RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir uma questão que não é abordada com maior atenção pela doutrina. Trata-se de analisar a legitimidade passiva no mandado de segurança impetrado contra ato administrativo praticado com a finalidade de inscrever crédito tributário em Dívida Ativa da União (DAU), quando a pretensa ilegalidade está relacionada com ato administrativo anterior à própria inscrição do crédito em DAU. A problemática surge porque, como regra, o impetrante ajuíza o mandado de segurança contra o Procurador da Fazenda Nacional, o que é bastante lógico, tendo em vista que o crédito tributário questionado se encontra inscrito em DAU. Todavia, muitas vezes, a partir da análise dos elementos de fato delineados na inicial pelo impetrante, resta evidenciado que a ilegalidade apontada é anterior à inscrição do crédito em DAU, razão pela qual, no nosso entendimento, o legitimado para figurar no polo passivo do mandado de segurança seria do Delegado da Receita Federal do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Mandado de Segurança. Legitimidade Passiva. Inscrição de Crédito Tributário em Dívida Ativa da União (DAU). Ato Ilegal Anterior. Procurador da Fazenda Nacional. Delegado da Receita Federal do Brasil.
1. INTRODUÇÃO
A indicação da autoridade coatora para figurar no polo passivo do mandado de segurança, por vezes, não é uma tarefa simples, em virtude da complexidade da estrutura dos órgãos públicos, o que acarreta esta dificuldade em identificar qual a autoridade, efetivamente, pratica o ato acoimado de ilegal.
A controvérsia estabelecida neste artigo não decorre exatamente da premissa firmada no parágrafo anterior, mas em razão de situações legais que ao fim ao cabo levam o impetrante a indicar como autoridade coatora pessoa que, no mundo fático, não praticou o ato dito ilegal, logo, não teria a competência legal para corrigi-lo.
Esta hipótese ocorre justamente quando se discute aspectos legais de crédito tributário já inscrito em DAU, mas, em verdade, a ilegalidade apontada na inicial do mandado de segurança está relacionada a ato administrativo praticado em momento anterior.
Como se trata de crédito inscrito em DAU, a decorrência lógica é indicar como autoridade coatora a figurar no polo passivo do mandamus o Procurador da Fazenda Nacional, ante à previsão legal de cabe a este o procedimento administrativo tendente à concretização da inscrição do crédito tributário de DAU.
De fato, em tese, esta é uma situação legal que não pode ser relegada, a partir de uma análise estritamente legal. Todavia, ao se verificar as circunstâncias fáticas, e estas indicarem que o ato ilegal é anterior à inscrição do crédito em DAU, a pessoa que deve figurar no polo passivo do mandamus é o Delegado da Receita Federal do Brasil, uma vez que é quem tem atribuição legal para corrigir o ato questionado.
A inscrição do crédito em DAU é, por assim dizer, apenas uma consequência legal do ato, em tese, ilegal, praticado anteriormente.
2. DESENVOLVIMENTO
Em matéria tributária, a utilização do mandado de segurança é bastante comum por parte dos contribuintes, especialmente na forma preventiva, como meio de evitar a autuação fiscal e, por conseguinte, a constituição do crédito tributário.
O manejo do mandado de segurança em razão de crédito tributário já constituído definitivamente e, principalmente, inscrito em DAU, não é tão comum, tendo em vista que a defesa do contribuinte nesta circunstância é comumente realizada no âmbito dos embargos à execução fiscal, como regra, sendo o uso de outras espécies de ações mais esporádicas, quando do exercício do direito de defesa do contribuinte.
E, quando o contribuinte se utiliza do mandado de segurança para questionar a legalidade de determinado crédito tributário, automaticamente, surge a discussão acerca de quem é a autoridade coatora que possui legitimidade para compor o polo passivo do mandado de segurança.
Evidentemente, há outros pontos que surgem nesta situação, como, por exemplo, a adequação da via eleita pelo contribuinte para questionar eventual ilegalidade, na medida em que não há possibilidade de se produzir provas no âmbito do mandado de segurança, dado que estas devem ser pré-constituídas.
Como referido anteriormente, o objeto de discussão neste artigo limita-se a analisar a legitimidade passiva no mandado de segurança impetrado no intuito de questionar aspectos legais relacionados a crédito tributário inscrito em DAU.
Pois bem, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n.º 6.830/1980, “A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”.
