RESUMO: Trata-se de uma abordagem que visa discutir a responsabilidade civil pelos danos causados à coletividade, em razão do exercício do direito de greve, na prestação de serviços comuns e essenciais, pautada na análise concatenada dos dispositivos trabalhistas, civis e consumeristas vigentes em nosso ordenamento jurídico.
Palavras Chave: Exercício do Direito de Greve. Dano moral coletivo. Responsabilidade Civil.
1 INTRODUÇÃO
O primeiro semestre de 2012 foi extremamente conturbado na capital baiana. Greves locais, estaduais e nacionais estouraram por diversas razões, a exemplo da pequena paralisação dos estudantes da Faculdade de Direito da UFBa, os quais elegeram como pauta de reivindicações a reestruturação das instalações do campus, bem a morosa prestação de contas por parte da diretoria em relação às verbas institucionais. Na sequência, pode ser citada a greve dos policiais militares que se alastrou pelas cidades de Ilhéus, Itabuna e Porto Seguro, a qual, apesar de inconstitucional, durou doze dias[1] e deixou a população do estado da Bahia em pânico. Grande parte da população fora impedida de manter o curso normal das atividades, e a ausência dos agentes nas ruas desencadeou “arrastões”, roubos, furtos e assassinatos. Para completar a situação de balburdia em que a cidade já se encontrava, alguns manifestantes, insatisfeitos com o caos, complementaram atravessando ônibus em pistas de alta movimentação, atrapalhando o trânsito de ruas e avenidas da cidade.
Passando para o mês de maio, os cidadãos da Bahia foram mais uma vez surpreendidos com uma paralisação: desta vez eram os rodoviários. Interromperam os serviços completamente 18 (dezoito) empresas urbanas, das quais, 15 (quinze) eram intermunicipais[2]. A pausa nas atividades desencadeou a suspensão de 540 horários oficiais de saídas de ônibus do terminal de Salvador[3], ou seja, nenhuma linha com saída da capital estava circulando.
Em face da situação extrema, a AGERBA e a Transalvador liberaram a circulação de transportes clandestinos[4], com vistas a garantir a locomoção da população, ainda que de maneira precária. Jornais noticiaram durante os três dias de greve os constrangimentos sofridos pelas pessoas que necessitavam se dirigir à municípios distantes, muitas sem condições de arcar com a própria alimentação ou com qualquer de suas necessidades básicas[5]. Crianças, pessoas doentes, idosos: quantos cidadãos não puderam chegar ao seu destino? Quantos submetidos ao transtorno de não ter como passar mais um dia na cidade em que se encontravam? Quantos perderam consultas médicas na capital que haviam marcado com meses de antecedência? A greve, desta vez, não ilegal, mas abusiva, atingiu uma infinitude de indivíduos com ampla diversidade.
Não há dúvidas que determinadas paralisações atingem a sociedade de formas variadas, as vezes irreversíveis, ensejando, pois, o dano moral coletivo. Mas quem são os responsáveis pela reparação destas lesões decorrentes da deflagração de uma greve trabalhista? Com fim de responder a presente indagação é que se propõe neste artigo.
De quem será a obrigação de indenizar a coletividade pelo dano moral ocasionado pela deflagração de uma greve?
2 DO DIREITO DE GREVE
Amauri Mascaro Nascimento traz, em seu manual de Direito do Trabalho, a origem da palavra greve. Segundo ele, este é o nome de uma praça francesa onde os operários se reuniam quando paravam os serviços por estarem descontentes com as condições de trabalho.[6] O autor assevera, contudo, que as paralisações motivadas por melhorias das condições de trabalho são verdadeiramente antigas, expondo um rol amplo de fatos históricos para embasar sua assertiva, dentre eles a greve de “pernas cruzadas”, ocorrida no Egito antigo, no séc. XII a.C.; a greve dos músicos em Roma; a manifestação dos tecelões em Douai, ocorrida em 1279.[7]
Mesmo sendo prática muito antiga, a ocorrência de manifestações dessa natureza só ficaram mais frequentes no séc. XIX, estando datada de 1831 a primeira greve de cunho trabalhista na França, além das primeiras greves de cunho político, alimentadas pelas ideias socialistas.[8]
Frente às inúmeras deflagrações de greves e seus prejuízos econômicos, alguns sistemas jurídicos passaram a considera-las crime, como o francês com a publicação da Lei Le Chapelier, em 1791, e o inglês com o Combination Act, publicado em 1799 e a do Sedition Meeting Act de 1817[9]. Determinados países não tipificaram o instrumento e optaram por apenas regulamenta-la. Somente em 1824 a Inglaterra editou a Lei de Francis Place que descriminalizava os atos de associacionismo operário e de greve. A nação francesa apenas promoveu a legalização dos mesmos em 1884, ou seja, quase um século depois da tipificação.
