I – Introdução.
Conforme muito se debateu, a Lei Federal n° 12.715, de 17 de setembro de 2012, criou novas regras métodos de preço de transferência aplicáveis para as empresas nacionais que negociam commodities com empresas vinculadas no exterior.
A mencionada Lei Federal, dentre outras providências, instituiu o Preço sob Cotação na Importação – PCI e o Preço de Cotação na Exportação – Pecex, como também determinou que esses métodos serão obrigatórios para bens cotados em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.
Destarte, diante das dúvidas ocasionadas com a criação dos novos institutos e, visando regulamentar a Lei Federal 12.715, a Receita Federal do Brasil – RFB editou a Instrução Normativa n° 1.312, estabelecendo quais bens e bolsas devem ser consideradas.
Entretanto, mesmo com a edição da mencionada IN 1.312, permaneceram diferentes dúvidas aos aplicadores do direito, o que gerou, em 13 de setembro de 2013, a edição de uma nova norma suplementar, desta vez a Instrução Normativa de n° 1.395.
A nova Instrução Normativa deixa claro quais variáveis devem ser consideradas para se chegar aos valores das commodities e, consequentemente, do Imposto de Renda – IR e da Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL a pagar, sendo, notadamente, as seguintes: prazo para pagamento, influências climáticas nas características do bem importado, custos de intermediação nas operações de compra e venda praticadas pelas empresas não vinculadas, frete e seguro.
Da mesma forma, determinou a IN 1.395 que a data da transação a ser considerada na comparação do preço praticado pela empresa nacional com o preço praticado pela vinculada deve ser aquela em que o preço foi negociado consoante expresso em contrato, ou do procedimento normal de mercado.
Contudo, em que pesem os grandes avanços trazidos pela Instrução Normativa n°1.395 que com certeza impactarão positivamente a tributação e a regulamentação nessas operações de exportações, a forma como a Instrução Normativa em testilha conceitua commodities ainda pode levar a interpretações incorretas que podem e devem ser questionadas pelos contribuintes, senão vejamos:
II – Preços de transferência.
Alberto Xavier, com a propriedade que lhe é peculiar, define “que a prática denominada de preços de transferência consiste na política de preços que vigora nas relações internas de empresas interdependentes e que, em virtude destas relações especiais, pode conduzir à fixação de preços artificiais, distintos dos preços de mercado” [1].
Luis Eduardo Schoueri em monografia sobre o tema assim se posiciona:
Por preço de transferência entende-se, na doutrina internacional, o valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível, a empresa a ela relacionada. Tratando-se de preços que não se negociaram em mercado livre e aberto, podem eles desviar-se daqueles que teriam sido acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas mesmas circunstâncias[2].
Em termos práticos e objetivos, temos a caracterização do instituto em questão, quando uma empresa, hipoteticamente, localizada no Brasil, exporta produtos à pessoa jurídica por ela controlada, domiciliada em país com tributação favorecida, por valor inferior àquele que seria estipulado numa operação entre partes não vinculadas. Assim, por exemplo, se o preço normal de exportação de determinado produto é US$ 1.900,00 por tonelada e a empresa situada no Brasil deseja transferir lucros indiretamente, por intermédio dos preços pactuados, define como valor de exportação US$ 1.000,00 transferindo, desta forma, o direito de auferir lucro de US$ 900,00 por tonelada de produto exportado à empresa domiciliada no paraíso fiscal, onde não há previsão de incidência tributária, ou se há, é feita de forma benéfica.
Resumidamente, até mesmo porque a análise do complexo instituto dos preços de transferência não é o escopo principal deste modesto trabalho, concordamos com as condições estabelecidas por Paulo Ayres Barreto, em sua obra Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência, para que estejamos diante uma transferência indireta de lucros. Confira-se:
Para que se de uma transferência (indireta de lucros) por intermédio dos preços pactuados, é forçoso estarmos diante de:
a) pessoas vinculadas;
b) domiciliadas em diferentes países;
c) preço distinto daquele que seria estabelecido numa operação entre partes não vinculadas; e
d) vantagem fiscal para as partes contratantes.
