RESUMO: O artigo ora apresentado objetiva a uma análise da Educação no Campo (zona rural) a partir das lutas de Movimentos Sociais para que se cumpram as leis que garantem o direito a terra e à educação formal dos trabalhadores e cidadãos que vivem no campo. Também analisa o desempenho do ensino público brasileiro, seus métodos e desdobramentos e a necessidade de se ter uma metodologia educacional inclusiva e voltada para a formação de cidadãos críticos e profissionais efetivamente competentes, a exemplo da LDB (Lei das Diretrizes e Bases Nacionais da Educação) e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que, em seu Art. 53 diz: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho(...)”
Palavras Chave: Educação, Políticas Educacionais, Educação no Campo, ECA, Constituição Federal de 1988.
ABSTRACT: The article presented here aims at an analysis of Education in the Countryside (rural) from the struggles of social movements is to fulfill the laws that guarantee the right to land and formal education of workers and citizens who live in the countryside. It also analyzes the performance of the Brazilian public education, its methods and developments and the need to have an inclusive educational methodology and directed at the formation of critical citizens and competent professionals effectively, such as the LDB (Law of Directives and Bases of National Education) and ECA (Statute of Children and Adolescents), in its Article 53. says: "Children and adolescents have the right to education, aiming at the full development of his person, preparation for the exercise of citizenship and qualification for the job(...)"
Keywords: Education, Education Policy, Education Field, ECA, Federal Constitution in 1988.
1. INTRODUÇÃO
O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 (exaustivamente repetido por teóricos e políticos em campanha) diz que, a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Entretanto, vê-se uma disparidade imensa entre o modelo educacional exercido no Brasil através dos tempos e, as premissas (tão difundidas) da Constituição Federal. É de conhecimento geral que a educação nos primórdios do Descobrimento do Brasil era entregue aos jesuítas que, acompanhando os desbravadores cuidava de educar os filhos de colonizadores e seus apadrinhados. Índios, negros e mulheres eram “desconsiderados” no âmbito da educação. E, por quê? Unicamente pelo pensamento da época que colocava trabalhadores rurais (negros e índios) e mulheres como desnecessários ao campo do estudo por se tratar de pessoas cujo trabalho braçal e doméstico (respectivamente) não requeria nenhuma educação formal.
A educação na zona rural brasileira foi instituída ao longo das décadas, sobretudo, nos últimos anos onde os movimentos sociais a exemplo do MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) além de lutar por reforma agrária, também colaborou de forma significativa para a inserção dos agricultores e seus filhos nos bancos escolares, uma vez que, em seus primórdios o modelo educacional brasileiro segregava estes trabalhadores. Segundo os docentes da época, era desnecessária a instrução escolar dos mesmos, pois, os conteúdos curriculares não poderiam ser aplicados às práticas agrícolas.
O Brasil que, historicamente, teve sua estrutura econômica situada em atividades agrícolas, experimentou durante a década de 1950, o inicio do desenvolvimento de um modelo econômico bipolar: de um lado, estava à concentração das riquezas (em poucas mãos) em oposição (e desvantagem) estavam os segregados pelas desigualdades sociais, e assim, o país fomenta a sua urbanização. Somente a partir de 1980, período da redemocratização, onde as questões sociais vinculadas ao campo entram em cena por meio dos movimentos sociais, ganham força e conquistam lugar determinante na história política brasileira, sendo os responsáveis por colocar na pauta dos debates políticos a questão agrária. Atualmente, se discute os caminhos para elaboração de novos modelos de desenvolvimento, onde estaria o investimento na expansão, além do fortalecimento da agricultura familiar e sua redistribuição de renda.
Apesar dos grandes conflitos existentes em relação às questões relacionadas a terra, disparidade social, econômica, educacional, alimentar em nosso país num contexto histórico, não se pode fechar aos olhos a importantes avanços que todas essas questões obtiveram a partir da Constituição Federal de 1988. A partir das políticas públicas, mesmo com suas conquistas, devem ter mais articulações e vise mais prioridade a promoção da segurança alimentar. E dentro de uma conjuntura da nossa atual realidade, que se criem mais componentes estratégicos às políticas da agricultura familiar e uma efetivação da reforma agrária, que assegurará igualdades as mazelas socioeconômicas no nosso país a exemplo da pobreza, desigualdades sociais e de gênero no meio rural.
Entretanto, nesse contexto, as políticas públicas existem para respeitar, proteger, promover e sustentar os direitos humanos. Também, não podemos esquecer que, diante desse contexto, a necessidade civil exerce papel fundamental neste processo; pois as políticas públicas na maioria das vezes surgem da sociedade, de suas necessidades e de conquistas históricas.
