RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo conceituar e descrever os principais aspectos dos defeitos do negócio jurídico que repercutem na esfera tributária no sentido esconder a ocorrência dos fatos geradores visando a redução ou supressão da carga tributária incidente sobre determinado contribuinte. O debate em torno da licitude dos planejamentos tributários elisivos vem dividindo a doutrina pátria por décadas especialmente no que se refere ao conflito entre os princípios decorrentes da justiça fiscal de um lado e a legalidade tributária e a autonomia das relações privadas de outro.
PALAVRAS CHAVES: Autonomia; direito; tributo; negócio jurídico; contrato; ordenamento; elisão, fraude; abuso de direito; evasão; sociedade; responsável; simulação; doutrina; conduta; contribuinte; supressão; finalidade; culpa; ineficácia.
INTRODUÇÃO
O negócio jurídico, conforme o ensinamento de Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Volume 1) “..é a manifestação de vontade tendente a criar, modificar ou extinguir um direito”. Trata-se de uma declaração de vontade emitida pelas partes envolvidas que, munidas de autonomia inerente as relações de direito privado, definem a produção de seus efeitos.
Na órbita do direito tributário é possível observar que os contribuintes, sobretudo os grandes conglomerados empresariais se valem de orientação contábil e jurídica visando a realização dos negócios jurídicos inerentes a sua atividade produtiva de forma a minimizar seu ônus fiscal.
Estes planejamentos tributários, muitas vezes, consistem na prática de negócios jurídicos com defeito na sua declaração em prejuízo de credores ou da Administração Fiscal. Estes defeitos são denominados pela doutrina de vícios sociais. Trata-se de declaração de vontade em consonância com o íntimo desejo do agente, mas com o objetivo de fraudar à lei ou terceiros.
Cumpre, no presente trabalho, declinar os aspectos mais relevantes destes defeitos e analisar a idoneidade dos aludidos planejamentos tributários diante do sistema tributário vigente.
Preliminarmente, para compreensão do tema, impende analisar as duas formas de desoneração tributária. Elisão fiscal e evasão fiscal.
ELISÃO E EVASÃO FISCAL
A definição de elisão bem como de evasão fiscal é questão controvertida na doutrina pátria. Vejamos.
Consoante os ensinamentos do eminente mestre Aliomar Baleeiro. (Introdução á Ciência das Finanças. 14º Volume. Forense, 1990, p.152;153), com o surgimento do fato gerador nasce a obrigação inescusável do pagamento do tributo. Poderá o contribuinte, em momento anterior, buscar evitar sua ocorrência. Este expediente caracteriza lícita evasão fiscal, chamada de elisão.
Segundo o autor pode se dizer que evasão é o nome genérico dado à conduta do contribuinte que se nega ao sacrifício fiscal. Será lícita quando o contribuinte a pratica sem descumprimento a preceito legal. Nada impede que o sujeito passivo da relação tributária, dentro dos limites da lei, encontre meios de ordenar seus negócios de forma a pagar menos tributos.
Ensina que a evasão lícita pode, inclusive, ser fomentada pelo legislador quando se vale do tributo como ferramenta para exercer o poder de polícia ou desígnio extrafiscal.
Por outro lado a evasão ilícita não encontra consonância com o ordenamento jurídico ensejando a imposição de sanções de natureza civil e penal.
Neste sentido, Ricardo Lobo Torres (Princípio da tipicidade no direito tributário. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, 2004, pp. 193-232) preconiza que a evasão e a elisão precedem a ocorrência do fato gerador. Sustenta que a conduta, após a ocorrência do fato gerador, tendente a afastar ou reduzir o pagamento de tributo é considerada fraude e sonegação.
Contrariamente a este entendimento, Luciano Amaro (IR: Limites da Economia Fiscal. Planejamento Tributário. RDT nº 71) alicerçado em Rubens Gomes de Souza, defende que a diferenciação entre a elisão ou economia lícita de tributos e evasão se resume em determinar se os atos praticados pelo contribuinte evitaram a ocorrência do fato gerador (elisão) ou ocultaram o fato gerador já ocorrido (hipótese de conduta ilícita, caracterizada como evasão).