Ao nos debruçarmos diante da história da greve no Brasil, identificamos que este, na contramão da história, mesmo após já terem sido revogadas as leis francesas e inglesas criminalizadoras das mobilizações grevistas, tipificou a conduta no Código Penal de 1890, sob a cominação de prisão por período máximo de três meses.[10]Na década de 30, foram publicadas normas que asseguravam direitos mínimos aos trabalhadores, com fim de acalmar a classe proletária e evitar manifestações fervorosas. Posteriormente, a Constituição de 1937, em seu art. 139 declarou que os atos de greve eram incompatíveis com os interesses nacionais e, somente a Constituição de 1946 reconheceu a greve como direito laboral, seguida da Carta Magna de 1967 que, por sua vez, restringia o direito à iniciativa privada, desde que não se tratasse de atividades essenciais. Finalmente, o texto constitucional de 1988 consagrou a espécie de manifestação como direito dos trabalhadores do setor privado e servidores públicos civis, estando vedada, pois, aos militares e integrantes das forças armadas.[11]
Nas definições de Giovanni Tarello[12], a greve consiste em “uma abstenção do trabalho que vem proclamada com o fim de obter a composição de uma controvérsia de interesses”. Amauri Nascimento[13] elenca um rol de oito autores e suas definições do ato grevista, constatando que “em todas essas definições há, como traço comum, o caráter instrumental da greve, meio de pressão que ela é.”
Luciano Martinez, por sua vez, define o instituto como:
[D]ireito fundamental que legitima a paralisação coletiva de trabalhadores realizada de modo concertado, pacífico e provisório, como instrumento anunciado de pressão para alcançar melhorias sociais ou para fazer com que aquelas conquistas normatizadas sejam mantidas e cumpridas. [14]
Da leitura de todos os conceitos levantados, não restam dúvidas que a greve é um instrumento que tem por fim forçar as negociações trabalhistas e sociais promovidas por uma classe proletária e que, antes de ser um instrumento, é um direito. Direito este de hierarquia constitucional, elencado no art. 9° da norma hipotética, que preceitua ser “assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”[15].
Como todo direito, este possui limites, os quais estão consolidados na Lei n° 7.783 de junho de 1989. Aos trabalhadores manifestantes são assegurados os direitos de utilizar meios que aliciem os demais trabalhadores a participar da mobilização, o direito de arrecadar fundos para o ato e o direito de divulga-lo, sem que essas ações constituam coação para que o indivíduo participe do movimento. Entretanto, não são somente de bônus que se fazem as greves, os manifestantes também possuem deveres que precisam ser cumpridos para que o ato produza seus efeitos plenamente.
São deveres mínimos que precisam ser cumpridos pelos trabalhadores reivindicantes:
1. A comunicação da deflagração da greve para a entidade patronal com o mínimo de 48 horas;
2. Que sejam cumpridas as formalidades previstas pelo estatuto da entidade sindical para convocação e deflagração da greve;
3. Os meios empregados não podem violar direito fundamental de terceiro;
4. Manutenção de equipes em atividades cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável;
No caso da paralisação de serviços ou atividades essenciais, os quais estão enumerados no art. 10 do dispositivo, são aplicadas normas específicas como a antecedência mínima de 72 horas para a comunicação da greve à entidade patronal, além da obrigação de garantir, sob responsabilidade solidária das entidades sindicais, dos empregadores e dos trabalhadores, a prestação dos serviços indispensáveis à população. Vale ressaltar que, de acordo com o art. 14 do mesmo diploma normativo, a inobservância destas regras constituem abuso de direito e, autorizam - conforme art. 7°, parágrafo único - a recisão do termo trabalhista durante a greve.[16]
A determinação supramencionada goza de plena legitimidade, visto que, não pode a população ser apenada em razão de desentendimentos existentes entre patrões e empregados. Por mais justas que sejam as reivindicações, estas não podem sacrificar a real a fruição dos direitos constitucionais de terceiros. A paralisação tem por intuito atingir o empregador e, como já explicitado, forçar a operacionalização dos pleitos laborais. Os grevistas não podem, a pretexto de otimizar suas atividades, forçar um prejuízo social exorbitante e imoderado, correndo o risco de configurar a privação ora discutida o instituto do dano moral à coletividade.
