Resumo: Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos tem relevante papel na proteção da dignidade da pessoa humana, ultrapassando os limites territoriais dos Estados. Surge então uma dicotomia a ser enfrentada, a necessidade de proteção do homem, e a primazia da soberania dos Estados, já que os Tratados de Direitos Humanos tem o condão de nortear toda a conduta dos Estados. No direito interno pátrio, os Tratados de Direitos Humanos eram recepcionados como normas infraconstitucionais, o que foi alterado com a reforma do judiciário o implemento do §3º do art. 5º da CF/88, que trouxe a reafirmação do caráter constitucional aos Tratados de Direitos Humanos, elevando os mesmos a condição de Emenda Constitucional. A dificuldade de quorum legislativo para introdução do Tratado no direito interno conduziu o STF a produção da tese da supra legalidade dos Tratados, denotando o ativismo judicial que reveste nossos Tribunais o que merece um estudo aprofundado, ressaltando se a violação evidente da tripartição dos poderes.
Palavras chave: Direitos Humanos, Tratados Internacionais, Supra-legalidade, Emenda Constitucional 45/04
Abstract: International Treaties on Human Rights has an important role in protecting human dignity, surpassing the boundaries of states. Then comes a dichotomy to reckon with the need for protection of man and the primacy of state sovereignty, since the Treaties of Human Rights has the power to govern the whole conduct of states. In parental domestic law, the human rights treaties were approved as infra-constitutional norms, what has changed with the reform of the judiciary the implement paragraph 3 of article. 5 of CF / 88, which brought the reassertion of constitutional status to human rights treaties, bringing them the condition of Constitutional Amendment. The difficulty of legislative quorum for the introduction of the Treaty in national law led the Supreme Court to production of the thesis of the above legality of the Treaties, denoting the judicial activism that covers our courts which deserves a thorough study, highlighting the blatant violation of the tripartite division of powers.
1. INTRODUÇÃO
A dignidade da pessoa humana e os Tratados Internacionais que cuidam da promoção dos Direitos do Homem, não são temas recentes da comunidade internacional, ganhando ênfase na pós modernidade em razão das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial.
A grande Guerra foi sem duvida um marco histórico, reordenação das políticas internacionais e do próprio direito dos diversos Estados no sentido de proteção da dignidade da pessoa humana.
Não que antes não houvesse discussões quanto ao tema, pelo contrário, mas foi no século passado que discussão que ganhou conotação universal.
A necessidade de efetivação de proteção aos direitos do homem superou a mera previsão legislativa demonstrando a necessidade de mobilização da comunidade internacional na adoção de mecanismos e tratados para a promoção da evolução do homem no âmbito social e econômico, no intuito ainda de impedir violações aos direitos fundamentais.
Os Pactos Internacionais tem a finalidade precípua de estabelecer as condições sociais, econômicas e culturais para a existência digna dos homens, para isso percebe-se a mobilização da comunidade internacional na proteção dos direitos humanos.
Portanto, para entendermos a evolução dos direitos humanos devemos diferenciá-los dos direitos fundamentais, bem como posicioná-los no tempo.
Assim, devemos verificar além da evolução dos Direitos Humanos, o posicionamento principalmente do Brasil quanto sua atuação junto à comunidade internacional, viabilizando a efetivação dos direitos humanos. O que poderá ser verificado principalmente através do posicionamento do STF quanto à recepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
2. DIREITOS HUMANOS - CONCEITO
Por direitos humanos entendemos um conjunto de faculdades e instituições que em determinado momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, a liberdade e igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional.
O jurista Celso de Albuquerque Mello refere-se aos direitos humanos dizendo que, são direitos concebidos de forma a incluir aquelas reivindicações morais e políticas que no consenso contemporâneo, todo ser humano tem o dever de ter perante sua sociedade ou governo.
Os direitos humanos distinguem-se dos concretos. O direito positivo é de competência do Estado, que busca igualar fracos e fortes, garantindo-lhes salário digno, moradia, educação, assistência à saúde, etc. Por outro lado os direitos humanos existem numa área livre da intervenção estatal.
