RESUMO: Este trabalho pretende traçar, sinteticamente, noções gerais sobre decadência e prescrição no direito tributário, bem como destacar as mudanças ocorridas nos prazos prescricionais e decadenciais presentes na legislação tributária trazidas com a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, sobretudo quanto à interrupção do prazo prescricional para cobrança de tributo e quanto ao prazo decadencial para repetição do indébito tributário. Com isso, pretende-se realizar um breve estudo sobre os debates jurisprudenciais que vieram à tona depois da entrada em vigor dessa lei.
Palavras-chave: Direito tributário. Noções sobre prescrição e decadência. Prazos de Prescrição e Decadência. Lei Complementar 118/05. Interrupção do Prazo Prescricional. Repetição do Indébito Tributário. Alterações legislativas. Jurisprudência.
INTRODUÇÃO
Dentre outras modificações, a Lei Complementar nº 118, promulgada em e publicada no Diário Oficial da União de 09 de fevereiro de 2005, alterou o conceito de extinção do crédito tributário para fins da contagem do prazo de que trata o art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional. Isso provocou alteração substancial no prazo decadencial para repetição do indébito tributário. Outrora pacificada no Superior Tribunal de Justiça a tese dos “cinco mais cinco”, que conferia ao contribuinte o lapso de dez anos para reaver do Fisco o tributo que havia recolhido indevidamente, esse entendimento teve de ser revisto, e o sujeito passivo, agora, dispõe de apenas cinco anos para repetir eventual indébito tributário.
Além disso, antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 118/2005, a citação do devedor nos autos de Execução Fiscal ajuizados pela Fazenda Pública era causa de interrupção da prescrição, conforme o contido no art. 174, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional. Entretanto, a nova lei dispôs que o prazo prescricional para cobrança do crédito tributário seria interrompido com o despacho do juiz determinando a citação, o que sem dúvida gerou um tratamento desfavorável ao contribuinte executado.
Estas inovações trazidas com a Lei Complementar causaram grande discussão nos tribunais, sobretudo na esfera federal, cuja abordagem será mais aprofundada neste trabalho.
Logo nos primeiros dias em que a LC 118/05 entrou em vigor, o Superior Tribunal de Justiça foi chamado a se pronunciar sobre a interpretação que deveria ser dada à novel legislação.
Hoje, essas questões restam pacificadas no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, tal como se verá ao longo deste breve estudo.
1 NOÇÕES SOBRE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
No direito tributário, a decadência deve ser entendida como o prazo que a autoridade fiscal dispõe para constituir o crédito tributário.
O prazo decadencial está previsto no art. 173, I, Código Tributário Nacional do seguinte modo:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Tal prazo aplica-se aos casos em que administração procede ao lançamento de ofício do tributo, ou ao lançamento por declaração. Nos casos de lançamento por homologação efetuados de forma correta pelo sujeito passivo da obrigação tributária, não há que se falar em decadência, como se verá adiante.
Conforme artigo acima citado, o prazo de decadência é de 5 (cinco) anos, contados do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Em outras palavras, a administração, a partir do momento em que o tributo é devido, tem a possibilidade de verificar a mora do contribuinte, e, dessa forma, efetuar o lançamento.
O lançamento é ato vinculado e obrigatório da autoridade fiscal, conforme art. 142, parágrafo único do Código Tributário Nacional. Portanto, deve ser praticado independentemente de ajuizamento de ação, concessão de antecipação de tutela ou outros meios de suspensão do crédito tributário. O lançamento, nesses casos, é hábil justamente para prevenir a ocorrência de decadência do crédito tributário. Nesse sentido é o art. 63 da Lei nº 9.430/96:
Art. 63. Na constituição de crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributo de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos IV e V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não caberá lançamento de multa de ofício.
Também a jurisprudência pátria esposa esse entendimento:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PIS. SENTENÇA JUDICIAL QUE RECONHECE O DIREITO DE RECOLHIMENTO DO PIS DE MODO DIFERENCIADO. POSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO PELA FAZENDA NACIONAL. LANÇAMENTO. PRAZO DECADENCIAL.
1. Caso em que o contribuinte impetrou mandado de segurança contra ato do Delegado da Receita Federal para anular autos de infrações ao argumento de que obteve o direito de recolher os valores relativos ao Pis conforme previsto no artigo 3º, § 2º, da Lei Complementar n.
7/70, em relação aos períodos de 1º/1/1996 a 5/6/1996, e na forma da Emenda Constitucional n. 10/96, para os fatos geradores posteriores, em razão de sentença relativa a outro Mandado de Segurança, que tramitou naquele mesma Vara Federal. Nada obstante, o Delegado da Receita Federal lavrou auto de infração em relação a esses valores.
2. O contribuinte obteve a concessão de segurança para autorizar o recolhimento de forma diferenciada, não abrangendo a vedação da Fazenda em efetuar o lançamento.
3. A controvérsia do recurso especial cinge-se à possibilidade da Fazenda Pública constituir o crédito tributário, enquanto pendente ação judicial. Na espécie, o mandado de segurança questiona valores indevidamente recolhidos a maior a título do Pis.
4. As causas de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, previstas no artigo 151 do Código tributário Nacional, não afastam o dever da Fazenda Pública em proceder o lançamento com o desiderato de evitar a decadência, cuja contagem não se sujeita às causas suspensivas ou interruptivas. Precedentes: EREsp 572.603/PR, Rel.
Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 8/6/2005, DJ 5/9/2005; REsp 736.040/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 15/5/2007, DJ 11/6/2007; AgRg no REsp 1.058.581/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/05/2009, DJe 27/05/2009.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1183538/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 24/08/2010)
Em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o contribuinte é quem calcula e recolhe o tributo devido, independentemente de qualquer atividade prévia do Fisco.
Nesse caso, diz-se que o próprio sujeito passivo da obrigação tributária efetua o lançamento, que fica sujeito a posterior verificação e homologação da autoridade fiscal. Salvo os casos em que o contribuinte, sem interferência do Estado, ele próprio, recolhe o tributo, o direito de crédito da Fazenda Pública, para aperfeiçoar-se e tornar-se exigível, depende do ato jurídico do lançamento.[1]
Aplica-se a essa sistemática de constituição do crédito tributário o disposto no artigo 5º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 2.124/84, que dispõe:
Art. 5º O Ministro da Fazenda poderá eliminar ou instituir obrigações acessórias relativas a tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal.
§ 1º O documento que formalizar o cumprimento de obrigação acessória, comunicando a existência de crédito tributário, constituirá confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do referido crédito.
§ 2º Não pago no prazo estabelecido pela legislação o crédito, corrigido monetariamente e acrescido da multa de vinte por cento e dos juros de mora devidos, poderá ser imediatamente inscrito em dívida ativa, para efeito de cobrança executiva, observado o disposto no § 2º do artigo 7º do Decreto-lei n.º 2.065, de 26 de outubro de 1983.
Quando o contribuinte efetua corretamente a declaração e realiza o pagamento do tributo devido na época própria, não corre o prazo decadencial, porque o lançamento é efetuado por meio da declaração do sujeito passivo. O Fisco tem 5 (cinco) anos para homologar ou não o pagamento, nos termos do art. 150 § 4º do CTN.
Tem-se início, por outro lado, o prazo prescricional, porque a autoridade fiscal pode cobrar desde logo o tributo declarado e, eventualmente, não recolhido. Conforme dispõe o art. 174, caput, do Código Tributário Nacional, a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Havendo declaração a menor pelo contribuinte, o Fisco poderá lançar de ofício o remanescente do tributo apurado em substituição à homologação e, nessa hipótese, o lançamento deve observar o prazo de 5 (cinco) anos constante do artigo 173 do Código Tributário Nacional.
Nesse sentido a doutrina e a jurisprudência (com grifos acrescidos):
Nessa modalidade de lançamento, o sujeito passivo antecipa o pagamento do tributo sem o prévio exame do fisco. No momento em que a autoridade administrativa toma conhecimento da atividade exercitada pelo sujeito passivo e a homologa, opera-se simultaneamente a constituição do crédito tributário e sua extinção (§ 1º do art. 150). Não homologado o pagamento antecipado, abre-se oportunidade para lançamento de ofício para haver a eventual diferença.
(...)
Nos tributos de lançamentos por homologação, o prazo decadencial de cinco anos conta-se a partir da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária (§ 4º do art. 150 do CTN). Decisões judiciais que consideram o prazo de dez anos para a consumação do prazo decadencial, somando o prazo do § 4º do art. 150 do CTN com aquele referido no inciso I do art. 173, inova a legislação, negando vigência ao citado § 4º que, com solar clareza, indicou como marco inicial do prazo qüinqüenal extintivo a data da ocorrência do fato gerador. Não homologados, nesse prazo, os atos praticados pelo contribuinte, ou, se homologados em parte, cabe ao fisco promover o lançamento direto, total ou parcialmente, conforme o caso, porém, sempre dentro desse mesmo prazo de cinco anos.[2]
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO (EXACIONAL). EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE COBRANÇA JUDICIAL PELO FISCO. PRAZO QÜINQÜENAL. TRIBUTO SUJEITO À LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DCTF.TRIBUTO DECLARADO E NÃO PAGO. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃOTRIBUTÁRIA DECLARADA.
1. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta assim regulada pelo artigo 174, do Código Tributário Nacional, verbis:
"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I - pela citação pessoal feita ao devedor;
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
(Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor."
2. A constituição definitiva do crédito tributário, sujeita à decadência, inaugura o decurso do prazo prescricional de cinco anos para o Fisco cobrar judicialmente o crédito tributário.