II. a) Preços de transferência no Brasil, no que se refere às exportações.
Nos idos da década de 90, assistimos a abertura do mercado brasileiro aos consumidores e mercados internacionais e também, consequentemente, à competição internacional, o que ocasionou, inclusive, uma reforma tributária com enfoque universal. Neste desiderato e, com o novo posicionamento do Brasil no cenário comercial mundial, em 27 de dezembro de 1996, foi publicada a Lei n° 9.430, abordando a questão dos preços de transferência.
Em um primeiro momento, a previsão normativa atinente aos preços de transferência nas operações de exportação determinava apenas que as receitas de exportações, decorrentes de operações entre partes vinculadas, ficariam sujeitas a arbitramento apenas nas hipóteses em que o valor de exportação fosse inferior a noventa por cento do preço médio de venda dos referidos bens, serviços ou direitos no mercado brasileiro, durante o período de apuração da base de cálculo do imposto de renda.
Do mesmo modo, afirma o artigo 19, §1º, da Lei 9.430/1996 que, se a pessoa jurídica não procedeu a operações de venda no mercado interno, a determinação dos preços médios dar-se-á com base em dado de outras empresas brasileiras, que vendam bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares.
Ocorre que, com a entrada em vigor da Lei n° 12.715/2012, modificações com grande amplitude foram introduzidas ao regramento do controle de preços de transferência, dentre as quais, conforme já afirmado acima, destacam-se a inclusão do método Preço sob a Cotação na Importação – PCI e, no que concernem as exportações, o Método do Preço sob Cotação na Exportação – Pecex.
Com a criação do Método do Preço sob Cotação na Exportação – Pecex asseverou-se que os preços dos bens exportados e declarados por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no Brasil que negociam commodities com empresas vinculadas no exterior serão comparados com os preços de cotação dos bens, constantes em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas [3].
Assim, como se vê, com a aplicação das regras supracitadas, o Fisco mais uma vez tenta evitar o envio de lucro para fora do país, criando novos institutos de controle de preços de transferência até então inexistentes em nosso ordenamento jurídico.
III. O conceito de commodities segundo a Lei n° 9.430/1996 e a discrepância com o conceito trazido pela Instrução Normativa 1.395.
Como mencionado anteriormente, a Lei n° 9.430, com as alterações promovidas pela entrada em vigor da Lei 12.715, estabelece que os novos métodos – por exemplo, PCI e Pecex – são obrigatórios para bens cotados em bolsa, e que o Método do Preço sob Cotação na Exportação – Pecex é definido como os valores médios diários da cotação de bens ou direitos sujeitos a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.
Desta forma, conforme se verifica, a legislação federal é cristalina ao limitar o conceito de commodities somente aos bens e direitos passíveis de cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.
Entrementes, em que pese à certeza trazida pelo legislador pátrio, a Receita Federal do Brasil – RFB visando regulamentar as novas determinações, através, inicialmente, da Instrução Normativa 1.312 e, posteriormente, através da Instrução Normativa 1.395 [4], determinou que se consideram commodities os produtos e bens que, ao mesmo tempo, estejam constantes em lista anexa as normas regulamentadoras e tenham o preço cotado em bolsa, elencando em listagem complementar diversos bens e produtos que não possuem cotação em bolsa, excedendo, portanto, o que determina a Lei Federal n° 9.430.
Ora, não é difícil verificar que a determinação imposta na Instrução Normativa, no sentido de se considerar como commodities produtos não constante em bolsas de mercadorias e futuros, é juridicamente inaplicável por violar o princípio basilar da estrita legalidade e, como corolário, o da tipicidade tributária [5].
Se a lei, garantia máxima e fundamental aos cidadãos, determina que somente os bens e produtos cotados em bolsas serão considerados commodities, não pode um mero ato administrativo interno de um órgão da administração tributária ir além do seu campo de abrangência, tal como ocorreu com a Instrução Normativa 1.395 e, a priori, com a IN 1.312.
As Instruções Normativas são instrumentos normativos secundários e inteiramente subordinados à lei, não lhes sendo defeso à inovação no ordenamento jurídico.