Existe um grande número de espécies de direitos humanos e a cada ano vão surgindo novos grupos. Há também diferentes classificações. Uma das classificações é feita sob o ponto de vista histórico de seu surgimento, considerando quatro gerações de direitos, a saber: direitos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações. Entretanto, tem havido críticas à expressão “geração de direitos”.
Parte da doutrina jurídica entende que melhor seria utilizar a expressão “dimensão”.
Assim, podemos afirmar a progressividade de novos direitos fundamentais que tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, evolução na proteção humana.
2.1. DOS DIREITOS HUMANOS – BREVE HISTÓRICO
A preocupação da sociedade com a dignidade da pessoa humana, quanto à valorização da vida, pode ser observada ao longo dos séculos. Com o passar dos tempos tal preocupação e o aprimoramento do conceito dos direitos humanos foi acentuado.
O surgimento dos direitos da pessoa humana deu-se com a própria origem do homem.
Desenvolveram-se pelos séculos, entre todos os povos, e tiveram como fator gerador as dores e a indignação com situações impostas à pessoa humana.
Se conceituarmos direitos humanos como sendo aqueles inerentes aos seres humanos, podemos buscar na história da antiguidade os primeiros resquícios de preocupação com esses direitos.
Um dos documentos mais antigos vinculado aos direitos humanos, é o Cilindro de Ciro, que apresentava características inovadoras - permitia que os povos exilados na Babilônia regressassem às suas terras de origem e, em relação à religião, permitia a liberdade de culto e a abolição da escravatura.
Podemos concluir que na antiguidade imperava a justiça individual, de forma desproporcional, então o código de Hamurab traz normatização à sociedade, não dentro dos paradigmas atuais, pois aplicava a legislação de forma diferenciada de acordo com a classe social da sociedade babilônica.
Após podemos citar a Lei das 12 tabuas, que não tinha diferenciação por classe social surgindo, portanto o principio da igualdade.
As 12 tabuas de madeira que ficaram expostas em frente ao fórum romano podemos observar preocupação com a publicidade.
Tal lei influenciou o Rei Justiniano que teve seu reflexo ate os dias atuais influenciando muitas normas.
Na idade media, apesar de ser um período obscuro houve grande desenvolvimento dos direitos humanos podemos relatar o surgimento da carta magna na Inglaterra em 1215, Carta Magna do Rei João sem terra.
O documento teve o mérito de restringir o poder absoluto do monarca trazendo limitação ao poder real, direito de propriedade e devido processo legal, mas não trouxe efetivos direitos humanos, mas sim uma primeira dimensão como, por exemplo, o surgimento do habeas corpus. Pode ser denotada como precursora das declarações de direitos humanos, ainda que não tivesse um caráter Universal.
Mas na modernidade podemos apontar o tratado de Vestifália.
Não obstante o fato de a Inglaterra ter dado o impulso inicial, foi na América do Norte que surgiu a primeira Declaração de Direitos, em 12 de janeiro de 1776, cuja cláusula primeira proclamava: “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes.
Em 26 de agosto de 1789 a Assembléia Nacional Francesa aprovou sua “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que devido às repercussões da Revolução Francesa, exerceu maior influência que a declaração norte-americana, apesar de estar nesta fundamentada.
A referida Declaração foi inspirada nos ideais iluministas e humanistas e proclamava a igualdade dos homens, a liberdade individual e o direito de resistência à opressão. Abalou as estruturas do absolutismo europeu, refletindo-se nos movimentos revolucionários que abalaram o mundo no século XIX.
No século XX, a Constituição da República de Weimar, de 11 de agosto de 1919, na qual teve destaque o direito social serviria de base para o futuro reconhecimento dos direitos fundamentais.
A idéia de uma nova declaração de direitos surgiu no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em 10 de dezembro de 1948 a terceira Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou o documento intitulado “Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Após as atrocidades praticadas contra a humanidade durante a segunda grande guerra, não restou outro caminho aos homens se unirem com um único fim, proteger os Direitos da Humanidade acima de qualquer outro, com o único fim de evitar a ocorrência de violações de tal gravidade.
