SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A ARBITRAGEM NO ÂMBITO TRABALHISTA. 2.1. Questões introdutórias. 2.2.Conflitos individuais. 2.3. Conflitos Coletivos. 3. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1-INTRODUÇÃO
A sociedade vive numa era de crises sociais e financeiras, fruto das transformações socioeconômicas mundiais – fenômeno advindo da globalização – que atingiram intrinsecamente as relações laborais. Este panorama intensificou a conflituosidade existente, provocando uma demanda imensa por decisões judiciais em contraste com um aparato judicial que se mostra incapaz de atender plenamente à necessária solução adequada de todos os litígios que surgem no seio da sociedade.
Diante desse contexto histórico e social, resolver as novas controvérsias advindas dessas mudanças pelas quais atravessa o mundo do trabalho é incumbência do juslaboralismo, ramo do direito que se responsabiliza pelas relações trabalhistas e proporciona a estrutura fundamental para a pacificação de interesses entre trabalhador e empregador.
É nesse quadro de busca pela harmonia da relação capital/trabalho (empregado/empregador), dificuldade de acesso à Justiça e de ineficácia da prestação jurisdicional decorrente da morosidade do Poder Judiciário que a aplicação da arbitragem ao dissídio trabalhista surge como alternativa de solução extrajudicial de conflitos, contribuindo para minimizar a crise estrutural e institucional do sistema judiciário trabalhista brasileiro.
A crise do acesso à justiça constata-se quando o Estado, através do Poder Judiciário, consolida a Jurisdição como principal método de resolução de controvérsias, entretanto – devido a um sistema de leis que impede uma solução rápida e eficaz dos conflitos e a uma imensa demanda por decisões judiciais – não consegue concretizar adequadamente sua função pacificadora. Dessa forma, ante a sobrecarga da Justiça do Trabalho, atualmente, torna-se necessário a adoção de meios alternativos de solução de litígios, dentre os quais se destacam a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Nessa toada, este estudo apresentado almeja esclarecer a possível aplicação da arbitragem ao dissídio trabalhista, uma vez que instituto de salutar importância às resoluções dos dissídios, objetivando criar alternativas para a solução e regulação, de forma mais célere e eficaz, dos conflitos laborais no Brasil.
Essa aplicação, entretanto, não é assunto pacífico entre os operadores do Direito, sendo objeto de diversos debates por parte dos estudiosos do Direito do Trabalho uma vez que existem argumentos e contra-argumentos no que tange à aplicação da arbitragem aos conflitos coletivos e individuais trabalhistas.
2- A ARBITRAGEM NO ÂMBITO TRABALHISTA
2.1- Questões introdutórias
A utilização da arbitragem no âmbito trabalhista como forma de solucionar os conflitos coletivos do trabalho é expressamente admitida pela Carta Magna de 1988, de acordo com o artigo 114, §1 e 2º, CF/88, in verbis:
Art.114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
§1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Por sua vez, a Consolidação das Leis do Trabalho foi silente em relação à aplicabilidade da arbitragem, apesar do procedimento arbitral não se opor aos princípios processuais trabalhistas. Assim, a arbitragem é plenamente aplicável no âmbito trabalhista. Inclusive, diversas legislações ordinárias trabalhistas preveem a aplicabilidade da via arbitral no Direito do Trabalho a exemplo do artigo 3º e o 7º da Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989); do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.419/1992; do artigo 23, da Lei nº 8.630/1993; do artigo 4º Lei nº 10.101/2000; artigo 83, inciso XI, Lei Complementar nº 75/1993; e outros dispositivos normativos.
Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins ressalta que a própria Organização Internacional do Trabalho – OIT possibilita e recomenda a utilização de arbitragem em relação aos conflitos coletivos do trabalho.
A OIT preconiza o sistema de negociação coletiva, por meio da Convenção nº 154, de 19/06/1981, que foi ratificada pelo Brasil. O artigo 6º da referida norma prescreve que não violam as disposições do referido convênio os sistemas de relações de trabalho em que a negociação coletiva tenha lugar de acordo com os mecanismos ou de instituições de conciliação ou de arbitragem, ou de ambas de uma vez, em que as partes participem voluntariamente das negociações coletivas.[1]
Nesse interim, percebe-se que as referidas disposições legislativas recomendam a utilização da arbitragem em diversas situações, entretanto, todas referentes ao conjunto das relações laborais com características no Direito Coletivo do Trabalho. Logo, no que tange ao Direito Individual do Trabalho, o legislador quedou-se inerte, instalando-se uma celeuma quando se propõe a utilizar a arbitragem em dissídios individuais trabalhistas, sob diversos argumentos adiante analisados.
