efecto, mientras para el pensamento iusnaturalista la teoria la teoria de los derechos humanos surge como una prolongación de la de los derechos naturales, tal conexión es negada por los autores positivistas. Para estos últimos, como se puso de relieve al apuntar las diversas fundamentaciones de los derechos humanos, no existe una implicación entre ambos términos e incluso para algunos lo que existe es uma auténtica ruptura. (...). Basta por el momento señalar que se halla muy generalizada la tendência a considerar los derechos humanos como un término más amplio que el de los derechos naturales, aun desde la perspectiva doctrinal de quienes reconocen una vinculación entre ambas expresiones. Así, una tradición doctrinal, que tuvo ya una clara expreción em Thomas Paine, tende a considerar que los derechos humanos constituyen la conjunción de los derechos naturales, “aquellos que le corresponden al hombre por el mero hecho de existir”, y los derechos civiles, “aquellos que le correspondan al hombre por el hecho de ser membro de la sociedade.” Op. Cit., p. 32.
[6]“De ahí que gran parte de la doctrina entienda que los derechos fundamnetales sob aquellos derechos humanos positivizados em las constituciones estatales. Es más, para algún autor los derechos fundamentales serían aquellos princípios que resumen la concepción del mundo (...) y que informan la ideología política de cada ordenamento jurídico. Recientemente em el seno de la doctrina alemana se há querido concebir los derechos fundamentales como la sínteses de las garantias individuales contenidas em la tradición de los derechos políticos subjetivos y las exigencias sociales derivadas de la concepción institucional del derecho.” Op. Cit., p. 33.
[7] Confira-se as palavras de Angela di Stasi sobre o assunto: “In questa prospettazione la disciplina dei diritti fondamnetali costituisce uno degli aspetti caratterizzanti dela forma di Stato, in quanto sintesi degli aspetti principal dei rapporti tra Stato e società civile. Inoltre i principi stabiliti nelle Costituzioni, in luogo di essere ricondotti al diritto naturale, rappresentano gli effetti dela positivizzazione di quanto veniva ricondotto sotto l’impero del diritto naturale: la determinazione dela giustizia ed i diritti umani.” (STASI, Angela di. Il Sistema Americano dei Diritti Umani. Circolazione e mutamento di uma international legal tradition.G. Torino : Giappichelli Editore, 2004. p. 28)
[8] Assim menciona Ana Candida da Cunha Ferraz: “O texto em vigor, em seu Título II, já agora com a adoção do rótulo “direitos fundamentais” (que deixa de lado as denominações anteriores: declarações de direitos, direitos e garantias individuais etc) e englobando, nesse núcleo central, direitos das duas gerações – liberdades públicas, direitos do cidadão e direitos econômicos, sociais e culturais resumidos no próprio texto pela denominação “direitos sociais” – se caracteriza por ser analítico, regulamentista, compromissório e dirigente (...).” Direitos humanos fundamentais: positivação e concretização / Antonio Carlos Pedroso... [et al.]; organizado por Ana Candida da Cunha Ferraz. – Osasco : EDIFIEO, 2006. p. 164.
[9] Nesse sentido, leciona Vidal Serrano Nunes Junior: “Uma análise sistemática da Constituição Federal nos permite inferir a coexistência de dois critérios de delimitação dos direitos fundamentais: um formal e outro material. O critério formal vem retratado expressamente no Título II da Constituição Federal, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, que abrange cinco capítulos, a saber: (...). (...). Todavia, no próprio título citado, houve expressa alusão de que o rol dos direitos ali enumerados não é exaustivo. Logo, pode existir a integração de outros direitos, que tenham a mesma natureza e que persigam os mesmos objetivos. Nesse sentido, a clara indicação do §2º, do art. 5º, de nossa Constituição, prescrevendo que os “direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Deve-se proceder, no entanto, a uma investigação desses direitos e garantias “decorrentes dos regimes e dos princípios” adotados pela Constituição. Nesse sentido, a Constituição Federal, ao indicar em seu art. 1º, inc. III, o princípio da dignidade humana como fundamento do Estado Brasileiro, buscou, dentre outras coisas, atribuir uma unidade valorativa aos sistema de direitos fundamentais.” (A Cidadania Social na Constituição de 1988, São Paulo, Verbatim, 2009. p. 31-32)
[10] Sobre o assunto, veja-se a lição de Lauro Cesar Mazetto Ferreira: “A universalidade é fundamental para a proteção dos direitos humanos, posto que eles devem alcançar todas as pessoas. A condição de pessoa, ou melhor, o simples fato de ser pessoa, é o requisito único e exclusivo para a sua titularidade. (...).” Seguridade social e direitos humanos, Lauro Cesar Mazetto Ferreira. – São Paulo : LTr, 2007. p. 76.
