RESUMO: A viabilidade da propositura de embargos à execução fiscal, nos termos da Lei n.º 6.830/1980 não prescinde da segurança do juízo, em atenção ao disposto no art. 16, § 1º, da lei referida. Tal exigência foi reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Resp n.º 1.272.827/PE. Importante destacar, no nosso entendimento, que a segurança do juízo, por meio de penhora, a qual abre a possibilidade de apresentação de embargos à execução fiscal, deve ser integral e não parcial, sob pena de reduzir o sentido da norma em questão a sua inutilidade, contrariando toda a lógica da execução fiscal voltada à satisfação do crédito do credor, in casu, crédito público. Esta análise tem pertinência porque não raro se verifica na prática que os Juízes recebem os embargos à execução fiscal e, por conseguinte, determinam a citação do Ente Público para apresentar impugnação, a partir da existência de penhora parcial, muitas vezes em valores irrisórios quando cotejadas com o crédito executado.
PALAVRAS-CHAVE Execução fiscal. Segurança do Juízo. Embargos à Execução Fiscal. Penhora Integral. Pressuposto legal.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo, ainda que de forma breve, pretende discutir a impossibilidade de se admitir embargos à execução fiscal, lastreado nos termos da Lei n.º 6.830/1980, quando a penhora não for integral. A atualidade da discussão reside no fato de que em algumas situações práticas, a despeito do julgamento do Resp n.º 1.272.827/PE, sob o regime previsto no art. 543-C, do CPC, os Magistrados estão admitindo o processamento dos embargos à execução fiscal, ainda que ausente o pressuposto da penhora integral, o que, no nosso entendimento contraria o espírito da Lei n.º 6.830/1980.
2. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL E NECESSIDADE DE PENHORA INTEGRAL PARA SUA ADMISSIBILIDADE
O art. 16[1], § 1º, da Lei de Execução Fiscal – Lei n.º 6.830/1980, de forma expressa condiciona a admissibilidade dos embargos à execução à existência de garantia do juízo, sendo a penhora uma das modalidades aptas a atender este pressuposto legal.
Com a introdução no sistema jurídico do art. 739-A[2] do CPC, veio à tona a discussão acerca da pertinência legal em se continuar exigindo, como condição de admissibilidade dos embargos, a existência prévia de segurança do juízo, tendo em vista que o dispositivo legal referido não faz tal exigência.
Como se sabe, esta regra normativa permite o processamento dos embargos à execução independentemente de o juízo estar garantido.
A partir desta introdução normativa, uma boa parte da doutrina, assim como uma parte considerável da jurisprudência, manifestou posição no sentido de que os embargos à execução fiscal não mais necessitavam de garantia do juízo para serem admitidos.
Sem adentrar nos fundamentos jurídicos de cada uma das linhas de raciocínio, o fato é que o Superior Tribunal de Justiça, no exercício de seu mister – interpretação da legislação infraconstitucional – definiu que, em razão do princípio da especialidade, os embargos à execução fiscal, para serem admitidos, devem ser precedidos de garantia.
Por oportuno, transcreve-se a ementa do Resp n.º 1.272.827/PE:
1. A previsão no ordenamento jurídico pátrio da regra geral de atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor somente ocorreu com o advento da Lei n. 8.953, de 13, de dezembro de 1994, que promoveu a reforma do Processo de Execução do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - CPC/73), nele incluindo o §1º do art. 739, e o inciso I do art. 791.
2. Antes dessa reforma, e inclusive na vigência do Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, que disciplinava a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública em todo o território nacional, e do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei n. 1.608/39), nenhuma lei previa expressamente a atribuição, em regra, de efeitos suspensivos aos embargos do devedor, somente admitindo-os excepcionalmente. Em razão disso, o efeito suspensivo derivava de construção doutrinária que, posteriormente, quando suficientemente amadurecida, culminou no projeto que foi convertido na citada Lei n.8.953/94, conforme o evidencia sua Exposição de Motivos - Mensagem n. 237, de 7 de maio de 1993, DOU de 12.04.1994, Seção II, p. 1696.
3. Sendo assim, resta evidente o equívoco da premissa de que a LEF e a Lei n. 8.212/91 adotaram a postura suspensiva dos embargos do devedor antes mesmo de essa postura ter sido adotada expressamente pelo próprio CPC/73, com o advento da Lei n. 8.953/94, fazendo tábula rasa da história legislativa.
4. Desta feita, à luz de uma interpretação histórica e dos princípios que nortearam as várias reformas nos feitos executivos da Fazenda Pública e no próprio Código de Processo Civil de 1973, mormente a eficácia material do feito executivo a primazia do crédito público sobre o privado e a especialidade das execuções fiscais, é ilógico concluir que a Lei n. 6.830 de 22 de setembro de 1980 - Lei de Execuções Fiscais - LEF e o art. 53, §4º da Lei n.8.212, de 24 de julho de 1991, foram em algum momento ou são incompatíveis com a ausência de efeito suspensivo aos embargos do devedor. Isto porque quanto ao regime dos embargos do devedor invocavam - com derrogações específicas sempre no sentido de dar maiores garantias ao crédito público - a aplicação subsidiária do disposto no CPC/73 que tinha redação dúbia a respeito, admitindo diversas interpretações doutrinárias.