3. Deveras, assim como ocorre com a decadência do direito de constituir o crédito tributário, a prescrição do direito de cobrança judicial pelo Fisco encontra-se disciplinada em cinco regras jurídicas gerais e abstratas, a saber: (a) regra da prescrição do direito do Fisco nas hipóteses em que a constituição do crédito se dá mediante ato de formalização praticado pelo contribuinte (tributos sujeitos a lançamento por homologação); (b) regra da prescrição do direito do Fisco com constituição do crédito pelo contribuinte e com suspensão da exigibilidade; (c) regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento tributário ex officio; (d) regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento e com suspensão da exigibilidade; e (e) regra de reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco decorrente de causas interruptivas do prazo prescricional (In: Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad, págs. 224/252).
4. Consoante cediço, as aludidas regras prescricionais revelam prazo qüinqüenal com dies a quo diversos.
5. Assim, conta-se da data estipulada como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada (DCTF, GIA, etc.) o prazo qüinqüenal para o Fisco acioná-lo judicialmente, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que não houve o pagamento antecipado (inexistindo valor a ser homologado, portanto), nem quaisquer das causas suspensivas da exigibilidade do crédito ou interruptivas do prazo prescricional (Precedentes da Primeira Seção: Resp. 850.423/SP, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 28.11.2007, DJ. 07.02.2008).
6. Por outro turno, nos casos em que o Fisco constitui o crédito tributário, mediante lançamento, inexistindo quaisquer causas de suspensão da exigibilidade ou de interrupção da prescrição, o prazo prescricional conta-se da data em que o contribuinte for regularmente notificado do lançamento tributário (artigos 145 e 174, ambos do CTN).
(...)
12. Agravo regimental desprovido.
(STJ; AgRg no REsp 981130 / PR; Relator(a) Ministro LUIZ FUX; Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento 20/08/2009; DJe 16/09/2009)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARAÇÃO ENTREGUE PELO CONTRIBUINTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
1. A constituição do crédito a que se refere o art. 174 do CTN ocorre com o transcurso do prazo para pagamento espontâneo da dívida, após o contribuinte receber a notificação do lançamento (modalidade de ofício) ou depois de efetuar a entrega da declaração referente àquele crédito (modalidade por homologação).
2. Como no caso dos autos se trata de tributo sujeito a lançamento por homologação declarado, e não pago pelo contribuinte, o prazo prescricional tem início a partir da data em que tenha sido realizada a entrega da declaração do tributo e escoado o prazo para pagamento espontâneo. Para identificar-se o marco inicial da prescrição, conjugam-se a constituição do crédito pela entrega da declaração e o surgimento da pretensão com o não pagamento da dívida no prazo estipulado administrativamente.
3. O entendimento do acórdão recorrido – de que o prazo prescricional de cinco anos para a ação de cobrança do crédito tributário (artigo 174, do CTN) inicia a partir da data de entrega da declaração pelo contribuinte – encontra-se em consonância com o do Superior Tribunal de Justiça – STJ. A propósito, AgRg no Ag 1056045/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 25/05/2009.
4. Agravo regimental não provido.
(STJ; AgRg no REsp 1117030 / PR; Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA; Órgão Julgador; T2 - SEGUNDA TURMA; Data do Julgamento 10/11/2009; DJe 20/11/2009)
Importante frisar que esse entendimento restou consolidado com a edição, em 2010, da Súmula nº 436 do Superior Tribunal de Justiça com o seguinte teor:
A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.
(Súmula 436, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 13/05/2010)
Outrossim, as hipóteses de interrupção da prescrição da pretensão de cobrança do crédito tributário estão previstas no art. 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional:
Art. 174. (...)
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
O contido no inciso I acima transcrito constitui o ponto central deste trabalho, motivo pelo qual será analisado em capítulo próprio.
O protesto judicial é ação cautelar prevista no Código de Processo Civil, destinada a prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal (art. 867 do CPC).
Segundo Leandro Paulsen[3], tendo em conta a previsão deste inciso II do art. 174 do CTN, tem-se que deverá ser admitido o protesto judicial, reconhecendo-se legítimo interesse ao Fisco para tanto.
O inciso III do art. 174 do CTN será analisado no capítulo INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO.
A interrupção da prescrição por força do inciso IV do parágrafo único do art. 174 do Código Tributário Nacional tem como principal exemplo a inclusão da dívida decorrente de crédito tributário em parcelamento.
Isso porque o pedido de parcelamento do crédito tributário é obrigatoriamente acompanhado da confissão de dívida pelo contribuinte. Segundo o entendimento jurisprudencial e doutrinário, a confissão da dívida é considerada ato inequívoco [...] que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
O prazo prescricional reinicia, por inteiro – por se tratar de hipótese de interrupção – a partir do momento em que o sujeito passivo é excluído do parcelamento, porque o crédito tributário deixa de estar suspenso por força do contido no art. 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional, que dispõe que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário. Respaldam esse entendimento os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS. ART. 398 DO CPC. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE ADVERSA. PREJUÍZO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO.
QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. ENUNCIADO SUMULAR 282/STF. PREMISSA FÁTICO-PROBATÓRIA FIXADA PELA CORTE DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. COBRANÇA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
PRAZO PRESCRICIONAL. PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO. REINÍCIO.
DESCUMPRIMENTO DO ACORDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
I. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há falar em ofensa ao art. 398 do CPC, quando, a despeito de a parte não ter sido intimada para se pronunciar sobre documento juntado aos autos, não se verifica prejuízo concreto a ela. Com efeito, a declaração de nulidade de atos processuais depende da demonstração do efetivo prejuízo, em observância ao princípio pas de nullité sans grief, o que não ocorreu, na hipótese.
II. Esta Corte já apontou que a inobservância do art. 398 do CPC não acarreta nulidade, quando os documentos juntados aos autos são conhecidos pelo autor e pelo réu, como ocorre, no caso dos autos.
Precedente.
III. Para que se configure o prequestionamento, não basta que a parte recorrente devolva a questão controvertida para o Tribunal. É necessário que a causa tenha sido decidida à luz da legislação federal indicada, bem como seja exercido juízo de valor sobre os dispositivos legais indicados e sobre a tese recursal a eles vinculada. No caso dos autos, o acórdão recorrido não teceu considerações acerca da tese invocada pelo recorrente de que o prazo prescricional, para cobrança de crédito tributário incluído em parcelamento, recomeçaria a fluir, nos casos de inadimplemento, "a partir do momento em que houve a rescisão/descumprimento da lei que prevê o parcelamento, e não do ato de declaração por parte do ente público". Incide, portanto, na hipótese, o disposto no Enunciado sumular 356/STF.
IV. O entendimento jurisprudencial do STJ orienta-se no sentido de que mesmo as matérias de ordem pública necessitam estar devidamente prequestionadas, para ensejar o pronunciamento desta Corte, em sede de Recurso Especial. Precedentes.
V. Com base nos elementos de provas constantes dos autos, o Tribunal de origem concluiu não ter ocorrido a prescrição do crédito tributário. Incide, portanto, na espécie, o óbice do Enunciado 7 da Súmula desta Corte.
VI. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o "prazo da prescrição, interrompido pela confissão e pedido de parcelamento, recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado, momento em que se configura a lesão ao direito subjetivo do Fisco, dando azo à propositura do executivo fiscal" (STJ, AgRg no REsp 1.167.126/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma).
VII. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 1468778/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 05/03/2015)
O Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário que tem por objetivo constitucional uniformizar a interpretação da legislação federal (art. 105, III, a, b, c, CF), explicou detalhadamente como se dá a interrupção do prazo prescricional em caso de parcelamento do crédito tributário no precedente a seguir transcrito:
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO (EXACIONAL). EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE COBRANÇA JUDICIAL PELO FISCO. PRAZO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. ICMS. TRIBUTO DECLARADO, MAS NÃO PAGO. PEDIDO DE PARCELAMENTO. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL (ARTIGO 174, PARÁGRAFO ÚNICO). EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (ARTIGO 156, V, DO CTN).
1. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta assim regulada pelo artigo 174, do Código Tributário Nacional, verbis:
"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I - pela citação pessoal feita ao devedor;
I - pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor."
2. A constituição definitiva do crédito tributário, sujeita à decadência, inaugura o decurso do prazo prescricional de cinco anos para o Fisco cobrar judicialmente o crédito tributário.
3. Deveras, assim como ocorre com a decadência do direito de constituir o crédito tributário, a prescrição do direito de cobrança judicial pelo Fisco encontra-se disciplinada em cinco regras jurídicas gerais e abstratas, a saber: (a) regra da prescrição do direito do Fisco nas hipóteses em que a constituição do crédito se dá mediante ato de formalização praticado pelo contribuinte (tributos sujeitos a lançamento por homologação); (b) regra da prescrição do direito do Fisco com constituição do crédito pelo contribuinte e com suspensão da exigibilidade; (c) regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento tributário ex officio; (d) regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento e com suspensão da exigibilidade; e (e) regra de reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco decorrente de causas interruptivas do prazo prescricional (In: Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad, págs. 224/252).
4. Consoante cediço, as aludidas regras prescricionais revelam prazo quinquenal com dies a quo diversos.
5. Assim, conta-se da data da entrega do documento de formalização do crédito tributário pelo próprio contribuinte (DCTF, GIA, etc) o prazo quinquenal para o Fisco acioná-lo judicialmente, nos casos do tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que não houve o pagamento antecipado (inexistindo valor a ser homologado, portanto), nem quaisquer das causas suspensivas da exigibilidade do crédito ou interruptivas do prazo prescricional (Precedentes das Turmas de Direito Público: EDcl no AgRg no REsp 859597/PE, Primeira Turma, publicado no DJ de 01.02.2007; REsp 567737/SP, Segunda Turma, publicado no DJ de 04.12.2006; REsp 851410/RS, Segunda Turma, publicado no DJ de 28.09.2006; e REsp 500191/SP, desta relatoria, Primeira Turma, publicado no DJ de 23.06.2003).