Assim é que o presente artigo, baseado na lei, doutrina e jurisprudência, objetivará asseverar a aplicabilidade – ou não – da arbitragem como alternativa de solução extrajudicial de conflitos no que tange aos dissídios individuais e coletivos do trabalho.
2.2- Conflitos individuais
A discussão acerca da possibilidade de aplicação do instituto da arbitragem no que tange aos conflitos individuais e sua regulação pelo Direito Individual do Trabalho é baseada sob três argumentos: a indisponibilidade ou não das normas de Direito do Trabalho; a questão do artigo 114 da CF/88 fazer referência unicamente à utilização da arbitragem nos conflitos coletivos e o desequilíbrio de poder existente entre patrão e trabalhador em virtude da subordinação decorrente da relação de emprego.
Em relação à indisponibilidade das normas trabalhistas, o debate surge uma vez que a arbitragem, nos termos do no artigo 1º da Lei 9.307/1996, apenas pode ser utilizada para resolver controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles em que é possível contratar ou conciliar sem transgredir normas de ordem pública. Com isso, a priori, não se aplicaria às normas trabalhistas, visto estas serem consideradas indisponíveis.
Todavia, com o avanço da flexibilização das condições de trabalho, abriu-se margem para considerar certos direitos trabalhistas disponíveis, podendo o empregado – através de acordo ou convenção coletiva de trabalho – renunciá-los. Nesse sentido, a própria Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, incisos VI e XIII, autoriza alterações como a diminuição de salários e o aumento de jornadas de turno ininterruptos, direitos estes antes considerados irredutíveis.
Nesse interim, inclusive, a Justiça do Trabalho vem reconhecendo as transações realizadas entre os atores da relação trabalhista. A exemplo, pode-se dizer a Súmula 330 do Tribunal Superior do Trabalho, que reconhece a quitação dos valores constantes no recibo passado pelo empregado com a assistência do sindicato. Da mesma maneira a Súmula 243 do TST, que permite a renúncia dos direitos inerentes ao regime estatutário pelo funcionário público que opta pelo regime celetista[2].
Assim, o doutrinador Carlos Alberto Carmona leciona que:
“quanto aos conflitos individuais, embora não se deixe de reconhecer o caráter protetivo do direito laboral, é fato incontestável que nem todos os direitos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho assumiriam a feição irrenunciável pregada pela doutrina especializada mais conservadora: se assim não fosse, não se entenderia o estímulo sempre crescente à conciliação (e à consequente transação), de tal sorte que parece perfeitamente viável solucionar questões trabalhistas que envolvam direitos disponíveis através da instituição do juízo arbitral”.[3]
Portanto, não obstante a tênue divisão existente entre os direitos trabalhistas disponíveis e indisponíveis, é possível, como visto, classificar alguns dos direitos trabalhistas como patrimoniais disponíveis, tornando viável a aplicabilidade do instituto da arbitragem no âmbito trabalhista.
Com relação ao fato do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 ter feito referência apenas à utilização do juízo arbitral nos conflitos coletivos, não é possível deduzir que existiria uma vedação implícita da adoção do instituto no que concerne aos conflitos individuais de trabalho. Isso se dá, pois tal interpretação não estaria de acordo com a compreensão mediana dos princípios constitucionais do Estado.
Tanto é assim, que o princípio da autonomia da vontade e da legalidade autorizam, nos termos do artigo 5, II, CF/88 – nesse tipo de relação jurídica – a possibilidade de praticar tudo que não for proibido por lei, assegurando a licitude do procedimento arbitral. Nessa toada, se o legislador na elaboração da Lei nº 9.307/96 e a Carta Magna de 1988 não vedaram a aplicação da arbitragem no âmbito dos conflitos individuais trabalhistas, aplica-se o pressuposto de que o que não é proibido por lei, é permitido.
