Resumo: O presente estudo científico aborda o abismo entre o significado e o significante entre a lei e o texto de sentença sob a perspectiva da legitimidade e ética mediante pesquisa bibliográfica.
Há muitos atores críticos da força normativa dos princípios; aliás, da flexibilização normativa – transformando a interpretação hermenêutica do magistrado, em criação normativa; (interpretar-criar-aplicar) o direito. Comprometendo assim a distinção entre significado (lei) do significante (sentença). Consolidando assim, uma prerrogativa (no sentido de Poder) maior ao poder judiciário em não mais um mero aplicador, mas um criador de fonte normativa. João Maurício Adeodato, é dos críticos. No seu artigo: Adeus à separação de poderes[1].? Aborda, portanto essa presente assunto.
No artigo, o autor separa as seguintes fases: única decisão correta (boche de loi); teoria da moldura (apresentada na teoria pura de Kelsen), e; teorias realistas.
Única decisão correta foi no século XVIII, a École d’Exégèse afirmava que não cabia interpretação na legislação, bastava o juiz fazer o mero repasse ao caso. Logo, a finalidade era: os aplicadores do direito apenas reconheciam, jamais criavam conteúdo normativo. Pois, a lei por si só, já possuia clareza suficiente para não contradizer-se ou sequer promover ambiguidade.
Na teoria da moldura, Kelsen reconhece que a sentença é força normativa, é norma jurídica, reconhecendo sua legitimidade como autoridade competente para prover direitos. “[…]A Norma jurídica é aplicação, em vista das normas que lhe são superiores, e é criação, em relação às normas inferiores. A norma jurídica passa a ser considerada gênero do qual a lei é espécie. Outras espécies são a sentença, a jurisprudência[…]”. Hans Kelsen se preocupava mais com a procedimentalização da norma; aquela que conferia-lhe validade do que propriamente com a lei e a interpretação.
Na realista, era utilizado o critério indutivo. Pois a decisão não era proveniente da norma, e sim do julgador. A norma seria um mero fundamento para a decisão. Em outras palavras; o magistrado primeiro julgava e só depois encontrava sustentação legal para discorrer sua decisão. “[...]Toda norma jurídica é individual. A lei é apenas um texto, um dado de entrada para construção da norma diante do caso concreto. A decisão se baseia em argumentos normativos, sim, mas não nas normas alegadas[...]”.
Diante das teorias supramencionadas – considerando sua ordem cronológica: a tendência é comprometer a segurança jurídica, pois há uma quebra na ruptura da teoria da tripartição dos poderes – teoria elementar para o Estado democrático de Direito. Diante disso; o significado (lei) se distancia abruptamente do significado (norma), conferindo poder (hipertrofia de um dos três poderes) ao magistrado.
A progressiva diferenciação entre texto e norma, a crescente procedimentalização formal das decisões e o aumento de poder do judiciário tornam-se, assim, três fatores importantes e estreitamente conexos, dentro do ambiente jurídico contemporâneo, a tornar obsoleta a tradicional separação de poderes. Se não é só o juiz o responsável, pois nem só em lides se concretiza a constituição, como quer Peter Häberle, certamente o papel dos juízes e, sobretudo, dos tribunais superiores vai ter uma importância diretora e indutora muito maior do que a que tem diante da mera litigância eventual.
O famoso debate acerca da discricionariedade judicial acaba respingando na temática dos direitos fundamentas, pois o problema da criação do direito em caso concreto vem a tona, no momento em que o magistrado diz o que a lei significa cumulado com a vacância de critérios objetivos. A partir disso, cria-se o decisionismo: a decisão não guarda relação com os textos normativos, no que concerne aos problemas de validade e sentido desses mesmos textos, nem quanto ao problema de justificação de decisão, valendo apenas na medida em é efetiva e controla os conflitos.[2]
Adeodato se concentra na crítica da crescente utilização dos princípios, flexibilizando as decisões, inclusive, desuniformizando-as. O neoconstitucionalismo que preza pela fixação de critérios, e a valoração normativa atendendo uma “interpretação moral” da constituição[3]; inevitavelmente aumenta as intervenções do poder judiciário. Assim, a decisão e a moral são tidas como inseparadas. Concluindo, portanto, o juiz acaba se tornando o porta-voz da moral de uma sociedade. E para uma proposta inicial do neoprocessualismo em aproximar-se da realidade social efetivando os direitos fundamentais, parece distante, logo.