6. Por outro turno, nos casos em que o Fisco constitui o crédito tributário, mediante lançamento, inexistindo quaisquer causas de suspensão da exigibilidade ou de interrupção da prescrição, o prazo prescricional conta-se da data em que o contribuinte for regularmente notificado do lançamento tributário (artigos 145 e 174, ambos do CTN).
7. Entrementes, sobrevindo causa de suspensão de exigibilidade antes do vencimento do prazo para pagamento do crédito tributário, formalizado pelo contribuinte (em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação) ou lançado pelo Fisco, não tendo sido reiniciado o prazo ex vi do parágrafo único, do artigo 174, do CTN, o dies a quo da regra da prescrição desloca-se para a data do desaparecimento jurídico do obstáculo à exigibilidade. Sob esse enfoque, a doutrina atenta que nos "casos em que a suspensão da exigibilidade ocorre em momento posterior ao vencimento do prazo para pagamento do crédito, aplicam-se outras regras: a regra da prescrição do direito do Fisco com a constituição do crédito pelo contribuinte e a regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento". Assim, "nos casos em que houver suspensão da exigibilidade depois do vencimento do prazo para o pagamento, o prazo prescricional continuará sendo a data da constituição do crédito, mas será descontado o período de vigência do obstáculo à exigibilidade" (Eurico Marcos Diniz de Santi, in ob. cit., págs. 219/220).
8. Considere-se, por fim, a data em que suceder qualquer uma das causas interruptivas (ou de reinício) da contagem do prazo prescricional, taxativamente elencadas no parágrafo único, do artigo 174, a qual "servirá como dies a quo do novo prazo prescricional de cinco anos, qualificado pela conduta omissiva de o Fisco exercer o direito de ação" (Eurico Marcos Diniz de Santi, in ob. cit., pág. 227).
9. In casu: (a) cuida-se de crédito tributário oriundo de saldo remanescente de ICMS (tributo sujeito a lançamento por homologação) relativo aos exercícios de setembro a dezembro de 1989 e de janeiro a fevereiro de 1990; (b) o dever instrumental de entrega da Guia de Informação e Apuração - GIA restou adimplido pelo contribuinte, não tendo sido explicitada a data da entrega pela instância ordinária; (c) a empresa não efetuou o pagamento antecipado da exação; (d) posteriormente, em 30.05.1990, o contribuinte apresentou confissão do débito tributário acompanhada de pedido de parcelamento; (e) deferido o pedido de parcelamento, o sujeito passivo descumpriu o acordo, ao efetuar o pagamento apenas da primeira parcela em 30.10.1990; e (f) a propositura da execução fiscal se deu em 10.7.1997.
10. A regra prescricional aplicável ao caso concreto é a que alude ao reinício da contagem do prazo, ante a ocorrência de causa interruptiva prevista no parágrafo único do artigo 174, do Digesto Tributário, in casu, o pedido de parcelamento formulado em 30.05.1990, que pressupõe a confissão da dívida, ato inequívoco que importa em reconhecimento do débito pelo devedor. Contudo, o prazo da prescrição interrompido pela confissão e pedido de parcelamento recomeça a fluir no dia que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado (Súmula 248/TFR), momento em que se configura a lesão ao direito subjetivo do Fisco, dando azo à propositura do executivo fiscal.
11. Desta sorte, dado que o reinício do prazo prescricional se deu em 30.10.1990 e a execução fiscal restou intentada em 10.07.1997, dessume-se a extinção do crédito tributário em tela, ante o decurso in albis do prazo prescricional quinquenal para cobrança judicial pelo Fisco.
12. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ; RESP 802063/SP; Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA; Data da decisão: 21/08/2007; DJ 27/09/2007, p. 227; Relator(a) LUIZ FUX; Decisão por unanimidade)
Frise-se que esse entendimento já encontrava amparo no extinto Tribunal Federal de Recursos, que editou a Súmula nº 248, entendendo que o prazo da prescrição interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir no dia que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado.
Causa debates, ainda, o parcelamento da dívida tributária após a ocorrência da prescrição. A jurisprudência possui precedentes acatando a renúncia da prescrição no direito tributário, bem como rejeitando essa tese.
O instituto da renúncia da prescrição está previsto no art. 191 do Código Civil, que prescreve:
Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
Aqueles que sustentam a tese da renúncia à prescrição, afirmam que a prescrição não é matéria de ordem pública e o contribuinte, ao efetuar o parcelamento e consequente confissão de dívida, praticou ato que conduz ao seu reconhecimento sobre a validade do débito tributário confessado. Esse entendimento chegou a ser seguido pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, conforme se infere dos seguintes precedentes:
EXECUÇÃO FISCAL - PARCELAMENTO - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO -INEXIGIBILIDADE DO CRÉDITO - RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO -EXTINÇÃO DO PROCESSO.
1 - Como parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário, não tendo a relação processual se aperfeiçoado, eis que não houve citação, é de julgar extinta a execução em face da inexigibilidade do título.
2 - Hipótese de renúncia à prescrição, nos precisos termos do art. 191 do vigente Código Civil.
(TRF da Quarta Região, Segunda Turma; AC 199672050012692/SC; Data da decisão: 24/07/2007; D.E. 08/08/2007; Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, decisão unânime)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. CONCORDATÁRIA PREVENTIVA COM FALÊNCIA DECRETADA NO CURSO DA LIDE. MULTA FISCAL E JUROS MORATÓRIOS. AFASTAMENTO.
1. A confissão de dívida e o parcelamento do débito configuram hipótese de renúncia à prescrição.
2. A decadência, por ser matéria de ordem pública, pode ser reconhecida pelo órgão judicante em qualquer grau de jurisdição.
3. Tendo a falência da concordatária sido decretada no curso da lide, aplicável o disposto no inciso II do art. 23 da Lei nº 7.661/45, bem como o teor das Sumulas nºs 192 e 565 do STF, com o consequente afastamento dos juros e da multa moratória fiscal.
4. Apelação da impetrante parcialmente provida para reconhecer a decadência dos créditos tributários cujos fatos geradores são anteriores a 01/1998, e remessa oficial e apelação do INSS improvidas.
(TRF da Quarta Região, Primeira Turma; AMS 200370010174907/PR; Data da decisão: 26/07/2006, DJU 23/08/2006, p. 979; Relator Artur César de Souza, decisão por unanimidade)
Porém, corrente oposta entende que não há hipótese de renúncia à prescrição no direito tributário, porque a prescrição extingue o crédito tributário, consoante art. 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, que prevê que a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário.
Uma vez extinto o crédito tributário, não poderia ser novamente reativado, não permanecendo a obrigação natural de efetuar o pagamento do crédito tributário, tal como ocorre no direito civil.
Penso que essa é a tese mais acertada, pois não se pode olvidar que o direito tributário é ramo do direito público que possui normas específicas previstas no Código Tributário Nacional. E a renúncia à prescrição é dispositivo legal previsto no Código Civil, ramo do direito privado. Por isso, tenho que o previsto no art. 156, V, do CTN, por ser norma especial de prescrição deve prevalecer em relação à regra geral de renúncia da prescrição disposta no art. 191 do CC. Caso se admitisse renúncia à prescrição no direito tributário, essa deveria estar expressa no Código Tributário Nacional. É o que vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça (grifos acrescidos):
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
ISSQN. CRÉDITOS PRESCRITOS. PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. INOVAÇÃO DE RAZÕES RECURSAIS EM SEDE DE AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O parcelamento do débito tributário após o transcurso do prazo prescricional não implica renúncia da prescrição, conforme a jurisprudência firmada no STJ.
2. A tese de que não operada a decadência para efetuar o lançamento não foi oportunamente suscitada nas razões de recurso especial, o que revela indevida inovação recursal.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1191336/RN, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO.
CRÉDITO PRESCRITO. PARCELAMENTO. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPLICA RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO.
1. Não obstante o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representa um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. (REsp 1252608/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 24.2.2012).
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1297954/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2012, DJe 14/09/2012)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DE CRÉDITO JÁ PRESCRITO. RESTABELECIMENTO DA EXIGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE.
RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO. ART. 156, V, DO CTN.
1. O parcelamento postulado depois de transcorrido o prazo prescricional não restabelece a exigibilidade do crédito tributário.
Isso porque: a) não é possível interromper a prescrição de crédito tributário já prescrito; e b) a prescrição tributária não está sujeita à renúncia, uma vez que ela não é causa de extinção, apenas, do direito de ação, mas, sim, do próprio direito ao crédito tributário (art. 156, V, do CTN). Precedentes: AgRg no RMS 36.492/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23/04/2012; REsp 1.210.340/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10/11/2010; REsp 812.669/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 18/09/2006.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 51.538/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 21/08/2012)
Atualmente, seguindo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Regional Federal da Quarta Região também se curvou a esse entendimento, conforme segue:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO PARCIAL DOS CRÉDITOS. CARACTERIZAÇÃO. PARCELAMENTO DE CRÉDITO PRESCRITO. RENÚNCIA TÁCITA À PRESCRIÇÃO. A adesão a parcelamento de crédito prescrito não importa em reconhecimento tácito de renúncia à prescrição, pois, em matéria tributária, a prescrição extingue o crédito (CTN, art. 156, V), não podendo ser renunciada. (TRF4, AC 5005958-85.2014.404.7001, Primeira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria de Fátima Freitas Labarrère, juntado aos autos em 27/02/2015)
Leandro Paulsen[4] admite, inclusive, que o pagamento de tributo atingido pela prescrição ou pela decadência é passível de repetição:
Tanto a decadência como a prescrição, em matéria tributária, implicam a extinção do crédito tributário, nos termos do art. 156, inciso V, do CTN. Assim, o pagamento eventualmente feito pelo contribuinte após a sua ocorrência é indevido, ensejando repetição.