O órgão competente que interessa ao presente texto é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e, em razão disso, ressai lógico, a partir da leitura do artigo mencionado, que o mandado de segurança impetrado para questionar crédito tributário inscrito em DAU deve ter como legitimado passivo o Procurador da Fazenda Nacional. Aliás, este o entendimento da jurisprudência[1].
Isso nos parece absolutamente indiscutível quando a ilegalidade apontada decorre de algum vício relacionado ao exercício da atribuição legal de inscrição do crédito tributário em DAU.
Contudo, em algumas situações fáticas, a ilegalidade apontada pelo impetrante não diz respeito a eventuais vícios formais ínsitos ao ato administrativo praticado pelo Procurador da Fazenda Nacional de inscrição do crédito tributário em DAU, mas relativos ao próprio lançamento do crédito.
E é este o ponto que merece uma análise mais aprofundada, porque na primeira situação – eventual vício na atividade de inscrição – não há dúvida de quem deve figurar no polo passivo do mandado de segurança.
Entretanto, quando a ilegalidade apontada tem origem em ato administrativo anterior à inscrição do crédito tributário, a questão da legitimidade passiva do mandado de segurança merece melhor estudo, porque há uma regra processual afeta à sistemática do mandamus que deve ser observada: a autoridade coatora indicada deve ser aquela que possui competência legal para corrigir o ato acoimado de ilegal, de modo a cumprir os termos da ordem emanada do mandado de segurança.
A fim de exemplificar as razões jurídicas pelas quais defendemos não ter o Procurador da Fazenda Nacional legitimidade para integrar o polo passivo em mandado de segurança objetivando atacar a legalidade de ato administrativo anterior à inscrição do crédito tributário em DAU, passamos a expor a seguinte situação fática.
Com efeito, determinado contribuinte obtém um provimento judicial que lhe assegura o direito de efetuar, perante a autoridade tributária competente, compensação de tributos recolhidos indevidamente (as razões jurídicas e legais não importam para o objeto do artigo).
Pois bem, levado a efeito o procedimento de compensação, a autoridade tributária a homologa de forma parcial, entendendo que a decisão judicial não possuía o alcance pretendido pelo contribuinte e, por conseguinte, há o lançamento do saldo em razão desta homologação parcial.
Ato contínuo, o débito remanescente é inscrito em DAU.
De outro lado, o contribuinte, discordando da não homologação do pedido de compensação (aqui desimporta se ele poderia ter apresentado qualquer espécie de inconformidade no âmbito administrativo), impetrada mandado de segurança contra o Procurador da Fazenda Nacional, ao fundamento de que o ato administrativo que não homologou o pedido de compensação não observou determinada decisão judicial, transitada em julgado.
Ora, o crédito tributário encontra-se inscrito em DAU, mas resta claro que o ato acoimado de ilegal não foi praticado pelo Procurador da Fazenda Nacional, mas pela autoridade tributária competente pela análise do pedido de compensação.
Dessa forma, o ato, de fato, tido por ilegal pelo impetrante é o ato administrativo que não homologou o pedido de compensação que resultou no crédito tributário inscrito em DAU.
Porém, como se trata de crédito tributário inscrito em DAU, a lógica legal implicaria em dizer que o mandado de segurança deveria ser impetrado o Procurador da Fazenda Nacional, à vista de sua atribuição legal para inscrever o crédito, inscrição esta que é ato administrativo, o qual se constitui no ato de controle de legalidade.
E aqui reside um dos fundamentos usualmente alegados para sustentar a legitimidade do Procurador da Fazenda Nacional, qual seja, ser ele quem possui atribuição legal para exercer este controle de legalidade.
Assim, em uma conclusão singela, como ele deveria proceder ao controle de legalidade, havendo vício anterior, por consequência, automaticamente ele seria a autoridade coatora, uma vez que, com a ausência do controle, teria, por assim dizer, chancelado a ilegalidade.
Ocorre, no entanto, ser necessário determinar qual é a extensão deste controle de legalidade, de modo a verificar se a indigitada ilegalidade apontada pelo impetrante seria possível de ser revista pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
Como se sabe, o controle de legalidade previsto no art. 2º, § 3º, da Lei n.º 6.830/1980, diz respeito aos aspectos legais e formais do lançamento, como, por exemplo, se houve notificação ou intimação regular do devedor, se estão indicados os fundamentos legais do lançamento e etc., mas de forma alguma implica em revisão do mérito da cobrança, nem, tampouco, rever as decisões finais dos órgãos ou autoridades competentes.