5. Desse modo, tanto a Lei n. 6.830/80 - LEF quanto o art. 53, §4º da Lei n. 8.212/91 não fizeram a opção por um ou outro regime, isto é, são compatíveis com a atribuição de efeito suspensivo ou não aos embargos do devedor. Por essa razão, não se incompatibilizam com o art. 739-A do CPC/73 (introduzido pela Lei 11.382/2006) que condiciona a atribuição de efeitos suspensivos aos embargos do devedor ao cumprimento de três requisitos: apresentação de garantia; verificação pelo juiz da relevância da fundamentação (fumus boni juris) e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).
6. Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.
7. Muito embora por fundamentos variados - ora fazendo uso da interpretação sistemática da LEF e do CPC/73, ora trilhando o inovador caminho da teoria do "Diálogo das Fontes", ora utilizando-se de interpretação histórica dos dispositivos (o que se faz agora) – essa conclusão tem sido a alcançada pela jurisprudência predominante,[...]. [...]
9. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008. (REsp 1272827 PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, Julgado em 22/05/2013, DJE 31/05/2013)
Com efeito, com a definição da questão em análise na seara constitucional adequada, a consequência prática seria o não processamento dos embargos à execução fiscal quando não seguro o juízo, por meio de penhora, tendo em vista a ausência de um pressuposto legal de admissibilidade, nos termos do art. 267[3], inc. IV, do CPC.
Todavia, na prática o julgamento referido acima não está sendo observado em sua plenitude, uma vez que não raro os Magistrados têm admitido o processamento dos embargos à execução quando apresentada penhora insuficiente, ou seja, não integral, o que no nosso entendimento contraria a inteligência do julgamento em análise.
A admissão dos embargos nestas circunstâncias não se compatibiliza com a lógica e o espírito legal próprios do microssistema implementado pela Lei n. 6.830/1980, mormente porque tem o condão de esvaziar a eficácia material da execução fiscal, voltado, como é evidente, à satisfação do crédito público.
A exigência de prévia garantia do juízo, como condição para a admissão dos embargos à execução fiscal, tem por objetivo justamente realçar a primazia do crédito público.
Um ponto importante reside no fato de que a Certidão de Dívida Ativa, a qual dá lastro a execução fiscal, tem presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída, conforme dispõe o art. 204[4] do CTN.
Em outras palavras, considerando a presunção referida, não há lógica a admissão dos embargos à execução, a partir de uma garantia insuficiente e inidônea, até porque, o embargante poderá alegar em sua defesa toda a matéria que entender útil.
Em síntese, admitir embargos à execução fiscal quando o juízo não está integralmente seguro retira eficácia normativa do art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/1980, bem assim do art. 204 do CTN, além de contrariar a lógica específica implementada pelo microssistema da Lei de Execução Fiscal.
3. CONCLUSÃO
O Superior Tribunal de Justiça, no exercício de seu mister – interpretação da legislação infraconstitucional – definiu que, em razão do princípio da especialidade, os embargos à execução fiscal, para serem admitidos, devem ser precedidos de garantia.
Com efeito, com a definição da questão em análise na seara constitucional adequada, a consequência prática seria o não processamento dos embargos à execução fiscal quando não seguro o juízo, por meio de penhora, tendo em vista a ausência de um pressuposto legal de admissibilidade, nos termos do art. 267, inc. IV, do CPC.
Todavia, na prática o julgamento referido acima não está sendo observado em sua plenitude, uma vez que não raro os Magistrados têm admitido o processamento dos embargos à execução quando apresentada penhora insuficiente, ou seja, não integral, o que no nosso entendimento contraria a inteligência do julgamento em análise.
A admissão dos embargos à execução fiscal quando o juízo não está integralmente seguro retira eficácia normativa do art. 16, § 1º da Lei n.º 6.830/1980, bem assim do art. 204 do CTN, além de contrariar a lógica específica implementada pelo microssistema da Lei de Execução Fiscal, pensada para dar efetividade à execução do crédito público.
[1] Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:
(…)
§ 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
[2] Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 2o A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 3o Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 4o A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 5o Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 6o A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
[3] Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)
(…)
IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
[4] Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.
Procurador da Fazenda Nacional; Especialista em Adminsitração Pública pela FGV; Especialista em Direito Constitucional pela Uniderp (LFG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Ederson Couto da. Embargos à execução fiscal e ausência de pressuposto de admissibilidade quando a penhora for parcial. Inteligência a partir do RESP N.º 1.272.827/PE Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45265/embargos-a-execucao-fiscal-e-ausencia-de-pressuposto-de-admissibilidade-quando-a-penhora-for-parcial-inteligencia-a-partir-do-resp-n-o-1-272-827-pe. Acesso em: 22 nov 2024.
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