E também Sacha Calmon Navarro Coêlho concorda com esse entendimento:
É cediço afirmar que a prescrição do direito de ação somente a extingue, deixando intacto o direito material que lhe conferia substrato.
Comumente se diz: a obrigação, de legal, torna-se moral se o devedor paga, não pode demandar a restituição do que pagou, embora prescrita a ação. Esta era para obrigá-lo a pagar, dobrando a sua vontade, se recalcitrante, substituindo-a pela do juiz, a determinar o pagamento ou a entrega da coisa. A decadência mata o direito material. Nesse caso, pode-se repetir o indébito, diferentemente da prescrição, que só mata a ação, sem afetar o direito material. São lugares comuns e, em Direito Privado, até admissíveis.
Ocorre que no Direito Tributário pátrio, a teor do CTN, tanto a decadência quanto a prescrição extinguem o crédito tributário.
Quem paga dívida fiscal em relação à qual já estava a ação prescrita tem direito à restituição, sem mais nem menos. [5]
A suspensão do prazo prescricional, para Leandro Paulsen, ocorre nas mesmas hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas no art. 151 do Código Tributário Nacional:
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I - moratória;
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
Segundo ele, a existência de uma causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário impede o Fisco de buscar em juízo a satisfação do crédito tributário, na medida em que a execução pressupõe título revestido não apenas de certeza e liquidez, mas também de exigibilidade[6]. Sacha Calmon Navarro Coêlho[7], embora não afirme nesses termos, cita como causas suspensivas da prescrição as mesmas do art. 151 do CTN:
Com efeito, durante todo o processo administrativo de discussão do crédito tributário (reclamações e recursos), não corre a prescrição. Do mesmo modo, as liminares em mandado de segurança e o depósito integral do crédito tributário suspendem a sua exigibilidade e, portanto, a prescrição, sem falar nos parcelamentos para pagamento do crédito tributário, estes últimos com as nuanças que vimos quando tratamos do assunto.
Outros doutrinadores, entretanto, não concordam com essa exegese:
Entendemos, por outro lado, que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, com efeitos apenas administrativos, não tem o condão de paralisar a fluência do prazo prescricional, para tanto devendo a Fazenda, se suspensa a exigibilidade do crédito tributário, utilizar-se do protesto judicial, como forma interruptiva da prescrição.
(Comentários ao código tributário nacional. v. 2: arts. 96 a 218; Ives Gandra da Silva Martins, coordenador. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 472)
Suspensão no curso do prazo prescricional não é a mesma coisa que suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Frequentemente deparamos com a confusão das duas realidades jurídicas, nas obras de bons autores. Para que se suspenda o lapso de tempo que leva à prescrição é imperativo lógico que ele se tenha iniciado, e, nem sempre que ocorre a sustação da exigibilidade, o tempo prescricional já terá começado a correr.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 506)
Concordo com a doutrina de Leandro Paulsen e Sacha Calmon, à exceção da hipótese prevista no art. 151, inciso VI, do CTN, porque, como visto alhures, o parcelamento é causa de interrupção da prescrição. Nesse sentido tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO
CONFIGURADA. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE E DO PRAZO PRESCRICIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA E DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. A interposição de recurso administrativo pela contribuinte, sob o fundamento de que a exação fiscal em questão é inconstitucional, suspende a exigibilidade do crédito tributário e a prescrição da cobrança, nos moldes preconizados pelo art. 151, III, do CTN.
Precedentes do STJ.
3. A argumentação da recorrente de que houve cerceamento de defesa e desrespeito ao devido processo legal, no que tange ao procedimento administrativo ora em questão, envolve a análise de dispositivos constitucionais, em especial do art. 5º, XXXIV, LIV e LV, da Constituição Federal, o que é inviável a esta Corte Superior, em Recurso Especial.
4. Agravo Regimental não provido.
(STJ; AgRg no REsp 627385 / RS; Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN; Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA; Data do Julgamento 19/02/2009; DJe 27/03/2009)
Essas foram apenas algumas noções introdutórias sobre como funcionam os prazos de decadência e prescrição no direito tributário. Sem dúvidas, há inúmeros outros debates interessantes e atuais a serem estudados nesse tema, porém o presente trabalho não tem por objetivo esgotar o assunto, mas apenas trazer à lume um conhecimento introdutório antes de adentrar ao tema propriamente dito e, talvez, aguçar o interesse e curiosidade dos leitores para as importantes questões sobre decadência e prescrição tributárias.
Friso que nesse tópico, caberia falar ainda do prazo de prescrição para repetição do indébito tributário, porém este é um dos assuntos centrais do presente trabalho, porque a LC 118/05 promoveu alterações na interpretação do art. 168 do Código Tributário Nacional. Por essa razão, esse tema será abordado em capítulo próprio.
2 APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 70/2003
Por força do contido no artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, eventuais alterações legislativas nos prazos de prescrição no direito tributário só seriam válidas perante o ordenamento jurídico brasileiro se viessem a lume por meio de lei complementar.
É também por essa razão que o Código Tributário Nacional foi recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar. Veja-se ensinamento de Pedro Lenza[8]:
O que acontecerá com as normas infraconstitucionais elaboradas antes do advento da nova Constituição?
Todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova “roupagem”. Como exemplo lembramos o CTN (Código Tributário Nacional – Lei n. 5.172/66), que, embora tenha sido elaborado com quorum de lei ordinária, foi recepcionado pela nova ordem como lei complementar, sendo que os ditames que tratam sobre matérias previstas no art. 146, I, II e III, da CF só poderão ser alterados por lei complementar.
Assim, a Lei Complementar nº 118, promulgada em e publicada no Diário Oficial da União de 09 de fevereiro de 2005, alterou o conceito de extinção do crédito tributário para fins da contagem do prazo de que trata o art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional. Além disso, dispôs que o prazo prescricional para cobrança do crédito tributário seria interrompido com o despacho do juiz determinando a citação do contribuinte.
É evidente, nessas alterações, o propósito de colocar fim a entendimentos jurisprudenciais e dispositivos legais favoráveis ao sujeito passivo da obrigação tributária, o que trouxe grandes discussões na jurisprudência.
Como se verá ao longo deste trabalho, a LC 118/05 teve um de seus dispositivos declarado inconstitucional pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, seu projeto (Projeto de Lei Complementar da Câmara dos Deputados nº 70, de 2003), foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania:[9]
RELATOR: Senador FERNANDO BEZERRA
I – RELATÓRIO
Vem à apreciação desta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania o Projeto de Lei da Câmara nº 70, de 2003 – Complementar, que altera dispositivos da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, e dá outras providências, PLP nº 72, de 1993, na origem.
O projeto tem como principal objetivo modificar o CTN, para tornar possíveis as alterações que se pretende fazer ao regime falimentar brasileiro, propostas no PLC nº 71, de 2003, que tramita paralelamente.
Assim é que, no art. 1º do PLC nº 70, de 2003 – Complementar, modificam-se os arts. 133, 155-A, 186, 187 e 188 do CTN, para expressamente excluir a
sucessão tributária na alienação judicial de unidades da empresa em processos de falência, recuperação judicial e recuperação extrajudicial; prever parcelamento especial na recuperação judicial; e modificar a classificação dos créditos para recebimento na falência.
Além disso, agora sem relação com a nova lei de falências, propõe-se a modificação do art. 185 do CTN, para estabelecer a presunção de fraude na alienação ou oneração de bens por devedor tributário inscrito na dívida ativa; e autorizar a decretação da indisponibilidade de bens, inclusive contas bancárias, do devedor tributário, desde que, citado, não pague nem apresente bens à penhora e que não sejam encontrados bens penhoráveis para a satisfação do crédito tributário.
O projeto traz, ainda, em seu art. 2º, norma interpretativa do inciso I do art. 168 do CTN, segundo a qual, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos para o pedido de restituição do contribuinte é contado da data do pagamento e não do decurso do prazo para a homologação pelo Poder Público.
(...)
II – ANÁLISE
O projeto de lei analisado versa sobre normas gerais de direito tributário, matéria de lei complementar da União, nos termos do art. 146, III, da Constituição e compreendida entre as atribuições do Congresso Nacional (caput do art. 48 da Constituição). No aspecto material, não há norma constitucional em conflito com o teor dos dispositivos do Substitutivo em exame. Dessa forma, o PLC nº 70, de 2003 – Complementar, é formal e materialmente constitucional.
(...)
III – VOTO
Por todo o exposto, o voto é pela aprovação do PLC nº 70, de 2003 – Complementar, na forma da Emenda nº 1-CAE (Substitutivo), com as modificações propostas pelas Emendas que apresentamos, e pela rejeição das Emendas de nºs 1, 2, 3 e 4.
(...)
Sala da Comissão, 02 de junho de 2004.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, prevista no art. 58 da Constituição Federal, existe tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Todos os projetos de lei devem passar por ela, porque realiza o controle preventivo de constitucionalidade, ofertando parecer terminativo [e não meramente opinativo] sobre o projeto de lei. Nesse sentido:
O Legislativo verificará, através de suas comissões de constituição e justiça, se o projeto de lei, que poderá virar lei, contém algum vício a ensejar a inconstitucionalidade.