3 DO DANO MORAL COLETIVO
No estudo do dano, diante do instituto da responsabilidade civil, aprendemos que são duas as possíveis formas de lesionar o indivíduo, quais sejam a material e a moral. O dano material, também conhecido como patrimonial, consistem nos prejuízos econômicos, certos e mensuráveis que foram causados à pessoa. São decréscimos patrimoniais resultantes de uma conduta ilícita do ofensor. Em contrapartida, podemos definir os danos morais como sendo uma afetação extrapatrimonal, que frustra o indivíduo, de maneira única, em suas reais, legítimas e devidas expectativas.
Segundo Bruno Miragem, os danos morais são aqueles que:
atingem a integridade psicofísica da pessoa, desde lesões corporais até a provação da vida, assim como situações em que as pessoas tornam-se incapazes de experimentar sensações (...), são aqueles que decorrem de ofensas a pessoa no que diz respeito ao seu sentimento, sua vida afetiva, social e cultural. [17]
O campo de aplicação do dano moral pode ser dividido em dois, sendo o individual de fácil compreensão devido à larga aceitação doutrinária e jurisprudencial acerca de sua aplicação, e coletivo.
O dano moral coletivo, nas palavras de Xisto Tiago de Neto Medeiros[18]:
corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade (considerada em seu todo ou em qualquer de suas expressões – grupos, classes ou categorias de pessoas), os quais possuem natureza extrapatrimonial, refletindo valores e bens fundamentais para a sociedade.
Sandra Ligian Nerling[19], afirma que as pessoas jurídicas, consideradas “agrupamentos humanos” podem sofrer dano moral, estando aptas, pois, a propor ações indenizatórias. A autora sustenta sua posição no art. 5°, inciso X da Constituição Federal que iguala todos perante a lei e assegura-lhes o direito à vida privada, intimidade, honra, imagem, além de assegurar a reparação por danos materiais e morais pela violação dos mesmos.
Diante do pensamento supra, podemos sustentar que se um agrupamento de indivíduos formal pode ter seus valores lesados, com muito mais razão, os agrupamentos humanos formados naturalmente pelo convívio aleatório e pelo compartilhamento de interesses possui um conteúdo moral a ser violado, em virtude da naturalidade da construção dos valores imperantes nas comunidades não formais, fato que os tornam mais enraizados.
Em contrapartida, os professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho[20], defendem que o instituto do dano moral coletivo somente foi viabilizado com a vigência do Código de Defesa do Consumidor e com a Lei da Ação Civil Pública, pois os mesmos consideram que o dano moral advém da lesão aos direitos da personalidade e tomam como impossível, salvo sob a imposição supra, a existência de uma personalidade jurídica coletiva.
Carlos Alberto Bittar Filho[21], em sentido oposto, defende a existência de uma carga de valores pertencente à comunidade. E não poderia ser diferente, em uma comunidade convivem indivíduos que compartilham de interesses comuns, ainda que não sejam todos. Gozam de direitos e expectativas inerentes à comunidade que integram, seja um grupo de uma rede virtual, seja uma cidade ou um condomínio, ou ainda, uma classe trabalhista. Formada a comunidade, o grupo, a categoria ou a classe, estes possuem expectativas relacionadas a essa composição que, pelo simples fato de existir, forma um círculo de valores e expectativas, os quais, violados injustamente, configuram o dano moral coletivo.
No julgamento do Recurso Especial (REsp) 636.021, em 2008 a Ministra Nancy Andrighi[22], ao preferir seu voto afirmou que:
A aceitação do dano moral coletivo ou difuso é certamente uma das questões mais controversas do direito contemporâneo (...). Ao falar de interesses individuais homogênios, indica-se a existência de uma pluralidade de direitos subjetivos individuais que, violados por uma origem comum, aceitam uma tutela jurisdicional coletiva.