Demonstrando a divergência doutrinária destes conceitos, Hugo de Brito Machado (São Paulo: Malheiros, 2007, p. 159) reconhecendo a falta de uniformidade na doutrina, prefere utilizar evasão para designar a conduta lícita e elisão para designar a conduta ilícita. Ao interpretar o sentido das palavras o autor perfilha que elidir é eliminar. Portanto quem elimina ou suprime tributo pratica conduta ilícita uma vez que está eliminando relação tributária já instaurada. Por outro lado evadir é fugir. Quem foge pode estar evitando relação tributária ainda inexistente, utilizando mecanismos preventivos.
É possível notar, não obstante, a celeuma doutrinária acerca do tema, que, majoritariamente, define-se evasão fiscal como ato ilícito praticado com o desiderato de reduzir ou suprimir o pagamento de tributos. Por outro lado a elisão fiscal pode ser definida como a prática de atos ou negócios jurídicos lícitos, em observância aos preceitos legais, tendentes a evitar a ocorrência do fato gerador ou diminuição da carga tributária incidente.
A questão central que se coloca é como a doutrina se posiciona em relação a chamada “elisão abusiva” ou “elusão tributária” que, nas palavras de Marciano Seabra de Godoi (A figura da “fraude à lei tributária prevista no artigo 116, parágrafo único, do CTN. RDDT nº 68, maio/01, p. 101/123) é a situação em que o contribuinte, com o objetivo de reduzir sua carga tributária, pratica atos ou negócios jurídicos lícitos com abuso na subsunção da norma tributária ao fato concreto.
Dentro do tema releva mencionar a lição de Hermes Marcelo Huck (São Paulo: Saraiva, 1997, p. 328/329) que advoga a tese de que a liberdade negocial do indivíduo visando a redução da carga tributária não pode levar à pratica de simulação e abuso de direito. O autor defende o combate à elisão abusiva haja vista que os negócios jurídicos perpetrados sem conteúdo econômico visando tão somente à supressão ou redução de tributos configuram ato ilícito.
ABUSO DE DIREITO
Releva perceber que, entre a ilicitude da evasão e a eficácia de um planejamento fiscal regular, existe uma zona cinzenta onde orbita o abuso de direito.
O combate ao ato ilícito como violação ao ordenamento jurídico apto a causar dano a outrem se mostrou insuficiente, ao longo do tempo, para a proteção das relações privadas.
Neste diapasão o direito passou a regular o chamado abuso de direito com o desígnio de coibir os atos que, embora praticados em observância ao ordenamento jurídico, desconsideram sua finalidade e causam danos a outrem.
Neste sentido Sílvio Rodrigues (Direito Civil. Vol. 4- São Paulo: Saraiva, 2003, p. 46) pronuncia-se da seguinte forma:
“O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem”
O Código Civil de 1916 trouxe, de forma tímida, no seu artigo 160, inciso I, o substrato inicial da figura do abuso de direito. Referia-se, tão somente, ao exercício regular do direito, o qual não ensejava indenização na hipótese de prejuízo causado a terceiros. O raciocínio inverso levava ao entendimento que o exercício irregular do direito gerava necessariamente o direito de ressarcimento.
O novo estatuto civil promulgado em 2002 positivou a teoria do abuso de direito no artigo 180 nos seguintes termos:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes”.
Conforme anota Farias e Rosenvald (Curso de Direito Civil. Parte Geral, 10ª ed., 2012, Juspodium, p.681) o legislador brasileiro se inspirou no artigo 334 do Código Civil de Portugal que prevê que: “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito”.
A doutrina diverge, em alguns aspectos, sobre a definição de abuso de direito. Para Paulo Nader (Curso de Direito Civil. Parte Geral-vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.553) “abuso de direito é espécie de ato ilícito, que pressupõe a violação de direito alheio mediante conduta intencional que exorbita o regular exercício de direito subjetivo”.
Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.673) leciona que: “Não se pode, na atualidade, admitir que o indivíduo conduza a utilização de seu direito até o ponto de transformá-lo em causa de prejuízo alheio. Não é que o exercício do direito, feito com toda regularidade, não seja razão de um mal a outrem. Ás vezes é, e mesmo com frequência. Não será inócua a ação de cobrança de uma dívida, o protesto de um título cambial, o interdito possessório que desaloja da gleba o ocupante. Em todos os casos, o exercício do direito, regular, normal, é gerador de um dano, mas nem por isso deixa de ser lícito o comportamento do titular, além de moralmente defensável. Não pode, portanto caracterizar o abuso de direito no fato de seu exercício causar eventualmente um dano ou motivá-lo normalmente, porque o dano pode ser o resultado inevitável do exercício, a tal ponto que este se esvaziaria de conteúdo se a sua utilização tivesse de fazer-se dentro do critério da inocuidade”.