Além da crítica da interpretação e aplicação do Direito. Convém uma análise da neutralidade do poder judiciário frente a realidade social que clama pela efetivação dos direitos fundamentais. Contudo, apenas há solenidade na constituição no conteúdo abstrato da dignidade da pessoa humana da qual não deixa de ser apenas uma letra morta de lei se não estiver em prática.
Acatando o fato de possuirmos uma bela constituição repleta de constelações que contemplam valores pluridimensionais: como primeira e segunda dimensão dos direitos humanos. Questiona-se sobre a negligência do judiciário, apesar de possuir a tendência de ativismo; hipertrofiando seus poderes diante do executivo e legislativo. Não é o suficiente para a grande demanda suplicante por soluções e segurança jurídica. Posto isso, consideramos um lugar comum na não operacionalização do poder judiciário: legitimidade: “Problematizar a noção de legitimidade significa examinar as próprias bases sobre as quais se assentam o direito e a política, enfrentando questões como: […] qual a diferença entre a ordem dada por um juiz ou policial e de um ladrão ou inimigo de guerra?”
A legitimidade em possuir direitos é diferente de legitimidade efetiva. Em contextos históricos: Nem todo cidadão da Grécia antiga tinha a devida legitimidade política ativa e passiva; votar e ser votado. Ademais, legitimidade de ter direitos e gozá-los. Até no Direito do III reicht era assegurado direitos fundamentais, a lei – ou vontade do fuhrer limitava somente à raça ariana, ou seja, resumia a legitimidade a alguns. O conceito de legitimidade estava em sintonia com a dominação do poder.
Sobre a interseção entre direito natural e legitimidade, expõe-se então uma breve consideração do D´agostino:
Interroga-se sobre a legitimidade de uma ordem jurídica leva a evocar a noção do direito natural, isto é, de um critério distante do direito positivo e que projeta uma racionalidade superior sobre os ordenamentos laboriosamente construídos pela mão do homem e dos quais nenhum satisfaz plenamente a qualquer ideal de justiça que seja a aproximação entre a ideia de legitimidade e do direito natural é ainda mais adequada porque ao menos uma parte do legitimismo político fundava-se numa forma ou noutra de direito natural.[4]
A “crise de representatividade” ou “crise de poder”; passa pelo crivo da legitimidade. O termo “alienação política”, para Adeodato, é referente aos processos de decisão incompreensíveis para boa parte dos destinatários.[5] A funcionalização de decisões das elites dominantes e o consequente esvaziamento do conceito de legitimidade não são desejáveis nem na esfera pública da prática política nem no plano especificamente epistemológico[6].
Ao exemplo da legitimidade do juspositivismo puro de Kelsen, especificamente a teoria da moldura: a norma fundamental não prescreve conteúdo, apenas fornece viabilidade gnoseológica. Ou seja, não importa o conteúdo da norma, apenas a obediência, e tal neutralidade axiológica é uma brecha para o poder político designar a estruturação do sistema de dominação. A validade, no caso, confunde-se com funcionalidade. “Tudo que funciona é válido e o poder é tudo aquilo que faz com que as pessoas obedeçam[7].”.
Independente se a legitimidade se identificar com o legalismo da lei – daquilo que a lei taxar quem é legítimo ou o que é – ou do modelo normativo do norma superior. A obtenção de obediência é mais eficaz para sistematizar qualquer controle social, em outras palavras, tal primazia a obediência possui um caráter instrumental de poder.