[11] Confira-se a lição de Vidal Serrano Nunes Junior: “Os direitos fundamentais são universais, ou seja, destinados ao ser humano enquanto gênero, portanto, não podem ficar restritos a um grupo, categoria ou classe de pessoas.” Op. Cit., p. 38
[12] Lecomte du Noüy faz a distinção entre a inteligência e o mero instinto e, por atribuir a inteligência e a razão aos seres humanos, lhes confere também a dignidade que os difere dos demais seres da natureza. Confira-se: “L’intelligence est différente de l’instinct. (...). (...). L’intelligence humaine est différente de l’instinct, je le repète. (...). L’intelligence est une forme de l’activité du cerveau qui, comme les autres, ressortit aux lois de l’évolution générale. L’instinct est limité par le succès : adaptation parfaite, équilibre; l’intelligence, de même que les manifestations libres de l’esprit n’a d’autres bornes que celles de l’Evolution elle-même, dans un domaine où l’adaptation n’a plus de sens. L’adaptation implique la lutte contre la matière inerte; l’Evolution, à partir de l’apparition de la conscience humaine, implique la lutte contre la matière vivante, contre ce que l’homme recèle encore d’animal em lui, la lutte contre les instincts qui ont contribué à l’élaboration de la forme humaine, et qui, désormais, contredisent le príncipe générateur de l’Evolution. (...). C’est ce combat qui constitue le conflit humain, la forme actuelle de la lutte pour la vie, dont l’enjeu n’est plus la persistance de l’espèce en butte aux forces hostiles de la nature, mais la défense de la Dignité humaine née de ce conflit. L’Evolution nous apparaît comme une succession ininterrompue de batailles, (...). (...). Pourtant, c’est l’Esprit, la conscience humaine, qui doit triompher un jour, mais seule la victoire lui apportera la révélation de son écrasante supériorité et lui montrera la grandeur de l’engeu. S’il en était autrement, s’il n’était pas inquiet sur l’issue du combat, l’homme cesserait de lutter et l’Evolution s’arrêterait. C’est en luttant que l’homme s’humanise et c’est pour s’humaniser qu’il lutte. Pour l’être moral et intelligente, l’effort est plus q’un moyen d’atteindre le But, intuitivement conçu et inaccessible : il est la preuve même que ce But existe, et la réalité du But se dégage de la realité de l’effort.” NOÜY, Lecomte du. La Dignite Humaine. Brentano’s Editions Du Champ-de-Mars. p. 95-98.
[13] Também segundo lição de Vidal Serrano Nunes Junior: “Os direitos fundamentais possuem caráter histórico, ou seja, não frutificam de um arroubo legislativo ou de uma ideação teórica ocasional, mas constituem produto da história.” A Cidadania Social na Constituição de 1988, São Paulo, Verbatim, 2009. p. 35.
[14] Confira-se lição de Lauro Cesar Mazetto Ferreira: “Os direitos passam a ser tidos, após a Declaração Universal de 1948, além de universais, como uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, em que uns devem ser conjugados com os outros, para maior eficácia. (...). Devemos analisar os direitos humanos como um todo indivisível, em que um direito não se aplica sem a observância de outros. Eles são inter-relacionados e interdependentes, e não podemos conceber a existência dos direitos civis e políticossem os econômicos, sociais e culturais, e vice-versa. Podemos afirmar, dessa forma, que quanto mais conjugarmos e interagirmos os direitos humanos entre si, melhor será a proteção deles e sua eficácia para a preservação da dignidade humana. (...). (...). Visando eliminar de vez essa perversa diferença entre as duas classes de direitos humanos, a Resolução n. 32/130 da Assembléia Geral das Nações Unidas é clara e não deixa margem para interpretações duvidosas: “Todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes.” Op. Cit., p. 78-81.
