Resumo: O anseio em ser cosmopolita não é contemporâneo, no decorrer dos séculos o ser humano buscou oportunidades em Estados diversos de seu nativo. A migração tomou diferentes proporções no decorrer dos períodos, com a globalização os paradigmas alteraram-se, mas as violações sofridas pelos imigrantes continuam sendo alarmantes, tais rompimentos são exemplificados com os diversos casos de xenofobia no decorrer do planeta. É árdua a tarefa estatal para que ocorra a proteção aos direitos fundamentais; a alteração da concepção colonizadora é fundamental para que ocorra a integridade aos Direitos Humanos de quem se encontra em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tal fato depende da tríplice cooperação entre estado, imigrante e nativo.
Palavras-chave: Cultura; Direitos Humanos; Globalização; Constituição.
INTRODUÇÃO
Apesar dos diferenciados contextos, a migração sempre esteve presente na história da humanidade, a busca por novos horizontes e perspectivas é um constante anseio do ser humano.
Na contemporaneidade as relações de migração alteraram-se, mas muitos problemas decorrentes do fato ainda não foram sanados, as violações aos Direitos Humanos são uma dura perspectiva enfrentada pelos imigrantes.
No âmbito trabalhista, por visar melhores condições socioeconômicas, o imigrante do século XXI é muitas vezes ludibriado pelo empregador e acaba vivenciando situação análoga à escravidão. Tal fato é um paradoxo ao ser “cosmopolita”, demonstrando que a efetiva liberdade do indivíduo está atrelada ao poder socioeconômico, comprovando o paradigma de que os problemas relacionados com a migração não foram sanados com o decorrer dos séculos.
Os estados não estão preparados para aceitarem o estrangeiro, ou seja, um indivíduo que rompe com o “padrão” cultural de uma nação, mesmo nos países com culturas heterogêneas, como o Brasil, a descriminação com o imigrante ocorre de maneira avassaladora e ocasiona grandes perdas a ambos.
Os relatos de exploração ao imigrante são uma triste realidade de nosso país, apesar da regulamentação e proteção ao estrangeiro, a fiscalização é muitas vezes ineficiente. Com carências estatais em assegurar o essencial ao nativo, é extremamente utópico crermos que o imigrante não está propenso as mais diversas atrocidades em nossa nação.
A revolucionária Constituição Federal de 1988 sustenta o paradigma acerca da proteção dos Direitos Humanos e da integridade do cidadão, proporcionando de maneira idealizada que não ocorram desigualdades. Muitos imigrantes, especialmente os oriundos de desfavorável situação socioeconômica, acabam sofrendo violações e encontram-se em uma situação a qual põe em dúvida a real eficiência do texto constitucional.
Em uma nação multicultural como o Brasil, a discriminação e preconceito ocorrem de maneira mascarada por fortes paradigmas sociais, considerando que quando ocultos é árdua a tarefa em combatê-los.
O imigrante se encontra em estado de vulnerabilidade social, sendo propício a sofrer discriminações e arcar com as consequências da avassaladora desigualdade socioeconômica que assola nossa nação.
No decorrer da história de nossa nação, muitos avanços foram efetuados, mas as mudanças necessitam de efetivação na consciência coletiva; as regulamentações suprem grande parte das necessidades, porém a exclusiva idealização não torna o fato concreto, justificando-se a necessidade da alteração no paradigma acerca do tratamento com os imigrantes.
O Brasil apresenta uma nação multicultural e com sua história praticamente fundida com a migração, sendo inadmissível a xenofobia e o aproveitamento da vulnerabilidade do imigrante, tendo em vista que as violações a estes acabam tornando-se meras repetições contemporâneas dos erros históricos.
A migração é um fato que sempre ocorreu e a globalização acentua de maneira avassaladora essa tendência, tal fato gera a necessidade da adequação Estatal e dos nativos para que o estrangeiro seja tratado com integridade, sem sofrer violações aos Direitos Humanos, a fim de que esse possua oportunidades socioeconômicas em um Estado distinto.
A MINORIA ESTRANGEIRA
É histórica a marginalização das minorias, que, por não possuírem qualquer enquadramento dentro das culturas que detêm poder, continuam na situação de flagelo social; o fator cultural é um expoente de uma nação, carregando aspectos históricos que geram um sentimento de semelhança entre certo grupo.