Para Adeodato, grande parcela da população são excluídas dos procedimentos pelo próprio modo de ser do sistema judiciário:
Mas enquanto o procedimento de aplicação do direito – o judicial – encara as normas jurídicas como fatos efetivamente postos e já constituídos que precisam simplesmente ser descobertos ou interpretados, os procedimentos legislativos vêem as normas e as condutas decorrentes como finalidades a serem atingidas. Dito de outra forma, o procedimento judiciário tem ponto de partida e desenvolvimento muito mais dogmático ou, nas palavras de Luhmann de complexidade muito mais reduzida. Evidentemente, essa separação entre a criação e a aplicação do direito, fruto da percepção de que o poder, ao contrário do que afirmavam Rousseau e Hobbes, não seria um elemento concentrado como atributo de uma pessoa ou grupo, mas sim uma relação divisível, pressupõe determinado tipo de sociedade altamente complexa e capaz de diferenciar automaticamente ou subsistemas jurídicos em questão[8]
A força legitimadora das normas jurídicas decorre do controle de informações, que possibilita a “interação da provável submissão popular com a provável coação. (Interação que ao lado dos serviços, constitui a essência do Estado)[9]
A racionalidade da dominação mede-se pela manutenção de um sistema que pode permitir-se converter em fundamento de sua legitimação. Ao incremento das forças produtivas associadas ao progresso Técnico-Científico, embora, por outro lado, o estado das formas produtivas represente precisamente um potencial, pelo qual medidas de renúncias e as conformidades impostas aos indivíduos, estas surgem cada vez mais como desnecessárias e irracionais.[10]
Niklas Luhmann[11] cria a teoria da legitimação pelo procedimento. Isto é, a mera justificação (sem a devida compreensão ou aceitação) de uma decisão judicial, serve para legitimar a conformidade do indivíduo. Exemplo: Um indivíduo é sentenciado desfavoravelmente. Há a decisão, o ponto final. Assim, o indivíduo não pode mais cobrar da jurisdição estatal, mas nada o impede de continuar insatisfeito, ou de se sentir lesado.
Da temática sobre legitimação; adentramos, então, na temática da dominação. Encontramos na obra: O poder simbólico de Pierre Bourdieu acerca da dominação e principalmente a forma como se dá; através do poder simbólico.
Sem delongas, rumo ao conteúdo, os símbolos são: mito, língua, arte, ciência. São considerados como símbolos do poder, por serem instrumentos de conhecimento e de construção do mundo e da realidade. Então, é possível concluir que o sistema simbólico possui uma função social. Os símbolos contribuem para a reprodução da ordem social[12].
Para Bourdieu, a descoberta da fonte de poder, encontra-se onde menos é permitido ver. Para seguir suas fontes, é necessário contemplar os lugares ignorados, contudo reconhecidos onde lá se encontra a fonte simbólica do poder. O poder invisível é exercido em cumplicidade dos indivíduos indiferentes quanto ao seu exercício. Através dos sistemas simbólicos gera imposição e consequentemente legitimação da dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica, ou o que Weber chama de “domesticação dos domesticados”. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de subverter a ordem é a crença na legitimação das palavras e daquele que as pronuncia.[13]
A política é um lugar por excelência, da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais capazes de produzir coisas sociais e sobretudo, grupos. Pelo poder dos mais antigos efeitos metafísicos ligados ao simbolismo, a saber, aquele que permite que se tenha tudo que pode ser significado (Deus ou não-ser), a representação política produz e reproduz a cada instante uma forma derivada de argumento do rei calvo na França que é caro aos lógicos: todo enunciado predicativo que tenha como sujeito a classe operária – qualquer que seja dissimula um enunciado existencial (há uma classe operária). De modo mais geral todo enunciado que tem como sujeito coletivo, povo, classe, universidade, escola, estado, supõem resolvido o problema da existência do grupo em questão e encobrem essa espécie de – falsificação da escrita metafísica – que foi possível denunciar no argumento ontológico. O porta-voz é aquele que ao falar em um lugar de um grupo, põe sub-repticiamente, a existência do grupo em questão, institui este grupo pela operação de magia que é inerente a todo ato de nomeação. É por isso que é preciso proceder a uma crítica da razão política intrinsecamente dada abuso de linguagem, que são abusos de poder
Através do acesso à palavra, é permitido verificar quem tem acesso ao poder. Remetendo chamado “procedimento neutralizador”. Quando à revelia dos órgãos estatais, diante da inoperância de soluções de um determinado problema. Eis que enseja uma violência jurídica caracterizando um abandono de axiomas. Esboçando um exemplo: um indivíduo que possui a negativa da cobertura do seu plano de saúde; o que por si só já contraria as recomendações da agência reguladora. Ao procurar outros órgãos estatais como ANS (Agência nacional de saúde), descobre que só é atendido 20 fichas por dia, num horário de 9 horas até meio dia. Assim, o indivíduo resolve clamar no PROCON – em defesa ao consumidor, por acaso; as audiências estão numa fila imensa, implicando numa espera imensa isso não é para resolver o problema e sim, verificar o que há de errado pelos órgãos competentes. Então, o indivíduo resolve contratar um advogado particular; este cobra honorários adiantadamente, e já o explica que seu trabalho é obrigações de meios. Ou seja, fará de tudo no seu alcance legal para que seja resolvido, mas a celeridade processual não depende dele. Assim como o excesso de formalidade (mesmo no juizado especial) também não detém responsabilidade. Em outras palavras, para encontrar a solução do seu caso compromete renda do seu próprio sustento para contemplar o que já está na legislação.
