Resumo: Este artigo trata da tensão existente entre a presunção de inocência e a liberdade de imprensa, ambas constitucionalmente previstas. Nessa linha, problematiza-se o tema com as seguintes indagações: a cobertura midiática de crimes, em especial aqueles cometidos com violência física, pode influenciar a formação de convicção nos jurados? Caso positivo, como conciliar da melhor forma a presunção de inocência de que goza o réu com a liberdade de imprensa que gozam os veículos de comunicação, de forma que os fatos por esses noticiados não prejudiquem a ampla defesa daquele? Após brevíssima análise do princípio da presunção de inocência, do princípio da liberdade de imprensa e dos efeitos que a cobertura da mídia exerce sobre os jurados, propor-se-á que, quando da notícia de crimes por parte da imprensa, sejam omitidos nomes, fotos e outras características dos envolvidos que possam levar a sua identificação e formação de prejuízos na sociedade, de onde são escolhidos os jurados.
Palavras-chave: Presunção de Inocência. Liberdade de Imprensa. Tribunal do Júri.
Sumário: 1 Introdução. 2 Presunção de Inocência. 2.1 Garantia Política. 2.2 Norma de Tratamento. 2.3 Norma de Julgamento. 3. Liberdade de Imprensa. 4. A Cobertura Midiática em Matéria Penal e sua Influência no Tribunal do Júri. 4.1 Características gerais da cobertura de matérias penais pela mídia. 4.2 Exemplos de coberturas jornalísticas. 4.2.1 Caso dos Irmãos Naves. 4.2.3 Caso do Bar Bodega 4.2.3 Caso Nardoni. 4.3 Estudos psicológicos acerca da influência exercida por notícias jornalísticas na formação da convicção dos jurados. 5. A Necessária Conciliação entre a Presunção de Inocência e a Liberdade de Imprensa. 5.1 Regra da Proporcionalidade. 5.1.1 Adequação. 5.1.2 Necessidade. 5.1.3 Proporcionalidade em sentido estrito. 5.1.4 Lei do Sopesamento. 5.2 Proposta concreta. 5.1.1 Sub Judice Contempt. 5.2.2 Suppression Order. 5.3 Propostas para o Direito Brasileiro. 6 Conclusão. Referências.
1 Introdução.
Com o recente passamento do Professor Nasser Abrahim Nasser Netto, a sociedade jurídica, em especial a amazonense, se viu órfã de um de seus maiores cultores. Seus ensinamentos como professor, seu amor pela ciência jurídico-penal, sua atuação irrepreensível como Promotor de Justiça e seu apego irrestrito aos direitos e garantias fundamentais do réu (que ele costumava chamar ludicamente de “rei”), contudo, vivem ardentemente dentro de todos aqueles que, como este autor, tiveram a honra e a oportunidade de ser seus alunos e, em meu caso, orientando em monografia de conclusão de curso. Em minha obra doutrinária e em meus artigos jurídicos publicados é claríssima, para quem conheceu as ideias do Professor Nasser, sua influência em todas as linhas ali escritas.
Justamente lembrando de sua intransigência com os direitos fundamentais do réu é que se escolheu o tema sempre palpitante da presunção de inocência diante da cobertura midiática cada vez mais escandalosamente sensacionalista e pré-julgadora que os vários veículos de comunicação (televisão, revistas, livros, jornais, internet e etc.) empreendem em matéria criminal.
Atualmente, ninguém pode colocar em dúvidas a importância democrática das informações obtidas através da mídia; tanto assim o é que a liberdade de imprensa, no Brasil, possui raiz constitucional (art. 220 da Constituição de 1988).
Contudo, não é menos verdadeiro que, devido à maciça exposição dos consumidores, a mídia também acaba, muitas vezes, atuando como “formadores de opinião”, já que ela influencia sobremaneira o modo como as pessoas observam e avaliam os fatos sociais, dos quais muitas vezes somente tem conhecimento justamente por meio da notícia que consomem.
O presente texto, assim, objetiva a analisar a representação dos crimes, em especial aqueles cometidos contra a vida, a serem julgados pelo Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “d”, da Constituição de 1988) nas mídias de notícia historicamente mais representativas – televisão e jornais – e o modo como essa representação influencia a formação da convicção dos jurados nos casos noticiados para, ao final, propor um modo de conciliar os princípios da presunção de inocência e da liberdade de imprensa, de forma a possibilitar que a cobertura midiática dos crimes não resulte em formação de opinião (quase sempre condenatória) preconcebida nos jurados.
Ao final, cumpre dizer que o presente artigo faz uma revisão de literatura com base no método de abordagem dedutivo, utiliza como técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica a partir de documentos como livros, manuais, códigos e periódicos, que, proporcionando um novo enfoque sobre o tema, serviram de base para as conclusões do autor.
2 Presunção de Inocência
O princípio da presunção de inocência[1] remonta ao direito romano e sua máxima in dubio pro reo. De fato era notória a preocupação dos romanos com tal instituto, podendo ele ser visto nos escritos de Trajano (“Satius est impunitum relinqui facinus nocentis quam innocentem damnari”, “é melhor ser considerado ruim do que culpar um inocente”), na máxima de Paulo “ei incubit probatio qui dicit non qui negat” (“a prova incumbe a quem afirma, não a quem nega”) e nos brocardos medievais “affirmanti, non neganti, incucumbit probatio” e “actore non probante, reus absolvitur” (“ao que afirma, não ao que nega, incumbe a prova” e “[se] o autor não prova, o réu é absolvido”).
No decorrer da Idade Média, com a instituição das práticas inquisitoriais – que atingiram seu ápice com a edição do Directorium inquisitorum (Manual do Inquisidor), por Nicolas Eymerich, e do Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), por Heinrich Kraemer e James Sprenger –, este princípio foi cada vez mais fragilizado. Como adverte Ferrajoli:
... apesar de remontar ao direito romano, o princípio da presunção de inocência até prova em contrário foi ofuscado, se não completamente invertido, pelas práticas inquisitoriais desenvolvidas na Baixa Idade Média. Basta recordar que no processo penal medieval a insuficiência da prova, conquanto deixasse subsitir uma suspeita ou dúvida de culpabilidade, equivalia a uma semiprova, que comportava juízo de semiculpabilidade e uma semicondenação a uma pena mais leve. (FERRAJOLI, 2006, p. 506)
Assim, enquanto vigeu em sua plenitude o processo penal inquisitorial, de base romano-canônica, o princípio da presunção de inocência foi solapado do pensamento jurídico, de forma que o réu era tratado pelo Estado-juiz, desde o início, como se culpado fosse, cabendo a ele provar, extreme de dúvidas, sua inocência e, mesmo que o provasse, nem sempre sua absolvição podia ser dada como certa.
Foi apenas no fim do século XVIII, mais precisamente em 1789, com a Revolução Francesa e seu repúdio às práticas absolutistas dos monarcas, que o princípio da presunção de inocência veio novamente a ser destaque, com a tomada da Europa pelos ideais iluministas. Assim, em 26 de agosto de 1789 a Assembleia Constituinte francesa aprova sua famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC), onde pela primeira vez a presunção de inocência é elevada à categoria de direito positivo (e fundamental), no art. 9º da Declaração: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, caso seja considerado indispensável prendê-lo, todo rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.
Alguns séculos mais tarde, após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, em 1948 a Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), visando a maior observância da dignidade da pessoa humana. Tal Declaração trazia em seu bojo a previsão da presunção de inocência, como se pode ver de seu art. 11.1: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo penal público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa.”.
No Brasil, a presunção de inocência veio a ser consagrada na Constituição Federal de 1988 (CRFB), em seu art. 5º, LVII, nos seguintes termos: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”.
Hoje, não se duvida que a presunção de inocência constitui “dogma de sistema processual acusatório” e que se insere “entre as garantias do devido processo legal” (ARANTES FILHO, 2010, p. 25). Nas palavras de Ferrajoli, trata-se de “...uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado.” (2006, p. 506).
Segundo a doutrina de Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, a presunção de inocência pode ser vista por três enfoques distintos, mas complementares: “Atualmente, a doutrina analisa a presunção de inocência sobre vários enfoques: a) como garantia política do estado de inocência; b) como regra de julgamento no caso de dúvida: in dubio pro reo; c) como regra de tratamento do acusado ao longo do processo” (2003, p. 280)[2].
Examinar-se-á brevemente tais facetas a seguir.
2.1 Garantia Política.
A presunção de inocência é, sem dúvida alguma, garantia política do Estado Democrático de Direito. Tem ela estreita ligação com o princípio do devido processo legal, que assegura ao cidadão, contra a violência estatal, os valores de liberdade, verdade e segurança (FERRAJOLI, 2006, p. 506).
Por se tratar de direito humano (e fundamental), percebe-se que deve ele ser respeitado não só pelas autoridades públicas (dentre elas as judiciais), mas também pelos concidadãos (ARANTES FILHO, 2010, p. 26)[3].
Como garantia política, pois, o estado jurídico de inocência deve expressa em termos gerais: é assegurada a todos os indivíduos, indistintamente, e deve ser observada por todos os indivíduos e autoridades públicas, sem exceção.
2.2 Norma de Tratamento.
Vista como norma de tratamento, a presunção de inocência dita que acusados não podem ser tratados como condenados. A presunção de inocência, então, deve sempre nortear a persecução penal, seja ela investigativa ou processual.
É por isso que, adverte Pacelli, “...o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação...” (2009, p. 37).
Também se extrai da garantia como norma de tratamento que se torna impossível se extrair da mera investigação ou acusação efeitos prejudiciais ao investigado ou ao imputado[4]. Como resta bem claro do texto constitucional, somente a coisa julgada pode elidir o estado jurídico de inocência.
Por esse motivo, a jurisprudência de nossa Suprema Corte repudia, com razão, qualquer tipo de medida que se traduza em prévio reconhecimento de culpa, tais como o uso da prisão preventiva como antecipação de pena[5] ou o uso de algemas pelo réu em sessões plenárias, quando não justificada a necessidade da medida[6].
É também este o motivo que obriga a todas as medidas privativas de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória o caráter cautelar, por meio de decisão judicial motivada: “...o estado de inocência […] proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, quando não fundada em razões de extrema necessidade, ligadas à tutela da efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal.” (OLIVEIRA, 2009, p. 37).