Divergem os estudiosos do tema sobre a necessidade do elemento culpa para a responsabilização pelo abuso de direito. Deste debate surgiram duas teorias.
Pela teoria subjetiva, também denominada teoria dos atos emulativos, defendida por Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo, 2007, p.335-336), somente haverá a referida responsabilização se aquele que praticou o ato lesivo, o fez com o desígnio de lesar outrem.
É possível detectar resquícios desta teoria no Novo Código Civil, no artigo 1228, que prevê que “são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”.
Entretanto a doutrina majoritária defende que o código civil de 2002 adotou a teoria objetiva, sendo prescindível o elemento culpa para a responsabilização do ato abusivo.
Ressalte-se que a I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal produziu o Enunciado 37 acerca do artigo 187 do Código Civil, ipse litteris:
“A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.
A doutrina aponta alguns requisitos caracterizadores do ato abusivo. Paulo Nader, estudioso do tema, elenca, dentre outros, os seguintes requisitos:
Titularidade do direito. O autor do ato abusivo deve necessariamente deter o direito subjetivo, mesmo que exercitável por terceiros subordinados.
Exercício irregular do direito. O agente ao praticar ato ou negócio jurídico transcende o uso necessário de seu direito.
Rompimento dos limites impostos. O agente ultrapassa os limites do seu direito contrariando os fins econômicos e sociais concebidos pelo legislador.
Violação do direito alheio. Se faz necessária a violação do direito de outrem ensejando prestação jurisdicional adequada.
Nexo de causalidade. A conduta abusiva do agente deve obrigatoriamente ensejar a lesão ao direito de outrem.
Diante da doutrina e jurisprudência dominantes, defensores da desnecessidade do elemento culpa no abuso de direito é possível inferir que as sanções aplicadas nesta hipótese não se restringem ao dever de indenizar.
Em virtude de sua autonomia, o abuso de direito enseja a aplicação de outras diversas espécies de sanção, devendo o juiz analisar e adotar a medida judicial mais eficaz ao caso concreto.
Portanto o ato ou negócio jurídico realizado com abuso de direito pode ensejar a sua invalidade, a sua ineficácia, a tutela inibitória do abuso, permanecendo ao prudente arbítrio do juiz a escolha da prestação jurisdicional adequada.
SIMULAÇÃO
Da simulação, tal como adverte o magistério de Luís Cabral de Moncada “entende-se o ato de alguém que, conscientemente e com a conivência de outra pessoa, a quem a sua declaração é dirigida, faz conter nesta, como vontade declarada, uma coisa que nenhuma delas quer, ou coisa diversa daquela que ambas querem”.
Nas palavras de Gustavo Tepedino (Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. 1. Renovar 2004, p. 312/313):
“Tem-se a celebração de um negócio que aparentemente está de acordo com a ordem jurídica que o disciplina, mas que, em verdade, não visa ao efeito que juridicamente deveria produzir, por se tratar de uma declaração enganosa de vontade”.
Consoante a doutrina adverte, na simulação verifica-se uma discrepância entre a vontade real e a declarada pelas partes na realização de negócio jurídico com o desiderato de ludibriar terceiros
O novo Código Civil, no artigo 167, dispõe sobre o tema nos seguintes termos:
“ É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.
Parágrafo 1º:
“ Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I-aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas ás quais realmente se conferem, ou transmitem;
II-contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III-os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós datados”.
Parágrafo 2º:
“Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado”.
O Código Civil de 1916 também dispunha sobre o tema:
“Artigo 102. Haverá simulação nos atos jurídicos em geral:
I-Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem, ou transmitem:
II-Quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III-Quando os instrumentos particulares forem antedatados ou pós-datados”.
Note-se que o Novo Código Civil considera a simulação hipótese de nulidade, diversamente do regime anterior que a elencava como causa de anulação dos negócios jurídicos. A inovação se deu em razão de que na simulação não há deficiência do elemento volitivo, como ocorre no erro ou no dolo. Destarte, os agentes simuladores agem conscientemente buscando, com a realização do negócio, infringir a lei ou direito de outrem.