Para Adeodato, não interessa ao Estado uma dogmática complexa e penetrante nas práticas sociais.
Daí é fácil entender por que não interessa ao Estado uma visão do jurista à de mero comentarista de decisões genéricas e a priori impostas de cima para baixo. A legislação, por exemplo, importante instrumento nas pretensões de onipresença do Estado, é indiscutivelmente útil no controle dos conflitos jurídicos; mas utilidade não é único critério científico, apesar de sua eficiência pragmática.[14]
Para uma sistemática tão silenciosa, discreta e eficaz na inoperação de soluções jurisdicionais. Reflete então a obra de Ovídio Baptista acerca do processo e da ideologia.[15]
Um conceito que auxilia os estudos de Baptista confere na construção do conceito de paradigma, de utilização ampla, não apenas no domínio do Direito. Na problemática da busca pelo paradigma, como menciona Thomas Kuhn: plasticidade excessiva, pois o conceito de paradigma se desdobra flexivelmente no tempo e no espaço. Portanto é preciso estar atento ao encaixe dogmático do conceito. E é exatamente o próprio paradigma que influencia a ciência. E o que a ciência diz (julga) o que deve ser útil de ser conhecido é vinculante. E aquilo que deve ser conhecido é aquilo deve ser dominado (afinal, na modernidade conhecer é dominar)
Paradigma – etimologia – para deigma (significa modelo), em Platão; são essências eternas modelos a partir do qual realidades sensíveis eram aceitas; origem, ponto de partida. É através desse ponto de partida que podemos descobrir a naturalização ideológica. Esta que “congela” a história, pela lógica da amnésia: não compreender a evolução histórica e acreditar que estamos num período em que fundamenta como o melhor contexto a ser vivido, portanto confortavelmente confirmosta. Sem qualquer intenção de modificação da realidade atual.[16]
Para MARX, Karl; a ideologia são reflexos intelectuais da infraestrutura subjacente à realidade, a realidade de dominação e servidão. A ideologia serve para reconciliar o escravo com a realidade de sua falta de liberdade. “Escravos satisfeitos”, “fim da história”; uma sociedade conformada com o próprio destino, por isso que acomodada pela educação universal que é absolutamente crucial no preparo das sociedades para o mundo econômico.[17]
O magistrado que indefere a liminar pedida pelo autor não imagina que esteja outorgando, diríamos, uma “liminar” idêntica ao demandado, apenas de sinal contrário, enquanto idêntico benefício processual, permitindo que ele continue a desfrutar do status quo a custo zero. Este é o suporte teórico que legitima, tanto a plenariedade da cognição, quando a busca da “vontade da lei”. Se o juiz aplicar a vontade da lei, imagina-se que a injustiça terá sido do legislador. [18]
Formas de ver a ideologia, segundo Zizek: 1 – Um corpo de ideias característico de um determinado grupo ou classe social. 2 – Ideias falsas que ajudam a legitimar um poder político dominante. 3 – comunicação sistematicamente distorcida. 4 – formas de pensamentos motivadas por interesses sociais. 5 – veículo pelo qual atores sociais compreendem seu mundo. 6 – processo pelo qual a visão social é convertida em uma realidade natural.[19]
É através da “Neutralidade axiológica” que o jurista utiliza o preenchimento da sua própria ideologia. Eis que há uma distância entre racionalismo e racionalidade. Para Weber[20] a racionalidade; uma dita instrumental ou de fins, distinta da racionalidade de valores; ou ainda como as denomina: racionalidade formal e racionalidade material, essa última orientada conforme terminados postulados valorativos.
Para Baptista, a tarefa do jurista atual é ultrapassar o sistema, rompendo as amarras que nos aprisionam como forma de prescrever a instituição jurisdicional, como valioso instrumento para construção de uma verdadeira democracia política. E para tanto, devemos superar a ideia do paradigma racionalista, este que serve como falácia ou desculpa para se conformar com a realidade atual. A intenção em fazer uma geometria social como uma matemática avalorativa, trouxe-nos uma codificação distante de suprir as demandas da realidade.
