RESUMO: Analisa a noção de publicidade e os aspectos procedimentais do anúncio publicitário. Em seguida, discorre sobre o abuso de direito na atividade publicitária e os fundamentos constitucionais e legais de seu controle. Noutro pórtico, destaca os institutos de repressão da veiculação da publicidade abusiva, bem como as nuances acerca da responsabilidade dos fornecedores e anunciantes, tudo em consonância com o microssistema de proteção dos direitos do consumidor.
Palavras-chave: Direito do Consumidor. Práticas comerciais.
Publicidade abusiva. Controle.
1 INTRODUÇÃO
Preocupação de maior ressonância e atualidade entre os estudiosos do Direito do Consumidor tem sido a respeito do controle da publicidade abusiva, fenômeno cada vez mais voraz no mundo capitalista, onde os meios de comunicação encontram-se pulverizados na sociedade. Nesse meio, a atividade publicitária tem se revelado um instrumento poderoso de potencialização do mercado de consumo.
Consciente da vulnerabilidade do consumidor perante às modernas práticas comerciais, o constituinte de 1988, ao regular os direitos e garantias fundamentais no Brasil, estabeleceu, em face do Estado, no art. 5º, XXXII, a obrigatoriedade da defesa dos direitos do consumidor e, no art. 170, V, fixou-a como um dos princípios da ordem econômica. Nessa perspectiva, a intervenção do Estado na relação de consumo - inclusive na publicidade – se faz constitucionalmente legitima, e legalmente concretizada, por meio da Lei 8.078/90 – o Código de Defesa do Consumidor.
Nesse contexto, o presente trabalho buscará discorrer sobre o panorama atual do controle de publicidade no Brasil, dando enfoque ao abuso de direito na atividade.
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A PUBLICIDADE
A publicidade, como forma de comunicação social voltada para o consumo, corresponde a uma faculdade do fornecedor, um meio para exposição de seus produtos, com o intuito de venda. Apesar de não configurar uma obrigação, o exercício dessa atividade gera de imediato o dever de respeito aos princípios gerais do CDC. Se a carência de publicidade, por si só, não é objeto de sanção pelo referido diploma legal, a insuficiência do dever de informação, por sua vez, o é, em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, indispensável para a harmonia e transparência nas relações de consumo.
Desse modo, antes de se debruçar sobre a publicidade e seu sistema de controle, impende ressaltar que o dever de informar não corresponde necessariamente à obrigação imposta ao fornecedor de veicular seus produtos e serviços, mas sim a um pressuposto indeclinável para a concretização de atividade publicitária.
2.1 Conceito de publicidade
Antônio Herman V. Benjamim (2013, p. 253), em consulta ao Comitê de Definições da American Association os Advertising Agencies (AAAA), fornece o conceito de publicidade, que vem a ser “qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de ideias, como de bens e serviços, por um patrocinador identificado”.
O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, restringe a definição, sob a perspectiva mercadológica da relação de consumo. Nesse sentido, é “toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover, junto aos onsumidores, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado” (MARQUES, Cláudia Lima et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2006, p. 528).
Assim, sendo a finalidade consumista o elemento essencial da publicidade, afasta-se de seu espectro toda a informação científica, política, didática, lúdica ou humanitária, alheia à atividade econômica – afetas à noção de propaganda, cuja regulamentação se dá por normas alheias ao microssistema de defesa do consumidor, tais como do Direito Administrativo e do Direito Eleitoral. A publicidade, sob a ótica do mercado de consumo massificado, diz respeito a um ato negocial profissional de finalidade comercial, razão pela qual somente esta o CDC cuidou de tratar.
2.2 O anúncio publicitário
O anúncio publicitário repercute juridicamente no que diz respeito aos sujeitos criadores e ao modo de sua elaboração. Dada sua complexidade, a atividade não se dá de forma instantânea. Sobre esse tema, novamente Antônio Herman V. Benjamim (2013, p. 255) esclarece as fases do processo de formação do anúncio publicitário: parte-se da elaboração de um briefing, seguida de uma reflexão estratégica, concluindo-se com a criação propriamente dita.