[15] Nesse sentido leciona Ingo Wolfgang Sarlet: “A imbricação dos direitos fundamentais com a ideia específica de democracia é outro aspecto que impende seja ressaltado. Com efeito, verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípio democrático da autodeterminação do povo por intermédio de cada indivíduo, mediante o reconhecimento do direito de igualdade (perante a lei e de oportunidades), de um espaço de liberdade real, bem como por meio da outorga do direito à participação (com liberdade e igualdade), na conformação da comunidade e do processo político, de tal sorte que a positivação e a garantia do efetivo exercício de direitos políticos (no sentido de direitos de participação e conformação do status político) podem ser considerados o fundamento funcional da ordem democrática e, neste sentido, parâmetro de sua legitimidade. A liberdade de participação política do cidadão, como possibilidade de intervenção no processo decisório e, em decorrência, do exercício de efetivas atribuições inerentes à soberania (direito de voto, igual acesso aos cargos públicos, etc.), constitui, a toda evidência, complemento indispensável das demais liberdades. (...). No âmbito de um Estado social de Direito – e o consagrado pela nossa evolução constitucional não foge à regra – os direitos fundamentais sociais constituem exigência inarredável do exercício efetivo das liberdades e garantias da igualdade de chances (oportunidades), inerentes à noção de uma democracia e um Estado de Direito de conteúdo não meramente formal, mas, sim, guiado pelo valor da justiça material. (...).” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais / Ingo Wolfgang Sarlet. 3 ed. rev. atual e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2003. p. 66-68)
[16] CF, art. 1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...); III - a dignidade da pessoa humana; (...).”
[17] Confira-se nesse sentido as lições do mesmo autor Ingo Wolfgang Sarlet ao citar Konrad Hesse: “Neste contexto, importa referir a tese de Konrad Hesse, que, embora reconheça a existência de certas vinculações de natureza sistêmica (relação de especialidade e generalidade entre alguns direitos fundamentais, bem como similitudes no que concerne ao seu conteúdo), entende ser impossível sustentar o ponto de vista de um sistema autônomo e fechado integrado pelos direitos fundamentais da Lei fundamental. Para Hesse, os direitos fundamentais, apesar de comumente agrupados em um catálogo, são garantias pontuais, que se limitam à proteção de determinados bens e posições jurídicas especialmente relevantes ou ameaçados. De outra parte, a existência de direitos fundamentais dispersos no texto constitucional, a ausência de uma fundamentação direta de todos os direitos fundamentais no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o estreito entrelaçamento entre os direitos fundamentais e o restante das normas constitucionais, impedem, segundo a perspectiva de Hesse, a existência de um sistema autônomo, fechado (no sentido de isento de lacunas), tal como sustentado por parte da doutrina e, ao menos de forma majoritária, pelo próprio Tribunal Federal Constitucional. Com base no que foi exposto e à luz do direito constitucional pátrio, verifica-se, de plano, ser inviável a sustentação, também entre nós, da concepção segundo a qual os direitos fundamentais formam um sistema em separado e fechado no contexto da Constituição. (...).” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais / Ingo Wolfgang Sarlet. 3 ed. rev. atual e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2003. p. 78).
[18] E continua Ingo Sarlet: “Postas estas questões preliminares, há como concluir, desde já, que, em se reconhecendo a existência de um sistema dos direitos fundamentais, este necessariamente será, não propriamente um sistema lógico-dedutivo (autônomo e auto-suficiente), mas, sim, um sistema aberto e flexível, receptivo a novos conteúdos e desenvolvimentos, integrado ao restante da ordem constitucional, além de sujeito aos influxos do mundo circundante. (...).” (Op. Cit., p. 79-80)
[19] ABBAGNANO, Nicola, 1901-1990. Dicionário de filosofia / Nicola Abbagnano ; tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi ; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. – 6ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 556.