De acordo com o art. 32, IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o controle será realizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (vide Res. da CD n. 20, de 2004 – DCD, Suplemento, 18.03.2004, p. 3), enquanto no Senado Federal o controle será exercido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ, de acordo com o art. 101 de seu Regimento Interno. O plenário das referidas Casas também poderá verificar a inconstitucionalidade do projeto de lei, o mesmo podendo ser feito durante as votações.[10]
No caso da LC 118/05, a inconstitucionalidade do art. 4º desse diploma legal não foi detectada pela comissão do Senado Federal. Ao contrário do que ocorreu com alguns dispositivos legais que também foram alterados/acrescentados pela referida lei complementar, tais como o § 2º do art. 186 do CTN, o art. 185–A do CTN e o § 2º do art. 133 do CTN [cuja transcrição no parecer foram suprimidas por não interessarem diretamente a este trabalho], as modificações introduzidas na interpretação do art. 168, I, CTN não mereceram análise profunda por parte da CCJ. Esta limitou-se a dizer, como acima citado, que o projeto não apresenta incompatibilidades materiais ou formais em relação à Constituição Federal.
3 INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 118/2005, a citação do devedor nos autos de Execução Fiscal ajuizados pela Fazenda Pública era causa de interrupção da prescrição, conforme o contido no art. 174, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional, cuja redação previa a interrupção da prescrição pela citação pessoal feita ao devedor.
Muitas vezes, o executado não era encontrado para ser citado e empregava todo o seu esforço para protelar o ato de citação. Com isso, não era raro transcorrer o prazo prescricional, extinguindo a obrigação tributária. A prevalência da redação anterior do CTN possibilitava ao devedor fugir à citação pessoal, de forma a manter artificiosamente a fluência do prazo prescricional. Tal situação era por demais injusta para a Fazenda Pública que, mesmo agindo (propondo a ação de execução fiscal), poderia ver seu direito perecer por algo que lhe é alheio (a fuga do devedor).[11]
Em 09 de junho de 2005, 120 (cento e vinte dias) depois de ser publicada, a LC 118/2005 entrou em vigor, conforme prescreve seu art. 4º. Assim, o marco interruptivo da prescrição passou a ser o despacho do juiz ordenando a citação do devedor.
Com a novel legislação, perdeu razão a hipótese prevista no inciso III do art. 174 do CTN, pela qual a prescrição era também interrompida por qualquer ato judicial capaz de constituir em mora o devedor. Isso porque esse inciso permitia a interrupção da prescrição por meio da citação por edital. Agora, antes de o devedor ser citado por edital, a interrupção da prescrição já se efetivou com o despacho que determina a citação. Nesse sentido:
A citação por edital na execução fiscal, quando restavam frustradas as tentativas de citação pessoal (por carta ou por oficial de justiça), constituía meio adequado para a constituição do devedor em mora.
(...)
Como, a contar da LC 118/05, com a nova redação do inciso I, não é mais a citação pessoal que interrompe o prazo, para o despacho que determina a citação, a questão perdeu a relevância.
(PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 1200)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO POR EDITAL. INTERRUPÇÃO.
1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacificado no sentido de que a citação editalícia, em sede de execução fiscal, também tem o condão de interromper a prescrição, desde que a citação por edital seja utilizada "quando sem êxito as outras modalidades de citação previstas no art. 8º da Lei n. 6.830/1980, quais sejam, a citação pelos Correios e a citação por oficial de justiça"
(Informativo de Jurisprudência 388/STJ que noticiou o julgamento do REsp 1.103.050/BA - Rel. Min. Teori Albino Zavascki, sessão de 25 de março -, segundo a sistemática do art. 543-C do CPC).
2. Agravo regimental desprovido.
(STJ; AgRg no REsp 997504 / RS; Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA; Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento 14/04/2009; DJe 07/05/2009)
Além disso, a nova redação do artigo pôs fim à divergência existente entre o contido no art. 174, parágrafo único I, CTN (redação original) e o contido no art. 8º § 2º da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), o qual prevê que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição. Tal dispositivo legal não era aceito pela jurisprudência, uma vez que o CTN possui status de lei complementar, como exige o art. 146, inciso III, alínea b, da Constituição Federal (STJ, REsp 1055259 / SC, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe 26/03/2009). A respeito, veja-se a doutrina de Eduardo Sabbag[12]:
A partr da data de entrada em vigor da LC n. 118/2005 – em 9 de junho de 2005 –, o despacho do juiz, ordenando a citação do devedor, previsto no inciso I, passou a ser considerado como o ato interruptivo da prescrição, e não mais a própria “citação pessoal do devedor”.
A modificação, coibindo o transtorno provocado pelos corriqueiros “desaparecimentos” do sujeito passivo – no propósito de obstar a interrupção da prescrição nas ações de cobrança –, objetivou, sobretudo, harmonizar o Código Tributário Nacional com a Lei de Execuções Fiscais, que em seu art. 8º, § 2º, dispõe que “o despacho do juiz que ordenar a citação será causa interruptiva da prescrição”.
É evidente que, com a alteração, conferiu-se maior proteção ao Fisco, pois a mera ordem assinada pelo juiz já produz o efeito interruptivo, independentemente do tempo que a citação demandará para se efetivar. Assim, quanto antes ocorrer a interrupção do prazo prescricional, melhor para a Fazenda e, consequentemente, pior para o sujeito passivo.
Outra grande discussão que surgiu nos tribunais gira em torno da aplicação da alteração legislativa. Deveria ser aplicada aos processos em curso em que ainda não ocorrera a citação? Deveria ser aplicada apenas às Execuções Fiscais ajuizadas após 09 de junho de 2005?
De início, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a nova sistemática deveria ser aplicada às Execuções Fiscais ajuizadas posteriormente à entrada em vigor da LC 118/05. A respeito, veja-se os seguintes precedentes (com grifos acrescidos):
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO POR EDITAL. INTERRUPÇÃO. PRECEDENTES.
1. A LEF prevê em seu art. 8º, III, que não se encontrando o devedor, seja feita a citação por edital, que tem o condão de interromper o lapso prescricional.
2. A mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º, do CPC e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN, entendimento este aplicável às ações ajuizadas antes da vigência da Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, que alterou o inciso I, do § 1.º, do art. 174, do Código Tributário Nacional, que estatuiu a interrupção da prescrição "pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal".
3. In casu, tendo a execução fiscal sido proposta em 19.06.1997 para a execução dos créditos tributários constituídos em 15.05.1996, merece ser afastado o fundamento da prescrição, porquanto o executado foi citado por edital em 10.02.1999.
4. Deveras, informado que é o sistema processual pelo princípio da instrumentalidade das formas, somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada (pas de nullité sans grief).
5. Com efeito, como se colhe do r. decisum de primeiro grau, foi dado total improvimento à execução fiscal, sob o fundamento de prescrição dos créditos tributários. Em sede de apelação, o Tribunal a quo manteve na íntegra a decisão de primeira instância. Logo, dos dois atos tidos por irregulares - ausência de intimação da sentença e das contra-razões ao recurso de apelação - em nenhum deles restou comprovado o prejuízo dos recorridos, uma vez que o pedido da Fazenda Estatal restou improcedente em todas as instâncias.
6. Recurso especial provido para afastar o fundamento de prescrição.
(STJ, REsp 938.901/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 04.10.2007, DJ 12.11.2007, p. 186)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - VIOLAÇÃO AO ART. 535 NÃO CARATERIZADA - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO - INTERRUPÇÃO - EFETIVA CITAÇÃO - PROCESSO AJUIZADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LC 118 - DEMORA POR MECANISMOS DA JUSTIÇA - TEMA NÃO SUSCITADO PERANTE AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE - SÚMULAS 282 E 356 STF.
1.Não há ofensa ao art. 535 do CPC, se o acórdão recorrido resolve a questão que lhe é submetida mediante fundamentação adequada.
2. Ajuizada a execução antes da vigência da LC 118/05, impõe-se aplicar a jurisprudência desta Corte no sentido de que só a citação válida interrompe a prescrição, não sendo possível atribuir-se tal efeito ao despacho que ordenar a citação.
3. A teor das Súmulas 282 e 356 STF, é inadmissível a apreciação em recurso especial de matéria não prequestionada nas instâncias ordinárias.
3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.
(STJ; Resp 1.035.225/RJ, Segunda Turma, Eliana Calmon, 03/06/08, DJ 06/08/08).
Posteriormente, aquele superior Tribunal modificou seu entendimento, passando a afirmar que a alteração é aplicável aos processos em curso, desde que o despacho que ordena a citação seja posterior a 09 de junho de 2005:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS SOBRE A MATÉRIA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. DESPACHO DO JUIZ QUE ORDENA A CITAÇÃO. ALTERAÇÃO DO ART. 174 DO CTN ENGENDRADA PELA LC 118/2005. APLICAÇÃO IMEDIATA.
1. A prescrição, posto referir-se à ação, quando alterada por novel legislação, tem aplicação imediata, conforme cediço na jurisprudência do Eg. STJ.
2. Originariamente, prevalecia o entendimento de que o artigo 40 da Lei nº 6.830/80 não podia se sobrepor ao CTN, por ser norma de hierarquia inferior, e sua aplicação sofria os limites impostos pelo artigo 174 do referido Código.
3. Nesse diapasão, a mera prolação do despacho ordinatório da citação do executado não produzia, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º, do CPC e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN.
4. A Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005 (vigência a partir de 09.06.2005), alterou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho do juiz que ordenar a citação o efeito interruptivo da prescrição. (Precedentes: REsp 860128/RS, DJ de 782.867/SP, DJ 20.10.2006; REsp 708.186/SP, DJ 03.04.2006).