Ao proclamar os direitos fundamentais, a ONU tornou evidente não se tratar de concessão ou reconhecimento, esclarecendo que a existência de tais direitos independe de qualquer vontade ou formalidade uma vez que eles são inerentes a pessoa humana, nenhum indivíduo, entidade, governo ou Estado tem legitimidade para retirá-los ou restringi-los.
Como demonstrado nos julgamentos pós guerra a fundamentação Nazista seria de que os atos praticados, somente ocorreram em respeito à Lei interna, com fincas no ordenamento fundamentado por Carl Schmitt. Portanto, este foi o fundamento da comunidade internacional em priorizar os Direitos Humanos acima de qualquer Direito interno.
A União Européia tem seu sistema de direitos humanos fundado na “Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais”, adotada em Roma, Itália, em 1950. Já em 1961, foi assinada a Carta Social Européia que trata dos direitos econômicos e sociais.
Em 1977 na capital da Argélia, no continente africano, foi aprovada a “Declaração Universal dos Direitos dos Povos”. Ao enunciar princípios referentes aos direitos de todos os povos, esta declaração expressa à necessidade de garantia à autodeterminação política, ao desenvolvimento econômico, à cultura, ao meio ambiente e aos direitos das minorias.
Tem a preocupação fundamental de construir uma nova ordem internacional, mais solidária e cooperativa. Ainda no continente africano foi instituída a Organização de Unidade Africana e assinada a “Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”, em 1981.
Na década de 1990 foi assinada a “Carta de Paris”, no âmbito da Conferência sobre a Segurança e a Cooperação na Europa, ocasião em que se estabeleceram normas precisas sobre os direitos do homem e das minorias.
Em 1992 a “Convenção Americana sobre os Direitos Humanos” - conhecida como o “Pacto de São José da Costa Rica” - uniu inúmeras nações em torno do ideal de fortalecimento da defesa dos Direitos Humanos na América Latina. Desta convenção e de tantas outras realizadas no decorrer da história, o Brasil foi signatário.
3. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
São os tratados ou convenções internacionais, considerados fontes do Direito Internacional, Nos termos do artigo 38, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
A Convenção de Viena dispõe ser o tratado “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. São acordos celebrados unicamente entre os Estados-partes ou signatários, isto é, entre os Estados soberanos que expressamente consentiram na adoção da convenção.
Nos termos dos conceitos supra salutar destacar que os tratados podem ser classificados como bilaterais ou multilaterais, relativamente ao número de sujeitos de Direito,
3.1. OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E SOBERANIA
A comunidade internacional, frente aos acontecimentos históricos, não impõe limites ao esforço em garantir proteção aos direitos humanos, que tem como características principais a universalidade, indivisibilidade, fundamentalidade, supranacionalidade e historicidade.
Ademais, os Direitos Humanos são universais na medida em que são direitos inerentes a natureza de todo ser humano, indivisíveis por não poderem ser reduzidos ou desvinculados do homem, fundamental na medida em que necessários para a sobrevivência da espécie humana, supranacional por não guardar relação à determinada ordem constitucional e históricos porque frutos da luta constante dos povos pela dignidade humana.
A identificação de um direito como sendo inerente e fundamental à condição humana se denota repleta de subjetividade, pois a concepção do que sejam direitos humanos esta ligada com os valores morais, a cultura e tradição de cada povo. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana para uma população de um determinado país do ocidente pode ser diferente para uma população de um país no oriente.
A celebração de tratados internacionais evidencia o esforço para proteção dos Direitos Humanos.
A problemática enfrentada, quanto à celebração dos tratados funda-se na violação da soberania dos estados.
Neste sentido temos o PIDESC que em seu art. 5º elucida a idéia dos Direitos Humanos, impondo uma interpretação ampla.
Neste diapasão podemos afirmar as limitações dos Direitos Humanos encontram arestas apenas nos próprios tratados, já que o dimensionamento de tais Direitos são maiores que qualquer Direito interno.