No briefing, o anunciante fornece à agência publicitária os elementos informativos necessários sobre o produto ou serviço, assim como suas expectativas. Nessa fase, a agência assimila o desenvolvimento e o conhecimento dos produtos e serviços do fornecedor, bem como seus objetivos de comunicação.
Em seguida, durante a fase de reflexão estratégica, entra em cena a equipe multiprofissional da agência publicitária, com o surgimento de ideias, discussões, críticas, a fim de apresentar uma base de projeto para a atuação do publicitário. Durante o momento da criação, o publicitário lapida o projeto inicial, dando-lhe contornos finais, para sua produção e posterior divulgação.
Essa visão procedimental tem seus reflexos maiores durante a análise da responsabilidade administrativa, civil e penal dos agentes publicitários e fornecedores, sobre a qual se debruçará mais adiante.
3 CONTROLE DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA
Inicialmente, sobreleva destaque a preocupação de Rizzatto Nunes (2011, p. 494 e 495), de advertir que não se deve considerar a publicidade uma produção primária (aquela que represente a “produção” realizada pelo publicitário, agência etc.), mas sim um instrumento de apresentação ou venda dessa produção.
Desse modo, considerando esse caráter instrumental – de meio de fala dos produtos e serviços – e a perspectiva constitucional de proteção do consumidor, vê-se que a atividade publicitária deve, assim como a exploração primária do mercado, sofrer restrições. Estas, vale dizer, possuem fundamento constitucional, sob a forma de direito fundamental, insculpido no art. 5º, XXXII, e de princípio da atividade econômica (art. 170, V, CF).
Analisando o histórico do controle de publicidade anterior à vigência do CDC, observa-se que este era insatisfatório. Nessa época, subsistia apenas a vigência do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária[1], frente a toda sorte de abusos cometidos em detrimento dos interesses dos consumidores. A publicidade abusiva e enganosa era combatida de forma tímida. Carecia-se, sobretudo, de uma estrutura sistemática de regulamentação.
Com a Nova Ordem Constitucional em 1988, a regulamentação passou a ser feita na perspectiva do controle da empresa, sob a ótica do respeito aos direitos fundamentais. Passados dois anos, com a entrada em vigor do CDC, concretizou-se enfim, em nível legal, um regramento jurídico claro sobre a publicidade enganosa e abusiva, a ponto de vincular contratualmente o fornecedor anunciante.
Através de um sistema misto de controle, conjugou-se a autorregulamentação das entidades publicitárias com as atuações da Administração Pública e do Poder Judiciário. A publicidade passou a ser controlada pelo direito, visto que deixara de ser mero veículo de informação de produtos e serviços, passando agora a ser instrumento de persuasão e promoção de demandas, com grande potencial para causar gravames aos interesses dos consumidores.
Nessa esteira, imprescindível é a menção ao artigo 29 do CDC. Ao equiparar os consumidores a todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais previstas no Código, o dispositivo amplia sobremaneira a esfera de proteção do consumidor, tendo assim reflexos no tratamento da publicidade. Senão, vejamos as palavras de Cláudia Lima Marques (2012, p. 110 e 111):
O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política legislativa! Para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos de poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo “consumidores stricto sensu”, poderão utilizar as normas especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas!
Sob essa ótica, o CDC estendeu o regramento das relações consumeristas, ao considerar que a proteção do consumidor se faz necessária antes mesmo da realização do contrato de consumo. Isso porque, conforme ensina Antônio Herman V. Benjamim (2013, p. 257), a relação de consumo tem origem, não somente por meio da tradicional avença, mas também “por meio de técnicas de estimulação do consumo, quando, de fato, ainda não se pode falar sequer em verdadeiro consumo, e sim em expectativa de consumo”.