Nesse sentido, o ensinamento de Sérgio Pinto Martins:
“A Lei 9.307 não proibiu a arbitragem como forma de solucionar litígios individuais do trabalho. A Constituição não veda a arbitragem nos dissídios individuais. O que não é proibido é permitido. (...)Direitos patrimoniais disponíveis são diferentes de direitos irrenunciáveis. Direitos disponíveis são normas direcionadas às partes e não exatamente normas de ordem pública absoluta. Os direitos dos trabalhadores não são patrimoniais indisponíveis. O trabalhador não está renunciando, alienando ou transacionando direitos quando submete o conflito à arbitragem, mas apenas escolhe um terceiro para solucionar o litígio. O árbitro irá dizer o direito do trabalhador(...). Se não há mais contrato de trabalho entre empregado e empregador, não se pode falar que o trabalhador está sofrendo pressão do empregador para renunciar a verbas trabalhistas, principalmente diante do fato de que a controvérsia está sendo submetida ao árbitro”.[4]
Por sua vez, em virtude do desequilíbrio de forças existente entre empregador e trabalhador decorrente da subordinação na relação empregatícia, a doutrina e a jurisprudência majoritária defende a inaplicabilidade da arbitragem face a hipossuficiência do empregado que se encontra em posição desvantajosa, o que o impede de manifestar livremente a sua vontade. Com isso, o trabalhador tende a se submeter ao empregador em relação aos direitos inerentes ao seu contrato de trabalho, aceitando condições de trabalho e realizando concessões de direitos que normalmente não o faria se não fosse sua posição de vulnerabilidade.
Esse caráter protecionista da Justiça do Trabalho foi recentemente explicitado por entendimento da Egrégia SbDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho:
"EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS. INCOMPATIBILIDADE. Nos dissídios coletivos, os sindicatos representativos de determinada classe de trabalhadores buscam a tutela de interesses gerais e abstratos de uma categoria profissional, como melhores condições de trabalho e remuneração. Os direitos discutidos são, na maior parte das vezes, disponíveis e passíveis de negociação, a exemplo da redução ou não da jornada de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a grande maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. No âmbito da Justiça do Trabalho, em que se pretende a tutela de interesses individuais e concretos de pessoas identificáveis, como, por exemplo, o salário e as férias, a arbitragem é desaconselhável, porque outro é o contexto: aqui, imperativa é a observância do princípio protetivo, fundamento do direito individual do trabalhador, que se justifica em face do desequilíbrio existente nas relações entre trabalhador - hipossuficiente - e empregador. Esse princípio, que alça patamar constitucional, busca, efetivamente, tratar os empregados de forma desigual para reduzir a desigualdade nas relações trabalhistas, de modo a limitar a autonomia privada. Imperativa, também, é a observância do princípio da irrenunciabilidade, que nada mais é do que o desdobramento do primeiro. São tratados aqui os direitos do trabalho indisponíveis previstos, quase sempre, em normas cogentes, que confirmam o princípio protetivo do trabalhador. Incompatível, portanto, o instituto da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas. Embargos conhecidos e providos." (ERR-27700-25-2005-5-05-0611, SbDI-1, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, julgado em 26/3/2015, DEJT 10/4/2015)
Nesse mesmo sentido, a 8ª Turma entendeu que a arbitragem não é compatível com o Direito Individual do Trabalho, ao considerar a irrenunciabilidade e indisponibilidade do direito trabalhista. Segue julgado, in verbis:
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ARBITRAGEM. TRANSAÇÃO. ALCANCE NO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO. Esta Corte vem firmando posicionamento no sentido de que a solução de conflitos oriundos da relação de trabalho efetivada perante o juízo arbitral não é compatível com o Direito Individual do Trabalho, considerando-se a significativa gama de direitos indisponíveis e irrenunciáveis e o desequilíbrio entre as partes decorrente da hipossuficiência típica da relação de emprego. Recurso de revista conhecido e provido.
(TST - RR: 1714006720085030075 171400-67.2008.5.03.0075, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 07/12/2010, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/12/2010)
Entretanto, sob outro ponto de vista, parte da doutrina defende que tal indisponibilidade dos direitos individuais do trabalho é relativa, defendendo a utilização desse meio alternativo não estatal a partir da divisão do momento da celebração da convenção de arbitragem. Nessa seara, há a separação do momento do ato de contratação e vigência do pacto laboral, quando se entende pela indisponibilidade do direito trabalhista e pela inviabilidade do juízo arbitral em virtude da hipossuficiência do trabalhador, e o momento posterior a extinção do contrato do trabalho, fase pós-contratual que se mostra apropriada para o uso desse meio alternativo na solução dos conflitos individuais do trabalho face o término da dependência do empregado.