A despeito das discussões internas que esbarram em questões culturais conflitantes, por muitas vezes, nas diretrizes da Declaração de Direitos Humanos, a lógica internacional dispõe a salvaguarda do ser humano.
Como conclui Claudio Finkelstein, o Direito Humano esta alem da soberania Estatal[1], já que são inerentes a própria condição humana, não podendo, ser afastado de qualquer um independente de cultura, religião ou nação.
Na evolução do pensamento devemos citar que a globalização aproxima os povos, estreitando inclusive as relações internacionais, evidenciando a idéia de que o homem hoje é antes de tudo um cidadão do mundo.
Neste sentido, podemos afirmar que a cada dia os Estados se abrem ao plano internacional, implantando medidas que assegurem a dignidade humana.
Tal afirmação pode ser constatada no art. 53 da convenção de Viena que dispõe:
Artigo 53.º-Tratados incompatíveis com uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)
É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza.
Assim, as normas que versem sobre Direitos Humanos se sobrepõem a vontade interna dos Estados.
Ressalte-se que, apenas o consentimento mútuo e livre que caracteriza a convergência de vontade das partes signatárias, condicionante relacionada ao princípio do pacta sunt servanda, vinculam os Estados, haja vista que os tratados internacionais somente se aplicam às partes que o ratificarem.
Mas ainda que este seja o comando devemos ressaltar os dizeres da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que na busca pela paz delineia uma ordem pública mundial, com fincas no respeito à dignidade humana ao consagrar valores básicos que, a partir de então, tornaram-se universais.
“A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é concepção que, posteriormente, vem a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passam a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos” [2].
Este norteamento trazido pela Declaração da ONU, traduzindo um anseio mundial, fortalece e condiciona a evolução social humana a valores morais e éticos, que devem ser observados nas normas de Direito Interno, quer sejam normas constitucionais e infraconstitucionais.
Assim, ao colocar a relevância do Direito Humano acima do Direito Interno, ainda que o Estado não seja signatário de um Tratado, as diretrizes colocadas pela ONU se refletem a todo momento internamente. É o que podemos observar nos esforços do Poder Constituinte.
Esta condução pode ser vista nos atos do Poder Legislativo, e não pode ser ignorada pelo Poder Judiciário.
3.2. DA INTERNALIZAÇÃO DO TRATADO INTERNACIONAL
A formação de um tratado internacional se inicia nas fases de negociação, conclusão e assinatura da convenção, conjunto de atos atribuídos à competência do Poder Executivo.
Cabe destacar que a assinatura é ato meramente formal e representativo de um aceite precário e provisório, não irradiando, destarte, quaisquer efeitos jurídicos e indicando, apenas, a autenticidade e definitividade do tratado.
A internalização efetiva do Tratado no ordenamento jurídico pátrio, passa pela análise e a aprovação pelo Poder Legislativo, que após aceitação deve ser encaminhado ao Executivo, para ser ratificado e finalmente publicado.
Como consigna Francisco Rezek “no estagio presente das relações internacionais, é inconcebível que uma norma jurídica se imponha ao Estado soberano à revelia” [3].
Cabe mencionar que a Convenção de Havana em seu artigo 4º, reza que: “Os tratados serão publicados imediatamente depois da troca das ratificações. A omissão, no cumprimento desta obrigação internacional, não prejudicará a vigência dos tratados, nem a exigibilidade das obrigações neles contidas”.
Observadas tais etapas de formação do tratado internacional, o mesmo reputar-se-á válido, passando a produzir efeitos no âmbito dos sujeitos participantes, obrigando os signatários.
3.3. HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
As normas previstas nos tratados internacionais, no ordenamento jurídico brasileiro, são devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo representante do poder executivo como atos normativos infraconstitucionais, submetendo-se, por óbvio as normas constitucionais.
Neste diapasão podemos afirmar que não existe hierarquia entre normas ordinárias de direito interno e aquelas advindas dos tratados internacionais. Em caso de conflito, observar-se-á o critério cronológico.