Percebe-se, assim, que o CDC consolidou um verdadeiro um regime ético da publicidade, ao se preocupar não apenas com o contexto de formação e execução dos contratos de consumo, mas também com os aspectos pré-contratuais, considerando-a como uma verdadeira prática comercial, apta a violar os direitos do consumidor. É nesse contexto, portanto, que se inserem as vedações à veiculação de publicidade abusiva e publicidade enganosa, tratados como verdadeiros atos ilícitos.
3.1 Princípios gerais do CDC sobre a publicidade
Por ser a publicidade uma prática comercial que gera efeitos na esfera jurídica do consumidor, sobre ela incidem os princípios gerais do CDC, norteando a interpretação de suas normas, sem embargo de agregar valores afetos a outros microssistemas, como os do Direito Ambiental, por exemplo.
Como se sabe, o inciso IV do art 6º[2] do CDC veda o abuso de direito e impõe o dever de transparência e boa-fé nas relações comerciais, repercutindo nos contratos e na publicidade. O dispositivo funciona como o vetor máximo de interpretação de todo o Código, visto que concretiza as disposições constitucionais de proteção do consumidor, insculpidas, sobretudo, como já dito, nos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal.
Inicialmente, o Código, ao acolher o princípio da identificação da publicidade (art. 36, caput), coíbe os anúncios clandestinos e subliminares. Somente uma publicidade imediata e facilmente identificável tem o condão de possibilitar ao consumidor adquirir produtos e serviços de forma racional e segura, sem ser enganado ou induzido, equilibrando e harmonizando, dessa maneira, as relações contratuais.
Ademais, a enganosidade da mensagem, bem como qualquer outro desvio que cause algum gravame ao consumidor, são igualmente proscritos. Nesses casos, têm lugar, respectivamente, os princípios da veracidade (art. 37, §1º) e da não abusividade da publicidade (art. 37, § 2º). O tema da publicidade abusiva será abordado com maior apuro em seguida.
Noutro pórtico, caminham juntos, em consonância com a noção de vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I), os princípios da inversão do ônus da prova (art. 38) e da transparência da fundamentação da publicidade (art. 36, parágrafo único). O primeiro corresponde a uma das formas de efetivação dos direitos do consumidor, na medida em que facilita sua defesa (art. 6º, VIII, do CDC), ao passo que o segundo prescreve aos fornecedores o dever de manter em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos capazes, a quem interessar, de comprovar a veracidade do vinculado na publicidade.
O art. 56, XII, por sua vez, ao prever o instituto da contrapropaganda, viabiliza o princípio da correção do desvio publicitário, sem prejuízo de sua reparação civil e da repressão administrativa e penal. Já o art. 4º, VI, por fim, ao coibir os abusos praticados no mercado de consumo, tais como a concorrência desleal e o plágio industrial, aptos a causar prejuízos ao consumidor, explicita o princípio da lealdade publicitária.
4 PUBLICIDADE ABUSIVA
A regulamentação acerca da publicidade abusiva foi uma das inovações trazidas pela Lei 8.078/1990, o que conferiu certo pioneirismo ao Brasil, na perspectiva do Direito Comparado.
Trazendo à tona a ideia de exploração ou opressão do consumidor, segundo o art. 37, § 2º do CDC, a publicidade abusiva acentua sua vulnerabilidade, por ofender valores básicos de toda a sociedade, independentemente da veracidade de sua mensagem e de prejuízo econômico ao consumidor.
No intuito de contextualizar seu conceito, Guilherme Fernandes Neto (1999, p. 148) traz esclarecedora contribuição:
A publicidade abusiva, assim, é a publicidade desviada de qualquer dos princípios
gerais do Código de Defesa do Consumidor – em contraposição ao abuso do direito
–, a saber, o princípio da função social e econômica, da proporcionalidade, da
equidade e da boa-fé. É a manifestação do abuso do direito na publicidade com a
deturpação do direito de livre manifestação do pensamento e/ou da livre iniciativa,
cujos critérios de constatação serão os critérios de apuração do abuso do direito no
CDC, em virtude da carga normativa dos princípios mencionados.
