Resumo: Em 2014, depois de muitos anos de debates e controvérsias, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 977058 RS, em conformidade com a jurisprudência do STF, assentou o entendimento de que a contribuição ao Incra, que se destina aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares, possui natureza jurídica de CIDE e continua em vigor até os dias atuais, pois não foi revogada pela Lei 7.787/89, tampouco pelas Leis ns. 8.212/91 e 8.213/91. O presente artigo foi elaborado com o intuito de esclarecer os fundamentos dessa decisão, que deu origem à publicação do enunciado sumular n. 516 do STJ: “A contribuição de intervenção no domínio econômico para o Incra (Decreto-Lei n. 1.110/1970), devida por empregadores rurais e urbanos, não foi extinta pelas Leis ns. 7.787/1989, 8.212/1991 e 8.213/1991, não podendo ser compensada com a contribuição ao INSS”.
Palavras-chaves: INCRA, Contribuição ao Incra, Referibilidade direta.
Sumário: 1. A contribuição destinada ao INCRA. 2. A não revogação da contribuição destinada ao INCRA pelas leis ns. Lei n.7.787⁄89, 8.212/91 e 8.213/91. 3. A impossibilidade de compensação da contribuição ao INCRA com a contribuição ao INSS. 4. A natureza jurídica da contribuição ao INCRA. 5. A constitucionalidade da contribuição ao INCRA. 6. A referibilidade direta é elemento constitutivo das CIDE's?. Conclusão. Notas.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), criado pelo DL nº 1.110/1970, é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Agricultura. De acordo com a lei que o criou, sua missão é executar a política de reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável.
Visando atender essas finalidades, era necessário encontrar uma fonte de custeio, que veio a ser suprida com a instituição da contribuição para o INCRA pela Lei n. 2.163/55. Para a definição do custeio dessa contribuição, o DL n. 1.146/70 estabeleceu que seria destinada metade da contribuição criada pelo parágrafo 4º., art.6º, da Lei n. 2.613/55, ou seja, 0,2%.
Dessa forma, a contribuição para o INCRA corresponde a 0,2% sobre a folha salarial. Esta contribuição deve ser paga pelas empresas de todos os segmentos da economia – abrangendo, portanto, empresas rurais e urbanas.
Ocorre que, no ano de 1989 foi publicada a Lei n.7.787⁄89, que dispôs sobre alterações na legislação de custeio da Previdência Social. Essa lei, ao instituir/unificar a contribuição previdenciária das empresas (art. 3, inc. I - alíquota de 20%), suprimiu a contribuição ao PRORURAL (administrada pelo FUNRURAL).
Tendo em vista que a contribuição ao PRORURAL era prevista no mesmo dispositivo que a contribuição ao INCRA (art. 15, da LC 11/71), levantaram-se vozes sustentando que a Lei n.7.787/89 teria revogado a contribuição destinada ao INCRA. Com base nesse argumento, começaram a surgir muitas ações judiciais buscando a declaração de inexigibilidade de contribuição social destinada ao INCRA, de par com a compensação das parcelas recolhidas indevidamente com as parcelas vincendas a serem arrecadadas pelo INSS.
Neste cenário, o STJ foi instado a se manifestar a respeito de duas questões:
1. a contribuição de 0,2% devida ao INCRA teria sido extinta pela Lei n. 7.787/89?
2. Seria possível a compensação de parcelas recolhidas indevidamente a título de contribuição ao INCRA com parcelas vincendas a serem arrecadadas pelo INSS?
Em 2014, depois de muitos anos de debates e controvérsias, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 977058 RS, em conformidade com a jurisprudência do STF, assentou o seguinte entendimento: a contribuição ao Incra, que se destina aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares, foi recepcionada pela CF/88 e continua em vigor até os dias atuais, pois não foi revogada pela Lei 7.787/89, tampouco pelas Leis ns. 8.212/91 e 8.213/91. Este entendimento culmonou na publicação da Súmula 516 do STJ, em fevereiro de 2015.
Conforme explicou o ilustre Des. Federal Antônio Ezequiel da Silva:[1]
“(...) a Lei n. 7.787/89, ao instituir/unificar a contribuição previdenciária das empresas (art. 3, I - alíquota de 20%), suprimiu somente a contribuição ao PRORURAL (administrada pelo FUNRURAL), não tratando, todavia, da contribuição ao INCRA.
As Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 não atinam com a contribuição ao INCRA. A superveniência da segunda, aliás, induziu apenas a extinção da contribuição ao FUNRURAL sobre a comercialização de produtos rurais. (...) Alguns Tribunais, embora entendendo que a contribuição é devida por empresas urbanas, concluem, de maneira equivocada (e o emaranhado legislativo a tal pode mesmo induzir), que a Lei nº 7.787/89 suprimiu também a contribuição ao INCRA (0,2%), tal decorrendo fundamentalmente (falsa premissa) de se vislumbrar perfil previdenciário (que não há) na contribuição ao INCRA, daí concluindo pela sua exigência "em face princípio da solidarização da seguridade social", traçando-se, ademais, indevida simbiose com o FUNRURAL (contribuição que - caminhando ao lado da INCRA - jamais com ela se identificou).”
Em suma: o STJ fixou o entendimento de que a contribuição para o INCRA não se confunde com a contribuição para o FUNRURAL, pois não se trata de contribuição da seguridade social.[2] Sendo assim, a contribuição para o INCRA não foi revogada pela Lei n. 7.787/89, tampouco pelas Leis n. 8.212/91 e 8.213/91. Segundo o STJ, a contribuição ao INCRA possui natureza jurídica de contribuição especial de intervenção no domínio econômico (CIDE), com fulcro no art. 149 da CF/88.[3]
Tendo em vista que a contribuição ao INCRA consiste numa contribuição de intervenção de domínio econômico (CIDE), então é evidente que valores recolhidos indevidamente a título de contribuição ao INCRA não podem ser compensados com outras contribuições arrecadadas pelo INSS que se destinam ao custeio da Seguridade Social. Vale frisar: trata-se de tributos distintos e, portanto, não compensáveis entre si.
Vale lembrar que o encontro de contas só pode ser efetuado com prestações vincendas da mesma espécie, ou seja, destinadas ao mesmo orçamento. Não se aplica, portanto, o § 1º do art. 66 da Lei n. 8.383/91 - que permite a compensação entre tributos e contribuições distintas, desde que sejam da mesma espécie e apresentem a mesma destinação orçamentária.[4]
À luz do que foi até agora exposto, observe que, por ocasião do julgamento do REsp 977058 RS, o STJ se posicionou a respeito de dois pontos fundamentais: a natureza jurídica e a constitucionalidade dessa contribuição de 0,2% destinada ao INCRA. Passemos agora à análise cuidadosa de cada um desses pontos.
De acordo com a jurisprudência do STJ, a Política Agrária encarta-se na Ordem Econômica (art. 184 da CF/88), por isso que a exação que lhe custeia (contribuição para o INCRA) tem inequívoca natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), e não de contribuição para o custeio da Seguridade Social.[5]
Note que tais contribuições têm destinos inteiramente distintos. A contribuição para o INCRA não se destina a financiar a Seguridade Social. Ora, esta assegura direitos relativos à Saúde, à Previdência Social e à Assistência Social, enquanto aquela é contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), destinada à reforma agrária, à colonização e ao desenvolvimento rural. [6]
Como vimos, a contribuição para o INCRA possui natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico, com fulcro no art. 149 da CF/88. Veja:
CF/88. Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (grifo nosso)
Cumpre indagar: o que é uma contribuição de intervenção no domínio econômico? A contribuição de intervenção no domínio econômico, também conhecida como contribuição interventiva, ou pela sigla CIDE, é um tributo de competência exclusiva da União, previsto no art. 149 da CF/88, que funciona como instrumento regulatório da economia. Vale dizer, “a CIDE é um tributo destinado a viabilizar a intervenção estatal na economia para organizar e desenvolver setor essencial, que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição de liberdade de iniciativa”.[7]
A pergunta que se faz é a seguinte: A referibilidade subjetiva direta seria um requisito necessário para legitimidade da CIDE? Em outras palavras, é possível haver uma CIDE sem referibilidade subjetiva direta?
Em decisão no RE 396266 SC[8], o Supremo pronunciou-se pela primeira vez sobre a questão da referibilidade subjetiva como condição para a validade das CIDE. O STF destacou a necessidade de referibilidade objetiva da contribuição à intervenção pretendida. Quanto à referibilidade subjetiva do tributo ao contribuinte, o STF afirmou que tais modalidades “não exigem vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados”. Em suma: não se exige a referibilidade direta em relação ao sujeito passivo da CIDE, pois esta caracteriza-se fundamentalmente pelo seu aspecto finalístico, ou seja, a intervenção do estado no domínio econômico, de modo a viabilizar os preceitos insculpidos no Título VII da CF (arts. 170 e segs.).