O imigrante, por se encontrar em local com cultura diferenciada de sua nativa, acaba sendo uma minoria sujeita a marginalização perante os aspectos socioeconômicos dominantes da nação estrangeira.
Nosso texto Constitucional prevê a igualdade entre os indivíduos, mas a legislação idealizada é pouco posta em prática, apesar do grande histórico de migração presente na história nacional.
A Constituição Federal brasileira consagra a importância dos direitos culturais, como pode ser exemplificado no seu artigo 215, incumbindo o Poder Público do dever de promover o respeito à cultura. In verbis: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988).
O artigo 216 da Lei Maior dimensiona quais são os bens a serem preservados, delimitando um patrimônio cultural do Brasil. Nesse sentido:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988)
Não há unanimidade na aceitação das minorias étnicas. Tal cenário de desrespeito é presente tanto em países “desenvolvidos” quanto em “subdesenvolvidos” economicamente. Um grande empecilho para as minorias é que essas acabam sendo condenadas e isolados em função de sua cultura, sendo classificadas como marginais. No entanto, nem sempre as minorias são minorias em termos demográficos. O conceito de minoria corresponde, na verdade, a pessoas que não estão no “padrão” social pregado pelas classes dominantes e dirigentes de uma nação.
Acontece que os movimentos sociais se degradam até se transformarem no contrário deles mesmos - afirmação comunitária, rejeição do estrangeiro ou do diferente, violências contra as minorias ou contra o que se considera heresia ou cisma. Isto ocorre quando a ação coletiva se define pelo ser ou pelo ter que ela defende, não por sua referência a um valor universal, e, para que se forme esta referência, a condição primeira é que o ator ou o combatente reconheçam num outro essa ascensão para o universal que ele sente em si mesmo. Quando o movimento de libertação nacional se transforma em nacionalismo, quando a luta de classe se reduz a um corporativismo, quando o feminismo se limita à supressão das desigualdades entre homens e mulheres, deixam de ser movimentos sociais e sucumbem à obsessão da identidade. (TOURAINE, 2007, p. 177)
O cenário de intolerância é de extrema preocupação e relevância social. Em um mundo globalizado, torna-se brutal exigir um padrão cultural homogêneo e descartar os aspectos históricos que fundamentam culturas. A maior utopia contemporânea é a aceitação e respeito às culturas diferenciadas, favorecendo a convivência pacífica entre os indivíduos.
Os aspectos de homogeneidade são inadmissíveis na contemporaneidade, o imigrante necessita de tratamento igualitário perante os nativos, a fim de que este possa se enquadrar dentro de território estrangeiro, possibilitando que não ocorram violações aos direitos humanos.
A cultura do imigrante deve ser valorizada e respeitada no território estrangeiro, a fim de que este possa adequar-se em uma nação distinta, possibilitando que sejam extintos os alarmantes casos de xenofobia.
O IMIGRANTE E O MERCADO DE TRABALHO
O globalizado século XXI, em sua idealização, ocasionou o surgimento do cosmopolita nas dimensões de acesso às oportunidades de trabalho em outra nação, porém, no aspecto prático, a situação do imigrante é de extrema vulnerabilidade no âmbito profissional, visto que este está propenso a violações dos Direitos Humanos, pois muitas vezes já chega de maneira degradante em uma nova nação.
Es aceptado que las migraciones actualmente están asociadas, principal y mayoritariamente, a la desigualdad, la inequidad en las relaciones económicas internacionales, la falta de oportunidades y las condiciones de menor calidad de vida, cuando no de pobreza, producto del subdesarrollo de los países de origen. Estos determinantes, en conjunción con las crisis económicas, han alimentado y realimentan el crecimiento de la migración, especialmente Sur-Norte, pero también Sur-Sur. (VICHICH, 2015, p. 109)
Na contemporaneidade, a busca por uma melhor condição socioeconômica acaba sendo um dos fatores que ocasionam a migração de pessoas, a globalização acabou por gerar maior facilidade entre o deslocamento dos cidadãos.
A migração de indivíduos oriundos de países considerados “desenvolvidos”, para “subdesenvolvidos” é um fato frequente, especialmente devido às crises econômicas que assolam algumas nações, além das oportunidades de trabalho presentes em países com economias em expansão.
Na busca de uma melhor condição socioeconômica, muitos emigrantes acabam deixando sua nação, mas se deparam com uma realidade extremamente distinta da nativa, na qual as oportunidades existem, mas o preconceito e descriminação acabam sendo limitadores no acesso a vagas de emprego.