Mas, podemos afirmar que quanto os Tratados de Direitos Humanos esta não poderia ser a hierarquia dada à matéria, pois uma norma federal mais nova poderia derrogar Tratado Internacional. Assim, era preciso dar hierarquia distinta aos Tratados.
Assim, podemos caracterizar a hierarquia dos tratados internacionais quanto à recepção no âmbito jurídico interno em três momentos distintos, ou seja, antes da Constituição Federal de 1988; após a promulgação da Carta Magna vigente, mas anteriormente a EC nº 45/2004; e posteriormente a respectiva Emenda. Devemos distinguir neste aspecto, os tratados internacionais de direitos humanos e aqueles que versem de matérias distintas.
Assim, até o advento da EC 45/04 os Tratados eram recepcionados como Lei Federal, portanto, com natureza de norma infraconstitucional.
Com o julgamento do Recurso Extraordinário n. 80.004, em 1977, o STF passou a equiparar todos os tratados internacionais à legislação federal, empregando hierarquia infraconstitucional aos Tratados Internacionais.
Como abordado acima, para os Tratados Internacionais de Direitos Humanos este posicionamento hierárquico poderia surtir efeito negativo, pois assim, norma infraconstitucional mais nova teria o condão de alterar o Tratado, o que traria conflitos severos ao Estado, já que como premissa os Direitos Humanos não poderiam ser mitigados.
Com o advento da Constituição de 1988, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos pactos internacionais foram permeados de hierarquia constitucional, em virtude do dispositivo inscrito nos §§1º e 2º, do artigo 5º, da CF, em virtude da interpretação do referido dispositivo, que dispõe: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados”.
Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, que introduziu o §3º ao artigo 5º à CF/88, criou se à hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos anteriores à inclusão do citado parágrafo, pois a eficácia constitucional foi atribuída apenas aos acordos aprovados em dois turnos, com quorum qualificado de três quintos, e não mais por maioria absoluta.
Assim, por força do §2º, do artigo 5º, da CF, são materialmente constitucionais, razão pela qual há de se salientar que a inovação do §3º, do mesmo artigo da CF, reforça a natureza constitucional dos tratados.
Em resumo podemos afirmar que a inserção de um terceiro parágrafo no art. 5° da CF, versando sobre a incorporação de tratados internacionais em matéria de direitos humanos ao sistema constitucional, veio para complementar o § 2° do mesmo artigo.
Podemos concluir que o dispositivo constitucional introduzindo pela reforma do judiciário veio por termo à controvérsia à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos em nosso ordenamento.
A inovação ao art. 5º, pela EC 45, ao introduzir o §3º dispõe:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Com este novo dispositivo os Tratados de Direitos Humanos passaram a equivalentes a Emendas, alterando seu status, protegendo-os de possíveis conflitos com normas infraconstitucionais, e fortalecendo o processo legislativo que deve estar atento aos comandos acordados no âmbito internacional.
Assim, a partir da promulgação da EC 45/2004, ou o tratado será incorporado com status de lei ordinário ou com de emenda à constituição, em conformidade com o quorum de votação.
Ficou a controvérsia quanto aos Tratados já ratificados sem o quorum qualificado. Neste diapasão, como disposto pela Professora Piovesan, não haveria razoabilidade em manter o status de Lei Federal aos Tratados já ratificados, por não ter passado pelo quorum qualificado.
Mas, na prática, ainda que o posicionamento supra mencionado seja o mais acertado não havia implementação de mecanismos para que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que não tivessem internalização pelo quorum qualificado alcançassem a hierarquia adequada de Emenda Constitucional.
Nosso Supremo Tribunal Federal, ao concluir o julgamento do recurso extraordinário nº 466.343/SP, enfrentou a matéria ao debater a prisão do depositário infiel, admitida em nosso ordenamento, e a principio rechaçada no Pacto de San Jose. Tal julgado evidenciou um novo posicionamento do STF.
4. DO POSICIONAMENTO DO STF
Na tentativa de resolver tal situação de dar status Constitucional, e equivalência de Emenda Constitucional aos Tratados de Direitos Humanos devemos citar o posicionamento do STF, que através do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Recurso Extraordinário de n° 466.343, defendeu, a supralegalidade dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos.