Contudo, sabe-se que, na realidade, alguns aspectos dos programas voltados para a educação no campo deixam a desejar quando se trata da metodologia de ensino aplicada que, muitas vezes, não dialoga plenamente com a realidade rural brasileira e consequentemente contraria algumas premissas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) como o Art. 4ºque diz ser“ dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. É de conhecimento de todos que a Educação no Campo, bem como, as políticas públicas atuais, ainda não asseguram todos os direitos previstos neste e nos demais artigos do ECA e também na Constituição Federal. Então cabe à sociedade questionar: Porque mesmo sendo tão bem elaboradas, as políticas públicas para a educação no campo não geram os resultados esperados? Quais adaptações ou mudanças devem ser feitas para que a Educação no Campo atenda plenamente às premissas do ECA e da Constituição Federal? De que forma podemos tornar a educação no campo mais assertiva nos aspectos da troca de conhecimentos com a comunidade para diminuição na evasão escolar?
2. O ECA E A EDUCAÇÃO
A Constituição de 1988 através do artigo 208 que diz que educação básica gratuita e de qualidade é um direito de todas as crianças e adolescentes. Entretanto, fazia-se necessária a criação de leis específicas para uma educação que atendesse de forma efetiva e abrangente a maior número possível de crianças e adolescentes em idade escolar, sobretudo no ensino público. Foi neste ambiente de reflexão pedagógica amplamente difundida pelas ideias de Paulo Freire que questionava frontalmente os modelos educacionais vigentes no Brasil naquele momento. A normatização do conceito de educação, bem como, das praticas docentes, veio através da LDB - Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96:
“A Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.” (LDB, 1996, Art. 1º).
A partir de então, o conceito de educação assume um papel muito maior na vida dos cidadãos (crianças ou não) brasileiros, pois, a partir da LDB a educação passou a ser mais do que conteúdos recebidos em sala de aula. Agora o processo de ensino aprendizagem assume uma forma que abrange os saberes que a criança traz da família e da comunidade em que vive mesclando-os com as “lições” aprendidas na escola. Nesse contexto, o professor atua como mediador de conhecimentos fazendo a ponte entre o saber individual do aluno e o que se aprende nos livros.
Uma educação plena e eficaz tem como premissa o respeito às particularidades de cada grupo social e às individualidades de cada aluno. Sabendo que, cada família é um núcleo com regras próprias, modos de vida distintos e valores também, uma educação que pretende formar cidadãos precisa ser trabalhada de maneira a atuar na vida dos alunos dialogando com a sua rotina, ou seja, o estudante tem que vislumbrar nos livros a possibilidade de aplicar seus conteúdos na vida diária. A isso chamamos de contextualização para a inclusão social. É nesse momento que, o aluno vê na escola uma forma de amenizar possíveis problemas socioeconômicos através das práticas pedagógicas que o levem a pensar a si mesmo como agente modificador da própria realidade e não um mero espectador dos acontecimentos. É missão da escola e seus docentes fazer com que seus alunos enxerguem na dedicação aos estudos a principal ferramenta de melhoria da sua comunidade, família e, principalmente, de si mesmos.
É nessa oportunidade que o estatuto da criança e do adolescente vem a complementar de maneira fundamental tanto a Constituição de 1988 quanto a LDB no que concerne aos direitos fundamentais à educação de qualidade:
“A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II. direito de ser respeitado por seus educadores;
III. direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
IV. direito de organização e participação em entidades estudantis;
V. acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.” (ECA, 1990, Art.53)
Dessa maneira, o ECA prega uma facilitação ao aluno para se chegar aos bancos escolares, o que, convenhamos, colaboraria de maneira decisiva na diminuição da evasão escolar amplamente combatida em todas as esferas educacionais. Vemos corriqueiramente (sobretudo no campo) as rudezas que os alunos têm que passar diariamente para chegar até a escola. O que evidencia o descumprimento do inciso V do artigo 53 do ECA que fala da escola pública gratuita e próxima de suas residências, uma vez que, tem-se que andar a pé ou fazer uso do transporte escolar para se chegar à sala de aula.
Nos últimos anos nota-se um esforço governamental em melhorar a qualidade do transporte escolar, mas, que ainda está longe de cobrir toda a rede nacional de ensino.