Com a frequente xenofobia presente no mercado de trabalho, o imigrante enfrenta restrições ao acesso das vagas; sendo inconscientemente obrigado a exercer funções as quais são pouco valorizadas pela população nativa e que geralmente consistem em grande uso de força física.
A descriminação no mercado de trabalho ocorre principalmente acerca de indivíduos originários de países vistos como “subdesenvolvidos”, os quais migraram a nações com bons indicadores sociais. Com as escassas oportunidades de emprego, muitos imigrantes acabam possuindo dificuldades financeiras, impossibilitando seu acesso a seu país nativo.
Muitos indivíduos chegam à outra nação na clandestinidade, tal fator é extremamente limitador para o acesso de oportunidades de trabalho. Os empregadores aproveitam-se da ilegalidade do indivíduo para lhes aplicar atribuições extremamente desgastantes e mal remuneradas, tal fato ocasiona a situação do imigrante ser considerado um escravo em pleno século XXI.
Proporcionar condições dignas de trabalho ao imigrante é um grande desafio de nossa nação, visto que por se encontrarem em situação de vulnerabilidade socioeconômica, a qual muitas vezes é agravada devido à clandestinidade, muitos indivíduos sentem receio de procurar as autoridades quando sofrem violações.
Apesar do tráfico de migrantes e de pessoas ocasionarem degradações aos Direitos Humanos, é importante distingui-los, a fim de que seja oportuna a identificação no caso concreto, abrindo a possibilidade de melhor reparação aos danos ocasionados à integridade da pessoa humana.
É importante mencionar que comumente é feita distinção doutrinária entre tráfico de migrantes e tráfico de pessoas no que diz respeito ao consentimento da vítima. No caso do tráfico de migrantes, é entendido que a pessoa consente em ser traficada com o objetivo de cruzar uma fronteira ilegalmente. No tráfico de pessoas, se a vítima consentir, será por coação do aliciador ou por estar iludida com promessas que não se concretizarão ao chegar ao local de destino. Outro elemento central e caracterizador do tráfico de pessoas é a exploração. Finalmente, o tráfico de migrantes é sempre transnacional, ao passo que o tráfico de pessoas pode ocorrer dentro de um mesmo território. (ILLES; TIMOTEO; PEREIRA 2008, p. 210).
As diferenciações existem, mas no âmbito prático o cidadão acaba sofrendo ambas as violações, visto que cruza ilegalmente uma fronteira na busca de melhor condição socioeconômica, mas ao chegar ao destino percebe que foi ludibriado. É árdua a tarefa de nossa nação em proporcionar a integridade dos Direitos Humanos aos imigrantes, principalmente aos oriundos de países com menor situação socioeconômica.
A migração e a história nacional praticamente fundem-se, ocasionando o fato do Brasil ser um país multirracial e cultural, porém, na contemporaneidade o imigrante sofre tratamento diferenciado dos nativos de nossa nação; é necessário que ocorra o respeito entre as diferenças étnicas e culturais, a fim de este adeque-se ao mercado de trabalho e não sofra explorações por parte dos empregadores.
A situação de extrema vulnerabilidade que muitos indivíduos oriundos de diferentes nações acabam enfrentando em nosso território acaba sendo um propulsor para que empregadores que agem com má-fé, os quais se aproveitem da situação marginalizada do estrangeiro e cometem atrocidades no âmbito empregatício; expondo-os a salários irrisórios e jornadas extremamente desgastantes as quais não possuem a correta segurança no ambiente de trabalho.
O que agrava a situação do estrangeiro é o fato de que para chegar a uma nação distinta, este vem de maneira clandestina, gerando dívidas impagáveis com o empregador, fazendo com que o vínculo empregatício não se quebre por vontade espontânea entre as partes.
Infelizmente ainda é uma utopia o fato de a escravidão ter sido extinta; em plena era globalizada as explorações ao trabalhador continuam de maneira avassaladora em nossa sociedade, mas o lastimável quadro está mudando de maneira gradativa, através da fiscalização por parte de órgãos públicos e avanços do Judiciário para que seja assegurada a integridade do cidadão no âmbito trabalhista.
OS DIREITOS HUMANOS PARA O “NÃO CIDADÃO”
A concepção de cidadania não é recente. Ademais, na visão predominante na contemporaneidade, há a necessidade de que o indivíduo seja cidadão dentro de uma nação, a fim de que seus Direitos sejam assegurados.