Também conexa à presunção de inocência como norma de tratamento é a questão da publicidade dos atos processuais, tema central deste artigo e que será tratada com vagar mais adiante.
2.3 Norma de Julgamento.
Por fim, a presunção de inocência também deve ser vista como norma de julgamento.
A concretização de um justo julgamento não depende somente da observância dos cânones legais para a declaração de culpabilidade (ARANTES FILHO, 2010, p. 30).
A condenação deve sempre ter como fundamento provas lícitas (art. 5º, LVI, da CRFB) e suficientes (art. 386, VII, do CPP). Neste ponto, a presunção de inocência volta a exercer o papel que lhe atribuía o direito romano: in dubio pro reo.
Como bem pregado por Pacelli:
… todos os ônus da prova relativa à existência do fato e sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria apenas demonstrar a eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada. (2009, p. 37).
Por isso a advertência do Pretório Excelso, magistralmente resumida na ementa cunhada pelo Min. Celso de Mello:
É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). (STF, HC 83947/AM, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 01/02/2008).
Ademais, exige-se, também, a fundamentação adequada das decisões (art. 93, IX, da CRFB) e que a denúncia formulada seja apta (arts. 41 e 395, I, do CPP). Como disse o Min. Celso de Mello, no acórdão acima identificado: “O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas.” (STF, HC 83947/AM, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 01/02/2008).
Em breves linhas, essas as características principais do princípio da presunção de inocência.
3 Liberdade de Imprensa
A liberdade de imprensa é indissociável da democracia.
Foi ela positivada pela primeira vez, também, na DDHC, em seu art. 11, que assim previa: “A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.”.
Entre nós, está ela positivada constitucionalmente no art. 220 da CRFB, além dos art. 5º, IV, IX, X e XIV. Resta bem claro, da leitura de tais dispositivos, que a proteção constitucional à liberdade de imprensa existe no intuito de impedir que o Estado cerceie ou dificulte a circulação e o acesso às informações, bem como interfira na liberdade destas informações, como tristemente se deu em nosso país após o Golpe Militar de 1964, tempos negros de nossa história.
Flávio Prates e Neusa Tavares bem resumem a finalidade da liberdade de imprensa:
Cumpre observar que o direito de informar, ou ainda, a liberdade de imprensa leva à possibilidade de noticiar fatos, que devem ser narrados de maneira imparcial. A notícia deve corresponder aos fatos, de forma exata e factível para que seja verdadeira, sem a intenção de formar nesse receptor uma opinião errônea de determinado fato. O compromisso com a verdade dos fatos que a mídia deve ter vincula-se com a exigência de uma informação completa, para que se evitem conclusões precipitadas e distorcidas acerca de determinado acontecimento. (2008, p. 35)
Em razão da previsão da liberdade de imprensa na CRFB, tem-se a impossibilidade de censura, o livre exercício da profissão, a liberdade de informação e liberdade de pensamento. Assim, a liberdade de imprensa surge como meio de defesa às liberdades a que tem direito o cidadão, tendo sido a imprensa declarada livre.
Esta é também a posição jurisprudencial, a qual tem advertido que “no exercício do direito fundamental de liberdade de imprensa, havendo divulgação de informações verdadeiras e fidedignas, de interesse público, não há falar em configuração de dano moral.” (AgRg no AREsp 163.884/RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe 07/11/2014).
O STJ reiteradamente tem decidido que a liberdade de imprensa prevista na Constituição permite aos meios de comunicação a publicação de matérias jornalísticas de fatos ainda sob investigação ou quando ainda não comprovada a participação da pessoa nas condutas noticiadas, desde que baseada a matéria em fontes fidedignas:
4. A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade.
5. O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará.
6. Na hipótese dos autos, as fontes da notícia eram fidedignas – depoimentos prestados por corretor de câmbio à Procuradoria Geral da República. Além disso, conforme consta do acórdão, procurou-se ouvir os recorrentes.
7. A diligência que se deve exigir da imprensa, de verificar a informação antes de divulgá-la, não pode chegar ao ponto de que notícias não possam ser veiculadas até que haja certeza plena e absoluta da sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual se exige cognição plena e exauriente acerca dos fatos analisados.
8. Não houve, por conseguinte, ilicitude na conduta dos recorridos, devendo ser mantida a improcedência do pedido de compensação por danos morais.
9. Recurso especial desprovido. (REsp 1414887/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 28/11/2013)
Contudo, essa mesma jurisprudência alerta que “referida liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, podendo ser relativizado quando colidir com o direito à proteção da honra e à imagem dos indivíduos, bem como quando ofender o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.” (AgRg no AREsp 163.884/RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe 07/11/2014).
Por isso, constitui abuso do direito de liberdade de imprensa, p. ex.: (a) a descrição fatos efetivamente ocorridos, mas com afirmações imprecisas, abusando de recursos retóricos e que geraram dúvida quanto à conduta da pessoa noticiada (AgRg no AREsp 163.884/RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe 07/11/2014); (b) a matéria extrapola o animus narrandi, tendo por escopo nodal atingir a honra e a imagem da pessoa, com o agravante de se utilizar como subterfúgio informações inverídicas, evidenciando, no mínimo, displicência do jornalista na confirmação dos fatos trazidos pela sua fonte (REsp 1414004/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 06/03/2014); (c) a utilização de no ato de qualificações pejorativas e xingamentos (REsp 1328914/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 24/03/2014).
Assim, verifica-se que, desde que demonstrado que houve busca de fontes fidedignas e que os fatos noticiados contem com aparência mínima de veracidade, é livre à imprensa a veiculação de notícias que relatem envolvimento de pessoas em atos ilícitos, desde que não descampem para a ofensa pessoal ou veiculem informações imprecisas, limitando-se ao animus narrandi.
4. A Cobertura Midiática em Matéria Penal e sua Influência no Tribunal do Júri.
Estudadas as principais características do princípio da presunção de inocência e da liberdade de imprensa, resta estudar a forma como a liberdade de imprensa pode afetar as decisões dos jurados integrantes do Conselho de Sentença. Antes disso, contudo, é necessário uma reflexão acerca do modo como a mídia costuma atuar em casos relativos à matéria penal.
4.1 Características gerais da cobertura de matérias penais pela mídia.
O papel da mídia é o de propagar informações, abastecendo o “livre mercado das ideias”, ou seja, os indivíduos se utilizam dos meios de comunicação para que possam se manter informados e para que consigam se comunicar, dentro de seus ambientes sociais, sobre os acontecimentos ocorridos no mundo.
A mídia, pois, desempenha um decisivo papel no desenvolvimento das atitudes públicas em relação aos crimes[7], especialmente ao borrar e modificar as fronteiras arbitrárias entre as condutas lícitas e ilícitas e entre criminosos e não criminosos[8]. É atento a motivos deste jaez que Eugenio Raúl Zaffaroni elenca as agências de comunicação social em seu rol de agências do sistema penal (2002, p. 19).
O compromisso da imprensa – cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações – com o empreendimento neoliberal é a chave da compreensão dessa especial vinculação mídia – sistema penal, incondicionalmente legitimante [...] Agora, na forma de uma deusa alada onipresente vemos uma criminalização que resolve problemas, que influencia a alma dos seres humanos para que eles pratiquem certas ações e se abstenham de outras [...] A criminalização, assim entendida, é mais do que um ato de governo do príncipe no Estado mínimo: é muitas vezes o único ato de governo do qual dispõe ele para administrar, da maneira mais drástica, os próprios conflitos que criou. Prover mediante criminalização é quase a única medida de que o governante neoliberal dispõe [...] Alguém se recorda da última vez [...] em que a promulgação de uma lei criminalizante foi objeto de crítica pela imprensa? Também aqui pouco importa que a criminalização provedora seja uma falácia, uma inócua resposta simbólica, com efeitos reais, atirada a um problema real, com efeitos simbólicos: acreditar em bruxas costuma ser a primeira condição de eficiência da justiça criminal, como os inquisidores Kraemer e Sprenger sabiam muito bem. (BATISTA, 2002, 273-274)
Além disso, como nos lembra Radford: “News events don’t just come to be show on television on their own; there are many steps involving judgment, selection, and interpretation between the actual, objective event and the version of it that the audience views or reads.” (2003, p. 66). Nem tudo aquilo que é reportado na mídia é importante e nem ela reporta tudo aquilo que de fato o é. O público, entretanto, geralmente acredita que as histórias significativas são reportadas e, no que se refere a assuntos ligados ao crime, a maior parte das pessoas que se informa pela grande mídia crê que esta fornece informações suficientes para que elas entendam a complexa dinâmica que lhes é apresentada (ZILNEY, 2011, p. 23). Não é necessário lembrar que isso é absolutamente impossível.
A mídia agrupa em pequenas notícias questões que são extremamente complexas, às quais os cientistas (sociólogos, psicólogos, juristas, criminologistas, médicos, etc.) se debruçam durante anos a fio[9].
Contudo, no que tais opiniões são baseadas, considerando que elas claramente não podem se basear nas escassíssimas informações com profundidade e contexto repassadas pela grande mídia?
A escassez de informações dotadas de um plano de fundo mais completo revela a inclinação que a mídia possui ao sensacionalismo. E isto não é mero acaso, mas sim parte da uma estratégia muito clara: ao alimentar o público com notícias sensacionalistas envolvendo celebridades, mortes grotescas, violência resultante de drogas, estupros contra crianças e outras tantas notícias que todos vemos cotidianamente, a população tende a se entreter e esquecer o que precisa ser feito a fim de se conseguir uma sociedade mais justa e solidária. Em outras palavras, a mídia serve à função de manter o controle social, ao prevenir as massas de demandarem por mudanças sociais significativas[10].
O sensacionalismo e o “denuncismo” são formas de atuar encontrado nos meios eletrônicos e impresso em muitas partes do mundo. A mentira oficial e a mentira particular se servem desses procedimentos. Leitor, telespectador e ouvinte devem crer, descrendo. Devem, principalmente, ter cautela ao acreditar em tudo o que os meios de comunicação dizem de mal sobre as pessoas e não acreditar no que dizem de bem. Quem só acreditou nas versões maldosas e tirou daí a conclusão de estar bem informado, mostra, na verdade, ingenuidade, pois seu engano resultará em benefício de pessoas cujo nome não aparece, mas são beneficiadas. (CENEVIVA, 2003, p. 21)
Segundo Carla Gomes de Mello, “o veículo midiático sensacionalista faz da emoção o principal foco da matéria, esquecendo-se do conteúdo da notícia a ser repassada, se é que ela existe” (2010, p. 111).