[20] Houaiss, Antonio, 1915-1999 Minidicionário Houaiss da língua portuguesa / {Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar ; elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa}. – 4. ed. rev. e aumentada. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2010. p. 382.
[21] CPC, art. 6o “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”
[22] CF/88, art. 5º, “XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (...).
[23] “O sujeito passivo do mandado de segurança será, sempre, a pessoa jurídica que deverá suportar os encargos da decisão do mandado de segurança. Destarte, sujeitos passivos serão sempre União, Estados, Municípios ou delegados de serviço público, sejam dirigentes de estatais ou concessionárias de serviço.” (FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de segurança. São Paulo : Malheiros Editores Ltda, 2009. p. 23)
[24] Sobre o assunto, ainda Lucia Vale Figueiredo: “Autoridade coatora é o agente administrativo que pratica ato passível de constrição. Na verdade, é aquela que efetivamente pratica o ato, ou que tem poder legal de praticá-lo, nos casos de omissão. Portanto, autoridade coatora será aquela designada pelo ordenamento jurídico, aquela a quem a regra de competência obriga à prática do ato.” (Op. Cit., p. 23)
[25] É nesse sentido a lição de Hely Lopes Meirelles: “O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 30ª ed. São Paulo : Malheiros Editores Ltda, 2007. p. 40)
[26] “(...), tutele direitos coletivos. Entretanto, impende indagar: teria o mandado de segurança coletivo visado, apenas e tão-somente, à tutela dos direitos coletivos, como já conceituados? Ou, na verdade, no texto constitucional foi o vocábulo utilizado de maneira atécnica, tal seja, o gênero para as duas espécies: coletivo e difuso? Ao palmilharmos o texto constitucional, é possível afirmar que, pelo menos, o Diploma Básico não proíbe a proteção dos direitos difusos por meio do mandado de segurança coletivo.” (FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de segurança. São Paulo : Malheiros Editores Ltda, 2009. p. 33)
[27] Assim leciona Diomar Ackel Filho: “O objeto do habeas corpus é a defesa da liberdade física ameaçada ou obstada. (...). A nós não preocupa, na simplicidade, mergulhar na pesquisa dos variegados conceitos e classificações a respeito. Importa-nos, sim, fixar que a liberdade é um poder de disposição sobre si próprio, permitindo o livre-arbítrio dentro do grupo social, com o dever correlato de respeito à liberdade alheia, sempre consoante às permissões e proibições estabelecidas para a convivência regular. Esse poder de disponibilidade começa pela liberdade física ou pessoal, que é o livre-arbítrio em termos de ir e vir, estar e ficar. (...). ” (ACKEL FILHO, Diomar, 1946- Writs constitucionais : “habeas corpus”, mandado de segurança, mandado de injunção, “habeas data” / Diomar Ackel Filho. – São Paulo : Saraiva, 1988. p. 30)
[28] CPP, “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (...). § 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. (...).”
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
[29] Nesse sentido, confira-se a lição de Luís Pinto Ferreira: “(...), o pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação, como a sua real natureza, mas pode, no sistema de duplo grau de jurisdição, assumir o caráter de recurso, pois é evidente que pode servir ainda contra decisões do juiz de 1ª instância, para que sejam revistas pelos tribunais ou pela superior instância.” (Teoria e prática do “habeas corpus” / Pinto Ferreira. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 1982. p. 12). Sobre o assunto, leciona ainda Paulo Lúcio Nogueira: “A questão de sua natureza tem sido controvertida, pois alguns como Galdino Siqueira e Magalhães Noronha, entendem que se trata de um recurso especial. (...). Sobre o assunto, assim opina Pontes de Miranda: “Outro erro grave é o de se falar de recurso de habeas-corpus. Habeas-corpus não é recurso; habeas-corpus é ação: a ação de habeas-corpus supõe a pretensão ao habeas-corpus, a tutela jurídica (pré-processual) e exerce-se com ‘ação’ de ritmo legalmente estabelecido.” (Instrumentos de tutela de direitos constitucionais : teoria, prática e jurisprudência / Paulo Lúcio Nogueira. – São Paulo : Saraiva, 1994. p. 8-9)