SIMULAÇÃO E ELISÃO FISCAL
Note-se que na simulação ocorre um ilícito tributário consistente na pactuação de algo distinto do que efetivamente se deseja, com o desígnio de obter vantagem econômica. Conforme detalhado anteriormente na elisão o contribuinte busca estruturar seus negócios trilhando caminhos fiscalmente menos onerosos. Releva perceber que na conduta elisiva o agente pratica atos que possuem plena correspondência com o resultado almejado e se encontram em consonância com as normas vigentes.
A questão que intriga os estudiosos é fixar o marco divisório entre o planejamento que resulte em economia legítima de tributos e a conduta, visando igualmente a redução ou supressão de tributos, considerada abusiva ou ilegal e, portanto, insuscetível de produzir o resultado pretendido pelo contribuinte.
SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO
Dissimular tem sua origem do latim dissimulatio, que significa ocultação.
Nas palavras de Ricardo Mariz de Oliveira (Reinterpretando a norma de antievasão do parágrafo único art. 116 do Código Tributário Nacional. RDDT Nº 76, Janeiro/02, p.81/101):
“simular significa aparentar algo que não existe, e dissimular significa esconder algo que existe. Simular tem um componente no ato externo, de pura e simplesmente criar a aparência, ao passo que dissimular tem um componente negativo no ato externo de esconder o interior real. (...) Com efeito, o termo dissimular, empregado na sua acepção certa, segundo a linguagem comum, e no seu sentido técnico segundo o direito privado, revela que o dispositivo trata de levantar o véu do disfarce para descobrir a verdade, ou mais especificamente, de desconsiderar o ato dissimulatório para encontrar o verdadeiro fato gerador, tal como previsto na respectiva descrição legal.”
Simular é fingir um ato que não ocorreu. Trata-se de um fantasma. Por sua vez a dissimulação é uma máscara. Existe mais esconde a realidade.
Note-se que o ato simulado não possui correspondência com o negócio que as partes realmente estão praticando. Como exemplo, as partes têm interesse na realização de uma compra e venda mas realizam uma doação visando ocultar o pagamento do preço.
SIMULAÇÃO, ABUSO DE FORMA E ABUSO DE DIREITO
Questão que desafia a doutrina é a linha divisória entre os caminhos percorridos pelo contribuinte com economia legítima de tributos e aqueles cujo manejo caracterizaria conduta ilícita.
Diversas vertentes doutrinárias surgiram tentando estabelecer critérios para a aferição das condutas lícitas e ilícitas por parte do contribuinte que, economiza ou suprime o tributo.
Nas palavras de LUCIANO AMARO (Direito Tributário Brasileiro, 15ª Edição, Saraiva, 2009, p. 230):
“Se a atuação do indivíduo percorre trilhas lícitas (no pressuposto de que, por outras sendas, seria tributado), diz-se que ele procedeu à evasão lícita, ou elisão, ou economia de imposto. Ao contrário, se, na tentativa de encontrar um percurso livre de ônus fiscais, o indivíduo adotou um roteiro ilegal, diz-se que ele praticou evasão ilegal (ou evasão, tout court).
Neste contexto reveste-se de indiscutível relevância a análise do abuso de forma, abuso de direito e simulação visando compreender em que circunstâncias o meio utilizado pelo contribuinte é lícito ou ilícito sob o prisma do direito tributário.