O julgado citado dispõe:
“(...) parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana”.
Assim, seguindo as diretrizes do voto citado, fundado no art. 5°, §3°, da CF/88, mesmo que um tratado internacional sobre diretos humanos não seja incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo procedimento delineado no dispositivo constitucional, ainda que submisso à Constituição, encontra hierarquicamente, por óbvio, em nível superior à legislação infraconstitucional.
Pelo exposto, o Tratado incorporado pelo quorum simples não tem o condão de revogar a normas infraconstitucionais, mas a eficácia destas normas terá eficácia suspensa se divergentes do disposto no Tratado.
Foi o que ocorreu no julgado norteador do posicionamento do STF ao tratar do art. 7, item 7[4], do Pacto de San José da Costa Rica, internalizado a nosso ordenamento não pelo procedimento disposto pelo §3º do art. 5º da Constituição, introduzido pela reforma do judiciário. Neste entendimento foi atribuído a tal dispositivo caráter de supralegalidade.
O Tratado Internacional citado acaba com a prisão civil por dividas, o que, em tese, conflitaria com o ordenamento interno que recepciona a prisão do depositário infiel.
Portanto, ainda que no art. 5º, LXVII, da CF admita a possibilidade da prisão do depositário infiel, o dispositivo não a impõe, devendo valer o caráter de supralegalidade do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional.
O citado julgamento modificou o posicionamento anterior do STF, passando a dar aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, não incorporados na forma do artigo 5º §3º da Constituição Federal, tenham status de normas supralegais, sendo hierarquicamente superiores ao ordenamento jurídico interno, ficando em condição de submissão apenas à Constituição Federal.
Finalizando, cabe destacar que este novo posicionamento adotado pelo Supremo fundamentou a expressa revogação da súmula 619 que assim previa: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”.
Ainda que passível de criticas frente ao combatido ativismo judicial, devemos enaltecer o posicionamento do STF que eleva o principio da dignidade humana.
Portanto, Louvável é esta inovação, pois visa dar uma extensão máxima à defesa dos direitos básicos do ser humano, frente a possíveis inércias do poder legislativo.
5. CRITICAS A TESE DA SUPRALEGALIDADE
Duas criticas devem ser feitas uma seria quanto ao fato que o Pacto de San Jose falava da prisão por divida, e a segunda quanto ao ativismo judicial.
Quanto ao primeiro aspecto devemos consignar, brevemente, que o depositário infiel não é necessariamente o devedor, fugindo ao que dispõe literalmente o Pacto.
Ressaltemos a validade da exegese realizada pelo Tribunal, mas não poderíamos deixar de ressaltar a distinção ignorada.
O outro aspecto suscitado permeia ao que é severamente criticado que seria o ativismo judicial, já que o STF implementa mecanismo louvável, mas que não seria de sua competência, ultrapassando o sistema de tripartição dos poderes e de freios e contrapesos.
Ainda que o judiciário tenha o papel suprir as lacunas deixadas pelos demais poderes, as atuações constatadas do judiciário se prestam a evidenciar a crise do Estado democrático.
É obrigação do Judiciário atuar como mecanismo de defesa da Constituição e de concretização das suas normas, mas o ativismo judicial deve ser visto com cautela, pois neste caso podemos apontar uma atuação louvável do Supremo, mas será que sempre teremos uma atuação representativa dos anseios sociais traduzidos pelo voto expressado na condução dos legisladores ao poder.
Ademais, as decisões judiciais não são controladas por outros agentes governamentais.
Assim, critica-se o fato de os magistrados, decidirem conforme sua consciência, em vez de decidir conforme os valores expressos no próprio sistema constitucional.
Portanto, a expansão do poder dos tribunais, ainda que relacionados ao processo democrático, não representa compatibilidade com a democracia, o que se teme é o desequilíbrio deste ativismo que poderia violar o equilíbrio interno do sistema político estabelecido.
Daí se poderia extrair a critica a tese da supra legalidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com as auguras enfrentadas e vivenciadas na Segunda Grande Guerra impôs uma nova ordem mundial, onde se privilegiou a dignidade humana, na constate proteção dos Direito Humanos.