3. A EDUCAÇÃO “DE PAPEL” NO CAMPO
No livro O Cidadão de Papel, Gilberto Dimenstein relata justamente a crise social porque passa o cidadão brasileiro na atualidade, em virtude de políticas públicas que, não conseguem atingir todas as camadas sociais de maneira plena e justa, desprezando ao cidadão de baixa renda o que ele denominou de “Cidadania de papel” uma vez que teoricamente (ou seja, no papel) tudo funciona de maneira perfeita no Brasil, entretanto, na prática a teoria muda completamente. As reações em cadeia geradas pela desigualdade social brasileira são amplamente abordadas por Dimenstein que, mostra como a falta de condições básicas de sobrevivência digna reflete diretamente na formação de seres humanos cuja cidadania plena somente é alcançada por uma camada restrita da sociedade que, através do alto poder aquisitivo, tem acesso à saúde, educação, moradia e condições de vida de boa qualidade o que proporciona a si mesmos e seus descendentes melhores oportunidade de crescimento pessoal e profissional:
“A descoberta das engrenagens é a descoberta do desemprego, da falta de escola, da inflação, da imigração, da desnutrição, do desrespeito sistemático aos direitos humanos. Com essa comparação, vamos observar como é a cidadania brasileira, que é garantida nos papeis, mas não existe na verdade. É a cidadania de papel.” (DIMENSTEIN, 2001, P. 17)
Pensando dessa forma, podemos assegurar que as políticas educacionais vigentes no Brasil estão perfeitamente elaboradas, mas, quando passamos para o campo prático toda a infalibilidade das teorias cai por terra em virtude da falta de estrutura econômica, social e de politicas públicas voltadas para educação de qualidade, tão falada em todas as leis e diretrizes acerca do tema. Gilberto Dimenstein trata justamente desta “perfeição brasileira” existente somente “no papel” e que é vivida totalmente às avessas por todos os brasileiros, sobretudo, as crianças pobres. Dimenstein também fala de todos os aspectos da economia, das politicas públicas, da má administração do dinheiro público, da falta de estrutura das grandes e pequenas cidades e de tudo mais, determinando de maneira imparcial as escolhas das crianças e jovens brasileiros. Jovens esses que, ao viverem em ambientes que são literalmente esquecidos pela administração pública, onde saneamento básico, saúde de qualidade, oportunidades de emprego e escolas estruturadas não existem, o que os leva a crer que a única maneira de adquirir visibilidade social, infelizmente, seja através da criminalidade que gera violência:
“Há ausência de cidadania quando uma sociedade gera um menino de rua. Ele é o sintoma mais agudo da crise social. Os pais são pobres e não conseguem garantir a educação dos filhos. Eles vão continuar pobres, já que não arrumam bons empregos. E ai, seus filhos também não terão condições de progredir.” (DIMENSTEIN, 2001, P. 25)
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) teve seu início em 1984 sob o lema de promover a reforma agrária com o slogan: “Ocupar, Resistir e Produzir”, entretanto as conquistas almejadas pelo movimento vão além de uma divisão justa de terras para o cultivo. O MST também tinha como propósito promover a educação pública de qualidade no campo. Contas das estatísticas do movimento a criação de mais e de 2 mil escolas, onde 160 mil crianças assentadas puderam estudar. Outra preocupação do movimento foi a educação de jovens e adultos que, a cada ano, com mais de 2 mil educadores e 28 mil alunos.
Segundo dados, “mais de 50 mil pessoas já aprenderam a ler e escrever no MST, defendendo que, a escola esteja onde o povo está e, consequentemente, os camponeses têm o direito e o dever de participar da construção do seu projeto de escola.”
Os projetos de alfabetização têm como objetivo principal transformar os assentamentos e acampamentos em territórios livres do analfabetismo e, para isso, a EJA (Educação de Jovens e Adultos) trabalha com os Sem Terra conteúdos relacionados à realidade rural.
Assim, enquanto um dos meios de capacitação para o trabalho deve buscar constantemente mudanças na realidade e lutar contra essa desigualdade social imposta, levando aos alunos a questionar sobre as políticas administrativas vigentes. No que tange os aspectos culturais, percebemos que a falta de lazer é uma realidade e além de tudo um aspecto negativo. É preciso dotar os acampamentos e assentamentos com estrutura para práticas esportivas, acesso à internet e bibliotecas físicas e virtuais, espaço para práticas da cultura local como folclore, artes, dentre outras o que traz uma valorização da identidade individual e coletiva.
4. EDUCAÇÃO ENTRE ASSENTADOS
Ao analisar os Relatórios do Projeto Integrador, percebem-se pontos em comum nos quatro assentamentos pesquisados. Dois deles estão situados em municípios do semiárido Sergipano (Simão Dias e Poço Verde), um no Centro-Sul de Sergipe (Lagarto), e um no município de Adustina (sertão baiano).