Curial ressaltar-se a posição do aludido autor (Direito Tributário Brasileiro, 15ª Edição, Saraiva, 2009, p. 231/234) nos seguintes termos:
“ O abuso de forma consistiria na utilização, pelo contribuinte, de uma forma jurídica atípica, anormal ou desnecessária, para a realização de um negócio jurídico que, se fosse adotada a forma normal, teria um tratamento tributário mais oneroso. Em certa medida confundindo-se com o abuso de forma, o abuso de direito traduzir-se-ia em procedimentos que, embora correspondentes a modelos abstratos legalmente previstos, só estariam sendo concretamente adotados para fins outros que não aqueles que normalmente decorreriam de sua prática. Já a simulação seria reconhecida pela falta de correspondência entre o negócio que as partes realmente estão praticando e aquele que elas formalizam. As partes querem, por exemplo, realizar uma compra e venda, mas formalizam (simulam) uma doação, ocultando o pagamento do preço. Ou, ao contrário, querem este contrato, e formalizam o de compra e venda, devolvendo-se (de modo oculto) o preço formalmente pago. A teoria do abuso de forma (a pretexto de que o contribuinte possa ter usado uma forma anormal ou não usual, diversa da que é geralmente empregada deixa ao arbítrio do aplicador da lei a decisão sobre a normalidade da forma utilizada. Veja-se que o foco do problema não é o da legalidade (licitude) da forma, mas o da normalidade, o que fere, frontalmente, os postulados da certeza e da segurança do direito. Sempre que determinada forma fosse adotada pelo contribuinte para implementar certo negócio, ele teria de verificar se aquele modelo é o que mais frequentemente se utiliza para a realização daquele negócio; o critério jurídico seria substituído pelo critério estatístico, e as variadas formas que o direito criou para instrumentar as atividades econômicas dos indivíduos seriam reduzidas a uns poucos modelos que fossem validados fiscalmente. Parece-nos que, se a forma utilizada pelo contribuinte for lícita (vale dizer, prevista ou não defesa em lei), ela não pode ser considerada abusiva, o que traduziria uma contradição. (...) A invocação do abuso de direito leva ao mesmo problema. Se o direito é utilizado para tingir os fins civis ou comerciais que normalmente a ele estão associados, seu exercício não é questionado. O mesmo não se daria quando o direito fosse exercido com o objetivo de obter vantagem fiscal que, de outro modo, não se teria; nessa perspectiva, estaríamos diante do abuso de direito, e o Fisco não estaria obrigado a aceitar os efeitos fiscais que decorreriam da questionada conduta... Não vemos ilicitude na escolha de um caminho fiscalmente menos oneroso, ainda que a menor onerosidade seja a única razão da escolha desse caminho. Se assim não fosse, logicamente se teria de concluir pelo absurdo de que o contribuinte seria sempre obrigado a escolher o caminho de maior onerosidade fiscal. Há situações em que o próprio legislador estimula a utilização de certas condutas, desonerando-as. Não se diga que é ilícito adotá-las. Nem se sustente que elas podem ser adotadas porque o legislador as ungiu de modo expresso. Quer a lei as tenha expressamente desonerado, quer sua desoneração decorra de omissão da lei, a situação é a mesma. (...) O problema resvala, em última análise, para a apreciação do fato concreto e de sua correspondência com o modelo abstrato (forma) utilizado. Se a forma não refletir o fato concreto, aí sim teremos campo para desqualificação da forma jurídica adotada. Isso nos leva, com Sampaio Dória, para o campo da simulação. Esta, uma vez comprovada, autoriza o Fisco a determinar os efeitos tributários decorrentes do negócio realmente realizado, no lugar daqueles que seriam produzidos pelo negócio retratado na forma simulada pelas partes”.
CONCLUSÃO
Impende verificar que a norma antielisiva consubstanciada no parágrafo único do artigo 116, do CTN, instituída pela lei complementar 104 de 10 de janeiro de 2001 autoriza o Fisco a identificar a ocorrência do fato gerador mascarado por ato ou negócio jurídico cujos efeitos trariam redução da tributação. Entretanto esta norma teve sua constitucionalidade questionada na ADI 2446 razão pela qual sua aplicabilidade encontra-se suspensa.
Não obstante cabe ponderar que a análise da validade ou ineficácia dos negócios jurídicos simulados ou abusivos pode e deve ser judicializada através de ações promovidas pelos órgãos de representação dos Entes Federativos.
A autoridade fazendária, ao detectar, no curso da ação fiscal, operações eivadas de vícios desta natureza deverá provocar a Autoridade Judiciária a desconstituir ou declarar a ineficácia do negócio praticado em prejuízo ao erário público desde que reconhecida a prevalência dos preceitos de Justiça Fiscal sobre a liberdade negocial do contribuinte.
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Procurador da Fazenda Nacional. Ex Delegado de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em direito tributário pela Universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BONN, Luiz Filipe Maloper. Considerações sobre a repercussão dos defeitos dos negócios jurídicos no Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2015, 02:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44619/consideracoes-sobre-a-repercussao-dos-defeitos-dos-negocios-juridicos-no-direito-tributario. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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