O crime, desde os tempos mais remotos, onde predominavam execuções públicas que se constituíam em verdadeiros espetáculos de horror, fascinava a população e era notícia. A mídia, sabedora desse fascínio e atração do público pelos acontecimentos violentos, desde então, explora o assunto. (MELLO, 2010, p. 113)
Não é difícil notar, pois, que os mecanismos do campo jornalístico se sujeitam às exigências do mercado (tanto de leitores como de anunciantes), os quais passam a exercer influências sobre os próprios jornalistas que, por sua vez, exercem influência sobre diferentes campos de produção cultural e sobre o campo jurídico. Diante do novo panorama mundial para a divulgação das notícias, a grande imprensa se vê obrigada a observar aquilo que é do interesse público em face de seu interesse comercial (ANDRADE, 2007, p. 51).
Verifica-se, pois, que as informações veiculadas pela mídia podem ser definidas como parciais, pois retratam a forma pela qual o jornalista responsável enxerga determinada situação ou fato, bem como podem demonstrar apenas uma versão sobre o ocorrido, ocultando informações e veiculando somente o que retrata a forma de pensar do veículo que apresenta a notícia. Por fim, a mídia elege os assuntos que, condizendo com o seu interesse, são considerados importantes e terão grande divulgação.
Influência maior ainda ocorre quando o assunto é noticiado por todos os grandes meios de comunicação da mesma forma, com as mesmas opiniões, como é bastante comum em matéria criminal, principalmente em nosso país. Neste caso, é praticamente impossível que o público não seja manipulado pelas informações prestadas pela mídia, pois os diferentes veículos transmissores do evento o propagam da mesma maneira, com o igual propósito declarado de estabelecer a “única verdade sobre o caso”, ficando estabelecida, na convicção das pessoas, a verdade da mídia, desintegrando-se a fundamental distinção entre “opinião pública” e “opinião publicada”.
Não há produto mais rentável para a mídia que a exploração de crimes, a dramatização da dor humana gerada por uma perda explorada perversamente com finalidade monetária, sentimento este capaz de unir rapidamente todos os consumidores da notícia (em um incrível sentimento de “vitimização”), que passam a bradar, em uníssono, justamente a mensagem querida pelo veículo: mais prisões e mais penas.
É assim, pois, que a mídia escolhe, dentro os inúmeros delitos que são praticados cotidianamente, os que mais chocarão a população, pois essas são as notícias mais rentáveis e que mais possibilitam a manipulação da sociedade para o fortalecimento do direito penal, para a seleção dos criminosos e para ocultação de inúmeros outros problemas sociais, como já mostrado acima.
Como os crimes possuem grande carga moral, a imprensa aumenta a publicidade quando da prática de um delito, especialmente, quando se trata de crime cometido por meio de violência real, emitindo juízos de valor sobre o fato delituoso. Como nunca há, na grande mídia, multiplicidade de opiniões sobre o delito cometido (sendo as coberturas invariavelmente de caráter punitivo), o consumidor acaba por influenciar-se com a única opinião emitida nos meios de comunicação.
4.2 Exemplos de coberturas jornalísticas.
Alguns exemplos reais são ilustradores daquilo que foi acima explicado. Não se falará, entretanto, acerca do caso da Escola Base em razão da enorme quantidade de estudos acerca do tema, que certamente é o leading case para se tratar do tema, no país.
4.2.1 Caso dos Irmãos Naves.
O caso dos Irmãos Naves figura, sem dúvida alguma, entre os maiores erros judiciários da história do Brasil, se não for o maior deles[11].
Resumidamente, o caso dos Irmãos Naves ocorreu em 1937, na cidade de Araguari, em Minas Gerais. Joaquim Naves Rosa tinha 27 anos, era casado e tinha uma filha; Sebastião José Naves tinha 32 anos, era casado e tinha dois filhos. Os irmãos eram trabalhadores, compravam e vendiam cereais e outros bens de consumo. Eles eram primos de Benedito Pereira Caetano, que também era sócio de Joaquim.
Na madrugada de 29 de novembro de 1937, Benedito sumiu da cidade, sem deixar notícias. Levou consigo grande importância em dinheiro, produto da venda de enorme quantia de arroz, que comprara com dinheiro emprestado da família.
Sabendo do ocorrido, os irmãos Naves procuraram Benedito por toda a parte e, como não o encontraram, comunicaram o fato à polícia, que iniciou imediatamente as investigações.
O Delegado atribuído ao caso, tenente Francisco Vieira dos Santos, conhecido “Chico Vieira”, acusou os irmãos pela morte do primo. Com isso, foram presos juntamente a Don’Ana (Ana Rosa Naves, mãe dos irmãos). Foram ainda submetidos aos mais cruéis tipos de torturas na presença da genitora. Resistiram à fome, sede e às crueldades e violências sem assumirem a prática do delito, até que, não se conformando, o tenente e seus subordinados estupraram Ana Rosa na frente de seus filhos, e após muitas outras torturas, houve a confissão (SILVA, 2010, p. 78-80).
Joaquim foi interrogado pela polícia e respondeu tudo e da forma que o tenente Vieira queria, assumindo a culpa do crime com o irmão. As esposas dos irmãos Naves também foram interrogadas sob ameaças de morte de seus filhos e de estupro; confessaram tudo.
O caso, então, passou a ser conhecido nacionalmente, pois a imprensa o divulgou de forma destacada. Formou-se assim a opinião pública, que aceitava a culpa dos irmãos como fato consumado: eles mataram o primo para ficar com o dinheiro a fim de saldar possíveis dívidas de comércio. Nem os advogados queriam defendê-los.
Após a mãe dos Naves narrar o drama sofrido e insistir muito, o advogado João Alamy Filho se comoveu e aceitou defender os acusados. Ele tentou provar a inocência de seus clientes de todas as formas legais possíveis.
Os irmãos Naves foram levados ao Tribunal do Júri, acusados da prática de latrocínio contra Benedito. Importa destacar que houve a retratação das confissões extorquidas na Delegacia de Polícia e o depoimento de outros presos que relataram as atrocidades sofridas pelos irmãos. Por essas razões, eles foram absolvidos por maioria absoluta de votos. No entanto, a Promotoria recorreu e anulou o julgamento por considerar nula a quesitação.
Cumpre registrar que no segundo julgamento, os irmãos Naves foram novamente absolvidos pelo júri, por maioria absoluta, mas, como anteriormente, o Ministério Público apelou da decisão e levou os réus ao terceiro julgamento que foi realizado no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Mediante a ausência de soberania do júri no tribunal pelo regime ditatorial da Constituição de 1937, os réus foram condenados, por maioria absoluta, a 25 anos e 6 meses de reclusão. Posteriormente, houve a primeira revisão criminal, onde a pena foi reduzida para 16 anos. Depois de cumprirem 8 anos e 3 meses de cárcere, pelo bom comportamento demonstrado na prisão, os irmãos Joaquim e Sebastião conseguiram o livramento condicional (SILVA, 2010, p. 80-83).
Dois anos após a liberdade, Joaquim Naves morreu enfermo no asilo em que vivia para se tratar de doença contraída por causa das torturas. No mesmo ano faleceu o tenente Francisco Vieira de derrame cerebral.
Em busca de justiça e de provar sua inocência, o sobrevivente Sebastião Naves se dispôs a procurar alguma pista da existência de Benedito Caetano. Esse reaparece vivo em Nova Ponte no dia 24 de julho de 1952, 15 anos após o seu desaparecimento.
Informado por um primo de que Benedito estava na casa dos pais, Sebastião vai com alguns policiais no local indicado e encontram o “morto”, que jurou não saber de nada que ocorrera em todos estes anos.
4.2.3 Caso do Bar Bodega
O Caso do Bar Bodega ocorreu em 10 de agosto de 1996, em Moema, Zona Sul de São Paulo. Na madrugada daquele dia, por volta de 5 homens armados entraram no bar, renderam os funcionários e anunciaram o roubo.
Já no final da empreitada delitiva, após subtraídos os pertences da vítima, um cliente, sem saber do que acontecia no recinto, saiu do banheiro e ficou apavorado ao se deparar com a cena. Um dos ladrões, nervoso e portando um revólver, resolveu tirar o relógio do cliente, mas neste momento a arma disparou e atingiu o braço da vítima. A partir daí, houve gritaria e pânico.
No mesmo instante, outro cliente entra no bar e, surpreendido com a situação, discute com um dos criminosos, o qual com a ajuda de outro integrante do bando, agrede o homem que cai, e, antes de se levantar, leva dois tiros nas costas, que ceifam sua vida. Os agressores, então correm para a porta, preparando-se para a fuga.
Do lado externo do estabelecimento comercial, um dos delinquentes dispara o revólver para o interior do bar, matando outra cliente. Todos os criminosos fugem correndo.
O crime foi praticado sob violência e grave ameaça, resultou em lesões corporais e morte em pessoas da classe média alta e ocorreu em bairro nobre da cidade. Ou seja, o “crime perfeito” para ser divulgado pela imprensa de forma sensacionalista; foi notícia das primeiras páginas dos jornais.
A sociedade precisava responder. Não a dos confins da periferia, mas aquela que, esquecida de tudo o mais – como a violência rotineiramente cometida contra aqueles que não lhe dizem respeito –, não poderia agora aceitar nem silenciar sobre o que, em outros extratos sociais, pode até não ser admissível, mas é, na melhor das hipóteses, indigno da sua atenção.
O Estado e a mídia algemaram-se e, sôfregos, puseram-se a caçar os autores, quaisquer que fossem eles e ainda que não o fossem, em vez de investigar (em sua estrita acepção) a autoria do crime. Dias depois, nove suspeitos foram presos e anunciados pela polícia como os responsáveis pelos delitos. Manchetes vulcânicas, comentários vazios e enviesados, histeria dos detentores da verdade policialesca: vários jornalistas cumpriram à risca a parte que lhes coube no que, com o tempo, soube-se ser a perpetração de uma das maiores injustiças (conhecidas) da história do Brasil (LANYI, 2010, p. 1).