Os pontos convergentes dos 4 assentamentos são: A presença de unidades de ensino fundamental, o que configura duas das premissas do ECA (aquelas que preconizam o “acesso à escola pública e gratuita próximo à sua casa e a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”). Com isso, as unidades de ensino fundamental nos assentamentos facilita enormemente a ida das crianças à escola, entretanto, é preciso analisar a que ponto essa facilitação de acesso corresponde a um ensino de qualidade e que não coloque o aluno em maus lençóis ao chegarem as escolas de ensino fundamental 2 e médio dos núcleos urbanos. Esse déficit na qualidade do ensino nas “escolas rurais” em relação às “escolas urbanas” é recorrente em todo Brasil (com algumas exceções evidentemente), embora, ambas sigam os mesmo parâmetros curriculares, é alto o índice de repetência entre alunos que vem da roça para estudar na cidade. O que configura, mais uma vez, a presença dos Cidadãos de Papel que, embora façam parte de estatísticas otimistas em relação ao nível de escolaridade, nem sempre possuem o mesmo desenvolvimento que os alunos das mesmas séries, mas que estudam nos centros urbanos. É preciso não só a presença de escolas e professores nos assentamentos, há que se ter um cuidado com a qualidade do ensino, porque, esses alunos ao chegarem numa escola da cidade precisam ser muito bem acolhidos pelos docentes daquela unidade para que, diante das dificuldades que os aguardam, não se sintam desestimulados ao estudo e tentados a vagar pelas ruas enquanto seus pais os querem na escola. Nesse momento da adolescência, se o jovem que vem do interior do município não se adaptar à nova escola, pode sim trocar o aprendizado escolar pela “escola preparatória da rua” exemplificada por Dimenstein:
“A rua serve para a criança como uma escola preparatória, do menino marginal esculpe-se o adulto marginal, trabalho diariamente por uma sociedade violenta que lhe nega condições básicas da vida. Paz social significa poder andar na rua sem ser incomodado por pivetes. Isso porque num país civilizado não existe pivete. Existem crianças desenvolvendo suas potencialidades.” (DIMENSTEIN, 2001, p. 53)
Alguns assentados revelaram haver presença de dependentes químicos entre os jovens. Uma situação preocupante, pois, estes podem influenciar outros adolescentes da comunidade e se faz urgente uma política de prevenção de danos nesses assentamentos para coibir a presença de “pivetes” em lugar de crianças desenvolvendo suas potencialidades nos assentamentos.
Deve-se valorizar a persistência e organização dos assentamentos em todos os municípios, entretanto, é imprescindível um acompanhamento por parte das Secretarias Municipais de Educação, no que tange à qualidade do ensino (nessas e em todas as escolas rurais), à presença dos alunos em sala de aula tanto nas escolas do interior como nas sedes dos municípios, bem como, no desenvolvimento de seus alunos a fim de evitar danos futuros ao seu progresso pessoal, escolar e profissional.
Outro ponto coincidente nos quatro assentamentos é o apoio logístico dado pelas prefeituras. Coleta de lixo, abastecimento de água, manutenção das escolas, presença de agentes de saúde e endemias está entre os serviços fornecidos pelas prefeituras em todos os assentamentos pesquisados. É consenso de que esses são apenas serviços básicos (na acepção mais simplista possível), e que, muito mais poderia ser feito pelas prefeituras dentro dos assentamentos, sobretudo, em relação ao esporte, lazer, cultura e outras atividades tanto para adolescentes quanto para idosos. Aliás, idosos estes que, apesar de admirados e reverenciados por todos dentro dos assentamentos, parecem não ter qualquer atividade recreativa própria da terceira idade.
Mais uma convergência dos relatórios aponta para a negativa dos pais em relação ao trabalho infantil. Todas as famílias são unânimes em dizer que, o que os filhos fazem é “dar uma ajuda” sem que isso atrapalhe os estudos. Mas, é evidente que, essa dualidade estudo versus ajuda aos pais, há de no mínimo causar certo conflito na cabeça das crianças, adolescentes e jovens, que tem que se dividir (mesmo que pouco) entre trabalho e estudo.
A inexistência de casos relevantes de violência é algo também unânime em todos os assentamentos. Porém, se em alguns deles há a presença de dependentes químicos, talvez, essa tranquilidade seja transitória. Não pelos dependentes, mas, pelas pessoas que estes podem atrair para o convívio dos assentados. Faz-se necessária uma política de orientação contra o uso de drogas e de prevenção com os jovens e também o tratamento daqueles que são dependentes.