5. Destarte, consubstanciando norma processual, a referida Lei Complementar é aplicada imediatamente aos processos em curso, o que tem como consectário lógico que a data da propositura da ação pode ser anterior à sua vigência. Todavia, a data do despacho que ordenar a citação deve ser posterior à sua entrada em vigor, sob pena de retroação da novel legislação.
6. In casu, o Tribunal a quo assentou que o IPTU relativo a 1999 teve sua constituição definitiva em 05.01.1999. A execução fiscal foi proposta em 11/12/2002 (fl. 02); o despacho que ordenou a citação foi proferido em 17.04.2003 (fl. 8) , anteriormente à vigência da LC 118/05; e a citação por edital não tinha se dado até a decisão de extinção do processo, em 26/01/2007.
7. Consectariamente, ressoa inequívoca a ocorrência da prescrição em relação ao crédito tributário constituído em 05/01/1999, porquanto decorrido o prazo prescricional quinquenal entre a data da extinção do processo, sem que tivesse ocorrido a efetiva citação do executado, e a data da constituição do crédito tributário, nos termos da redação original do art. 174, § único, I, do CTN, uma vez que o despacho ordinatório da citação foi proferido ainda antes da vigência da LC 118/05.
8. Recurso especial desprovido
(STJ; Resp 1.015.061/RS, Primeira Turma, Luiz Fux, Julgamento 15/05/08, DJ 16/06/08)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO. ALTERAÇÃO DO ART. 174 DO CTN CONFERIDA PELA LC 118/05. APLICAÇÃO IMEDIATA.
1. A Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005 cuja vigência teve início em 09.06.05, modificou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho do juiz que ordenar a citação o efeito interruptivo da prescrição e por se constituir norma processual deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, podendo incidir mesmo quando a data da propositura da ação seja anterior à sua vigência. Contudo, a novel legislação é aplicável quando o despacho do magistrado que ordenar a citação seja posterior à sua entrada em vigor. Precedentes.
2. No caso concreto, a Corte regional assentou que a inscrição em Dívida Ativa originou-se de lançamento de valores devidos a título de Imposto Territorial Rural-ITR referente ao ano de 1995, com vencimentos no período de 30.09.96 a 29.11.96; tendo a notificação do lançamento fiscal ao contribuinte ocorrido em 02.09.96, não havendo notícias da apresentação de defesa administrativa nem da realização do respectivo pagamento. A execução fiscal foi proposta em 26.02.02; o despacho que ordenou a citação ocorreu em 28.02.02 (fl. 07 da execução); tendo se efetivada em 12.03.02 (fl. 13-verso da ação executória).
3. Desse modo, sob qualquer ângulo, evidente que restou operada a ocorrência da prescrição, porquanto decorrido o prazo prescricional qüinqüenal entre a data da efetiva citação do executado, ocorrida em 12.03.02, e a data da constituição do crédito tributário (02.09.96), nos termos da redação original do art. 174, § único, I, do CTN, uma vez que o despacho ordinatório da citação foi proferido ainda antes da vigência da LC 118/05.
4. Agravo regimental não provido.
(STJ; AgRg no REsp 1073004 / PR; Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125); Órgão Julgador Segunda Turma; Data do Julgamento 20/11/2008; DJe 12/12/2008)
Essa exegese foi ratificada pela Primeira Seção do STJ, como se vê adiante:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO POR EDITAL. INTERRUPÇÃO. PRECEDENTES.
1. A prescrição, posto referir-se à ação, quando alterada por novel legislação, tem aplicação imediata, conforme cediço na jurisprudência do Eg. STJ.
2. O artigo 40 da Lei nº 6.830/80, consoante entendimento originário das Turmas de Direito Público, não podia se sobrepor ao CTN, por ser norma de hierarquia inferior, e sua aplicação sofria os limites impostos pelo artigo 174 do referido Código.
3. A mera prolação do despacho ordinatório da citação do executado, sob o enfoque supra, não produzia, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º, do CPC e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN.
4. O processo, quando paralisado por mais de 5 (cinco) anos, impunha o reconhecimento da prescrição, quando houvesse pedido da parte ou de curador especial, que atuava em juízo como patrono sui generis do réu revel citado por edital.
5. A Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005 (vigência a partir de 09.06.2005), alterou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho do juiz que ordenar a citação o efeito interruptivo da prescrição. (Precedentes: REsp 860128/RS, DJ de 782.867/SP, DJ 20.10.2006; REsp 708.186/SP, DJ 03.04.2006).
6. Destarte, consubstanciando norma processual, a referida Lei Complementar é aplicada imediatamente aos processos em curso, o que tem como consectário lógico que a data da propositura da ação pode ser anterior à sua vigência. Todavia, a data do despacho que ordenar a citação deve ser posterior à sua entrada em vigor, sob pena de retroação da novel legislação.
7. É cediço na Corte que a Lei de Execução Fiscal - LEF - prevê em seu art. 8º, III, que, não se encontrando o devedor, seja feita a citação por edital, que tem o condão de interromper o lapso prescricional. (Precedentes: RESP 1103050/BA, PRIMEIRA SEÇÃO, el. Min. Teori Zavascki, DJ de 06/04/2009; AgRg no REsp 1095316/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 12/03/2009; AgRg no REsp 953.024/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 15/12/2008; REsp 968525/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ. 18.08.2008; REsp 995.155/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ. 24.04.2008; REsp 1059830/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ. 25.08.2008; REsp 1032357/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ. 28.05.2008);
8. In casu, o executivo fiscal foi proposto em 29.08.1995, cujo despacho ordinatório da citação ocorreu anteriormente à vigência da referida Lei Complementar (fls. 80), para a execução dos créditos tributários constituídos em 02/03/1995 (fls. 81), tendo a citação por edital ocorrido em 03.12.1999.
9. Destarte, ressoa inequívoca a inocorrência da prescrição relativamente aos lançamentos efetuados em 02/03/1995 (objeto da insurgência especial), porquanto não ultrapassado o lapso temporal quinquenal entre a constituição do crédito tributário e a citação editalícia, que consubstancia marco interruptivo da prescrição.
10. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento do executivo fiscal, nos termos da fundamentação expendida. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ; REsp 999901 / RS; Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122); Órgão Julgador S1 - Primeira Seção; Data do Julgamento 13/05/2009; DJe 10/06/2009)
Portanto, hoje resta pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a aplicabilidade imediata da LC 118/05, no que se refere à alteração conferida à hipótese de interrupção da prescrição em favor da Fazenda Pública, ainda que a Execução Fiscal tenha sido ajuizada anteriormente à entrada em vigor da referida lei complementar. Para sua aplicação, basta que o despacho que ordena a citação seja posterior a 09/06/2005.
Resta mencionar que o Superior Tribunal de Justiça, em relação à interrupção da prescrição, pacificou o entendimento de que o art. 219 § 1º do Código de Processo Civil, segundo o qual a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação, aplica-se às Execuções Fiscais (com grifos acrescidos):
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO QUE DÁ PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO, POR ESTAR O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONFRONTO COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STJ.
AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. A Primeira Seção do STJ, ao julgar, sob o rito do art. 543-C do CPC, o Recurso Especial 1.120.295/SP (Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe de 21/05/2010), assim se pronunciou sobre a aplicabilidade das disposições do art. 219 do CPC às Execuções Fiscais para cobrança de créditos tributários: (a) o CPC, no § 1º de seu art. 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que significa dizer que, em Execução Fiscal para a cobrança de créditos tributários, o marco interruptivo da prescrição, atinente à citação pessoal feita ao devedor (quando aplicável a redação original do inciso I do parágrafo único do art. 174 do CTN) ou ao despacho do juiz que ordena a citação (após a alteração do art. 174 do CTN pela Lei Complementar 118/2005), retroage à data do ajuizamento da execução, que deve ser proposta dentro do prazo prescricional; (b) "incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário" (art. 219, § 2º, do CPC).
II. Ainda sobre a aplicabilidade das disposições do art. 219 do CPC às Execuções Fiscais para cobrança de créditos tributários, a Segunda Turma do STJ, ao julgar o Recurso Especial 1.282.955/RS (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 26/02/2013), deixou consignado que, muito embora o CTN, em seu art. 174, a exemplo do CPC, eleja expressamente o suporte fático hipotético para haver a interrupção do prazo prescricional (citação ou despacho), ele é omisso em relação ao momento da produção de seus efeitos, pois não estabelece uma data para tal. Essa data, seja por emprego da analogia, por emprego da equidade ou dos princípios gerais de Direito Público (fórmula prevista no art. 108, I, III e IV, do próprio CTN), pode e deve ser buscada no CPC, que estabelece, expressamente, em seu art. 219, § 1º, como sendo "a data da propositura da ação". Sendo assim, não há qualquer equívoco ou conflito normativo em interpretar-se o art. 174 do CTN em combinação com o art. 219, § 1º, do CPC.
III. Nos presentes autos, o Tribunal de origem fez consignar, no acórdão recorrido, que deixou de aplicar a Súmula 106 do STJ, na espécie, pela simples circunstância de a exequente ter ajuizado a Execução Fiscal quando faltavam apenas seis dias para prescreverem os créditos tributários. No entanto, o simples fato de a Execução ter sido ajuizada apenas poucos dias antes do término do prazo de prescrição não justifica, por si só, o afastamento da Súmula 106 do STJ, conforme decidido pela Segunda Turma do STJ, no Recurso Especial 1.337.571/PE (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 03/09/2012).
IV. A jurisprudência do STJ é pacífica, no sentido de que não cabe a esta Corte, em sede de Recurso Especial, apreciar alegação de afronta a princípios e normas constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF. Precedente: EDcl no AgRg nos EREsp 1.238.322/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, DJe de 17/06/2014.
V. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1474333/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 05/03/2015)
É este, portanto, o entendimento atual a respeito da matéria.
4 REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO
A repetição do indébito tributário, nos casos de pagamento indevido ou a maior pelo contribuinte tem previsão no art. 168, I, do Código Tributário Nacional, que dispõe:
Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário.
De início, é preciso destacar a existência de discussão doutrinária a respeito da natureza do prazo para pleitear a restituição de indébito tributário. A doutrina diverge em relação a esse tema. Para Balleiro, o prazo de cinco anos do art. 168 é de decadência, e, portanto, não pode ser interrompido (2007, p. 894). Outros doutrinadores advertem:
Prazo de decadência ou de prescrição? Entendemos que se trata de prazo de decadência, pois diz respeito ao direito de pleitear a restituição, não importando se administrativa ou judicialmente. Quanto à compensação, mais razões se tem ainda para tal entendimento: a compensação é efetuada pelo próprio contribuinte, prescindindo inclusive da participação do Fisco. A posição dominante é justamente no sentido de que temos no art. 168 do CTN um prazo decadencial. (PAULSEN, 2009, p. 1143)
Uma vez que o pedido de restituição pode ser feito por meio do processo administrativo ou judicial, para ambos o prazo do pedido de restituição é de cinco anos. para o pedido via administrativa, o prazo é de decadência; para o pedido via judicial, o prazo é de prescrição. (FABRETTI, 1998, citado por PAULSEN, 2009, p. 1143).
Quem tenha pago tributo indevidamente dispõe do prazo de cinco anos para requerer sua devolução. É um prazo de decadência, que fulmina o direito de pleitear o retorno. (BARROS CARVALHO, 2007, p. 495)
Não obstante a opinião da abalizada doutrina acima citada, concluo como Hugo de Brito Machado[13], que explica:
Observa-se desde logo a divergência em torno da questão de saber se o prazo estabelecido no art. 168, do Código Tributário Nacional, para o pedido de restituição, é de decadência ou de prescrição. Com apoio em lição de Aliomar Baleeiro, já afirmei que esse prazo é de decadência. Argumentei tratar-se de um direito a ser exercido perante a Administração, que não se confunde com o direito de ação. Sua extinção pelo decurso do tempo, portanto, não se daria pela prescrição, mas pela decadência.
(...)
Examinando melhor a questão restamos convencidos de que na verdade o referido prazo não é de decadência. Realmente, a decadência diz respeito apenas a alguns direitos potestativos, como tal entendidos aqueles que podem ser exercitados pelo respectivo titular independentemente e até contra a vontade de terceiros que os suportam.
(...)
É certo que o art. 168 do Código Tributário Nacional refere-se ao direito de pleitear a restituição, e o direito de pleitear, ou direito de formular o pedido de restituição, certamente pode ser tido como um direito potestativo. Mas o prazo extintivo em questão na verdade não diz respeito ao direito de pleitear simplesmente, até porque esse direito pode ser exercido a qualquer tempo. O prazo em questão diz respeito ao direito de obter a restituição. Ou, em outras palavras, ao direito ao atendimento do pedido de restituição. E esse direito de obter a restituição do tributo pago indevidamente não é da categoria dos potestativos, porque a sua satisfação evidentemente depende de outrem, vale dizer, depende da Fazenda Pública.
O prazo estabelecido pelo art. 168 do Código Tributário Nacional, portanto, não é de decadência nem diz respeito ao direito de haver a restituição. Tal prazo é de prescrição e diz respeito à ação na qual se pede a restituição do tributo pago indevidamente.
Superada essa questão, resta analisar o inciso I do art. 168 do CTN, um dos temas centrais deste trabalhos. Segundo o caput e o inciso I do artigo 168 do CTN, o início do prazo prescricional para restituição de tributo pago a maior ou indevidamente tem início na data da extinção do crédito tributário.
A grande discussão trazida com a LC 118/05 foi no caso dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que o contribuinte efetua o pagamento antecipado dos valores que entende devidos.
Nesse caso, sempre se entendeu que a extinção do crédito tributário ocorria com a homologação do pagamento, nos termos do art. 150 § 4º do CTN, e não com o pagamento antecipado em si, conforme leciona Hugo de Brito Machado:
Realmente, o pagamento é uma forma de extinção do crédito tributário, mas é óbvio que só se pode extinguir o que existe, e como não existe crédito tributário antes do lançamento, leva problema, então, saber se o pagamento antecipado, que hoje acontece em relação a quase todos os tributos, extingue desde logo o crédito tributário e, assim, demarca o início do prazo de que dispõe o contribuinte para pleitear a restituição do que tenha pago indevidamente.
Sem lançamento não existe crédito tributário. Logo, antes do lançamento não se pode cogitar de extinção do crédito tributário.[14]
O prazo para a autoridade fiscal promover a homologação do lançamento efetuado pelo contribuinte e do pagamento por ele realizado é de 5 (cinco) anos, a contar do fato gerador (art. 150 § 4º do CTN).
Essa homologação, via de regra, é tácita, ou seja, se verifica com o simples decurso do prazo de 5 (cinco) anos. Assim, estava consolidado o entendimento – sobretudo no Superior Tribunal de Justiça – de que, decorrido o prazo para a homologação do lançamento e do pagamento antecipado, teria início o prazo de prescrição para a restituição do indébito tributário, nos termos do art. 168, I, CTN.
Na prática, essa construção exegética resultava num prazo de (10) anos para a repetição dos tributos pagos a maior ou indevidamente lançados por homologação.
No art. 3º da LC 118/2005, o legislador pretendeu colocar fim a essa interpretação jurisprudencial que favorece o contribuinte. Para isso, estabeleceu o seguinte:
Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.
Ou seja, somente para fim de repetição do indébito, a extinção do crédito tributário deixou de ser a homologação do pagamento promovida pelo Fisco, e passou a ser representada pelo pagamento antecipado previsto no art. 150 § 1º do CTN. Com isso, foram suprimidos cinco anos de que dispunha o contribuinte para pleitear a restituição/compensação dos tributos pagos a maior ou indevidamente.
Além disso, o art. 3º da LC 118/05 se inicia pela providencial expressão para efeito de interpretação. Por isso, o legislador inseriu no art. 4º da LC 118/05 a regra segundo a qual o art. 3º, por ser expressamente interpretativo, possui efeitos retroativos, por força do disposto no art. 106, I, Código Tributário Nacional. Veja-se:
Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.
A conseqüência, além de promover substancial redução no prazo prescricional da repetição de indébito tributário, foi a de que, muitos contribuintes, que julgavam ainda possuir tempo para ingressar com ação judicial, foram surpreendidos com o total esgotamento de seu prazo com a entrada em vigor da LC 118/05.
Por outro lado, não há dúvidas da flagrante inconstitucionalidade do disposto no art. 4º da LC nº 118/05. Isso porque, não obstante tenha se declarado expressamente interpretativo [do art. 168, I, CTN], o art. 3º daquela lei complementar, na verdade, inovou no ordenamento jurídico, e por isso não poderia retroagir para alcançar fatos anteriores a sua entrada em vigor.
É que a interpretação do art. 168, I, CTN já estava consolidada no Superior Tribunal de Justiça, órgão que tem a última palavra na interpretação da legislação federal, há cerca de uma década. E é ao Poder Judiciário que a Constituição Federal reservou a típica função de interpretar as leis. Por isso, a edição de dispositivos legais interpretativos deve ser vista como uma exceção no ordenamento jurídico, já que ao Poder Legislativo não cabe interpretar leis, mas inovar no ordenamento jurídico por meio de leis.
O art. 3º da LC 118/05 não se limitou a declarar a interpretação do Superior Tribunal de Justiça acerca do art. 168, I, CTN, mas trouxe nova interpretação, que inclusive é desfavorável ao sujeito passivo da obrigação tributária. Assim, tal dispositivo legal não é somente interpretativo, porque inovou no ordenamento jurídico, reduzindo o prazo de prescrição para repetição de indébito tributário. Entender de modo diverso significa afrontar o princípio da separação dos poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal, que dispõe que os Poderes da União (Legislativo, Executivo e Judiciário) são independentes e harmônicos entre si.
A inconstitucionalidade do art. 4º da LC 118/05 se revela também na inobservância dos princípios da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido (art. 5º, caput e inciso XXXVI, CF), porque muitos contribuintes que ainda dispunham de prazo remanescente para ajuizar ação de repetição de indébito tributário, com a entrada em vigor da LC 118/05 tiveram sua pretensão fulminada pela prescrição. Nesse sentido a doutrina de Eduardo Sabbag, em comentário aos arts. 3º e 4º da LC nº 118/05:[15]
A interpretação em tela – intitulada autêntica ou legal – é atividade anômala do Poder Legislativo, que assume papel exegético para modificar aquilo que, em tese, não lhe convém.
Entendemos que esta interpretação deve ter eficácia apenas para o futuro, ou seja, da vigência desta Lei Complementar em diante, prevalecendo a segurança jurídica.
Esse entendimento é também esposado por Ricardo Alexandre[16]:
A nova regra, na realidade, muda o prazo para a formulação do pedido de restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação. A mudança decorre de um deslocamento do termo inicial do prazo. Conforme analisado, até o advento da Lei Complementar 118/2005, o STJ entendia que o crédito tributário de tributo sujeito a tal modalidade de lançamento estaria extinto no momento da homologação, sendo esse o termo inicial para a contagem do prazo de cinco anos previsto no ar. 168, I, do CTN. Agora, para a definição do termo inicial do prazo, o crédito é considerado extinto desde o momento do pagamento, sendo este o novo termo inicial para a contagem do prazo para pleitear restituição.