O anseio do Estado, da mídia e da sociedade em encontrar, o mais brevemente possível, os autores do crime era sensível. A comoção era geral. A imprensa passou a noticiar uma enxurrada de crimes, até aqueles ocorridos no interior do Estado, que em condições normais não tinham relevância jornalística. A Segurança Pública era o tema mais discutido do momento e inclusive se formou um movimento contra a violência denominado “Reage São Paulo”.
Pressionada pela opinião pública, a Polícia Civil em quinze dias apresentou um menor inimputável, preso por outro delito, acusado por um carcereiro de ser um dos autores do roubo do Bar Bodega.
Sob torturas e diante das ameaças de violências, o menor confessou o crime, inclusive perante a imprensa, e, inicialmente, delatou alguns coautores. Posteriormente, o menor entregou ainda outros coautores. Todos eles eram, obviamente, negros ou mulatos, pobres e moradores da periferia da cidade.
A prisão temporária dos envolvidos foi decretada, bem como a custódia do menor. Foram apresentados à imprensa, algemados e com placas penduradas no corpo para serem fotografados e interrogados.
Como era de se esperar, todos os meios de comunicação social divulgaram a prisão dos “assassinos do Bar Bodega” e registraram que não havia nenhum tipo de recuperação para os “criminosos”.
Além do adolescente, os demais presos confessaram a prática da infração penal, pois sofreram violência, grave ameaça ou agressões físicas cruéis.
Novas diligências foram realizadas sob o comando do Delegado de Polícia. Testemunhas foram coagidas a reconhecer os criminosos, mas não o fizeram com certeza. Ao contrário, disseram que os autores da ação criminosa eram brancos e mais velhos, enquanto os acusados eram morenos e mais jovens.
Os depoimentos dos presos, a seu turno, estavam eivados de contradições, sendo que o menor inclusive apresentou mais de uma versão para os fatos. Assim, iniciou-se uma investigação paralela e sigilosa, realizada pelo serviço reservado da Polícia Militar.
O Promotor de Justiça Criminal, Eduardo Araújo da Silva (aqui nominado em razão de seu belíssimo papel no caso), resolveu investigar o caso com a ajuda dos policiais do reservado, alguns funcionários do Bar Bodega e o perito criminal designado para a reconstituição do delito. Após algum tempo, a Polícia Civil concluiu o inquérito e apresentou-o ao Ministério Público.
Diante das retratações dos acusados, das confissões obtidas sob tortura, a ausência da arma utilizada no crime e da inexistência de bens subtraídos na ação criminal em poder dos suspeitos, o Promotor de Justiça Eduardo Araújo requereu o relaxamento das prisões temporárias, pois não havia provas concretas contra os investigados e denunciou as torturas.
O juiz decretou a liberdade de sete acusados. O menor permaneceu no SOS Criança, pois era processado por outro crime cometido e outro detido continuou preso porque tinha outra pena a cumprir.
A imprensa se aproveitou do cumprimento de seu dever por parte do Ministério Público e Judiciário para continuar sua sanha por “respostas”. Uma tensão entre parte da cúpula da Polícia Civil e o Ministério Público foi explorado pela imprensa, que noticiou: “a decisão de soltar sete dos nove acusados caiu como uma bomba na polícia” (DORNELES, 2007, p. 144). O meio social, por óbvio, também ficou indignado com a postura do Promotor de Justiça.
Carlos Dorneles enfatiza que o pai de uma das vítimas assim protestou: “Esse promotor colocou bandidos culpados na rua e que dificilmente serão recapturados. E o caso Bodega esse senhor estragou tudo. Graças à ação desse senhor o caso Bodega provavelmente ficará impune” (2007, p. 145).
É fácil de se perceber o efeito que a cobertura “jornalística” do caso influenciou sobremaneira a sociedade. Era difícil de aceitar outra resposta para o caso que não a prisão e condenação dos suspeitos apresentados. A opinião pública já estava formada (e manipulada). Todos tinham certeza de que eram eles os autores da ação criminosa.
A investigação do crime continuou e posteriormente foram presos os verdadeiros criminosos, com os quais se encontrou, dentre outros produtos, três relógios, uma corrente de ouro e um anel. Confessaram o crime espontaneamente e, dessa vez, foram reconhecidos pelas testemunhas.
Em 20 de março de 1997, os verdadeiros autores do crime foram condenados por duplo latrocínio com penas que variaram de 23 a 48 anos. Na sentença, o Juiz de Direito não deixou de registrar o comportamento abusivo da imprensa durante o desfecho da investigação criminal:
Seria a imprensa também a provocadora da ação desvairada que vitimou jovens inocentes que injustamente foram presos, sem qualquer interferência, é verdade, quanto aos sofrimentos experimentados?
A resposta é sim.
Arvorou-se uma parte da imprensa em defensora da sociedade e exerceu uma pressão insuportável e incompatível com o bom senso.
De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites.
Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública.
A lição ainda não serviu. Diariamente continuam explorando as notícias na corrida louca da audiência que, na verdade, tem por finalidade o lucro, o dinheiro dos patrocinadores que não têm qualquer escrúpulo em mostrar seus produtos, à custa da degradação.
[…] Os holofotes das câmaras funcionam como luzes de ribalta. A vaidade descontrolada provoca esquecimento dos valores. A dignidade do ser humano passou a ter importância mínima ou nenhuma. A imagem das pessoas é a matéria-prima da diversão (DORNELES, 2007, p. 259-260).
Não obstante, é sintomático que, até hoje, nenhum meio de comunicação sequer se retratou do erro cometido.
4.2.3 Caso Nardoni.
Cremos não ser necessário, aqui, qualquer lembrança ao triste episódio conhecido como “Caso Nardoni”, ainda pulsante na lembrança popular. Basta lembrar a menina Isabella Nardoni foi morta em 2008 e foram condenados pela prática do crime, o pai da vítima e a madrasta dela.
Sobre a cobertura da mídia no caso, é de citar a exposição de Carla Mello:
Tomemos como exemplo, a edição n. 2057, da Revista Veja, de 23 de abril de 2008. Na capa, estampados estão os rostos do pai e da madrasta suspeitos de terem assassinado a menina Isabela. Logo abaixo da imagem, o título impactante, cujo final nos chama atenção, uma vez que escritos em tamanho maior e em cores diferentes da utilizada no início do texto: “Para a polícia, não há mais dúvida sobre a morte de Isabela: FORAM ELES”. (2010, p. 118).
Ressalte-se, sempre, que a frase “FORAM ELES”, além de grafada em letras maiúsculas foi feita em destaque com letras maiores que as demais.
Além disso, os investigados foram entrevistados sobre o crime e exibidos, em canal de televisão, no Fantástico, programa dominical de grande audiência na Rede Globo.
4.3 Estudos psicológicos acerca da influência exercida por notícias jornalísticas na formação da convicção dos jurados.
Sem entrar no mérito dos casos penais acima relatados, é intuitivo reconhecer que a defesa de acusados expostos até não mais poder na mídia fica prejudicada antes mesmo deles serem julgado pelo Tribunal do Júri, já que os jurados são membros de um povo que já foi influenciado pelas notícias sensacionalistas e exacerbadas. Nos EUA, p. ex., quando do julgamento de OJ Simpson, acusado de matar sua ex-mulher e um amigo, o jornal Los Angeles Times veiculou 398 matérias de capa sobre o caso e mais de 1.500 artigos no decorrer dos 16 meses de julgamento, afora o fato da CNN falar tanto sobre o caso a ponto de ficar conhecida como “all OJ network” (BURD; HORAN, 2012, p. 108).
Exemplo da preocupação ora externada é que na Austrália, em todas as jurisdições, exceto Victoria, Tasmania e Northern Territory, há previsões que possibilitam o julgamento de crimes de competência do tribunal do júri por um juízo togado, e tais previsões frequentemente são utilizadas em casos de onde réus argumentam que a saturação de matérias jornalísticas em seu desfavor tornem impossível um julgamento justo pelo tribunal do povo (BURD; HORAN, 2012, passim).
É certo que, atualmente, mesmo naquele país vige a cultura de que os jurados não podem ser considerados excepcionalmente frágeis e inclinados ao prejuízo[12]. Contudo, os institutos do Sub Judice Contempt e da Suppression Order (discutidos mais adiantes) ainda são bastantes utilizados naquele país como forma de se obter um melhor balanço entre o princípio da presunção de inocência e a liberdade de imprensa.
A questão que fica, então, é se esse achado intuitivo é confirmado pela ciência. Melhor dizendo: existem estudos que comprovem que a exposição a notícias jornalísticas influenciam as decisões dos jurados?
A resposta é positiva.
Sabe-se, a partir do estudo conduzido por Imrich, Mullin, e Linz que as coberturas midiáticas acerca de acusados tendem a ser negativas. Em seu estudo, os autores analisaram o conteúdo de 14 grandes jornais dos EUA por um período de 8 semanas. Afirmam que nessas reportagens, 27% dos suspeitos eram claramente descritos de uma forma negativa que poderia influir na justiça (fairness) do julgamento. Os comentários incluíam depreciação do caráter do julgamento e afirmações sobre sua culpa (1995, passim).
Fein, McCloskey e Tomlinson (1997, passim), Hope, Memon e McGeorge (2004, passim) e Ruva e McEvoy (2008, passim) foram unânimes ao apontar que a exposição da mídia que descreve o acusado negativamente resulta em um maior número de vereditos “culpados” quando comparados a jurados que não foram expostos a tais coberturas.
Steblay, Besirevic, Fulero e Jimenez-Lorente realizaram meta-análise de 23 estudos, cobrindo um total de 5.755 participantes e concluíram que participantes expostos à publicidade anterior ao julgamento que descrevia o réu de forma negativa eram mais propensos a crer que o réu era culpado que aqueles não expostos às mesmas notícias (1999, passim).
Análises de julgamentos reais também já foram feitas. Devine, Buddenbaum, Houp, Studebaker e Stolle analisaram o efeito da cobertura midiática em 179 julgamentos criminals na Indiana, EUA, e encontram o aumento da possibilidade de condenação em julgamentos nos quais os jurados reportaram ter acompanhado as notícias do crime na imprensa antes do julgamento (2009, passim).
