RESUMO: O texto é uma análise sobre os direitos das mulheres no Islamismo, em conjunto com uma concepção multicultural dos direitos, colocando em voga, principalmente, a questão da xenofobia na França.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos; Cosmopolitismo; Direitos fundamentais.
INTRODUÇÃO
O texto abordado, além do "Para uma Concepção Multicultural dos Direitos Humanos" do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos, foi o artigo "O Mundo Muçulmano em uma Era Global: A Proteção dos Direitos das Mulheres" do Prof. Dr. Mahmood Monshipouri, iraniano e erradicado nos Estados Unidos. Ele aborda principalmente a questão do surgimento do feminismo islâmico, ou seja, do reconhecimento dos direitos das mulheres, em um primeiro momento e o mais importante, pelas próprias mulheres. Digo o mais importante, pois, sem esse autorreconhecimento, não haveria busca ou luta nenhuma. É algo muito novo principalmente pensado no mundo islâmico.
FEMINISTAS SECULARES E ISLÂMICAS
No Mundo Islâmico, mesmo dentro dos debates entre as feministas, existem divergências. Há feministas seculares, que optaram por se desligar completamente da religião, ou por não acreditarem nos ensinamentos, ou por acharem o islamismo opressor e machista. Essas entravam em conflito com as feministas que reafirmavam sua crença, porém, não a via como machista em si, mas seus dizeres foram manipulados como justificação. Há diversos especialistas que apoiam e corroboram com esse ponto de vista, há, inclusive, diversos estudos nesse sentido. Esses grupos com essas dissidências enfraqueciam bastante o movimento feminista como um todo e não viam como superar suas diferenças. Porém, com o tempo, os dois grupos começaram a se entender melhor e focar mais fortemente nos pontos em comum, que haviam muitos. Os principais são as lutas contra a violência doméstica sofrida pelas mulheres, pelas reformas educacionais para permitirem às mulheres acesso aos centros de ensino, pela não-discriminação por gênero. Esses vínculos e identidades são reforçados cada vez mais pelo contato com diversas organizações e movimentos de mulheres, tanto nacionais como internacionais.
A INTERNET
O fator primordial para diversos grupos feministas, não para todos, foi a difusão de ideias e estilos de vida pela internet. Foi um meio muito importante para o contato entre os diversos grupos feministas do mundo inteiro. Com essa relação comunicativa, mulheres islâmicas foram percebendo que a realidade delas não precisava ser daquela maneira imposta de forma tão machista. Nem para todos os grupos isso foi essencial, pois, em alguns lugares, esse pensamento surgiu espontaneamente, ou seja, sem uma influência direta externa.
Mulheres sofriam abusos dentro de casa, principalmente, pelo marido e nada podiam fazer sair dessa realidade. Em diversos países muçulmanos, existe a lei religiosa, que justifica várias ações abusivas de maridos para com suas esposas, pois davam direito a ele de vida e morte sobre a mulher. Um grande exemplo no Brasil foi o caso de Nariman Osman Chiah, uma brasileira muçulmana que casou-se com um libanês, mudou-se para o país do marido e começou a viver um verdadeiro pesadelo. Apanhava muitas vezes dentro de casa, foi proibida pelo marido de deixar o país e, caso o fizesse, poderia ser presa por tempo a ser determinado pelo marido, Ahmed.
LOCALISMO GLOBALIZADO E COSMOPOLITISMO
O texto do Boaventura traz definições excelentes de diversos tipos de globalização. Ele traz essas distinções por considerar não apenas o âmbito econômico, mas amplia também para os políticos, sociais e culturais. Com isso, ele aumenta a complexidade das relações analisadas e a pluralidade das "globalizações". No artigo proprimente dito, o autor diferencia quatro tipos: o globalismo localizado, o localismo globalizado, o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade. Os relevantes para a nossa discussão no momento são o cosmopolitismo e o localismo globalizado.
Localismo globalizado "consiste no processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso" (Boaventura, pág. 13). Observei que tal tipo de globalização pode ser comparada à influência que a internet teve sobre as feministas de países islâmicos. Foi um meio de propagar uma cultura de um local, nesse caso, do Ocidente, para o Oriente. Considera-se que o "fenômeno" foi "globalizado com sucesso", pois alterou a mentalidade de muitas mulheres que se apresentavam infelizes com a própria realidade.
Sobre cosmopolitismo (idem, pág. 13-14):
As formas predominantes de dominação não retiram dos Estados-nação, regiões, classes ou grupos sociais subordinados a oportunidade de se organizarem transnacionalmente na defesa de interesses percebidos como comuns, e de usarem em seu benefício as possibilidades de interação transnacional criadas pelo sistema mundial.