No que diz respeito à contribuição ao INCRA, o Dr. Luciano Dias Bicalho Camargos (Procurador do INCRA) assim expôs:[9]
“Com efeito, a exação em tela é destinada a fomentar atividade agropecuária, promovendo a fixação do homem no campo e reduzindo as desigualdades na distribuição fundiária. Consequentemente, reduz-se o êxodo rural e grande parte dos problemas urbanos dele decorrentes. [..] Dessa forma, a referibilidade das contribuições devidas ao INCRA é indireta, beneficiando, de forma mediata, o sujeito passivo submetido a essa responsabilidade”. (grifo nosso)
Nessa mesma linha se firmou a jurisprudência do STJ por ocasião do julgamento do REsp 977.058/RS. Deste julgamento, destacamos as seguintes conclusões:
1. A referibilidade direta NÃO é elemento constitutivo das CIDE's;
2. As contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse é o traço característico que as distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas;
3. As CIDE's afetam toda a sociedade e obedecem ao princípio da solidariedade e da capacidade contributiva, refletindo políticas econômicas de governo. Por isso, não podem ser utilizadas como forma de atendimento ao interesse de grupos de operadores econômicos;
4. A contribuição destinada ao INCRA, desde sua concepção, caracteriza-se como contribuição especial de intervenção no domínio econômico, classificada doutrinariamente como contribuição especial atípica (CF/67, CF/69 e CF/88 - art. 149);
5. A contribuição do INCRA tem finalidade específica (elemento finalístico) constitucionalmente determinada de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais (art. 170, III e VII, da CF/88);
6. A contribuição do INCRA não possui referibilidade direta com o sujeito passivo, por isso se distingue das contribuições de interesse das categorias profissionais e de categorias econômicas;
A contribuição ao INCRA corresponde a 0,2% sobre a folha salarial. Esta contribuição deve ser paga pelas empresas de todos os segmentos da economia (empregadores rurais e urbanos) e se destina aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares.
Por ter natureza de CIDE - e não de contribuição para o custeio da Seguridade Social - a contribuição ao INCRA não foi revogada pela Lei n. 7.787/89, tampouco pelas Leis ns. 8.212/91 e 8.213/91, estando em vigor até os dias de hoje. Vejamos. A Lei n. 7.787/89, ao instituir/unificar a contribuição previdenciária das empresas, suprimiu somente a contribuição ao PRORURAL (administrada pelo FUNRURAL), não tratando da contribuição ao INCRA. Ora, as Leis ns. 8.212/91 e 8.213/91 também não atinam com a contribuição ao INCRA.
Segundo o entendimento firmado pelo STF e STJ, o fato da contribuição ao INCRA não possuir referibilidade direta com o sujeito passivo, não retira sua legitimidade. Isso porque a referibilidade direta não é elemento constitutivo das CIDE's. Vale dizer, não se exige referibilidade direta em relação ao sujeito passivo da CIDE, pois esta caracteriza-se fundamentalmente pelo seu aspecto finalístico, ou seja, a intervenção do estado no domínio econômico, de modo a viabilizar os preceitos insculpidos no Título VII da CF. Ora, a referibilidade das contribuições devidas ao INCRA é indireta, beneficiando, de forma mediata, o sujeito passivo submetido a essa responsabilidade.
NOTAS:
[1] Cf. TRF1 - AC 4111 MT 1998.36.00.004111-3, Rel. Des. Federal Antônio Ezequiel da Silva, 7ª Turma, 25/04/2008.
[2] Segundo a jurisprudência do STJ, “o único ponto em comum entre o FUNRURAL e o INCRA e, por conseguinte, entre as suas contribuições de custeio, residiu no fato de que o diploma legislativo que as fixou teve origem normativa comum, mas com finalidades totalmente diversas;” (STJ - REsp 977058 RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, DJe 10/11/2008)
[3] Cf. STJ - REsp 977058 RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, DJe 10/11/2008.
[4] Cf. STJ - AgRg nos EREsp 805166 PR, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª Seção, DJ 20/08/2007.
[5] Cf. STJ - REsp 977058 RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, DJe 10/11/2008.
[6] Cf. EDcl noAgRg nos EDcl no Ag 939.328/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, DJ 4/08/2008.
[7] Cf. STF - Voto do Min. Ilmar Galvão no RE 177.137-2, Tribunal Pleno, DJ 18/04/1997.
[8] Cf. STF - RE 396266 SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 27/02/2004.
[9] Cf. CAMARGOS, Luciano Dias Bicalho. Da natureza jurídica das Contribuições para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 368.
Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLAR, Alice Saldanha. A legitimidade da CIDE destinada ao INCRA: nova Súmula 516 do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45665/a-legitimidade-da-cide-destinada-ao-incra-nova-sumula-516-do-stj. Acesso em: 22 nov 2024.
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