Por fim, o já citado estudo de Hope, Memon e McGeorge também apontou que a publicidade antes do julgamento, quando negativa ao acusado, costuma levar os jurados a descartar as evidências favoráveis à defesa dele (2004, passim).
Como as pesquisas deixam claro, a publicidade dada aos fatos antes de seu julgamento tem o poder de influenciar os membros do Conselho de Sentença.
5. A Necessária Conciliação entre a Presunção de Inocência e a Liberdade de Imprensa.
O que fazer, então, para conciliar o direito da mídia (e da população) de levar ao conhecimento do público os fatos efetivamente ocorridos e o direito do acusado a ser presumido inocente, se a publicidade ocorrida antes do julgamento possui o poder de influenciar no veredito dos jurados, ainda que de forma inconsciente?
Solução bastante usada no direito comparado é a instrução do juiz para que os jurados desconsiderem aquilo que ouviram, leram ou de outra forma tiveram conhecimento do caso fora da Corte. Na Austrália, p. ex., quando do julgamento do assassino em série Peter Dupas, o júri foi instruído a “to ignore any publicity about the case and to not conduct any research including internet searches”. A High Court australiana entedeu que essa instrução pelo juiz-presidente do Tribunal do Júri era suficiente para evitar as consequências negativas que os 7 anos de cobertura jornalística do caso, espalhadas por 7 websites, 120 artigos de jornais, 4 livros e incontáveis programa de televisão (Dupas v The Queen (2010) 241 CLR 237 at 241; 203 A Crim R 186).
Contudo, as pesquisas têm revelado que essa instrução não tem nenhuma utilidade para reduzir o mal causado por essas coberturas da mídia[13].
Assim, nos parece que o único modo de conciliar o princípio da presunção de inocência com a liberdade de imprensa seria restringir, em algumas hipóteses, o conteúdo da publicação de matérias relatando crimes cometidos.
Antes de tudo, diga-se que isso não se traduz em censura, constitucionalmente vedada (art. 220, caput e §2º da CRFB). Trata-se de simples restrição ao direito de liberdade de imprensa, que, como qualquer outro direito existente em nosso ordenamento, não pode ser considerado absoluto (VIANNA, 2014, p. 106). Como bem frisou o Min. Celso de Mello, “Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto...” (STF, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/05/2000).
A doutrina também caminha nesse sentido.
Devemos ter em mente que procedimento preparatório, acusação, julgamento e condenação são atos que competem, constitucional e legalmente, ao Poder Judiciário com a valiosa colaboração do Ministério Público e da polícia judiciária. Assim, não é correto que a notícia leve a coletividade a concluir pela culpabilidade do acusado antes do pronunciamento judicial. Não é justo que se inverta na mente das pessoas, a ordem das coisas, e a sentença seja passada antes mesmo da instauração do procedimento preliminar ou preparatório de ação penal, a cargo da autoridade policial. E mais: se os fatos não são levados a julgamento, cria-se a suspeita de que a Justiça faz parte de conluio para acobertar o pretenso crime. Jamais percamos de vista que, entre os direitos e garantias fundamentais de nossa Constituição, encontra-se inscrito que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Aliás, o postulado axiológico da presunção de inocência, por ser eterno, universal e imanente, nem sequer precisaria estar gravado em texto normativo. (NAVES, 2003, p. 97).
De fato, “O papel da mídia não é julgar e sim apresentar os fatos de maneira completa e verdadeira, sem o objetivo de punir o suspeito, mas sim de transmitir ao público a realidade dos fatos.” (PRATES; TAVARES, 2008, p. 37). Carla Mello bem doutrina sobre o assunto, lembrando que: “... não é permitido aos meios de comunicação, se utilizar da prerrogativa da liberdade de informação jornalística, que lhe é garantida pela Constituição Federal, para divulgar notícias que ofendam a outras liberdades igualmente garantidas, tais como a intimidade, a vida privada e a presunção de inocência.” (2010, p. 119).
Pois bem. Sabe-se que tanto a presunção de inocência quanto a liberdade de imprensa são normas com a estrutura de princípios, ou seja, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. São, pois, mandamentos de otimização, que podem ser cumpridos em diferentes graus (VIANNA, 2014, p. 66)[14].
Sendo eles mandamentos de otimização, é fácil perceber que existe a possibilidade real de colisão entre dois ou mais princípios, isto é, algo é proibido por um princípio e permitido por outro.
When principles intersect [...], one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each. […] it is an integral part of the concept of a principle that it has this dimension, that is makes sense to ask how important or how weight it is. (DWORKIN, 1978, pp. 26-27).
Entretanto, o fato de um princípio ceder frente ao outro, em caso de colisão, não significa, em absoluto, que o princípio que cedeu é declarado inválido ou que nele tenha sido introduzida uma cláusula de exceção. O que ocorre, nesses casos, é que um princípio tem precedência em face de outro, em determinadas condições. Quando estas condições mudam, a questão da precedência de um sob outro pode ser resolvida de forma completamente oposta. A este fenômeno a doutrina cunhou o termo “relações condicionadas de precedência” (ALEXY, 2011, p. 93-94; VIANNA, 2014, p. 71).
Imaginemos que determinado jornalista J resolva fazer uma matéria acerca da vida do cidadão C, pessoa sem qualquer vida pública. Com o fim de colher material para embasar a reportagem, J começa a segui-lo vinte e quatro horas por dias, tira fotografias do interior da residência de C, dele andando pelas ruas, namorando, enfim, de todas as ações de C. C, então, se sente ofendido em sua intimidade e resolve pedir em juízo que a publicação de J seja proibida. Neste caso, como C é um cidadão comum, não existe nenhum tipo de interesse apto a justificar a precedência do direito à liberdade de imprensa sob o direito à intimidade.
Imagine-se, agora, que o jornalista J’ resolva fazer uma matéria acerca da vida do Deputado Federal D, que concorre à reeleição e tem como mote de sua campanha eleitoral a defesa “da família, da moral e dos bons costumes”. Também com a finalidade de colheita de material, J’ descobre que D, durante a noite, veste-se de mulher e se encontra sexualmente com outros homens. Nestas condições, é óbvio que se D requeresse em juízo a proibição de que a matéria fosse veiculada, haveria interesses (a correta informação do eleitorado, p. ex.) a justificar a precedência da liberdade de imprensa sob o direito à privacidade.
Como se vê, mesmo após a liberdade de imprensa ou a privacidade cederem ao princípio colidente, ambas continuam tão válidas quanto antes. Não se pode também dizer que uma delas constitui uma exceção à outra, pois às vezes prevalecerá uma e em outras prevalecerá outra, a depender das condições do caso em questão (ao contrário do que ocorre com as regras). Essa é ideia central da chamada “relação condicionada de precedência”. (VIANNA, 2014, p. 72)
Como nenhum dos princípios ora discutidos (presunção de inocência e liberdade de imprensa) possuem superioridade constitucional sobre o outro, nenhum pode ter precedência absoluta (ou seja, em todos os casos).
A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto. Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedência condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária. (ALEXY, 2011, p. 96).
Chamemos o princípio à liberdade de imprensa de P1 e o princípio do direito à presunção de inocência de P2. Isoladamente, P1 e P2 levariam a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si (“a publicação da matéria é permitida” e “a publicação da matéria é proibida”). Essa colisão, então, deve ser solucionada por meio do estabelecimento de uma relação de precedência, a que chamaremos P. Para as condições em que determinado princípio tem precedência sobre outro, chamaremos C. Haveria então, quatro possibilidades de decisão a partir do caso analisado: (1) P1 P P2; (2) P2 P P1; (3) (P1 P P2) C; (4) (P2 P P1) C.
As possibilidades (1) e (2) hão de ser desde logo descartadas, já que nenhum dos princípios tem, per se, precedência sob o outro, de forma que a relação de precedência não pode ser incondicionada. A questão decisiva é, portanto, saber sob quais condições qual princípio deve prevalecer (VIANNA, 2014, p. 79-80).
Como os princípios não possuem um “peso” quantificável, a ideia de relação de precedência fornece uma construção útil para decidir qual dos dois princípios deve prevalecer: “Em um caso concreto, o princípio P1 tem um peso maior que o princípio colidente P2, se houver razões suficientes para que P1 prevaleça sobre P2 sob as condições C, presentes nesse caso concreto” (ALEXY, 2011, p. 97).
Disso resulta que a precedência de P1 em face dos princípios que com ele colidem sob as condições C significa que a consequência jurídica que resulta de P1 é aplicável sempre que estiverem presentes as condições C, ou seja, de um enunciado de preferência acerca de uma relação condicionada de precedência decorre sempre uma regra.
Isto, contudo, não responde a questão principal: como resolver a colisão entre princípios? Se nenhum deles possui precedência absoluta sobre outro, precedência que pode mudar de acordo com os fatos envolvidos, como saber qual dos princípios deve prevalecer no caso concreto? Cremos que o melhor mecanismo para se afirmar tal precedência seja a aplicação da regra da proporcionalidade, que passamos a analisar.
5.1 Regra da Proporcionalidade.
A regra da proporcionalidade é o critério amplamente difundido na doutrina e na jurisprudência para se aferir a justificação constitucional de quaisquer intervenções em direitos fundamentais (VIANNA, 2014, p. 126). Como ressalta a Corte Constitucional alemã: “Sob o ponto de vista material, ressalvadas garantias constitucionais especiais, o princípio da proporcionalidade oferece o parâmetro geral constitucional, segundo o qual a liberdade de ação pode ser restringida” (BVerfGE 90, 145).
Essa regra originada da jurisprudência da Corte Constitucional alemã tem uma estrutura racionalmente definida, com máximas parciais independentes – a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito – que são aplicados em uma ordem pré-definida e que são explicadas a seguir.
5.1.1 Adequação.
É uma constatação lógica que uma intervenção estatal deve ter um fim constitucionalmente legítimo, que via de regra, é a realização de outro direito fundamental. Aplicar a regra da proporcionalidade, nesses casos, é responder a seguinte indagação: a medida adotada é adequada para fomentar a realização do objetivo perseguido? Adequação, assim, significa que a situação que o Estado cria com a ingerência e aquela em que o fim perseguido se considera passível de realização se encontram numa relação proporcionada por hipóteses comprovadas sobre a realidade (VIANNA, 2014, p. 146).