A questão da relação entre a maioria e a(s) minoria(s) vem complicando a coexistência há muito tempo. Porém, quando emergiu a ideia da cidadania na Europa Ocidental no século XVIII, a questão das identidades coletivas heterogêneas ficou inicialmente fora do olhar dos pensadores e políticos. Por um lado, essa idealização do conceito de cidadão evoluiu em sociedades que eram (excepcionalmente, do ponto de vista comparativo) relativamente homogêneas, tanto racial quanto religiosa e etnicamente; por outro, e mais importante, a heterogeneidade não foi vivida como problema a agendar. (...) O conceito de “cidadão”, expandido para incluir a democracia, foi então utilizado como método para permitir e legitimar a coexistência de tantos homens diferentes. Só que isso, dentro do ideário da cidadania, podia ser feito unicamente por meio da negação de diferenças grupais: a aplicação de princípios genéricos solucionaria, acreditou-se, as desigualdades particulares (...) (DEMANT, 2008, p. 343- 344).
Em virtude de tantas guerras, o tumultuado século XX deixou milhares de apátridas, o século XXI possui indivíduos vítimas dessa situação em virtude dos conflitos civis que assolam algumas nações. Os Estados nunca estão prontos para o diferenciado, à estranheza acaba sendo mais acentuada quando o indivíduo vem na situação de apátrida.
Com efeito, os direitos humanos enquanto conquista histórica e política, ou seja, uma invenção humana, estavam vinculados à solução de problemas de convivência coletiva dentro de uma comunidade política. É por isso que, no âmbito desta, o próprio cerceamento dos direitos humanos por força de lei não significa perder os benefícios da legalidade. É o que ocorre, por exemplo, com o soldado em época de guerra, que vê o seu direito à vida posto em questão; com o condenado por um crime à prisão, que perde o seu direito de ir e vir; com o cidadão que num estado de sítio enfrenta restrições em matéria de liberdade de opinião, de pensamento ou associação. Estas e outras restrições sempre permitem aos desprivilegiados um recurso aos direitos humanos no seu todo, desde que juridicamente tutelados. (LAFER, 2009, p. 147).
Hannah Arendt foi refugiada e vivenciou a situação de apátrida. Por ter vivido na marginalidade social, a filósofa conseguiu expor com satisfatoriedade o quão dificultoso é esse status. A situação do apátrida é um grande problema contemporâneo, e expõe o quão ilusória é a condição do cosmopolita, surgindo o questionamento de como poderá haver um cidadão do mundo, se há indivíduos que nem pátria possuem.
Na concepção geral, pressupõe-se que é necessária cidadania para que os Direitos Humanos sejam respeitados, porém, é árdua a tarefa do Estado em garantir que um indivíduo apátrida possua sua subjetividade garantida, visto que esse não possui os recursos mínimos que o ente estatal fornece aos seus cidadãos.
O indivíduo considerado cidadão possui um vínculo com os outros entes do Estado, gerando um sentimento de coletividade e pertencimento a esse, mas o ser humano apátrida acaba tornando-se um mero periférico em uma nação, o qual está em uma situação de extrema marginalização e consequente vulnerabilidade.
Hannah Arendt fundamenta o seu ponto de vista sobre os direitos humanos como invenção que exige a cidadania através de uma distinção ontológica que diferencia a esfera do privado da esfera do público. Para ela, a condição básica da ação de do discurso em contrate com o labor e o trabalho, é o mundo comum da pluralidade humana. Esta tem uma característica ontológica dupla: a igualdade e a diferença. Se os homens não fossem iguais, não poderiam entender-se. Por outro lado, se não fossem diferentes não precisariam nem da palavra, nem da para se fazerem entender. Ruídos seriam suficientes para a comunicação de necessidades idênticas e imediatas. É com base nesta dupla característica da pluralidade humana que ela insere a diferença na espera do privado e a igualdade na esfera do público (LAFER, 2009, p. 151).
A diferença na esfera do privado refere-se à prevalência da lei da diferença e da diferenciação, na qual o Estado procura a homogeneidade de sua nação; objetivando-se evitar o estrangeiro, o “diferente” do imposto pelas classes e culturas dominantes. A diferenciação na esfera do público consiste no compartilhamento que o indivíduo faz em relação aos outros, exemplificado pelo Estado que iguala os indivíduos pela lei.