Nesse sentido, assim como as demais hipóteses de abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor, a publicidade abusiva caracteriza-se por conter um desvio em sua finalidade, e é esse o critério predominante utilizado pelo legislador para sua caracterização: o desvio de finalidade social e econômica.
O CDC utilizou-se da expressão publicidade abusiva de forma exemplificativa, elencando algumas modalidades básicas. Foram elas: a discriminatória; a que incita à violência; a que explora o medo; a que explora a superstição; a que se aproveita da deficiência do julgamento e inexperiência da criança; a que desrespeita valores ambientais; a que seja capaz de induzir comportamento prejudicial à saúde; e a que seja capaz de induzir comportamento prejudicial à segurança.
Considerando a fluidez do conceito de abuso de direito, de fato não teve escolha o legislador, na missão de disciplinar a publicidade abusiva, senão de compor um rol numerus apertus. Isso porque, ao conjugar-se os princípios gerais do CDC atinentes à publicidade, com os específicos para a constatação do abuso do direito (proporcionalidade, finalidade social e econômica, das relações de consumo, boa-fé e equidade), poder-se-á verificar, casuisticamente, outras publicidades abusivas não previstas no diploma legal.
Nessa mesma toada, conceituação interessante é a que vem sido proposta pela doutrina, a exemplo de Antônio Herman V. Benjamim (2013, p. 269), de que, tendo em vista a específica definição da publicidade enganosa, de induzir o consumidor em erro, pode-se afirmar, residualmente, que publicidade abusiva é toda aquela que, embora verdadeira, contraria o sistema valorativo da Constituição e das leis.
Registre-se, por fim, que não se pode dispensar a utilização, subsidiária porém[3], dos princípios gerais do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, para a identificação de uma eventual abusividade em um anúncio publicitário. Tem-se, por exemplo, como norma, a exigência de respeito da atividade publicitária à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar (art. 19).
4.1 Responsabilidade pelo dano
Honestere vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere.
Data à época do Direito Romano, constituindo um princípio basilar do direito, o dever de não lesar a ninguém, devendo o direito impor as consequências jurídicas aos infratores de suas normas.
Reza o Código de Defesa do Consumidor, no caput do seu artigo 7º, que todos aqueles que concorreram para o dano ao consumidor responderão solidariamente pela sua reparação. Isto é, serão responsabilizados, pela publicidade abusiva, todos aqueles que influíram para a ocorrência do dano por ela ocasionado. No mesmo sentido, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que determina em seu artigo 3º que tanto o anunciante, quanto a agencia de publicidade, quanto o veículo de divulgação, responderão perante os abusos ao consumidor[4].
Cabe neste momento uma análise caso das particularidades da responsabilidade de cada um, notadamente no que tange a necessidade de aferição do animus, ou seja, da existência de dolo ou culpa.
4.1.1 Fornecedor principal ou anunciante
O anunciante é o contratante da mensagem publicitária, é o primeiro interessado na sua divulgação, aquele que mais diretamente será beneficiado pela influência que a publicidade exercerá sobre o consciente dos consumidores.
O anunciante, além de se responsabilizar pelo fiel cumprimento do contrato[5], responde pelos possíveis danos decorridos da mensagem publicitária.
Sobre a natureza dessa responsabilidade, a doutrina e jurisprudência são unânimes em qualificá-la como objetiva, considerando a principiologia consumerista, e, notadamente, os artigos 7º e 12º do CDC.
Ainda que não houvesse disposição legal a respeito, o anunciante deveria ser responsabilizado objetivamente, uma vez que é o único que detém o conhecimento completo sobre o produto/serviço anunciado e, por obvio, a posse dos melhores meios de prova.
Dessa forma, provada a existência do dano (ou a potencialidade efetiva de que o mesmo ocorra) e o nexo causal entre a publicidade e o mesmo, restam-se satisfeitas as condições para a reparação civil por parte do anunciante, cabendo ao mesmo apenas a possibilidade de desconstituir o nexo causal, provando que, ou não foi ele o causador do prejuízo, ou que o dano efetivamente não ocorreu (ou que não houve potencialidade lesiva).