[30] Nesse sentido, confira-se as palavras de Paulo Lúcio Nogueira: “Diz o art. 654 do Código de Processo Penal: “O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”. Portanto, tem legitimidade ativa para impetrar o remédio constitucional qualquer pessoa, independente de idade, de profissão ou de condição social, até mesmo o analfabeto, desde que alguém assine a rogo (CPP, art. 654, §1.º, c), pois não se admite só com sua impressão digital (...). Em se tratando de impetração por pessoa jurídica, em favor de alguém, a representação legal deve ser comprovada de imediato ou no prazo assinado (...).” (NOGUEIRA, Paulo Lúcio, 1930- Instrumentos de tutela de direitos constitucionais: teoria, prática e jurisprudência / Paulo Lúcio Nogueira. – São Paulo : Saraiva, 1994. p. 10)
[31] Também segundo lições de Paulo Lúcio Nogueira, “Em regra, o habeas corpus é impetrado contra os atos de autoridade que age com abuso de poder. O insigne Hélio Tornaghi entende que “o habeas corpus só é cabível quando o coator exerce função (lato sensu) pública. A coação exercida por um particular configurará o crime de cárcere privado (CP, art. 148) ou de constrangimento ilegal (CP, art. 146), ou de ameaça (CP, art. 147), e as providências conta o coator devem ser pedidas à polícia. No entanto, o remédio tem também cabimento quando houver prática de ilegalidade proveniente de particulares, que venham a constranger ou mesmo deter alguém. Embora o particular possa ser enquadrado em algum crime, nada obsta que se admita a impetração da ordem, sem prejuízo do processo crime.” (Op. Cit., p. 12)
[32] Sobre o objeto mediato leciona Diomar Ackel Filho: “(...) Importa-nos, sim, fixar que a liberdade é um poder de disposição sobre si próprio, permitindo o livre-arbítrio dentro do grupo social, com o dever correlato de respeito à liberdade alheia, sempre consoante às permissões e proibições estabelecidas para a convivência regular. Esse poder de disponibilidade começa pela liberdade física ou pessoal, que é o livre-arbítrio em termos de ir, vir, estar e ficar. (...).” (Op. Cit., p. 30)
[33] CF/88, art. 5º, “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...).”
[34] LEP, “Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.”
“Art. 11. A assistência será: (...); VI - religiosa.”
“Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.”
[35] Confira-se sobre o assunto a lição de José Carlos Barbosa Moreira: “(...) não é lícito a quem quer que seja utilizar o habeas data para obter informações (menos ainda para tentar retificá-las) que digam respeito a outrem. (...).” (O habeas data brasileiro e a sua lei regulamentadora. / Habeas Data / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 135-6)
[36] Sobre o sujeito passivo, Antonio Carlos Segatto manifesta-se no seguinte sentido: “De forma conclusiva, o pedido deve ser deduzido em face de qualquer órgão público, denominadas entidades governamentais, ou de pessoas ou entidade de direito privado, mas de caráter público, desde que mantenham registros ou bancos de dados armazenados, e que possam vir a ser comunicados a terceiros, tais como malas diretas e o Serviço de Proteção ao Crédito. Por esse motivo, será legitimado passivo para a ação de habeas data, o próprio órgão ou entidade governamental ou de caráter público, depositária do registro ou banco de dados, devendo ser representada em juízo, por quem os seus estatutos ou regimentos venham a determinar.” (O instituto do habeas data : aspectos constitucionais e seus reflexos na legislação ordinária. Editora de Direito, 1999. p. 125-126).