E, após o desenvolvimento de um brilhante raciocínio conclui:
Por tudo isso, deve-se reconhecer que nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema jurídico admite, em poucas palavras, a existência de danos extra-patrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos.
Após tantos pensamentos trazidos à discussão não restam dúvidas de que a Doutrina e Jurisprudência nacionais já admitem a existência de dano moral coletivo, tendência que por força do CDC e da Lei de Ações Civis Públicas, além das normas ambientais e de tutela dos interesses infantis e juvenis, torna-se cada vez mais forte.
4 ÔNUS DE INDENIZAR
Segundo as regras concernentes à obrigação de indenizar, a responsabilização civil é cabível, em princípio, diante de qualquer atividade que acarrete prejuízos a terceiros, seja o seu autor pessoa física ou jurídica.
De acordo com Silvio Rodrigues[23], são pressupostos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa deste, a relação de causalidade entre ação/omissão e o prejuízo, bem como a existência de dano. Em suas palavras “a responsabilidade do agente pode defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda de atos causados por coisas que estejam sob a guarda deste”, mediante infração legal ou quando o ato foge da sua finalidade social. O autor ainda elenca como segundo requisito para a responsabilização a culpa do agente, a qual decorre de ação negligente, imprudente ou imperita, podendo também a conduta decorrer de ato praticado com dolo.
Pablo Stolze[24], todavia, retira a necessidade de culpa como elemento básico para a configuração da responsabilidade, asseverando ser este o item diferenciador entre a responsabilidade subjetiva e objetiva.
Como último requesito, mas não menos imprescindível, existe a necessidade da ocorrência de dano à vítima, seja ele moral ou patrimonial, necessitando, pois, que o dano tenha sido causado pela conduta do agente, de terceiro sob sua responsabilidade ou de coisas sob sua guarda.
Na seara do Direito do Consumidor, a responsabilidade por dano a terceiro pode ser subjetiva, em relação aos atos praticados pelos profissionais liberais, na qual a indenização está condicionada à existência de dolo ou culpa, ou pode ser objetiva, aplicável aos fornecedores de produtos e/ou serviços pessoas jurídicas. Nesta última, é desnecessária a comprovação da existência de culpa ou dolo do empreendedor, sendo requesito para a configuração da obrigação de indenizar exclusivamente o dano, a conduta do agente (fornecimento de produto ou serviço) e o nexo causal entre este e o prejuízo desencadeado.
Vamos nos ater às pessoas jurídicas. Como já explicado, a responsabilidade consumerista das empresas frente a prejuízos causados aos fornecedores é objetiva, tudo isso por força dos arts. 12, 14 e 23 do CDC[25]. Esses afastam expressamente a necessidade da culpa, atribuindo aos integrantes da cadeia produtiva a obrigação de indenizar. Assim sendo, a interrupção repentina da prestação de serviços ou o atraso no fornecimento de produtos ocasionados pela paralisação de trabalhadores de uma empresa, integrantes da linha de produção, promoveria indiscriminadamente a obrigação de seus empregadores de arcar com os prejuízos aos consumidores.
Não obstante o código determine a obrigação de indenizar independente da existência da culpa, sendo bastante a existência de nexo de causalidade para a instauração desta situação jurídica, este também elenca hipóteses em que a responsabilidade é afastada, estando entre elas a comprovação de que o fato decorreu de ato exclusivo de terceiro. Bruno Miragem[26] ao abordar a excludente de responsabilidade em sua obra, afirma:
Trata-se, como se deduz, de outra hipótese de rompimento do nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano sofrido pelo consumidor, pelo advento de outra conduta que, tendo sido realizada, demonstra-se que tenha dado causa ao evento danoso. (...) Note-se que a exclusão da responsabilidade do fornecedor, neste caso, opera-se apenas se o dano tiver sido causado por evento cuja causa deva-se apenas à própria conduta do consumidor ou de terceiro.
Desta maneira, o código optou por não onerar a empresa frente à prejuízos causados exclusivamente por terceiros, podendo o grupo grevista ser considerado com toda a propriedade terceiro e a conduta grevista obstar a configuração da obrigação de indenizar do patrão, visto que a conduta grevista rompe o nexo de causalidade entre ato do empregador enquanto fornecedor e o dano causado ao consumidor.