De maneira manifestamente abusiva, o art. 4º da Lei Complementar 118/2005 tentou dar caráter retroativo à nova regra, considerando-a expressamente interpretativa, o que ensejaria a aplicação retroativa da novidade, tendo em vista o disposto no art. 106, I, do CTN.
Luciano Amaro[17], por outro lado, não questiona a constitucionalidade desses dispositivos legais inseridos pela LC 118/05, por não concordar com a tese dos “cinco mais cinco” chancelada outrora pelo STJ:
A restituição deve ser pleiteada no prazo de cinco anos, contados do dia do pagamento indevido, ou, no dizer inadequado do Código Tributário Nacional (art. 168, I), contados “da data da extinção do crédito tributário”.
Esse prazo – cinco anos contados da data do pagamento indevido – aplica-se, também, aos recolhimentos indevidos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, em relação aos quais o Código prevê que o pagamento antecipado (art. 150) “extingue o crédito, sob condição resolutória” (§ 1º). O Superior Tribunal de Justiça, não obstante, entendeu que o termo inicial do prazo deveria corresponder ao término do lapso temporal previsto no art. 150 § 4º, pois só com a “homologação” do pagamento é que haveria “extinção do crédito”, de modo que os cinco anos para pleitear a restituição se somariam ao prazo também de cinco anos que o fisco tem para homologar o pagamento feito pelo contribuinte. Opusemo-nos a essa exegese, que não resistia a uma análise sistemática, lógica e mesmo literal do Código. O art. 3º da Lei Complementar n. 118/2005, à guisa de norma interpretativa (art. 4º, in fine), reiterou o que o art. 150, § 1º, já dizia, ao estatuir que, para efeito do art. 168, I, “a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150”.
Interessante observação é feita por Alexandre Rossato da Silva Ávila (Curso de direito tributário. 2ª edição. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2006, p. 324):
Em princípio, a Constituição Federal não proíbe a edição de leis retroativas. A proibição alcança apenas as normas que vulnerem a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI). O Supremo Tribunal Federal tem admitido a chamada retroatividade das leis interpretativas, desde que permaneçam intangíveis as situações juridicamente consolidadas.
Logo nos primeiros dias de vigência da LC 118/05, o Superior Tribunal de Justiça ressaltou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º dessa lei complementar, entendendo que o art. 3º poderia ter eficácia somente para o futuro:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835/SC. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF.
1. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre os dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analogia, a incidência da Súmula 282 do STF.
2. A 1ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 435.835/SC, Rel. p/ o acórdão Min. José Delgado, sessão de 24.03.2004, consagrou o entendimento segundo o qual o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador — sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito. Adota-se o entendimento firmado pela Seção, com ressalva do ponto de vista pessoal, no sentido da subordinação do termo a quo do prazo ao universal princípio da actio nata (voto-vista proferido nos autos do ERESP 423.994/SC, 1ª Seção, Min. Peçanha Martins, sessão de 08.10.2003).
3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar os arts. 150, § 1º, 160, I, do CTN, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a “interpretação” dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Portanto, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
4. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Ressalva, no particular, do ponto de vista pessoal do relator, no sentido de que cumpre ao órgão fracionário do STJ suscitar o incidente de inconstitucionalidade perante a Corte Especial, nos termos do art. 97 da CF.
5. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ; REsp 720229 / RN; Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124); Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento 14/06/2005; DJ 27/06/2005, p. 279)
O acórdão acima transcrito foi proferido pela Primeira Turma do STJ e, ao reconhecer a inconstitucionalidade do art. 4º, a Turma não observou o princípio da Reserva de Plenário (art. 97 da Constituição Federal), pelo qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Muitos acórdãos do STJ seguiram nesta linha e, posteriormente, foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal por afronta ao Princípio da Reserva de Plenário:
I. Controle incidente de constitucionalidade de normas: reserva de plenário (CF, art. 97): viola o dispositivo constitucional o acórdão proferido por órgão fracionário, que declara a inconstitucionalidade de lei, sem que haja declaração anterior proferida por órgão especial ou plenário. II.Controle de constitucionalidade de normas: reserva de plenário (CF, art. 97): reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que - embora sem o explicitar - afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição.
(STF; RE 485988 AgR / SP; Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; Julgamento: 12/12/2006; Órgão Julgador: Primeira Turma; DJ 09/02/2007, p. 35)
Podem-se citar ainda os seguintes acórdãos proferidos pelo STF nesse sentido: RE 544246 / SE; DJ 08/06/2007; RE 502118 AgR / SP, DJ 31/08/2007; RE 482090 / SP; DJ 13/03/2009, RE 483376 AgR / DF, DJ 14/11/2008 e RE 510758 AgR / SP, DJ 12/06/2009.
Por isso, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça teve de se manifestar sobre a questão. Na oportunidade, declarou a inconstitucionalidade do art. 4º da LC 118/05, que prevê a aplicação retroativa do art. 3º da LC 118/05:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.
1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.
2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.
3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.
4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
6. Arguição de inconstitucionalidade acolhida.
(STJ, Corte Especial; AI nos EREsp 644736/PE; Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI; Data do Julgamento: 06/06/2007; DJ 27.08.2007, p. 170 – com grifos acrescidos)
Por fim, a Corte Especial estabeleceu nesse acórdão regras de direito intertemporal para a aplicação do art. 3º da LC 118/05, visando a obter tratamento igualitário a contribuintes que se encontrem em situações semelhantes. O excerto do voto do Ministro Teori Albino Zavascki a seguir transcrito explicita o que ficou decidido:
(...) Assim, na hipótese em exame, com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova. (...)
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a matéria teve sua repercussão geral reconhecida ainda em 2007:
TRIBUTO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – REPERCUSSÃO GERAL – ADMISSÃO. Surge com repercussão geral controvérsia sobre a inconstitucionalidade, declarada na origem, da expressão “observado, quanto ao artigo 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/2005.
(STF; RE 561908 RG / RS; Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento: 08/11/2007; DJ 07/12/2007, p. 16)
Posteriormente, a matéria foi julgada no seguinte sentido:
DIREITO TRIBUTÁRIO - LEI INTERPRETATIVA - APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 - DESCABIMENTO - VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS - APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido."
(RE 566621, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 EMENT VOL-02605-02 PP-00273)
Após o julgamento do Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça alinhou sua jurisprudência ao entendimento daquele tribunal, conforme se extrai do seguinte precedente
TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC Nº 118/2005. No julgamento do RE nº 566.621, RS, relatora a Ministra Ellen Gracie, submetido ao regime da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei Complementar nº 118, de 2005, tem vigência plena a partir da vacatio legis, alcançando inclusive os fatos anteriores à sua edição no que diz respeito à decadência do direito de constituir o crédito tributário; essa circunstância repercute no termo inicial do prazo de prescrição. Agravo regimental provido.
(AgRg no REsp 1159813/SC, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 16/08/2013)
Portanto, hoje a questão resta pacificada no sentido de que, para as ações ajuizada posteriormente à Lei Complementar 118/05, as alterações por ela implementadas devem ser aplicadas.
CONCLUSÃO
Como se viu, a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, trouxe aos tribunais pátrios, sobretudo ao Superior Tribunal de Justiça, novas discussões, sendo necessários muitos pronunciamentos jurisdicionais até que a matéria ficasse esclarecida.
Hoje, as questões restam pacificadas, trazendo novamente um sentimento de segurança jurídica aos contribuintes e à própria Fazenda Pública no que se refere à aplicabilidade e à interpretação da LC 118/05.
Com isso, a interrupção prescricional do prazo prescricional deve ser considerada como sendo a data do despacho ordenando a citação. E essa modificação é aplicável às Execuções Fiscais em curso, independentemente da data de seu ajuizamento, bastando que o despacho que ordena a citação seja posterior a 09 de junho de 2005, data da entrada em vigor da LC 118/05. E ainda, em sede de Recurso Repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a citação retroage à data da propositura da ação.
Assim, com o advento da LC 118/05, a prescrição da pretensão de repetir indébito tributário relativo aos pagamentos efetuados a partir da vigência da lei complementar é de cinco a contar da data do pagamento, aplicando-se a alteração para os feitos ajuizados posteriormente à referida Lei Complementar, conforme entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal.
REFERÊNCIAS
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[1] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 9ª edição. Rio de Janeiro: 2007, p. 831.
[2] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 16ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 511
[3] Direito tributário. Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 1200.
[4] Ob. cit., p. 1129
[5] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 9ª edição. Rio de Janeiro: 2007, p. 836.
[6] Ob. cit., p. 1195
[7] Ob. cit., p. 836
[8] Direito constitucional esquematizado. 12ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 93-95.
[9] Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/getPDF.asp?t=27352
[10] Pedro Lenza, ob. cit., p. 134
[11] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 3ª edição revisa, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2009, p. 451
[12] Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.751.
[13] MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Artigos 139 a 218. volume III. São Paulo, Atlas, 2005, p. 442-444
[14] Ob. cit., p. 446
[15] Ob. cit., p. 802.
[16] Ob. cit., p. 421-422
[17] Direito tributário brasileiro. 11ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 427-428
Técnico Judiciário da Justiça Federal de Primeira Instância; graduada pela Faculdade Novo Ateneu de Guarapuava; pós-graduada em Direito Constitucional pela UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA; pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera - UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANNES, Ana Claudia Manikowski. Alterações relativas à prescrição no Direito Tributário a partir da entrada em vigor da Lei Complementar Nº 118/05 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44435/alteracoes-relativas-a-prescricao-no-direito-tributario-a-partir-da-entrada-em-vigor-da-lei-complementar-no-118-05. Acesso em: 22 nov 2024.
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