Não somos capazes de compreender o núcleo, porque estamos cegos pelo dogma positivista de que todo o direito encerra-se na lei, consequentemente supervalorizamos a importância da lei no processo de conhecimento jurídico… O que está como ideologia, por trás do monopólio da lei (absolutismo legal) não é outra coisa senão a ideia do Estado de Direito, de modo como ele foi conhecido no século XIX.[21]
É através desse paradigma (ponto de partida), que se esconde a ideologia. Para haver uma modificação científica, é necessário mudar o ponto de partida, por isso que o paradigma é um pré-requisito revolucionário. Toda revolução científica, tem como base a alteração do ponto de partida. A ideologia considerada a “falsa consciência”, prepondera silenciosamente nas codificações do sistema de neutralidade axiológica do qual o positivismo tanto contribuiu[22].
A supervalorização dogmática das condições da ação e pressupostos. Na verdade gera o conceitualismo, este que se desliga totalmente da realidade social. Comparar nossa codificação como grandezas matemáticas[23]; impossibilita-nos de ter compromissos culturais e afastamento da realidade. A neutralidade da ciência processual é um dogma a ser combatido, pois o excesso de técnica (tecnicismo) é, na verdade, um excesso de formalidade que não permite que o processo alcance o fim pelo qual ele foi criado.
O conceitualismo próprio das ciências matemáticas a que Leibniz procurava aproximar o direito, forma-se através de uma epistemologia que não tolera o individual porque o indivíduo, em toda a sua riqueza existencial, é a negação do geral, portanto, regra do conceito.
Um pouco sobre a ideologia[24], esta que estimula a não efetivação dos direitos fundamentais, através da negligência e omissão do Estado, em ir ao extremo na burocratização do formalismo[25] e do tecnicismo:
Os defensores da democracia liberal esperam que o Estado lhes dê segurança de modo que sua liberdade seja exercida na maior plenitude possível. Um estado que assegure “aos mais aptos”, não apenas convivência social pacífica, porém que lhes dê segurança para os negócios. A democracia implica precisamente em desconfiar dos especialistas competentes – de sua objetividade, do seu desinteresse, de sua virtude cívica. Os democratas viram no discurso liberal uma máscara para uma nova aristocracia, e ainda mais perniciosa, já que reinvidica uma base universalista que, de uma maneira ou de outra, sempre tendeu manter amplamente padrões existentes de hierarquia. Os liberais não apenas dão prioridade à liberdade, eles se opõem à igualdade, a única maneira de dar sentido ao conceito de igualdade na medida em que liberalismo é a defesa do governo racional, baseado no julgamento informado dos mais componentes, a igualdade se lhe apresenta como conceito nivelador, antiintelectual e inevitavelmente extremista.[26]
Nesse contexto, encontra-se a aristocracia, eles são os mais competentes para defender o conceito de meritocracia como legitimação definidora da “hierarquização social”, estas que é aceita e estimulada pelo liberalismo. As desigualdades sociais, segundo os neoliberais; só podem ser curadas pelo excesso de liberdade, comparando as necessidades humanas ao mercado.
Baptista no ano de 2004, período em que elaborou sua obra, já profetizava acerca de uma nova codificação e do possível modo ser, para aproximar a lei da realidade social.
Não vem ao caso, nem ao nosso propósito proceder a um levantamento dos possíveis instrumentos de técnica processual que poderiam contribuir para formação de um poder judiciários condizentes com as atuais circunstâncias históricas mas para que essas coisas aconteçam há uma exigência que se impõe se quisermos conferir ao poder judiciário a missão que lhe cabe como fiador de um regime democrático que ao contrário da nossa democracia representativa, realmente distribua poder: será a severa redução dos recursos com consequente abrandamento do sentido burocrático da administração da justiça restituindo a jurisdição de primeiro grau legitimidade política que lhe dê condições de exercer as elevadas atribuições que a ordem jurídica lhe confere. É claro que isto pressupõe, dentre outras condições, que comecemos praticar um autêntico regime federativo. A busca de descentralização administrativa, de modo a fortalecer a vida política das comunidades locais, tem sido uma sugestão dos juristas e filósofos que têm tratado destas questões.[27]
Referências:
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009.
__________. Adeus à separação dos três poderes: <http://pt.scribd.com/doc/89663806/Joao-Mauricio-Adeodato-Adeus-a-separacao-dos-poderes#scribd>. Acesso em 28/03/2015
BOURDIEU, Píerre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1989
BRANDÃO, Claudio. CAVALCANTI, Francisco. ADEODATO, João Maurício. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro: Forense. 2009
DEUTSCH, Karl. Funções e transformações do Estado: notas para uma teoria geral. Humanidade. v.1, n2. Brasília: UnB. 1983
HABERMAS, Jürguen. A técnica e a ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70. 1968.