5.1.2 Necessidade.
Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido (VIANNA, 2014, p. 148).
Necessidade significa, pois, que não há outra situação que o Estado possa igualmente criar sem grande dispêndio, que seja menos onerosa para o cidadão e que se encontre igualmente em uma relação proporcionada por hipóteses comprovadas sobre a realidade. O fim não ser alcançado por um meio igualmente eficaz e menos oneroso.
Fica clara, então, a diferença entre o exame da necessidade e da adequação. Enquanto este é absoluto e linear (relação meio e fim entre uma medida e um objetivo), aquele tem um diferencial: a consideração das medidas alternativas para se obter o mesmo fim. É um exame, como já se disse, comparativo.
5.1.3 Proporcionalidade em sentido estrito.
Como, no exame da necessidade, o decisivo é a eficiência da medida (entre a medida mais eficiente e mais gravosa e aquela menos eficiente e menos gravosa deve-se escolher a primeira), a proporcionalidade em sentido estrito tem a função principal de evitar o uso indiscriminado de medidas exageradas, i.e., evitar que medidas estatais, embora adequadas e necessárias, restrinjam direitos fundamentais além daquilo que a realização do objetivo perseguido seja capaz de justificar. Para que uma seja considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. Se a importância da realização do direito fundamental no qual a limitação se baseia não for suficiente para justificá-la, será ela desproporcional (VIANNA, 2014, p. 154).
Numa ponderação geral entre a gravidade da intervenção e o peso, bem como da urgência dos motivos justificadores, deve ser respeitado o limite da exigibilidade para os destinatários da proibição (proibição de excesso ou proporcionalidade em sentido estrito). Do exame, com base nesse parâmetro, pode resultar que um meio, em si adequado e necessário para a proteção de bens jurídicos, não possa ser empregado, porque os prejuízos infligidos aos direitos fundamentais do atingido superam claramente o aumento da proteção dos bens jurídicos [aos quais o meio empregado deve servir], de modo que a utilização do meio de proteção se apresente como inapropriada (BverfGE 90, 145)
Este terceiro passo, então, consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva. Por isso esse terceiro passo já foi comparado à fábula dos Três Ursos: o mingau (nesse caso, intervenção) não pode ser nem tão quente (tão intensa a ponto de sacrificar totalmente o princípio restringido) nem tão frio (a ponto de não realizar adequadamente o princípio que se quer promover), e sim na temperatura ideal (onde se alcança o Ótimo de Pareto: não é possível melhorar a situação de um princípio sem restringir o outro mais do que o necessário).
Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão. Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos. (ALEXY, 2011, pp. 117-118)
Estabelecido o que se entende por regra da proporcionalidade, começamos a responder a questão central acima posta: como decidir qual dos dois princípios (presunção de inocência ou liberdade de imprensa) deve prevalecer no caso concreto?
5.1.4 Lei do Sopesamento.
A resposta a essa pergunta repassa pelo entendimento da chamada primeira “Lei do Sopesamento” (VIANNA, 2014, p. 263 e ss.). Existe, ainda, a Segunda Lei do Sopesamento, mas ela não possui relevância para o tema aqui tratado.
Tal lei refere-se à proporcionalidade em sentido estrito e assim pode ser resumida: “Quanto maior for o grau de não satisfação ou afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro.” (ALEXY, 2011, p. 167; VIANNA, 2014, p. 263).
Essa regra vale para todos os tipos de sopesamento: a medida permitida de não satisfação ou de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do princípio que com ele colide. Isso decorre da própria natureza dos princípios, como mandamentos de otimização, ou seja, normas que são realizadas na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existente.
A cláusula “dentro das possibilidades jurídicas” revela que aquilo exigido por um princípio foi inserido em uma relação com aquilo que é exigido por outro. A lei da colisão expressa em que essa relação consiste e faz com que se perceba que o peso dos princípios é sempre relativo.
A importância da primeira lei do sopesamento reside no fato dela demonstrar o que é importante para a fundamentação do método: de um lado, o grau ou intensidade da não satisfação ou afetação de um princípio; de outro lado, o grau de importância da satisfação do outro princípio. Se alguém diz que uma afetação muito intensa de um princípio somente se justifica se a importância da satisfação do princípio colidente for muito alta, ela de fato não diz quando essa afetação muito intensa e/ou o alto grau de importância estão presentes, mas diz o que deve ser fundamentado para se justificar racionalmente a relação de precedência: enunciados acerca dos graus de afetação e importância.
Os princípios, como são mandamentos de otimização, exigem realização mais ampla face às possibilidades fáticas e jurídicas, estas determinadas, sobretudo, pelos princípios colidentes. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito representa justamente o que significa otimização em relação aos princípios colidentes. É idêntica à lei do sopesamento e possui a seguinte redação: Quanto maior for o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro. Otimização aqui, então, nada mais é que sopesamento.
A lei do sopesamento pode ser dividia em três passos: (1) avaliação do grau de afetação ou não satisfação de um dos princípios; (2) avaliação da importância da satisfação do princípio colidente; (3) avaliar se a importância do princípio colidente justifica a afetação ou não satisfação do outro princípio.
Utilizando de exemplo que já explanei alhures (VIANNA, 281-282), p.ex., em um caso em que é possível a formulação de juízos racionais sobre intensidades de intervenções e graus de importância, de forma que é simples se alcançar um resultado racional por meio do sopesamento: o caso das restrições impostas ao comércio e publicidade de cigarros e bebidas alcoólicas (Lei nº. 9.294/1996).
A imposição legal aos fabricantes de que suas publicidades tenham “advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas” (art. 3º, §2º) e de que “as embalagens e os maços de produtos fumígenos [...] conterão a advertência mencionada no § 2º acompanhada de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem” (art. 3º, §3º) é uma proibição leve na liberdade profissional, enquanto uma proibição total da venda de tais produtos seria uma proibição séria. Entre esses dois extremos há casos cuja intervenção pode ser tida como moderada (a proibição da venda de tais produtos em certos locais ou por certos meios, p.ex., como o faz o art. 3º-A).
Esse exemplo demonstra que é possível a formulação de uma escala com as categorias leves (l), moderadas (m) e sérias (s), de forma válida e racional. Caso alguém queira classificar a proibição total da venda dos produtos como intervenção leve e as restrições à publicidade do produto como séria, será difícil (para não dizer impossível) ser levado a sério.
Esta escala serve também para as razões que justificam a intervenção. O objetivo buscado pelo legislador ao criar a norma acima mencionada é a proteção à saúde do povo. O peso de tais razões a justificar a intervenção é grande. Definidos, assim, a intensidade da intervenção como leve e o grau de importância da razão da intervenção como alto, o resultado é facilmente perceptível: a forte razão para a leve intervenção a justifica.
Do que se vê, juízos racionais sobre graus de intensidade e importância são possíveis e podem ser relacionados com vistas à fundamentação de uma decisão.
Propomos agora – como já havíamos feito com grau de profundidade bem maior (VIANNA, 2014, P. 212 e ss.) – que seja feita uma espécie de “divisão” entre os passos do sopesamento a fim de saber qual o princípio que deve prevalecer no caso concreto.
Ao analisarmos o grau de afetação ou não satisfação de um dos princípios (passo 1), chamado exemplificativamente de P1, temos que intervenção pode ser simbolizada por IP1C (“C” porque se trata de uma intervenção concreta – derivada de um caso concreto).
O passo 2 da Lei é a avaliação da importância da satisfação do princípio colidente, o qual deve ser considerado em sua concretude (não basta utilizar-se o peso abstrato do princípio, e sim o peso que ele possui no caso concreto sob análise; embora a liberdade possua peso abstrato maior que o patrimônio, pode ser que no caso concreto o patrimônio tenha prevalência sobre ela, como no caso da prisão civil do devedor de alimentos). Assim, exemplificaremos essa importância por WP2C (utilizamos a letra “W” para representar a importância em razão de “I” já haver sido utilizada para significar a intervenção no passo 1).
Isso, entretanto, não responde à pergunta do que seja a importância concreta de P2, apenas diz que ela depende das circunstâncias do caso. Os elementos do caso concreto essenciais para decisão são a medida questionada e os efeitos que sua adoção e não adoção têm nos princípios envolvidos. Em nosso exemplo das restrições impostas ao comércio e publicidade de cigarro, bebidas alcoólicas e outros produtos, a importância concreta do princípio do direito à saúde da população decorre da definição do quão intensamente a não intervenção na liberdade profissional dos fabricantes interviria no direito à saúde do povo.
Isso pode ser generalizado e resumido na fórmula segundo a qual a importância concreta de P2 é medida a partir da definição de quão intensamente a não intervenção em P1 intervém em P2.
Assim, os objetos que devem ser avaliados como leves (l), médios (m) ou sérios (s), como propusemos acima, estão definidos. Agora é possível realizar os dois primeiros passos da lei do sopesamento em nosso modelo triádico: a avaliação de IP1C como l, m ou s e a avaliação de WP2C também como l, m ou s.
Parece-nos claro que P1 terá precedência em 3 casos: IP1C é s e WP2C é m; IP1C é s e WP2C é l; IP1C é m e W2PC é l. De outro lado, W2PC também possui precedência em 3 casos, bastando-se inverter as intensidades acima (WP2C é s e IP1C é m, WP2C é s e IP1C é l e WP2C é m e IP1C é l). Existem também os casos de empate, mas eles não influem no tema que ora tratamos.
Essa técnica corresponde à intuição de que um princípio tem um peso concreto alto quando a ele se pretender impor uma intervenção profunda (s) por um motivo pouco importante (l). Também deixa claro porque o peso concreto é um peso relativo: o peso diminui quando a intervenção profunda (s) ocorre em virtude de uma importância mediana de satisfação do princípio colidente (m) e o mesmo resultado ocorre no caso de intervenção média (m) para a qual se apresenta uma razão de pouca importância.
Munidos de tais pressupostos, indicamos agora nossas propostas concretas.
5.2 Proposta concreta.
Cremos que a melhor maneira de compatibilizar os princípios da presunção de inocência com a liberdade de imprensa seria criarmos um paralelo com as Sub Judice Contempt of Court e as Suppression Orders australianas e neozelandesa[15].