No mesmo sentido, doutrina Rizzato Nunes (2005, p. 480):
Seguindo a regra geral da Lei 8.078/90, para a averiguação da abusividade do
anúncio não há necessidade de exame do dolo ou da culpa do anunciante. Para que
fique caracterizada a infração, basta que o anúncio em si comporte abusividade ou
que na sua relação real com o produto ou serviço anunciado possa causar dano. Não
há que fazer a pergunta a respeito de dolo ou culpa, porque, mesmo que esses
elementos não se verifiquem, ainda assim o anúncio será tido como abusivo. A
responsabilidade do anunciante, de sua agência e do veículo é objetiva, e como tal
será considerada.
A agência de publicidade é a que elabora diretamente a mensagem publicitária, recebendo as diretrizes diretamente do anunciante, ou seja, é a responsável mais diretamente ligada ao mesmo.
4.1.2 Agência de publicidade
A agência de publicidade é a que elabora diretamente a mensagem publicitária, recebendo as diretrizes diretamente do anunciante, ou seja, é a responsável mais diretamente ligada ao mesmo.
Existem basicamente duas teorias acerca do tipo de responsabilidade da agência publicitária. Uma, capitaneada por Rizzato Nunes, que alega ser a responsabilidade da agência, da mesma forma que a do anunciante, objetiva, e a segunda, mas não menos importante, que aduz ser a citada responsabilidade subjetiva, isto é, dependente da comprovação da culpa lato sensu.
Fundamentando a primeira teoria, a qual nós aderimos, tem-se o Código de Autorregulamentação Publicitária, que em seu artigo 45 aduz expressamente ser solidária a responsabilidade entre o anunciante e a agência, ressalvando apenas o veiculo de comunicação, o qual estabelece algumas condições.
Artigo 45 - A responsabilidade pela observância das normas de conduta estabelecidas neste Código cabe ao Anunciante e a sua Agência, bem como ao Veículo, ressalvadas no caso deste último as circunstâncias específicas que serão abordadas mais adiante, neste Artigo:
a. o Anunciante assumirá responsabilidade total por sua publicidade;
b. a Agência deve ter o máximo cuidado na elaboração do anúncio, de modo a habilitar o Cliente Anunciante a cumprir sua responsabilidade, com ele respondendo solidariamente pela obediência aos preceitos deste Código; [...]
Dessa forma, tem-se que a agência, por ser a elaboradora da peça publicitária, deve ter o maior zelo ético no seu labor, sob pena de ser responsabilizada em conjunto com o anunciante. Essa situação está consonante com a principiologia protetiva do código consumerista, vez que o ente vulnerável não possui, em regra, meios para aferir a abusividade da publicidade.
Em caso de condenação da agência, poderá ser conferido o direito de regresso interno, caso provada a ausência de dolo/culpa da empresa publicitária, tudo em conformidade com o contrato entre o anunciante e a agência, que, no tocante à responsabilidade, somente tem valor inter partes, como, em regra, se infere da força vinculante dos contratos.
Nessa toada, Rizzato Nunes (2009, p. 254) pontua que “a agência, como produtora do anúncio, responde solidariamente com o anunciante, independentemente do tipo de contrato que com ele tenha estabelecido, da mesma maneira como na publicidade enganosa”.
A segunda teoria, por sua vez, defende a solidariedade da responsabilidade, no entanto, limitada. Assim, considera subjetiva a responsabilidade da agência, pois somente será responsabilizada em caso de comprovação de dolo ou culpa, isto é, quando comprovada sua prévia ciência da abusividade do anúncio.
Em defesa dessa teoria, tem-se a processualista Ada Pellegrini Grinover (2007, p. 367):
Não se exclui, porém, considerando-se a regra geral da solidariedade adotada pelo
CDC, a responsabilidade da agência e do próprio veículo. Para esses agentes do
fenômeno publicitário, adotamos, como veremos em seguida, a tese da
responsabilidade solidária limitada. […] Já a agência e o veículo só são coresponsáveis
quando agirem dolosa ou culposamente, mesmo em sede civil. [...]