LUHMANN, Niklas. A legitimação pelo procedimento. Brasília: Unb. 1980
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010.
OVÍDIO, A Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense. 2004
[1] Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/89663806/Joao-Mauricio-Adeodato-Adeus-a-separacao-dos-poderes#scribd>. Acesso em 28/03/2015
[2] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p, 285
[3] BRANDÃO, Claudio. CAVALCANTI, Francisco. ADEODATO, João Maurício. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro: Forense. 2009. p, 96
[4] Tradução livre, nossa. No original consta: “Se infanti, a livello strettamente metodologico, la scienza giuridica contemporanea esita ancora, a riconosceri giusnaturalista, giusnaturalista lo é comunque nei fatti, come dimostra il rillevo planetarui che ha assunto negli ultimi decenni la tematica del diritti umani, come tematica stretamente giuridica. I diritti umani, infantti, altro non sono che il modo in cui si ripresentano nel nostro tempo – e in una forma particularmente agguerrita – le instanze piú profonde del giunaturalismo” D´AGOSTINO, Francesco. Filosofia del diritto. 3 ed.Torino. Giappichelli, 2000, p, 70
[5] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p, 80 “Uma geração perplexa diante de mudanças rápidas e de assimilação difícil precisa compreender melhor o universo político no qual pode agora e contribuir – especialmente no caso brasileiro, em que só agora este espaço indispensável começa a mostrar.”
[6] Ibidem, 2009. p, 106
[7] Ibidem. 2009. p, 87
[8] Ibidem, 2009. p, 94
[9] DEUTSCH, Karl. Funções e transformações do Estado: notas para uma teoria geral. Humanidade. v.1, n2. Brasília: UnB. 1983. p, 106
[10] HABERMAS, Jürguen. A técnica e a ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70. 1968. p, 47
[11] LUHMANN, Niklas. A legitimação pelo procedimento. Brasília: Unb. 1980. p, 31
[12] BOURDIEU, Píerre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1989. p,10
[13] Ibidem, 1989. p, 14
[14] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p, 161
[15] OVÍDIO, A Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense. 2004
[16] Ibidem, 2004. p, 19
[17] Ibidem, 2004. p, 17
[18] Ibidem, 2004. p, 16
[19] ZIZEK, Slavoj. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto. 1996. p, 55
[20] Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v27n79/a10.pdf>. Acesso em 28/03/2015.
[21] OVÍDIO, A Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p, 271
[22] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010. p, 101: “Impõe-se não identificar, outrossim, o valor da segurança jurídica como a ”ideologia” da segurança, que tem por objetivo o imobilismo social. Não se trata, também de identificar o Estado com a ordem, e a lei com a justiça, subprodutos do positivismo, com o que se impediria o acolhimento de qualquer direito não estatal, bem como a absorção dos reclamos de justiça do povo, a menos que com o expresso beneplácito do legislador. Essa percepção da realidade social revela-se míope e não desejada”
[23] OVÍDIO, A Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p, 200
[24] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010. p, 91: “[…[ Democracia, que hoje não pode ser vista apenas como um conceito ideológico, mas como um verdadeiro valor a ser preservado. O princípio democrático só pode se expressar na ideia da sobraria popular que traz consigo uma resposta normativa ao problema da legitimação política no plano material e formal. No plano material porque condicionou a legitimação constitucional do poder à participação política dos cidadãos em relação aos seus direitos fundamentais e ao reconhecimento do pluralismo de iniciativas e alternativas sociais. No plano formal que aqui mais perto nos interessa, porque representa simultaneamente uma fórmula de racionalização do processo político […]
[25] Ibidem, 2010. p, 188. “O excesso de formalismo conduziria, por outro lado, à exaltação das prescrições formais como fim em si mesmo, de modo incompatível com as finalidades sociais do processo”
[26] Ibidem, 2004. p, 311
[27] Ibidem, 2004. p, 320
Advogado. Especialista em direito civil e empresarial pela UFPE e especialista em Filosofia e teoria do direito pela PUC-MINAS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELLOS, Steel Rodrigues. Legitimidade e ética: contribuições jusfilosóficas críticas ao conceitualismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45398/legitimidade-e-etica-contribuicoes-jusfilosoficas-criticas-ao-conceitualismo. Acesso em: 27 dez 2024.
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