O método tradicional na Austrália e Nova Zelândia para o trato da publicidade prejudicial ao acusado antes de seu julgamento é a prevenção e censura. Em algumas circunstâncias, as publicações são restringidas para a defesa da presunção de inocência do acusado.
O sistema legal australiano possui três estágios. Na linha de frente, estão as “leis de desobediência” (contempt law), especialmente as sub judice contempt. Se ela não se revelar suficiente, ordens de supressão (suppression orders) podem ser dadas pelo juiz, para impedir a publicação de circular. Finalmente, remédios (remedial measures) podem ser implementos pelo juiz para “curar” o efeito da publicidade.
Focaremos nossa análise nas sub judice contempt e nas suppression orders.
5.2.1 Sub Judice Contempt.
Comtempt Law é um ramo das leis de desobediência que visa a impedir a publicação de informações que tenham tendência real e definitiva a prejudicar ou conturbar processos pendentes (BURD, HORAN, 2012, p. 108). Por meio delas, indivíduos ou entidades podem ser consideradas em desobediência à Corte se publicarem ou agirem de modo a obstruir, interferir ou prejudicar a administração da justiça ou a autoridade do judiciário (ELVIDGE, 2008, p. 20-21).
Embora seu propósito ostensivo seja garantir que acusados tenham um julgamento justo, seu propósito subjacente é preservar a aparência do sistema de justiça criminal como imparcial e livre de influências externas, de forma a manter a confiança do povo na administração da justiça.
Assim que a matéria (no caso, o crime) fica sob os auspícios da justiça (ou seja, fica sub judice), a mídia se torna sujeita a limites impostos pelo sub judice contempt, já que as cortes possuem a inerente jurisdição de prevenir o risco de desobediência, como já decidiu a Suprema Corte da Nova Zelândia (TV3 Network Services Ltd v Broadcasting Standards Authority [1999] NZAR 452, 459). Antes do julgamento, o direito do acusado à presunção de inocência é extremamente vulnerável, já que potenciais jurados podem formar suas opiniões com base nos materiais publicados.
Como notado pela jurisprudência neozelandesa em ao menos duas oportunidades[16], a publicação será considerada em desobediência à Corte se criar um risco real ou prejuízo a um julgamento justo. O lugar-comum de se encontrar a desobediência é verificar se a publicação possui potencial para influenciar os jurados. Por isso, publicações que contenham apenas um registro fiel e correto dos procedimentos adotados pela Corte são permitidos. De outro lado, se o material contenha declarações ou informações que possam comprometer o julgamento justo, a desobediência à Corte se verifica (ELVIDGE, 2008, p. 22).
Como é comum nos países de common law, não existe um critério determinado e fixo do que constitui a desobediência à Corte. O critério determinante parece mesmo ser a possibilidade de influência na opinião dos jurados. Obviamente, a correta administração da justiça exige que o jurado forme sua convicção unicamente pelas evidências apresentadas no decorrer do julgamento (art. 472 do CPP). Como publicações podem conter afirmações acerca da culpa ou inocência de determinada pessoa, criar simpatia ou antipatia pelo acusado, utilizar confissões ou provas que não foram admitidas como evidências, detalhes de condenações anteriores do acusado, fazer referências a materiais proibidos de serem utilizados em plenário (art. 478 do CPP), e tais impressões não simplesmente esquecidas pelos jurados como se não existissem (e os estudos citados acima o comprovam), é de se esperar que os jurados não atinjam um veredito imparcial e justo.
Fulcral na análise da desobediência é o “risco real” de que a publicação possa influenciar os jurados. Os principais pontos analisados para verificar tal risco são: (a) o tempo entre a publicação e o julgamento; e (b) o alcance e localização da audiência.
Quanto ao tempo entre a publicação e o julgamento, é óbvio que tal fator é relevante, pois quanto maior o tempo entre a publicação e a data do julgamento, menos influência ela poderá exercer sob os jurados, haja vista o processo natural de esquecimento, ainda mais em um mundo repleto de notícias como o atual. Por isso a Corte de Apelações neozelandesa, no caso Gisborne Herald Co Ltd v Solicitor General ([1995] 3 NZLR 563, 570-571), entendeu que uma matéria publicada seis meses antes do julgamento não mais teria condições de influenciar a convicção dos jurados. Hoje, em dia, contudo, com a influência da internet e a possibilidade de perpetuação das notícias, a análise de tal ponto deve receber maior cuidado por parte do juiz.
O alcance da audiência também deve ser levado em conta. Via de regra, quanto menor a audiência, menor o risco de influência nos jurados. Tanto que no caso Solicitor General v Broadcasting Corporation of NZ ([1987] 2 NZLR 100, 114) o Tribunal decidiu que uma rádio local que transmitia seu programa após as 23h não representava perigo real, já que: “The chances of a person who had heard the broadcast actually sitting on the trial jury were very small indeed”.
A localização da audiência é também importante. Se a publicação ocorre em lugar diverso daquele onde o caso será julgado e os jurados selecionados, é improvável que o risco real de influência ocorra. No já citado Gisborne Herald Co Ltd v Solicitor General, por exemplo, a Corte entendeu que uma publicação em Gisborne Herald não ofereceria perigo de influenciar os jurados de Napier. Novamente, com a internet, a análise merece maiores cuidados.
As penas para o descumprimento da sub judice contempt podem ser monetárias (penas de multa, sem valor máximo definido) ou, mais raramente, prisão.
5.2.2 Suppression Order.
Além da ameaça das sub judice contempt, os sistemas australiano e neozelandês preveem também as suppression order, ou seja, ordem de supressão que proíbem a publicação de matérias referentes ao caso. Tais ordens podem se dirigir a determinado veículo de comunicação ou mesmo uma proibição de geral de publicações sobre determinado caso (cf. Burns v Howling at the Moon Magazines Ltd. [2002] 1 NZLR 381).
5.2.3 Proposta para o Direito Brasileiro.
Salta aos olhos, desde logo, que as suppression orders não são compatíveis com nosso direito, que não admite a censura prévia (art. 220, §2º, da CRFB).
Contudo, cremos que as sub judice contempt dão interessante exemplo de como compatibilizar a presunção de inocência e a liberdade de imprensa.
Defendemos que a imprensa possa noticiar todos os delitos que tiverem conhecimento e assim queiram, pois somos a favor da liberdade de imprensa mais ampla quanto possível. Contudo, como forma de não prejudicar o direito do acusado a ser presumido inocente, cremos que, ao noticiar os fatos, a imprensa não deve publicar nomes, fotos e outras características dos envolvidos que possam levar a sua identificação, e nem emitir juízos de valores acerca da culpa ou inocência do acusado, relatando apenas os fatos fielmente como ocorridos.
Veja-se, como exemplo, o seguinte caso: o marido é acusado de matar, com facadas, a esposa após chegar embriagado em casa e travarem discussão.
Atualmente, de acordo com nossa doutrina e jurisprudência, seria possível a publicação da seguinte manchete: “BÊBADO MATA ESPOSA COM FACADAS”, assim como uma reportagem nos seguintes moldes: “Caio, pedreiro, 30 anos, que morava na Rua 1 do Bairro Fantasia, mata friamente e com requintes de violência sua esposa Semprônia, 27, na noite de 1º/01/2015. Caio, que já foi condenado por roubo e tráfico de drogas, chegou em sua casa embriagado e após discutir com a mulher, deu 5 facadas em sua barriga, matando a esposa no local.”.
No modelo que defendemos, caso a mídia optasse por divulgar a matéria, ela deveria fazê-lo aproximadamente nos termos que seguem. A manchete deveria ser algo como: “HOMEM É SUSPEITO DE ASSASSINAR A ESPOSA COM FACADAS”. E a reportagem seria: “Um pedreiro é investigado pela polícia por supostamente ter matado a facadas sua esposa, na noite de 1º/01/2015. Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, o suspeito teria chegado embriagado na residência e, após travar discussão com a esposa, desferiu-lhe em torno de 5 facadas, causando-lhe morte instantânea.”.
A diferença de tratamento para com o acusado, em ambos os casos, é gritante. Veja-se que o segundo exemplo, a todo momento, relata os mesmos fatos transmitidos pelo primeiro exemplo, mas sem fazer qualquer tipo de juízo de valor acerca da culpa do réu ou impressões pessoais do repórter acerca do caso. Trata-se apenas de relato fiel dos fatos e que não tem o condão de comprometer a presunção de inocência do réu, que sequer é identificado. Assim, ao chegar em plenário, poderá ter alto grau de expectativa de que os jurados não terão opinião preconcebida quanto a seu caso.
Não se diga que se trata de censura. Nenhuma publicação será objeto de análise prévia por parte de censor algum, podendo todas elas circularem livremente. Entretanto, verificada a possibilidade real dela influenciar os jurados (aí levando-se em conta o conteúdo da matéria, tempo decorrido entre a publicação e a data de julgamento e o alcance do meio de comunicação e a localização da audiência), deverá a matéria ser retirada de circulação e tanto o jornalista quanto veículo que a publicou sujeitos à pena de multa, a qual será gradativamente aumentada em caso de reiteração.
A lei do sopesamento dá razão a nossas colocações. Veja-se que liberdade quase total de publicação que hoje existe (sendo vedados apenas os xingamentos e mentiras patentes) seria uma intervenção leve (l) na liberdade de imprensa; a restrição que hora pregamos seria uma intervenção moderada (m) a este princípio e a proibição total de veiculação de matérias (como na suppression order australiana e neozelandesa) seria uma restrição séria (s) a tal liberdade.
Por sua vez, o grau de importância de satisfação do princípio da presunção de inocência é extremamente alto (s), pois se trata de direito fundamental do acusado (art. 5º, LVII, da CRFB) e uma das mais básicas garantias de um Estado Democrático de Direito. Da forma como hoje se encontra, ele é seriamente (s) restringido, seria moderadamente (m) atingido com o modelo que propomos (pois como não há censura prévia, ainda haveria a possibilidade de descumprimento por parte da imprensa pouco afeta à democracia) e seria atingido de forma leve (l) com a supressão total das publicações (pois aí somente a comunidade a qual o acusado pertencia saberia do caso, sendo o alcance de tais informações deveras limitado).