Corroborando com essa tese, a 4ª Turma do TST já decidiu favorável à utilização do instituto da arbitragem no Direito do Trabalho, de acordo com entendimento abaixo:
Cumpre salientar por primeiro, que o juízo arbitral – órgão contratual de jurisdição restrita consagrado em nossa legislação que tem por finalidade submeter as controvérsias a uma pronta solução, sem as solenidades e dispêndios do processo ordinário, guardada apenas a ordem lógica indispensável de fórmulas que conduzem a um julgamento escorreito de direito e de equidade – a meu ver, tem plena aplicabilidade na esfera trabalhista porque há direitos patrimoniais disponíveis no âmbito do direito do trabalho, data vênia de doutas opiniões em sentido contrário. É que, ao se afirmar, genericamente, que os direitos trabalhistas constituem direitos patrimoniais indisponíveis, não se leva em conta que o princípio da irrenunciabilidade de tais direitos foi, em diversas situações, mitigado pelo legislador. Um primeiro exemplo desta circunstância está na existência de normas específicas que prevêem expressamente sua disponibilidade, como v.g. os direitos consagrados pelos incisos VI e XIV do artigo 7° da Carta Republicana. Outro, quando se identifica o momento em que os direitos são devidos. Isso porque, apenas no ato da contratação ou na vigência de um contrato de trabalho considera-se perfeitamente válida a tese da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, posto que é de se reconhecer que a desvantagem em que uma das partes se encontra, pode impedi-lo de manifestar livremente a vontade. Após a dissolução do pacto, no entanto, não há se falar em vulnerabilidade, hipossuficiência, irrenunciabilidade ou indisponibilidade, na medida em que empregado não mais está dependente do empregador. (TST – RR 01650-1999-003-15-00.3; 4ª Turma; Relatora: Juíza convocada Maria Doralice Novaes; publicado no Diário da Justiça em 30/09/2005.)
Portanto, infere-se desse debate doutrinário e jurisprudencial uma grande controvérsia no que tange a aplicabilidade do instituto nos dissídios individuais trabalhistas, o que só foi superado com a pacificação da corrente majoritária pelo Tribunal Superior do Trabalho, entendendo pela não aplicação da arbitragem no Direito Individual do Trabalho.
Nesse sentido, portanto, foi estabelecido o conflito de teses no processo nº E-ED-RR 259006720085030075, fazendo com que os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, conhecessem dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, entendessem pela incompatibilidade do instituto da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas, nos termos de entendimento infraconsignado:
A meu ver, data venia da Eg. Quarta Turma, seja sob a ótica do artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, seja à luz do artigo 1º da Lei nº 9.307/1996, no direito positivo brasileiro o instituto da arbitragem não se aplica à solução de conflitos individuais trabalhistas.
Em primeiro lugar, porque, ao tratar da competência material da Justiça do Trabalho, o legislador constituinte delimitou a utilização da arbitragem à seara do direito coletivo do trabalho, uma vez frustrada a negociação coletiva (art. 114, §§ 1º e 2º, Constituição Federal).
Ora, é sabido que a Constituição Federal não contém palavras inúteis, tampouco permite interpretação ampliativa ou restritiva de seu Texto, mas unicamente uma exegese sistemática de seus dispositivos.
Partindo dessa premissa, o exame conjunto das normas dos artigos 114, §§ 1º e 2º, e5º, XXXV ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"), da Constituição Federal autoriza concluir que o legislador constituinte de fato limitou o manejo da arbitragem aos conflitoscoletivos de trabalho.
Em segundo lugar, porque, como cediço, o artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº9.307/1996), autoriza a adoção da arbitragem para "dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".
Não desconheço a corrente que sustenta, tal qual a Eg. Quarta Turma, a disponibilidade relativa dos direitos individuais trabalhistas. A ela não me filio, contudo, data venia.
Mesmo no tocante às prestações decorrentes do contrato de trabalho passíveis de transação ou renúncia, a manifestação de vontade do empregado, além de apreciada com naturais reservas, deve necessariamente submeter-se ao crivo da Justiça do Trabalho ou à tutela sindical, mediante a celebração de válida negociação coletiva.