A cidadania continua muito presente na contemporaneidade, apesar das concepções de uma era globalizada; o nascimento de um indivíduo em determinada nação continua sendo um fator determinante para seu acesso a garantias e tratados internacionais.
A situação do indivíduo apátrida é constante e mal analisada pelos Estados, os quais não fornecem apoio necessário para que o ser humano que vivencia essa situação consiga regulamentar-se e viver com dignidade.
O indivíduo apátrida sofre imensas violações aos Direitos Humanos, especialmente por não possuir a cidadania dentro de outro Estado; este também sofre ampla exposição por tornar-se periférico dentro de uma nação a qual não fornece os corretos subsídios para que ele torne-se cidadão, ou que tenha os mesmos acessos a direitos e garantias de um nativo.
O apátrida, por não conseguir acessar os elementos básicos da cidadania, acaba sem garantias à sua subjetividade; não possuindo os recursos para estabelecer-se dentro de uma nação, acaba sendo marginalizado, obrigando-se a viver na clandestinidade.
Quando não há igualdade, o indivíduo acaba tornando-se propenso a sofrer inúmeras violações, tanto por parte do Estado – o qual não “recepciona” esse estrangeiro – quanto pelos próprios nativos – que muitas vezes reagem com agressividade ao culturalmente diferente. Nesse diapasão, “A teoria da cidadania não pode dar conta das oposições dentro da sociedade à integração de novos candidatos à cidadania, porque não entende o nacionalismo do mainstream. Daí a vulnerabilidade das sociedades (...) ao racismo, anti-semitismo, etc.” (DEMANT, p. 373).
Os Direitos Humanos necessitam ser aplicados aos apátridas, cabendo ao Estado à tarefa de fornecer subsídios para que efetivação da igualdade entre todos, a fim de que não ocorram explorações dos indivíduos que encontram-se na condição de não cidadãos.
O imigrante sofre severas sanções estando em uma nação distinta da nativa, quando se encontra na situação de refugiado, ou na clandestinidade, sua vulnerabilidade socioeconômica é elevada, proporcionando que as violações aos Direitos Humanos lhe ocorrem de maneira extremamente acentuada.
A migração de apátridas é uma das mais severas e discriminadas em todo o planeta, assegurar a sua integridade é uma tarefa árdua, visto que os estados possuem dificuldades em proporcionar a efetividade dos Direitos Humanos aos nativos, para um indivíduo não considerado cidadão (o qual está extremamente marginalizado) é dificultosa a tarefa em integrá-lo dentro do paradigma social.
A aceitação das diferenças não ocorre de maneira pacífica na contemporaneidade, mesmo o Brasil, um país heterogêneo na sua história, possui uma realidade cheia de preconceitos os quais aparecem camuflados, nossa nação ainda vive um paradigma colonial, desrespeitando as minorias ou indivíduos com baixo nível socioeconômico.
Valores comuns compartilhados entre maioria e minoria parecem ser um fator crítico para a qualidade da integração de minorias. Numa época anterior, judeus e cristãos conviveram razoavelmente bem com muçulmanos no Oriente Médio, no império abássida, na Espanha, e até em um período mais recente, no Império Otomano. Conseguiram isso sem nenhum conceito de cidadania e numa estrutura política explicitamente desigual e discriminatória aos não-muçulmanos; mas compartilharam certos valores e aspirações- por exemplo, um compromisso amplamente aceito pelos intelectuais com o monoteísmo e com uma sociedade organizada de maneira a facilitar a vida religiosa de todos. As experiências da Índia e da China tradicionais também exemplificaram a importância de valores civilizacionais amplamente disseminados para a integração social. É óbvio que para uma convivência frutífera, nestes valores se inclui, em primeiro lugar, a própria tolerância ou valorização da diferença. (DEMANT, 2008 p. 378)
A citação demostra que a convivência com as diferenças não precisa ser uma utopia; uma sociedade igualitária e receptiva às diferenças conseguirá efetivamente assegurar os Direitos Humanos a todos os cidadãos. Ademais, não basta à garantia Constitucional, é necessário alterar o paradigma arcaico que muitos indivíduos possuem; dando início a um processo de transição no qual o respeito entre o próximo e a subjetividade do indivíduo seja uma prioridade.