Vários foram os mecanismos adotados na proteção dos Direitos, tentando-se envolver a todo momento toda a comunidade internacional.
Assim, tendo em vista a primazia da soberania dos Estados e o caráter cultural interno, deparamos com a problemática da incorporação dos Tratados de Direitos Humanos no ordenamento interno.
A importância da prevalência do Tratado Internacional, em nortear toda a conduta dos Estados, se denota fundamental na elevação da dignidade humana, bem como na manutenção da paz mundial.
No Brasil, os Tratados de Direitos Humanos eram recepcionados como normas infraconstitucionais, o que foi alterado com a reforma do judiciário o implemento do §3º do art. 5º da CF/88, que trouxe a reafirmação do caráter constitucional aos Tratados de Direitos Humanos, elevando os mesmos a condição de Emenda Constitucional.
A despeito da alteração restaram arestas, em razão do quorum bem estreito disposto no indigitado dispositivo constitucional.
A controvérsia foi resolvida com o posicionamento do STF, que deu caráter supra legal aos Tratados.
Ora, no que toca à hierarquia, os tratados internacionais de direitos humanos, desde que não aprovados sob o quórum de emenda, estão submetidos à supremacia constitucional, gozando de privilégio frente à legislação ordinária, fenômeno da supralegalidade.
O ativismo judicial do STF foi louvável a dar proteção Constitucional aos Tratados de Direitos Humanos, mas merece criticas, pois tal posicionamento, que alterou a hierarquia dada aos Tratados, caberia tão somente ao Poder Legislativo, a quem efetivamente compete modificar a Constituição Federal. Portanto, o ativismo do STF confronta a tripartição dos poderes, protegida constitucionalmente.
No presente caso somente podemos apontar benesses, pois a inércia do legislativo poderia carrear conflitos entre o ordenamento interno e os Tratados, o que não seria admissível frente à necessidade de observância dos Direitos Humanos na condução interna.
Assim, ainda eivado de criticas, acreditamos que este novo posicionamento do STF configure uma das mais avançadas conquistas na valorização do homem.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Principios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª Edição, Editora Malheiros, São Paulo, SP, 2014.
BALERA, Wagner e SILVEIRA, Vladmir Oliveira da, Coordenadores, COMENTÁRIOS AO PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONOMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. Curitiba-PR, Editora Clássica, 2013.
BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 7ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2009.
BRASIL. Decreto nº 678: promulgado em 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF. RESP Nº 466.343/SP. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Portal Eletrônico do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 9 outubro de 2014.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5ª Edição, Coimbra: Almedina, 1991.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10ª Edição, rev. atual. São Paulo, Editora Malheiros, 2002.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª Edição. São Paulo, Editora Saraiva, 2008.
MORAIS, Alexandre de. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. 10ª Edição, São Paulo, Editora. Atlas, 2013.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª. Edição. São Paulo, Atlas, 2008.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional internacional. 5ª Edição. São Paulo, Editora Max Limonad, 2002.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002.
[1] FINKELSTEIN, Claudio - Comentários ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Editora Clássica, Curitiba, PR, pág. 95.
[2] Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional internacional, pág. 146.
[3] REZEK, Francisco. Direito Internacional público.6.ed. São Paulo, Saraiva, p 83.
[4] Art. 7º, 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
Advogada Previdenciária, Pós-Graduada em Direito Processual pela PUC MINAS, Pós-Graduada em Direito Administrativo pela PUC MINAS, Mestranda em Direito Previdenciário pela PUC SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORBA, Juliana de Cássia Bento. Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e a internalização no ordenamento jurídico pátrio frente e a Emenda Constitucional Nº 45/04 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2015, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44720/os-tratados-internacionais-de-direitos-humanos-e-a-internalizacao-no-ordenamento-juridico-patrio-frente-e-a-emenda-constitucional-no-45-04. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Andrea Kessler Gonçalves Volcov
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
Precisa estar logado para fazer comentários.