RESUMO: Sob a vigência do Código Civil de 1916, havia expressa previsão no tocante a alienação do usufruto ao proprietário da coisa. No entanto, o novo Código inovou ao excluir essa possibilidade. Hodiernamente, a propriedade plena somente é alcançada pelo nu-proprietário nas hipótese previstas no art. 1.410 do Código Civil. Como consequência, as alienações onerosas, com o objetivo de pagar menos tributo, ou seja, procurando recair sobre a operação o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), em detrimento do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), restaram vedadas. O Código Tributário Nacional atribui a responsabilidade tributária aos profissionais que não observarem a nova lei.
Palavras-chave: Direito Civil. Alienação do usufruto. Responsabilidade Tributária.
INTRODUÇÃO
O novo Código Civil trouxe alterações significativas e têm causado polêmica quanto a sua interpretação e aplicação pelos profissionais da área, principalmente aqueles do foro extrajudicial. Dentre as dúvidas, questiona-se a possibilidade de alienação do usufruto ao proprietário da coisa e as implicações tributária decorrente da prática desse ato jurídico.
DESENVOLVIMENTO
O usufruto não foi conceituado no novo Código Civil, mas a doutrina e a jurisprudência já consolidaram seu entendimento no decorrer dos tempos. É o direito real, temporário e intransmissível de desfrutar um objeto na integralidade de suas relações, sem lhe alterar a substância. Ao usufrutuário é atribuído o poder de fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente destacado da propriedade. Assim, as maiores características do usufruto são a inalienabilidade e a temporariedade.
Nos ensinamentos de Orlando Gomes, “A função econômica do usufruto é precipuamente assegurar a certas pessoas meios de subsistência. Tendo finalidade alimentar, razão por que se restringe praticamente às relações familiares, é concedido gratuitamente, e, quase sempre, por testamento”.
Por ser direito temporário, o art. 1.410 do novo Código Civil expressa que não se pode prolongar além da vida do usufrutuário, se pessoa natural, ou de 30 anos, se pessoa jurídica, ou pelo implemento do termo de sua duração estabelecido para sua vigência.
O art. 717 do CC/1916 vedava o usufruto por alienação, ressalvada na hipótese de ser ao proprietário da coisa. “O usufruto só se pode transferir, por alienação, ao proprietário da coisa; mas seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. O art. 1.393 do novo Código fez considerável alteração na redação, assim redigida: “Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. A partir da vigência do novo diploma legal, a exceção prevista no texto anterior deixou de existir, retirando do ordenamento jurídico a possibilidade de alienação do usufruto ao proprietário do bem.
Como resultado, a possibilidade de que o nu-proprietário venha a exercitar o domínio pleno da propriedade é somente através da extinção do usufruto, cujas hipóteses legais estão elencadas no art. 1.410 do novo Código. Note-se que o referido dispositivo relaciona taxativamente as situações que porão fim ao direito real. Interpretar e aplicar o comando legal de forma diversa da norma positivada é inovar a ordem jurídica e usurpar competência constitucional cabível somente ao legislador.
Diversamente, a cessão do exercício do usufruto, por título gratuito ou oneroso, é admitida pelo art. 1.393 do novo Código, não se confundindo com o direito real propriamente dito. Pode-se afirmar, que é uma faculdade que as pessoas têm de contratar e de auferir as vantagens e frutos da coisa, inserida no campo dos direitos pessoais e obrigacionais.
A prática até então comum do titular do domínio de alienar a nua propriedade a A e o usufruto a B, para mais tarde alienar o direito real ao adquirente da nua propriedade (A), não pode mais ser realizada. É defesa, da mesma forma, a alienação a terceiro pelo nu-proprietário, conjuntamente com o usufrutuário, do pleno domínio, sob pena de configurar o usufruto sucessivo. Igual interpretação deve ser aplicada à nova forma dada pelo fideicomisso no novo Código Civil, previsto no art. 1.572, parágrafo único. Se ao tempo da morte do testador (fideicomitente), já tiver nascido o fideicomissário, passará o fiduciário a ser usufrutuário do bem fideicometido. A propriedade é bipartida, exercendo o fideicomissário o domínio do imóvel gravado com o usufruto.
As duas primeiras situações, antes da entrada em vigor do novo Código, eram usuais e aconteciam de duas maneiras: onerosa, incidindo o imposto municipal (ITBI) ou por doação, incorrendo na obrigação de pagar o imposto Estadual (ITCMD). Muitas vezes, essas alienações onerosas eram apenas simulações, com a elaboração de uma realidade apenas formal, objetivando ocultar a existência de verdadeiras doações. Com efeito, essas simulações permitiam a evasão fiscal do imposto de competência do Estado (ITCMD), uma vez que sua carga tributária quase sempre é mais gravosa comparada a do imposto municipal (ITBI). A prática desse ilícito era de difícil comprovação, pois a legislação civil previa a transferência do usufruto ao nu-proprietário e contava com o silêncio das partes. Com a entrada em vigor do novo código, essa transferência onerosa não pode mais ocorrer, por ausência de respaldo legal. Conseqüentemente, o uso e a fruição do bem de outra pessoa só se extingue pelas causas previstas no art. 1.410 do NCC. Como se observa, o novo Código pôs fim à possibilidade de práticas ilícitas, inadmitindo a alienação do usufruto ao nu-proprietário, sob pena de responsabilidade pessoal do tabelião e do oficial do registro que assim o fizer. Cabe a eles, sim, recusar a realização de atos que a lei impede, como ocorre quando a alienação do usufruto se faz presente.
A consolidação da propriedade plena, com a transmissão onerosa do usufruto ao proprietário e o pagamento indevido do ITBI, pode resultar na responsabilidade tributária dos Tabeliães e Registradores, pois essa imputação pode ocorrer quando observada a sonegação do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). Deve-se esclarecer que o ITCMD incide na maior parte das hipóteses de extinção do usufruto previstas no art. 1.410, portanto, ao admitir a alienação onerosa do usufruto, impede-se a realização do fato jurídico necessário e o surgimento desse imposto.
Os profissionais que não observarem a nova lei suportarão o encargo fiscal, pois o Código Tributário Nacional atribui aos tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício a responsabilidade solidária com o contribuinte, pelos tributos devidos, pelos atos praticados por eles, ou perante eles, em razão de seu ofício (art. 134 do CTN). A solidariedade prevista não é aplicável ab initio. A referida norma do CTN exprime que apenas “na impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal” é que os responsáveis se tornam solidariamente obrigados pelos débitos fiscais nos atos em que intervierem ou às omissões(culposas) de que forem efetivamente responsáveis.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, o atual Código Civil não contempla a alienação do usufruto ao nu-proprietário. Como resultado, somente através da extinção do usufruto, cujas hipóteses estão previstas no art. 1.410 do NCC, é que este consolidará a propriedade plena. Portanto, a alienação anteriormente admitida pelo antigo código, que atraia incidência do ITBI, portanto menos oneroso que o ITCMD, não mais podem ser realizada, sob pena de responsabilização dos profissionais envolvidos pelo tributo não recolhido perante o respectivo ente federativo.
REFERÊNCIA
GOMES, Orlando. DIREITO REAIS. São Paulo: Forense, 1998.
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