Igualmente, a mudança de entendimento trazida pela Autoridade Administrativa, com as diversas mutações de seu entendimento, surpreendendo a todos os envolvidos em operações de exportação, gera um clima de incerteza e vulnerabilidade em todo um setor da economia brasileira, o qual desempenha importantíssimo papel no já fragilizado resultado do Produto Interno Bruto – PIB brasileiro.
Em um Estado que visa o desenvolvimento econômico e o social é necessário que suas normas, notadamente as de cunho tributário tenham uma posição precisa, possibilitando aos contribuintes se programarem e optarem pelo melhor comportamento a ser adotado. Não pode o contribuinte se sentir em uma zona cinzenta e ser surpreendido com cobranças inesperadas, como ocorre em nosso país.
Logo, conclui-se que ao editar a Instrução Normativa n° 1.395 incluindo como commodities para o fim de aplicação do método Pecex uma série de bens sem cotação em bolsa, a administração tributária extrapola o conceito de commodities posto pela legislação nacional e eiva de ilegalidade suas determinações, motivo pelo qual o direito dos contribuintes em não submeterem-se a novel metodologia Pecex em caso de comercialização de produtos e bens não cotados em bolsas de mercados e futuros deve ser buscado perante o Poder Judiciário.
IV. Conclusão
Diante do exposto, firma-se a certeza de que commodities são, exclusivamente, bens e produtos cotados em bolsas de mercados e futuros internacionalmente reconhecidos, consoante dispõe a Lei 9.430, de 1996, e que não merece prosperar a pretensão da Autoridade Administrativa em considerar como commodities para o fim de aplicação do método Pecex, bens e produtos sem cotações em bolsa.
Outrossim, por derradeiro, conclui-se ser tal conduta prevista na Instrução Normativa n° 1.395 inconstitucional e ilegal por violação aos seguintes dispositivos:
i) ser inconstitucional, por contrariar frontalmente o princípio da estrita legalidade tributária contido no inciso I, do artigo 150, da Constituição Federal e, consequentemente, o primado da tipicidade tributária, como também, como não poderia de ser o basilar sobre princípio da segurança jurídica, tendo em vista a impossibilidade de um mero ato administrativo interno de um órgão da administração tributária ir além do seu campo de abrangência.
ii) ser ilegal, haja vista exceder a Lei Federal n° 9.430/1996, que limita o conceito de commodities aos bens e direitos passíveis de cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.
[1] In Direito Tributário Internacional do Brasil, p. 301.
[2] In Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, p. 12.
[3] Art. 19-A. O Método do Preço sob Cotação na Exportação - PECEX é definido como os valores médios diários da cotação de bens ou direitos sujeitos a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.
§ 1o Os preços dos bens exportados e declarados por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no País serão comparados com os preços de cotação dos bens, constantes em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, ajustados para mais ou para menos do prêmio médio de mercado, na data da transação, nos casos de exportação para:
I - pessoas físicas ou jurídicas vinculadas;
II - residentes ou domiciliadas em países ou dependências com tributação favorecida; ou
III - pessoas físicas ou jurídicas beneficiadas por regimes fiscais privilegiados.
[4] § 3º Consideram-se commodities para fins de aplicação do Pecex, os produtos:
I - listados no Anexo I e que, cumulativamente, estejam sujeitos a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros listadas no Anexo II, ou que estejam sujeitos a preços públicos nas instituições de pesquisas setoriais, internacionalmente reconhecidas, listadas no Anexo III, todos Anexos a esta Instrução Normativa; e
II - negociados nas bolsas de mercadorias e futuros listadas no Anexo II a esta Instrução Normativa.
[5] Alberto Xavier assim define o princípio da tipicidade tributária: “a tipicidade do Direito Tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para valoração dos fatos e produção dos efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ele estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal”.
Bacharel em Ciências Sociais pela USP (2008). Bacharelando em Direito pelo Mackenzie (formatura em 12/2015)<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Leandro Romeo Peccequillo. Uma breve análise da Instrução Normativa RFB n° 1.395, de 19 de setembro de 2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45411/uma-breve-analise-da-instrucao-normativa-rfb-n-1-395-de-19-de-setembro-de-2013. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.