Data vênia, em que pese o peso da ilustrada doutrinadora, preferimos optar pela tese da responsabilidade objetiva da agência publicitária, em função da necessidade da tutela do hipossuficiente, fim máximo do microssistema do consumidor.
4.1.3 Veículo de comunicação
Segundo o texto legal, são veículos de divulgação “(...) quaisquer meios de comunicação visual ou auditiva capazes de transmitir mensagens de propaganda ao público, desde que reconhecidos pelas entidades e órgãos de classe (...)”. Logo, podem incluir-se exemplificativamente jornais, revistas, estações de rádio, TVs, entre outros.
Desse modo, a regra é que cada um responda por seus próprios atos, em responsabilidade direta, sendo necessário, para que se responda indiretamente por fatos de outrem, um vínculo jurídico entre o causador direto do dano e aquele que não concorreu diretamente para o mesmo, mas se verá alcançado pelo nexo de imputação.
Assim, no tocante à responsabilidade, não há maiores controvérsias, tendo em vista entendimento pacífico de ser subjetiva, dependendo da comprovação do conhecimento quanto à abusividade, ou da negligência quanto a alguma conduta imposta ao veículo.
Em que pese a própria racionalidade, no que se refere à impossibilidade de se responsabilizar objetivamente um ente pelos danos causados pela peça publicitária, de cuja produção sequer participou, o já referido Código de Autorregulamentação Publicitária dispõe expressamente a respeito:
Artigo 45 - A responsabilidade pela observância das normas de conduta estabelecidas neste Código cabe ao Anunciante e a sua Agência, bem como ao Veículo, ressalvadas no caso deste último as circunstâncias específicas que serão abordadas mais adiante, neste Artigo: c. este Código recomenda aos Veículos que, como medida preventiva, estabeleçam um sistema de controle na recepção de anúncios. Poderá o veículo: c.1) recusar o anúncio, (…) e. a responsabilidade do Veículo será equiparada à do Anunciante sempre que a veiculação do anúncio contrariar os termos de recomendação que lhe tenha sido comunicada oficialmente pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR. (grifo nosso)
Dessa forma, apesar da existência de posicionamentos doutrinários em contrário, a menos que ocorra a causa ressalvada no referido Código, de ter sido recomendado oficialmente pelo CONAR a não exibição do anúncio, hipótese em que a responsabilidade será objetiva, a responsabilização pelos danos ocasionados pela peça publicitária, no que se refere ao veículo de comunicação, deverá ser sempre dependente da comprovação de dolo ou culpa.
4.1.4 Celebridade
Celebridade é toda pessoa de grande notoriedade, amplamente conhecida por seus feitos, sejam eles artísticos, ou de qualquer outra natureza.
Embora a discussão a seu respeito ainda seja tímida na doutrina e na jurisprudência, defende-se que, em determinados e excepcionais casos, é possível a responsabilização da celebridade que empresta sua imagem à publicidade, tudo em conformidade com o ambiente protecionista do CDC.
Dessa forma, somente constatando-se o efetivo conhecimento da abusividade (dolo), ou que a mesma deveria saber (culpa), cabe-se a responsabilização da notória preposta.
Ora, não se poderia tratar de outra maneira, tendo em vista a irrazoabilidade de se exigir que uma pessoa natural, com todas as limitações técnicas comuns, deva ser responsabilizada objetivamente por um dano que um ser humano médio não poderia ter auferido previamente.
Considerando a celebridade como um agente integrante da relação de consumo, segue trecho doutrinário:
“A celebridade deve ser vista pelo Direito como sendo mais uma integrante da cadeia de consumo, figurando ao lado de todos os outros agentes, inclusive o consumidor, devendo, portanto, serem a ela aplicadas todas as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no tocante a responsabilidade em caso de danos aos consumidores.” (GUIMARÃES, apud, OLIVEIRA, 2010)
Dessa forma, salienta-se o caráter consumerista da relação Celebridade-Consumidor, tendo em vista, tanto o aspecto mais fraco do polo hipossuficiente, quanto a potencialidade de influência que, não se pode negar, tem uma pessoa pública, podendo claramente causar severos danos ao consumidor comum.