Esse processo foi completamente característico do fenômeno que ocorreu, em um segundo momento, com as feministas, tanto islâmicas, quanto seculares. Depois de serem inspiradas por novas ideias, essas mulheres começaram a questionar a própria situação e buscaram força em outras feministas. Redes mundiais feministas, como a "Mulheres Vivendo sob o Direito Muçulmano" (Women Living under Musling Law), dentre outras, formam uma cadeia transnacional de cooperação e apoio mútuo entre mulheres e apoiadores da causa.
PROIBIÇÃO DO USO DOS NIQABS NA FRANÇA
Na França, em abril de 2011, foi proibido o uso dos niqabs, ou véus islâmicos integrais na rua pelas mulheres muçulmanas. Isso fere completamente os direitos humanos das mulheres, porém mascarando-se de proteção aos mesmos. Porém, viola preceitos básicos que são a liberdade individual da pessoa, sua liberdade de crença, de expressão, de pensamento. A mulher ao usar o véu apenas reafirma a sua fé, não interfere na liberdade de nenhuma outra pessoa, portanto, sua liberdade também não deve ser tirada.
Como já foi exposto durante este artigo, há diferenças de mentalidade entre as diversas mulheres do mundo, mesmo dentro dos grupos de feministas seculares, de feministas islâmicas e de não-feministas. Garantindo esse direito das mulheres a usarem o seu véu, garante-se o direito de todos esses grupos, pois permanece o daquelas que optaram por não usar o véu e preservaram também o das que escolheram usá-lo.
Primeiramente, o tipo de punição que a mulher que desrespeitar essa lei vai receber necessita de uma análise própria. Uma multa de 150 euros ou um curso de "instrução cívica", isso faz imaginar que alguém que precisasse ser "civilizada". Algo completamente preconceituoso, descabido e sem a menor fundamentação.
Isso traz outro ponto consigo, pois foram levantados argumentos xenófobos de que se a pessoa quer que sua religião ou cultura seja respeitada, ela deve se encaminhar para o seu próprio país, sua própria terra, com os seus semelhantes.
Talvez se possa dizer que está se analisando a decisão francesa com base em um determinado conjunto de valores próprios. Entretanto, não se poderia analisar de outra forma, considerando a França o berço da cultura ocidental como é conhecida hoje após a Revolução Francesa.
Um ponto mais interessante, no entanto, é associar o véu muçulmano à opressão sofrida pelas mulheres. É preciso voltar aqui à questão das diferentes mentalidades diante de tão diversos grupos de feministas. Há de se lembrar que existe um grupo não-alienado de mulheres que defende sim a sua crença, sua religião. Portanto, é incorreto afirmar que as mulheres são vítimas por serem obrigadas a usar o véu.
É verdade que não se pode negar que ocorre essa opressão de fato, porém, aquela não pode ser a solução utilizada para lutar contra esse problema. Há questões muito maiores para se resolver quanto isso, como, por exemplo, o crescente aumentos nas taxas de violência doméstica, que só tendem a aumentar com a proibição. Como para determinados fiéis do islã é terminantemente proibido que a mulher saia descoberta de alguma forma, um efeito colateral da medida poderia ser também a prisão dessas mulheres em casa. Com isso, essas mulheres perderiam os seus direitos ao estudo e até sua liberdade de ir e vir.
REFERÊNCIAS
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma concepção multicultural dos Direitos Humanos. Revista Contexto Internacional, Rio de Janeiro, vol. 23, nº 1, janeiro/junho, 2001, p. 7-34.
MONSHIPOURI, Mahmood. O Mundo Muçulmano em uma Era Global: A Proteção dos Direitos das Mulheres. Revista Contexto Internacional, Rio de Janeiro, vol. 26, nº 1, janeiro/junho, p. 187-217.
REPORTAGEM: Não aguentava mais apanhar todos os dias. Marie Claire, outubro. 2008. Parte integrante da edição 211. Disponível em http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML1689273-1740-1,00.html
1 NOTÍCIA Proibição de véu islâmico entra em vigor com protesto na França, de 11/04/2011, disponível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/04/mulheres-detidas-em-manifestacao-a-favor-do-uso-do-veu-islamico-em-paris.html e http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI225300-15228,00.html
2 NOTÍCIA Violência contra a mulher cresce na França, de 22/01/2011, disponível em http://www.portugues.rfi.fr/franca/20110122-violencia-contra-mulher-crece-na-franca
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELOSO, Ana Lucia de Melo Amorim. Lutas por reconhecimento: limites e possibilidades de uma concepção multicultural dos Direitos Humanos: A proteção dos direitos das mulheres no Mundo Islâmico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44147/lutas-por-reconhecimento-limites-e-possibilidades-de-uma-concepcao-multicultural-dos-direitos-humanos-a-protecao-dos-direitos-das-mulheres-no-mundo-islamico. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Andrea Kessler Gonçalves Volcov
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
Precisa estar logado para fazer comentários.