Não podemos nos esquecer, entretanto, que o Código Civil de 2002[27], em seu art. 932, III determina ser o empregador responsável pela reparação civil por danos causados por seus empregados no exercício do trabalho ou em razão dele. A esse respeito, Stolze e Pamplona Filho[28] afirmam que a responsabilização dos patrões se justifica em razão do poder diretivo que esses exercem sob os empregadores sob os empregados. Com toda razão, os atos danosos praticados pelos empregados no exercício das atividades direcionadas pelo empregador devem por este ser assumidas.
Ademias, por tudo o exporto, não podemos considerar que o ato de greve consiste numa atividade exercida a partir de um comando dado pelo empregador. Ao contrário, configura-se numa paralisação das atividades submetidas à coordenação do patrão. Durante a mobilização os empregados exorbitam a condição de subordinados, por um período indeterminado, apesar de temporário, e agem em direção oposta aos interesses patronais. Durante a greve, como já exposto, o contrato empregatício é suspenso, situação em que “apesar de mantido o vínculo contratual, há a cessação da prestação dos serviços e do correspondente pagamento”[29]. Inexistindo prestação de serviços, inexiste a aplicação da norma civil supracitada, pois, para tanto, é imprescindível que haja atividade submetida ao poder diretivo do contratante.
Do raciocínio desenvolvido, não restam dúvidas que os trabalhadores grevistas podem ser considerados terceiros causadores do dano ao consumidor, quebrando o nexo de causalidade entre a conduta do fornecedor e os prejuízos causados, sendo impossível a aplicação da norma civil, visto a expressa disposição na Lei de Greve, determinando a suspensão do termo laboral.
Apesar de se encaixar perfeitamente a condição de terceiro aos trabalhadores mobilizados, o impasse referente à obrigação de indenizar não está concluso. Isso porque a lei que disciplina o movimento criou, em seu art. 11[30], um vínculo de solidariedade entre empregados, patrões e sindicatos, em relação à manutenção da prestação de serviços essenciais. Ou seja, ainda que o movimento seja operário, os sindicatos patronais e os próprios empregadores devem fazer o possível, para a preservação da dignidade coletiva, impedindo a privação dos serviços inadiáveis à coletividade.
Logo, podemos concluir que quando não se tratar de greve dos serviços essenciais os eventuais prejuízos causados à terceiros devido à interrupção no fornecimento de produtos e serviços deverá ser arcado pelos trabalhadores mobilizados e não pela instituição patronal já que a ação paredista interrompe o nexo de causalidade e constitui uma das exceções previstas para a responsabilização objetiva.
V – CONCLUSÃO
Por tudo o exposto, podemos concluir que a greve é um direito assegurado pelos dispositivos constitucionais, e disciplinado pela Lei n° 7.783/89, a qual define os direitos da categoria mobilizada, mas também elenca limites e define obrigações que devem ser cumpridas para assegurar que esta não seja considerada abusiva. Essas obrigações e limites, em geral, possuem o intuito de assegurar à comunidade a preservação sua dignidade e a não frustração de suas legítimas expectativas em relação ao uso de serviços inadiáveis.
A interrupção da prestação de serviços imprescindíveis ao normal e digno funcionamento do cotidiano de uma comunidade, de forma injustificada ou desproporcional, pode acarretar danos irreversíveis aos integrantes de um agrupamento social, dando ensejo à indenizações por dano moral coletivo, instituto já aceito pela comunidade jurídica nacional.
Configurado o prejuízo e a obrigação de indenizar, surge a dúvida de quem figuraria no polo passivo da ação indenizatória visto que a luz do Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços em relação à prejuízos causados por fatos e vícios decorrentes de produtos ou da má prestação de serviços é objetiva e, conforme disposição do Código Civil, os empregadores são responsáveis pelos danos resultantes das atividades exercidas pelos seus empregados em razão da função. Entretanto, uma das consequências da paralisação trabalhista é a suspensão do contrato laboral, não havendo espaço para arguir que as ações dos empregados deram-se sob o poder diretivo do empregador, afastando, pois a aplicação da norma civil.
Desta avaliação, restou concluso o pensamento de que durante a mobilização os trabalhadores que aderiram a esta podem ser considerados terceiros, e suas práticas, interrompem o nexo de causalidade da conduta do empregador/fornecedor com os danos sofridos pelos consumidores. Serão, nesta hipótese, os trabalhadores em greve, responsáveis pelas indenizações devidas.