4.2 Sanções Administrativas
Sem prejuízo das sanções penais e civis que incidem, em regra, sobre todo aquele que, cometendo um ato ilícito, viole direito de outrem, ou lesione um bem jurídico protegido pelo ordenamento, o Estatuto Consumerista colaciona diversas sanções administrativas que poderão incidir diretamente no fornecedor que proporcionar a veiculação da publicidade abusiva.
4.2.1 Multa
A sanção da multa[6] consiste em uma obrigação de pagamento de valor em pecúnia devido a pratica do ilícito. Em caso de ocorrência de uma publicidade abusiva, o órgão administrativo (ou o próprio Poder Judiciário, se chamado a atuar através de, por exemplo, uma ação civil pública) imporá multa pelo dano ou potencial lesivo da peça publicitária. Como se nota, a referida sanção tem caráter essencialmente punitivo.
4.2.2 Advertência
A pena de advertência consiste na sanção mais branda estabelecida no código, tendo em vista seu caráter mais aconselhativo que sancionador. Consiste em uma notificação, normalmente previa a outra sanção mais grave, na qual se apela para o bom senso do patrocinador da peça publicitária abusiva.
4.2.3 Remoção ou sustação da publicidade
A remoção ou sustação da publicidade é a pena que tem condão de obstar a veiculação da publicidade ilícita. É a sanção que mais se coaduna com o microssistema consumerista, tendo em vista que de nada adiantaria multar, por maior que fosse a multa, se não fosse cessado a causa do dano. Vale ressaltar que essa sanção em nada se relaciona com a censura prévia, tão rechaçada pela ambiência constitucional pós-88. Assim, somente a publicidade que já produziu dano, ou que tem real potencialidade de produzi-lo, é alvo da referida sanção, jamais a publicidade que ainda não produzida.
4.2.4 Contrapropaganda
Por todo o exposto no trabalho, e considerando a ótica da relação de consumo sobre a qual se insere a noção de publicidade, melhor que conceituada como “contrapublicidade”. Embora com o erro técnico do legislador, o CDC dispõe ser a obrigação imposta ao fomentador da publicidade ilícita de veicular outra publicidade, com fito a dirimir o dano causado pela primeira na consciência dos consumidores.
Conforme conceitua Antônio Herman V. Benjamim (2005, p. 357):
A contrapropaganda nada mais é do que uma publicidade obrigatória e adequada que se segue a uma publicidade voluntária, enganosa ou abusiva. Seu objetivo é ‘lavar’ a informação inadequada da percepção do consumidor, restaurando, dessa forma, a realidade dos fatos.
De acordo com o texto legal, para ser efetiva, a contrapublicidade deve ser levada a cabo da mesma forma que a publicidade ilícita a qual visa reparar. Isto é, deverá ser veiculada no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva, sempre à custa do anunciante.
A doutrina costuma ressaltar o caráter educativo que a referida sanção possui, tendo em vista que visa, principalmente quando a publicidade infratora afronta ou deturpa valores éticos, sociais ou morais, a reeducar a população quanto ao tema dantes deturpado. Nesse sentido, Jacobina (2002, p. 101):
[…] preferimos ressaltar o aspecto cautelar e educativo da contrapropaganda, ao
invés do seu caráter punitivo, [...] e a definiríamos como a sanção cautelar,
imponível administrativamente, mediante procedimento adequado,
independentemente das sanções judiciais porventura cabíveis, que visa a desfazer ou
impedir os efeitos danosos da publicidade enganosa ou abusiva, pela veiculação de
mensagem educativa aos consumidores, às expensas do fornecedor, e de preferência
no mesmo veículo, local, espaço ou horário anteriormente utilizados, de forma a
desfazer o malefício da publicidade ilícita.