O controle de legalidade não se confunde com lançamento, mas em ato administrativo relacionado a apuração da certeza e liquidez de débito já constituído.
Em outras palavras, no exemplo citado, o Procurador da Fazenda Nacional não poderia rever o ato administrativo que não homologou o lançamento, porque o controle de legalidade não dá ensejo, como afirmado, a revisão do mérito da cobrança.
E, em não havendo fundamento jurídico para apontar o Procurador da Fazenda Nacional como autoridade coatora, porque não praticou o ato tido por ilegal, parece evidente que ele não deve compor o polo passivo do mandado de segurança no exemplo em comento, pois, o ato ilegal somente pode ser desfeito pela autoridade que o praticou.
Em suma, na hipótese trazida a este breve estudo, quem possui legitimidade passiva para ser indicada como autoridade coatora no mandado de segurança é o Delegado da Receita Federal, ainda que se trate de crédito tributário inscrito em DAU.
3. CONCLUSÃO
A indicação da autoridade coatora para figurar no polo passivo do mandado de segurança, por vezes, não é uma tarefa simples, tendo em vista a complexidade da estrutura dos órgãos públicos, o que acarreta esta dificuldade em identificar qual a autoridade, efetivamente, pratica o ato acoimado de ilegal.
O manejo do mandado de segurança em razão de crédito tributário já constituído definitivamente e, principalmente, inscrito em DAU, não é tão comum, tendo em vista que a defesa do contribuinte nesta circunstância é comumente realizada no âmbito dos embargos à execução fiscal, como regra, sendo o uso de outras espécies de ações mais esporádicas, quando do exercício do direito de defesa do contribuinte.
Contudo, quando esta situação ocorre, é necessário analisar se a ilegalidade apontada pelo impetrante diz respeito a eventuais vícios formais ínsitos ao ato administrativo praticado pelo Procurador da Fazenda Nacional de inscrição do crédito tributário em DAU, ou, ao inverso, é relativo ao próprio lançamento do crédito, ou seja, quanto ao mérito da cobrança.
Isso é relevante porque há uma regra processual afeta à sistemática do mandamus que deve ser observada: a autoridade coatora indicada deve ser aquela que possui competência legal para corrigir o ato acoimado de ilegal, de modo a cumprir os termos da ordem emanada do mandado de segurança.
Assim, em sendo ato dito ilegal anterior à inscrição do crédito tributário em DAU, aliado ao fato de que este vício não estaria abrangido pelo controle de legalidade previsto no art. 2º, § 3º, da Lei n.º 6.830/1980, a legitimidade para figurar no polo passivo do mandado de segurança é do Delegado da Receita Federal, ainda que se trate de crédito tributário inscrito em DAU.
[1] EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPI - IMPORTAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. LIMINAR. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. DESPROVIMENTO. 1. Cabe à Procuradoria da Fazenda Nacional a apuração e inscrição da Dívida Ativa da União, consoante art. 2º, § 4º, da Lei nº 6.830/80. Assim, o Procurador-Chefe da FN será parte legitimada para figurar no polo passivo do mandado de segurança que objetive afastar a exigibilidade dos créditos tributários já inscritos em Dívida Ativa 2. Não se verifica possibilidade de ineficácia da medida, se concedida quando da prolação da sentença, sobretudo em razão de ser a medida postulada estritamente econômica, inexistindo elementos que apontem para a possibilidade de quebra da empresa ou inviabilização da atividade econômica pelo recolhimento das quantias no curso do processo. 3. Agravo legal desprovido. (TRF4, AG 5015293-48.2015.404.0000, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Cláudia Maria Dadico, juntado aos autos em 10/07/2015)
Procurador da Fazenda Nacional; Especialista em Adminsitração Pública pela FGV; Especialista em Direito Constitucional pela Uniderp (LFG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Ederson Couto da. Mandado de Segurança contra Procurador da Fazenda Nacional em razão de débito inscrito em dívida ativa da União - ato acoimado de ilegal anterior - reflexos na legitimidade passiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45435/mandado-de-seguranca-contra-procurador-da-fazenda-nacional-em-razao-de-debito-inscrito-em-divida-ativa-da-uniao-ato-acoimado-de-ilegal-anterior-reflexos-na-legitimidade-passiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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