As ações públicas possuem caráter fundamental no combate às desigualdades, porém, a mudança é efetiva ocorre à consciência coletiva do quão grave é marginalizar um indivíduo. A marginalização deixa cidadão vulnerável e suscetível às violações aos Direitos Humanos; com a perda de sua subjetividade há consequências insuperáveis ou de difícil reparação, acentuando ainda mais as desigualdades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A imigração não é um fato contemporâneo, desde os primórdios o ser humano sentiu a necessidade de migrar; com o estabelecimento de fronteiras e a criação das concepções acerca da nacionalidade as relações ao estrangeiro possuíram novas formas, o Imperialismo intensificou o fluxo migratório e o racismo sempre esteve junto a fim de tentar “legitimar” essa predatória política estatal.
Grande parte dos países com elevados índices socioeconômicos tratam os imigrantes com rigorosas legislações, tais regulamentações visam dificultar a entrada e estabelecimento destes em território estrangeiro. O impacto das severas jurisdições ressalta pontos cruciais, como os casos de xenofobia e as não estancadas feridas nacionalistas, as quais eclodiram no cenário europeu durante as grandes guerras mundiais.
As grandes guerras mundiais trouxeram a tona a situação dos apátridas, indivíduos os quais perderam seus direitos mínimos de cidadania em território estrangeiro, os quais por terem sido obrigados a migrar por força maior, encontraram no destino uma total vulnerabilidade e marginalidade. O cenário pós-guerra ocasionou uma extrema xenofobia ao estrangeiro, tendo em vista as fragilidades estatais do período, no qual as nações não asseguravam condições mínimas nem mesmo aos nacionais.
O Estado-Nação contemporâneo ainda utiliza concepções não globalizadas para tratar de cidadão, conceituando que esses são apenas os nativos da comunidade nacional; tal percepção estabelece fronteiras invisíveis, mas fortes, as quais são legitimadoras de grandes preconceitos. Os Direitos Humanos devem ser aplicados a todos os indivíduos, independente de sua nacionalidade ou vínculo de cidadania, a fim de que ocorra a real proteção ao indivíduo na situação de apátrida.
Devido à extrema vulnerabilidade jurídica encontrada pelo imigrante, os tratados internacionais e convenções são fundamentais para assegurar a integridade física e moral destes, possibilitando a manutenção do status de cidadão no território estrangeiro, sem sofrerem violações. A Organização das Nações Unidas e ONGs visam garantir os direitos do imigrante, porém, a falta de um efetivo sistema mundial de Direitos Humanos, no qual ultrapasse as barreiras invisíveis, acaba limitando o poder de atuação destas, inviabilizando a eficaz reparação das atrocidades sofridas.
O cidadão cosmopolita continua sendo uma grande utopia, as fronteiras imigratórias variam muito de acordo com a nacionalidade e poder socioeconômico do estrangeiro. No âmbito prático os tratados internacionais possuem eficácia regulamentada por condições econômicas, fazendo com que o estrangeiro que realmente se encontra em situação periférica não consiga o status de cidadão em uma nação distinta da nativa; a desconstrução da marginalidade do imigrante é tarefa árdua, mas de extrema importância a fim de que sejam garantidos os direitos humanos a todos os indivíduos.
Proporcionar ao imigrante uma condição digna de trabalho é uma tarefa árdua que o Estado necessita trabalhar em conjunto com todos os indivíduos que estão interligados nessa relação, a fim de que não ocorram prejuízos a vulneráveis, visto que a igualdade é um dos preceitos de nossa nação.
Muitos avanços foram efetuados na busca de assegurar a proteção dos Direitos Humanos aos imigrantes, porém, com os avanços de nossa globalização e as mudanças repentinas nos fluxos migratórios, ainda é árdua a tarefa estatal em adequar-se as novas demandas.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição Federal. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 18 de julho de 2015.
ILLES, Paulo; TIMOTEO, Gabrielle Louise Soares; PEREIRA, E. S. Tráfico de pessoas para fins de exploração do trabalho na cidade de São Paulo. cadernos pagu, v. 31, p. 199-217, 2008.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
LUSSI, Carmen et al. Migrações e trabalho. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2015.
PINKSY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008.
TOURAINE, Alain. Um novo paradigma: Para compreender o mundo de hoje. Petrópolis, 2007.
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG, Bolsista de Cultura EPEM/FURG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GILBERTO PAGLIA JúNIOR, . Migração contemporânea e a proteção dos direitos humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45355/migracao-contemporanea-e-a-protecao-dos-direitos-humanos. Acesso em: 22 nov 2024.
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