Aqui, cabe a lembrança do caso já discutido, relativo ao anúncio publicitário veiculado pela instituição de ensino Centro de Educação Integrada – CEI Mirassol, onde ocorreu, embora espontaneamente, a veiculação de uma verdadeira contrapublicidade, nos moldes do art. 60, § 1º do CDC.
Dessa forma, a sociedade potiguar foi reeducada quanto a um tema tão sensível, qual seja, a discriminação social recorrente, que determina ser o individuo exercente de determinada profissão “superior” a outrem que labuta em uma área não tão valorizada, algo que deve ser combatido na formação educacional das crianças e jovens, e não incentivado mediante veiculação televisiva.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, sem a mínima pretensão de ter-se exaurido o tema, vê-se que o tema da publicidade abusiva deve ser cada vez mais tratado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, haja vista a necessidade, por imperativo constitucional, de se tutelar o consumidor, de se garantir que a publicidade vista pela sociedade seja um anúncio não só verdadeiro, mas também ético, moral, edificador, e que não promova a discriminação e o preconceito, por exemplo.
Assim, espera-se que seja efetivada a solidariedade, os bons costumes, a fraternidade, mesmo em um ambiente onde, em tese, seria o lucro a bússola mor, tendo em conta esses outros valores ainda mais caros à construção da sociedade que tanto almejamos.
REFERÊNCIAS
BENJAMIM, Antônio Herman V.. Oferta e publicidade. In: BENJAMIM, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor: Rev., atual. e ampl. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 235-274.
________ et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
FERNANDES NETO, Guilherme. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: Cláusulas, Práticas e Publicidades Abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p 148.
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.
MARQUES, Cláudia Lima. Campo de Aplicação do CDC. In: MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIM, Antônio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 110 e 111.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005..
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
OLIVEIRA, Josinaldo Leal de. A função social da celebridade. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12404>. Acesso em: 25 de julho de 2015.
[1] Aprovado no III Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado em São Paulo em 1978, o Código resultou de um demorado e extenuante trabalho de um grupo de publicitários que, por mais de um ano, estudou e pesquisou a ética da Propaganda no Brasil e no Exterior. Seu objetivo era o de encontrar uma alternativa entre dois extremos: por um lado, a ausência total de regulamentação, que permite práticas desordenadas em prejuízo da sadia competição entre anunciantes e agredindo os justos direitos do consumidor, e por outro, o de se delegar totalmente a função regulamentar aos governantes, cujas estruturas executivas e legais nem sempre demonstram entender a função, o valor e as sutilezas da publicidade comercial. Assim, tem-se uma atividade voluntária da indústria da propaganda, a partir de uma conscientização para a necessidade da autodisciplina que abrange quatro pontos básicos: a. estabelecer as regras éticas para a indústria publicitária; b. permitir uma ação efetiva para antecipar a controvérsia; c. estabelecer um esquema de solução de queixas e disputas fora do apelo ao Poder Público; d. garantir a solução pronta, veloz e objetiva das queixas, das reclamações e das disputas."
[2] CDC, Art. 6º São direitos básicos do consumidor: IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
[3] CBAP, Artigo 16 - Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitária, este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio. Disponível em: <http://www.conar.org.br/>. Acesso em: 25 jul. 2015.
[4] Vale lembrar que o ônus da prova, no que se refere a publicidade, cabe sempre a quem a patrocina. É caso do que a doutrina chama de inversão do ônus da prova ope legis, incontinente, não dependendo da ocorrência de nenhuma condição. “Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.”
[5] O CDC confere à oferta natureza jurídica contratual, por meio do efeito vinculativo consolidado no momento em que o consumidor toma conhecimento do ofertado, firmando-se o contrato na ocasião da manifestação do interesse de adquirir o produto.
[6] CDC, art. 57 - A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.
Formando em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com ênfase nas áreas de Direito Penal/Administrativo/Constitucional. Servidor Público da UFRN.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MANOEL NICOLAU DA SILVA JúNIOR, . O controle do abuso de direito na atividade publicitária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45092/o-controle-do-abuso-de-direito-na-atividade-publicitaria. Acesso em: 22 nov 2024.
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