O mais forte ponto em comum dentre todos os assentados de todos os municípios é a satisfação em ver assegurado o seu direito a terra para cultivar. Essa conquista dos assentados do MST é algo que Dimenstein definiu muito bem, mesmo tendo escrito muito antes da existência dos movimentos ruralistas:
“O direito de ter direitos é uma conquista da humanidade. Da mesma forma que anestesia, as vacinas, o computador, a máquina de lavar, a pasta de dente, o transplante do coração.” (DIMENSTEIN, 2001, p. 29)
No tocante ao direito a terra, educação no campo e direitos civis, é inegável o papel fundamental dos movimentos ruralistas na efetivação de uma Reforma Agrária factual. Reforma Agrária esta que acontece gradativamente, a cada dia em cada assentamento no Brasil. Reforma que vai, aos poucos, trazendo cidadania a quem nada tinha além da força do trabalho e da vontade de ser feliz e dar dignidade para si e sua família. Muito ainda tem que ser feito, mas, se olharmos para trás veremos que, não fossem as lutas para concretizar a tão sonhada cidadania, de fato e de direito, a maioria destas famílias que hoje se orgulha do seu pedaço de chão, seria apenas números nas estatísticas dos cidadãos brasileiros de papel.
5. CONCLUSÃO
Intercorrente ainda no Brasil a população sofre, principalmente as que residem no campo, devido à estrutura que se criou em relação às questões da terra e sua apropriação privada há mais de 500 anos.
Na maioria dos países desenvolvidos às atividades na terra é de cunho principalmente familiar, já no caso do Brasil, por mais que tiveram conquistas, ainda persiste o regime patronal e de herança histórica com sua marca persistente ao impedimento, desprezo e intolerância dessa elite pelas formas familiares de propriedade e uso da terra.
Após analisar as leis e diretrizes educacionais vigentes no Brasil em paralelo com a realidade atual fica difícil dizer qual a solução definitiva para resolver todas as mazelas sociais do nosso país. É evidente que seria impossível uma solução única, já que estamos diante de uma gama de problemas.
Movimentos sociais como o MST trataram de, por iniciativa própria, fomentar as próprias bases da educação no campo priorizando a escola como ambiente localizado dentro da comunidade (o que sana a questão da escola ser de fácil acesso), a formação de professores, a erradicação do analfabetismo através do EJA e a prática de ensino voltada para a agricultura e a realidade do homem do campo.
É quase impossível imaginar pessoas que, inicialmente, se organizam em barracas de lona até conquistarem a terra ocupada tenham conseguido de maneira simples e eficaz sanar de maneira significativa a questão da educação para os assentados e seus filhos.
Fica evidente que facilitar o acesso à educação passa por questões como: diminuir a burocracia quanto aos recursos educacionais (algo que vem sendo feito de maneira gradual e progressiva nas escolas, através dos Programas Dinheiro Direto na Escola), o uso ético e eficiente desse dinheiro, a inserção de escolas em comunidades longínquas a fim de evitar o deslocamento dos alunos, as práticas pedagógicas interativas entre professores, alunos e comunidade para através da troca de conhecimento obter-se uma educação inclusiva, contextualizada com a realidade do aluno e consequentemente plena e de qualidade.
6. REFERÊNCIAS
ALVES, Gilberto Luiz. Educação no Campo: Recortes no Tempo e no Espaço. Campinas: Autores Associados, 2009.
MANIGLIA, Elisabete. As Interfaces do Direito Agrário, dos Direitos Humanos e a Segurança Alimentar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.
KOLLING, Edgar J.; CERIOLI, Paulo R.; CALDART, Roseli S;. Por uma Educação do Campo: Identidades e Políticas Públicas. Brasília: Articulação Nacional, 2002.
DEMEINSTEIN, Gilberto. Cidadão de Papel. São Paulo: Ática, 2001.
MARTINS, José de Souza. A Questão Agrária Brasileira e o Papel do MST. In: STÉDILE, João Pedro (Org.). A Reforma Agrária e a Luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997.
BRASIL, Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996.
Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/Leis/L8069.htm. Acessado em 22.10.2013.
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
Graduado em ciências sociais e graduando do curso de direito. Especialista em epistemologia e filosofia das ciências sociais. Especialista em antropologia visual. Cursando Pós-graduação em direito administrativo. Funcionário público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Cléverton José Silveira. A educação no campo como ferramenta de conquista de uma cidadania plena para todos os brasileiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45284/a-educacao-no-campo-como-ferramenta-de-conquista-de-uma-cidadania-plena-para-todos-os-brasileiros. Acesso em: 22 nov 2024.
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