Assim, vemos que teríamos uma restrição moderada (m) a um princípio (liberdade de imprensa) enquanto o grau de importância de satisfação do princípio contraposto é sério (s). A afetação da presunção de inocência é séria (s), enquanto a restrição da liberdade de imprensa é moderada (m), de forma que, aplicada a Lei do Sopesamento, teríamos a razão “IP1C(m)/WP2C(s)”, a indicar que o princípio a ter precedência é, sem dúvidas, a presunção de inocência (WP2C), o que corrobora nossa proposta acima elencada, de forma a melhor preservar o referido princípio. Legítima, pois, a adoção da restrição moderada que indicamos, eis que justificada por um peso concreto sério do princípio restringido.
“Quanto maior for o grau de não satisfação ou afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”, é o teor da Lei do Sopesamento. O aumento no grau de não satisfação da liberdade de imprensa que propomos é justificado pela maior satisfação que dele resulta para presunção de inocência (hoje severamente vilipendiado pela mídia), haja vista que frente a restrição leve (l) que hoje existe, propomos apenas uma restrição moderada (m). Ao permanecer inalterado o peso da presunção de inocência e aumentar seu grau de satisfação com ínfimo aumento da restrição à liberdade de imprensa, vê-se que a medida possui total justificação constitucional.
6 Conclusão.
A importância da liberdade de imprensa em uma democracia é inconteste. Não se pode falar em Estado Democrático de Direito sem se falar em uma imprensa o mais livre possível de censura prévia.
Contudo, também não há de se falar em Estado Democrático de Direito ou devido processo legal se o acusado não possui o direito de ser considerado inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É direito humano e fundamental que o acusado não seja tratado como se culpado fosse, valendo a triste lembrança de tempos inquisitoriais como aviso do que se pode transformar o poder punitivo quando tal garantia é esquecida.
Assim, embora não se possa duvidar da garantia da imprensa em levar ao conhecimento do público notícias envolvendo fatos criminosos ocorridos, também não se pode olvidar da garantia do acusado em ser considerado inocente.
A literatura psicologista registra sem margens para muitas dúvidas que as publicações da imprensa realizadas antes do julgamento do caso penal possui grande potencial para influir na convicção dos jurados e que o ser humano não é capaz de, simplesmente, “esquecer” ou se apartar daquilo que ele viu, leu ou ouviu nas notícias quando da prolação de seu veredito, até mesmo porque aquilo que ele tomou conhecimento fora do Tribunal influi em como o jurado age diante das provas apresentadas durante o processo.
Diante da evidente colisão entre ambos os princípios, presunção de inocência e liberdade de imprensa, a regra da proporcionalidade há de ser aplicada, a fim de descobrir-se qual o direito fundamental que deverá prevalecer e em qual medida.
Propusemos, então, que imprensa possa noticiar todos os delitos que tiverem conhecimento e assim queiram, pois a liberdade de imprensa deve ser o mais ampla quanto possível. Contudo, como forma de não prejudicar o direito do acusado a ser presumido inocente, ao noticiar os fatos, a imprensa não deve publicar nomes, fotos e outras características dos envolvidos que possam levar a sua identificação, e nem emitir juízos de valores acerca da culpa ou inocência do acusado, relatando apenas os fatos fielmente como ocorridos.
Dessa forma, o aumento no grau de não satisfação da liberdade de imprensa é justificado pela maior satisfação que de tal aumento resulta para presunção de inocência (hoje severamente vilipendiado pela mídia), haja vista que frente a restrição leve que hoje existe, defende-se apenas uma restrição moderada. Ao permanecer inalterado o peso da presunção de inocência e se aumentar seu grau de satisfação com ínfimo aumento da restrição à liberdade de imprensa, vê-se que a medida é totalmente justificada do ponto de vista constitucional.
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[1]Não se desconhece a discussão doutrinária acerca da correta nomeclatura do princípio em questão, havendo aqueles que preferem nomeá-lo como “presunção de não-culpabilidade”, “princípio da não-culpabilidade”, “estado de inocência”, etc. Embora se concorde com o Prof. Eugênio Pacelli no sentido de existir, de fato, o estado jurídico de inocência, utilizar-se-á, no decorrer do texto, a expressão “princípio de presunção da inocência” em razão de seu uso já consagrado há muito no cenário jurídico. Cf., acerca do tema, OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 37-38.
[2] Luigi Ferrajoli também diferencia as diversas facetas que dão conformação ao princípio da presunção de inocência: “no sentido de ‘regra de tratamento do imputado’, que exclui ou ao menos restringe ao máximo a limitação da liberdade pessoal; ou no sentido de ‘regra de juízo, que impõe o ônus da prova à acusação além da absolvição em caso de dúvida”. (FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica et al. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 507).
[3] Veja-se, p. ex., interessante caso julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, denominado Case of Allenet de Ribemont vs France (Application nº.. 15175/89), j. 10/02/1995, onde o Estado francês foi condenado por violação a garantia da presunção de inocência em razão de declarações de um Ministro de Estado, prestadas em entrevista, das quais se extraiu prévia atribuição de responsabilidade penal a um investigado.
[4]E por isso julgamos de todo equivocada a decisão do Supremo Tribunal Federal que, ao julgar procedentes as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) nº. 29 e 30, em 16/02/2012, declarou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), a qual permitia considerar inelegíveis os candidatos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão da prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; e contra o meio ambiente e a saúde pública.
[5] “- A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.” (RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello). Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a consequente (e inadmissível) prevalência da ideia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. Celso de Mello, v. g.). Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente – não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/03/2007).
[6]Súmula Vinculante nº. 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
[7] Cf., acerca do papel legitimador do sistema penal exercido pela mídia, o imprescindível trabalho de BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, ano 7, n. 12, p. 271-288, 2002, passim.
[8] Como disse Howard Becker, “ele [o crime] é criado pela sociedade. [...] grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal.” (BECKER, Howard S. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 21-22, grifos do original). E continua: “Se o ato é ou não desviante, portanto, depende de como outras pessoas reagem a ele. [...] O simples fato de uma pessoa ter cometido uma infração a uma regra não significa que outros reagirão como se isso tivesse acontecido. (Inversamente, o simples fato de ela não ter violado uma regra não significa que não possa ser tratada, em algumas circunstâncias, como se o tivesse feito.” (BECKER, Outsiders, op. cit., 2008, p. 24).
[9] Mas, como lembra Nilo Batista, os enunciados do discurso criminológico da mídia, além de jamais alcançar constatação empírica, eis que são indemonstráveis, não representam o produto de um esforço na direção do saber, e sim uma articulação retórico-demonstrativa de um “credo” que tem seu núcleo irradiador na própria ideia de pena (Mídia, op. cit., 2002, p. 277).
[10] Na feliz síntese de Nilo Batista: “Decisões do Congresso Nacional capazes de afetar milhões de brasileiros obtêm divulgação ínfima se comparada com as atividades inquisitoriais de alguma CPI, ou com investigações sobre a própria conduta de parlamentares.” (Mídia, op. cit., 2002, p. 282). Acerca do tema da influência da mídia na formação da política de drogas, cf. VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. A Influência da Mídia na Formação da Política de Drogas: O caso dos Estados Unidos da América. Boletim Conteúdo Jurídico, Brasília, v. 302, 09-14 jun. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-influencia-da-midia-na-formacao-da-politica-de-drogas-o-caso-dos-estados-unidos-da-america,48564.html>. Acesso em: 6 mai. 2015.
[11]Para um resumo bastante completo do caso, cf. SILVA, Camila Garcia da. O Caso dos Irmãos Naves: “Tudo o que disse foi de medo e pancada”. Revista Liberdades, São Paulo, n. 4, p. 78-85, mai./ago. 2010.
[12]R v Bell (unreported, NSW Court of Criminal Appeal, Spigelman CJ, Abadee and Ireland JJ, 8 October 1998) 5-6.
[13]Cf. FEIN, S.; MCCLOSKEY, A. L.; TOMLINSON, T. M. Can the jury disregard that information? The use of suspicion to reduce the prejudicial effects of pretrial publicity and inadmissible testimony. Personality and Social Psychology Bulletin, Columbus, v. 23, n. 11, p. 1215-1226, nov. 1997; TANFORD, J. The law and psychology of jury instructions. Nebraska Law Review, Lincoln, v. 69, n.1, p. 71-111, 1990; DEVINE, D. J.; CLAYTON, L. D.; DUNFORD, B. B.; SEYING, R.; PRYCE, J. Jury decision making: 45 years of empirical research on deliberating groups. Psychology, Public Policy, and Law, Washington, v. 7, n. 3, p. 622-727, set. 2001.
[14] Não se aprofundará, aqui, na Teoria dos Princípios de Robert Alexy, tratando apenas do necessário para a compreensão da posição por nós defendida adiante. Para uma exposição bem mais detalhada da matéria, cf. VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. Direitos Fundamentais e Competência de Reforma Constitucional: Os limites materiais das emendas à Constituição. São Paulo: Baraúna, 2014.
[15] Para um melhor entendimento de ambos os institutos, cf. ELVIDGE, Amy. Trying Times: The Right to a Fair Trial in the Changing Media Environment. Otago: Otago Yearbook of Legal Research, 2008; BURD, Roxanne; HORAN, Jacqueline. Protecting the right to a fair trial in the 21st century – has trial by jury been caught in the world wide web? Criminal Law Journal, Sydney, v. 36, n. 2, p. 103-122, abr. 2012.
[16] Solicitor General v TV3 Network Services Ltd and Television New Zealand Ltd, (Christchurch High Court, M520/96, 8 April 1997, John Hansen J, Eichelbaum CJ) e Gisborne Herald Co Ltd v Solicitor General [1995] 3 NZLR 563, 567.
Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Professor das Escolas Atualizar Saúde e Protetiva Saúde. Autor de obra doutrinária e artigos jurídicos publicados em periódicos especializados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. Presunção de Inocência e Liberdade de Imprensa: A Cobertura Midiática e sua Influência no Tribunal do Júri. Estudo em Homenagem ao Professor Nasser Abrahim Nasser Netto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44269/presuncao-de-inocencia-e-liberdade-de-imprensa-a-cobertura-midiatica-e-sua-influencia-no-tribunal-do-juri-estudo-em-homenagem-ao-professor-nasser-abrahim-nasser-netto. Acesso em: 26 nov 2024.
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