Sobre o assunto, leciona ainda José Carlos Barbosa Moreira: “(...). A idéia essencial, como se vê, é a da comunicabilidade a terceiros: se a entidade se cinge a coligir e armazenar os dados para seu próprio e exclusivo uso, não infringirá a Constituição caso negue à pessoa de quem se trata o acesso ao conteúdo dos registros ou bancos. (...).” (Op. Cit., p. 131)
[37] Hely Lopes Meirelles, ao discorrer sobre o objeto em habeas data, ressalta: “O objeto do habeas data é, pois, o acesso da pessoa física ou jurídica aos registros de informações concernentes à pessoa e suas atividades, para possibilitar a retificação de tais informações. Para tanto, o procedimento judicial depende de prova e, por isso, terá rito ordinário ou especial, conforme dispuser a lei pertinente.” (Mandado de segurança. 30ª ed. atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo : Malheiros Editores Ltda, 2007. p. 259). Ainda sobre o assunto, e referindo-se às disposições da Lei n. 9507/97, José Carlos Barbosa Moreira discorre nos seguintes termos: “(...). O art. 13, atinente à sentença que julga procedente o pedido, cuida em separado de duas hipóteses, ordenando ao juiz marcar dia e hora para que o impetrado “apresente ao impetrante as informações a seu respeito” (inc. I) ou (atente-se na conjunção alternativa) “apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante” (inc. II; melhor seria dizer: “nos assentamentos relativos ao impetrante”). O legislador, tem-se a impressão, pressupôs que a este por força interessará, alternativamente, uma de duas providências: o acesso aos dados ou então a retificação ou anotação.” (Op. Cit., p. 137)
[38] Maria Garcia ressalta: “O habeas data é instituto também conectado a uma das liberdades públicas, o direito à informação (art. 5º, XXXIII), pelo qual “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular”. Mais, tem vinculação estreita com o direto à intimidade e à vida privada, honra e imagem – expressões do direito fundamental e básico da dignidade da pessoa, decorrente do art. 1º, III, da CF.” (Habeas data. O direito à informação. O direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Um perfil constitucional. / Habeas Data / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 225)
[39] CF, art. 5º, XXXIII. “(...) todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...).”
[40] CF, art. 5º, X. “(...) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...).”
[41] Sobre o assunto, confira-se lição de Antonio Carlos Segatto: “(...), o habeas data tem como elemento fundamental, a proteção de direitos da personalidade, porque autoriza a retificação de dados pessoais, indevidamente armazenados, os quais poderão causar, ao indivíduo, sérios prejuízos morais, principalmente em se tratando da honra, nome, vida privada, imagem.” (Op. Cit., p. 60)
[42] Sobre o assunto, leciona Tácito L. Maranhão Pinto: “O Mandado de Injunção busca resolver a situação concreta daquele que não pode valer-se de “direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” porque não existe norma infraconstitucional que lhe permita tal exercício de direito.” (PINTO, Tácito L. Maranhão. O mandado de injunção : trajetória de um instituto / Tácito L. Maranhão Pinto. – São Paulo : LTr, 2002. p. 31)
[43] Sobre os sujeitos ativo e passivo em mandado de injunção, leciona Tácito L. Maranhão Pinto no seguinte sentido: “A legitimidade ativa se dá na figura do titular do direito cujo exercício é impedido pela falta de norma regulamentadora. (...). (...). A legitimidade passiva há de recair sobre o sujeito passivo do direito constitucional, isto é, a pessoa pública ou privada à qual incumbe prestar o dever correspondente ao direito subjetivo do autor. Uma resolução do STF firma o entendimento de que a legitimidade passiva recai tão-somente sobre a autoridade ou órgão omissos, sem incluir a parte privada ou pública devedora da prestação.” p. 33-34
[44] Também sobre o assunto, manifestou-se Tácito L. Maranhão Pinto: “Três correntes se formaram ao redor do tema: a primeira, diz que se destina apenas a dar ciência ao órgão responsável pela omissão verificada; a segunda, para formular a regra faltante, com caráter genérico, erga omnes; e a terceira, para formular regra faltante, com caráter concreto, somente para a solução do caso submetido ao tribunal. Esta última é a predominante na doutrina. Assim, o Mandado de Injunção será o supridor de norma faltante para a solução do caso concreto, vinculando apenas as partes envolvidas.” (Op. Cit., p. 33) Ainda sobre o assunto, confira-se a posição de José da Silva Pacheco: “Este não visa determinar a regulamentação mediante advertência ou cominação dentro de certo prazo, como a alguns tem parecido, mas decidir, soberanamente, suprindo a lacuna legal, ordenando, se for o caso, o livre gozo e exercício do direito constitucional.” (Mandado de Segurança e outras ações constitucionais típicas / José da Silva Pacheco. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 343)