Não obstante esta conclusão, em relação à continuidade de serviços essenciais a norma regulamentadora da atividade grevista criou uma solidariedade entre os patrões, os empregados e as entidades sindicais, com fim de preservar a prestação dos serviços cuja interrupção mostra-se demasiadamente danosa. Desta forma, se os empregados paralisarem suas atividades completamente e a população ficar desassistida, caberá às entidades sindicais, bem como aos próprios patrões, providenciar o suprimento do mínimo necessário à preservação da dignidade da coletividade, conforme determina a lei. Assim sendo, nesta segunda hipótese de dano aos consumidores figurará no polo passivo, solidariamente, empregados, patrões e sindicatos.
VI – REFERÊNCIAS
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[2] BRASIL. Disponível em <http://noticias.r7.com/cidades/noticias/em-nova-assembleia-rodoviarios-encerram-greve-em-salvador-20120526.html> Acesso em 23 de junho de 2012.
[3] BRASIL. Disponível em <http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/fim-da-greve-rodoviarios-aceitam-decisao-do-trt-e-voltam-ao-trabalho/> Acesso em 23 de junho de 2012.
[4] BRASIL. Disponível em < http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/apos-julgamento-de-dissidio-rodoviarios-se-reunem-para-decidir-sobre-fim-da-greve-1/> Acesso em 23 de junho de 2012.
[5] BRASIL. Disponível em <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/05/greve-de-rodoviarios-de-salvador-ja-prejudica-quem-mora-fora-da-capita.html> Acesso em 23 de junho de 2012.
[6] NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 22ªed. ver.atual . São Paulo: Saraiva, 2007. pag, 1167.
[7] Op. Cit. pag, 1168.
[8] Ibiden.
[9] MARTINEZ. Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2012. pag, 754.
[10] Ibiden.
[11] Op. Cit. pag, 755.
[12] APUD. Nascimento. Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 22ªed. ver.atual . São Paulo: Saraiva, 2007. pag, 1172.
[13] Ibiden.
[14] MARTINEZ. Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2012., p. 756.
[15] BRASIL. Constituição Federal de 1988
[16] BRASIL. Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989.
[17] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 3. Ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.,p. 447.
[18] MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2.Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003., p. 137.
[19] NERLING, Sandra Ligian. Dano moral à pessoa jurídica. Revista Jurídica Unirondon/Faculdades Integradas Câdido Rondon. n.05. Cuiabá: Entrelinhas/Unirondon, 2003., p. 155.
[20] GAGLIANO, Pablo Stolze. Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade civil. 10ªEd. São Paulo: Editora Saraiva, 2012., p. 128
[21] BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista do Consumidor. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994., p. 50
[22]BRASIL. Disponível em >ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&seque ncial=3447728&num_registro=200400194947&data=20090306&tipo=51&formato=PDF < Acesso em 27 de junho de 2012.
[23] RODRIGUES, Silvio. V.4. Responsabilidade Civil. 20 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003., p. 15.
[24] GAGLIANO, Pablo Stolze. Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade civil. 10ªEd. São Paulo: Editora Saraiva, 2010., p. 51 e 55.
[25] BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em >http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei s/L8078.htm < acesso em 03 de julho de 2012.
[26] [26] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 3. Ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012., p. 454 - 455.
[27] BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em > http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406 .htm< Acesso em 03 de julho de 2012.
[28] GAGLIANO, Pablo Stolze. Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade civil. 10ªEd. São Paulo: Editora Saraiva, 2010., p. 199.
[29] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2012., p.479.
[30]BRASIL. Lei n° 7783 de 28 de julho de 1989 > http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/ volume%20i/tralei7783.htm> Acesso em 03 de julho de 2012.
Advogada. Mestre em Direito Público - Universidade Federal da Bahia. Professora de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Católica de Salvador e da Fascal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Natália Petersen Nascimento. Responsabilidade civil por dano moral coletivo em decorrência de greve: de quem é a obrigação de indenizar? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45751/responsabilidade-civil-por-dano-moral-coletivo-em-decorrencia-de-greve-de-quem-e-a-obrigacao-de-indenizar. Acesso em: 26 nov 2024.
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