[45] Também nesse sentido a Lei 4717/65, art. 1º, caput: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”
[46] Sobre a legitimidade ativa para a demanda popular, leciona Rodolfo de Camargo Mancuso: “Na ação popular a “situação legitimante” é a constante no art. 5º, LXXIII, da CF e nos arts. 1º e 4º da Lei 4.717/65, ou seja, a atribuição, a qualquer cidadão, do direito a uma gestão eficiente e proba da coisa pública (patrimônio público, meio ambiente, moralidade administrativa). Sendo assim, tal “situação legitimante” deve passar, logicamente, pelo exame do conceito de “cidadão”. Inicialmente, cabe distingui-lo do “nacional do país”: este é a pessoa física que detém a condição de “brasileiro”, isso é, a nacionalidade brasileira, podendo esta ter se originado do nascimento no território brasileiro (=brasileiro nato) ou ter sido adquirida posteriormente (=brasileiro naturalizado). Todavia, somente essa condição de “brasileiro” não basta para conferir legitimidade ativa na ação popular, porque os textos exigem ainda o implemento da condição de eleitor, a saber: a prova de estar o brasileiro no gozo dos direitos políticos (direito de voto, que a Constituição Federal atribui, obrigatoriamente, “para os maiores de 18 anos” e, facultativamente, para “os analfabetos, os maiores de setenta anos, os maiores de dezesseis e menores de 18 anos”), vedado tal direito aos estrangeiros (art. 14, §1º, incisos e alíneas e §2.º).” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular / Rodolfo de Camargo Mancuso. – 5 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003. – (Controle jurisdicional dos atos do estado; v. 1 / coordenação Eduardo Arruda Alvim... [et al.]). p. 153-4)
[47] Confira-se as palavras de Eurico Ferraresi sobre o sujeito passivo em ação popular: “Os sujeitos passivos e assistentes da ação popular estão enumerados no art. 6º da Lei n. 4.717/65. Afirma citado dispositivo que a demanda será movida em face das pessoas públicas ou privadas e das entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.” (FERRARESI, Eurico, 1968- Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo : instrumentos processuais coletivos / Eurico Ferraresi – 1. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2009. p. 180)
[48] Lei n. 4717/65, art. 11. “A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.”
[49] Assim leciona José Afonso da Silva: “A demanda popular é constitutiva negativa e condenatória. Tem ela como objeto imediato pleitear, do órgão judicial competente: a) a anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou das entidades de que o Estado participe, ou da moralidade administrativa, ou do meio ambiente, ou do patrimônio histórico e cultural (Constituição, art. 5º, LXXIII, e Lei n. 4.717, art. 1º); e b) a condenação dos responsáveis pelo ato invalidado, e dos que dele se beneficiaram, ao pagamento de perdas e danos. O que se pede, pois, imediatamente, na demanda popular, é uma sentença constitutiva negativa, isto é, uma sentença que decrete a invalidade do ato lesivo. Em decorrência dessa decisão, deverá a sentença condenar os responsáveis em perdas e danos.” (Ação Popular Constitucional : doutrina e processo. 1ª ed. São Paulo : Malheiros Editores Ltda, 2007. p. 104)
[50] Também quanto ao objeto mediato leciona José Afonso da Silva: “(...). Se seu objetivo imediato, num caso concreto, é a obtenção de uma sentença que desfaça o ato lesivo ao patrimônio público, seu objeto mediato se constitui no restabelecimento do princípio da legalidade, fulcro do Estado Democrático de Direito, e na observância de rigorosa probidade no exercício da coisa pública, princípio nuclear do Estado democrático.” (Op. Cit., p. 108)
[51] CF, art. 5º, XXII: “é garantido o direito de propriedade; (...).”
[52] CF, art. 60. “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...); § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...); IV - os direitos e garantias individuais.”
Advogada especialista em Direito do Estado e das Relações Sociais, Mestranda em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAPELARI, Bruna. Os direitos humanos e o reflexo de sua indivisibilidade na utilização das garantias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44086/os-direitos-humanos-e-o-reflexo-de-sua-indivisibilidade-na-utilizacao-das-garantias. Acesso em: 22 nov 2024.
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