Em regra, a hipossuficiência econômica ínsita à condição de empregado interfere no livre arbítrio individual. Daí a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais que regem o Direito Individual do Trabalho.
Em semelhante circunstância, entendo que o princípio tuitivo do empregado, um dos pilares do Direito do Trabalho, inviabiliza qualquer tentativa de promover-se a arbitragem, nos moldes em que estatuído pela Lei nº 9.307/1996, no tocante a direitos individuais trabalhistas.
Sem embargo do respeitável entendimento esposado no v. acórdão turmário, penso que tal proteção estende-se, inclusive, ao período pós-contratual, abrangidas a homologação da rescisão, a percepção de verbas daí decorrentes e até eventual celebração de acordo com vistas à quitação do extinto contrato de trabalho.
A premência da percepção das verbas rescisórias, de natureza alimentar, em momento de particular fragilidade do ex-empregado, frequentemente sujeito à insegurança do desemprego, com maior razão inviabiliza a adoção da via arbitral como meio de solução de conflitos individuais trabalhistas, ante o maior comprometimento do arbítrio do trabalhador diante de tal panorama.
Robustece tal convicção a disciplina do artigo 477, §§ 1º e 3º, da CLT, no que atrela a validade do "pedido de demissão" ou do recibo de quitação do contrato de trabalho à assistência do respectivo sindicato ou à presença da autoridade do Ministério do Trabalho e, na falta destes, do Representante do Ministério Público, ou do Defensor Público ou, ainda, do Juiz de Paz.
De sorte que, sob minha ótica, a intermediação de pessoa jurídica de direito privado - "câmara de arbitragem" - quer na solução de conflitos, quer na homologação de acordos envolvendo direitos individuais trabalhistas, não se compatibiliza com o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil.
(TST - E-ED-RR: 259006720085030075, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 16/04/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 22/05/2015)
2.3- Conflitos coletivos
Como visto, a aplicação da arbitragem para solucionar os conflitos coletivos de trabalho é expressamente admitida pela Carta Magna de 1988, de acordo com o artigo 114, §1 e 2º, da CF/88. Nesse sentido, a doutrina majoritária defende e recomenda a utilização do instituto uma vez que a presença dos sindicatos supre a dependência do empregado e promove o equilíbrio de forças entre empregador e trabalhador, respeitando o princípio da equivalência dos contratantes coletivos.
Um dos motivos para se aceitar a aplicabilidade do juízo arbitral no dissídio coletivo, é a inexistência de parte hipossuficiente, visto que de um lado encontra-se o empregador (isoladamente já é um ser coletivo, por seu próprio caráter, independentemente de se agrupar em alguma associação sindical)[5] e do outro o sindicato que protege os interesses da classe de trabalhadores que representa. Ademais, por o Direito Coletivo do Trabalho ter como objeto interesses de toda uma coletividade, a celeridade do procedimento arbitral se mostra aconselhável já que a morosidade do poder judiciário pode lesar toda uma categoria trabalhadora.
Por derradeiro, é possível concluir que não há qualquer óbice para a aplicação do instituto da arbitragem nos contratos coletivos de trabalho porque a representação dos trabalhadores pelo sindicato ou outro órgão competente afasta qualquer vulnerabilidade suficiente a limitar a autonomia da vontade. Assim, existindo respaldo de órgão representativo dos empregados, cuja função máxima é proteger os interesses da classe que representa, recomenda-se a inserção da convenção de arbitragem nos acordos ou convenções coletivas de trabalho já que a interveniência do sindicato compensa a desvantagem e restabelece o equilíbrio de forças na relação empregatícia.
3- CONCLUSÃO
A partir disso, entende-se o instituto da arbitragem no dissídio trabalhista como alternativa de solução extrajudicial de conflitos muito mais atrativa às partes envolvidas, em virtude do procedimento arbitral ser mais eficiente e célere se comparado à morosidade das decisões do Poder Judiciário.
Pelo estudo realizado, percebeu-se que a arbitragem realizada no dissídio individual se mostrou desaconselhável em virtude da vulnerabilidade, dependência e hipossuficiência do trabalhador diante do empregador, sendo este o entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho. Entretanto, não obstante seja clara a possibilidade – diante dessa vulnerabilidade – do empregado aceitar condições de trabalho e fazer concessões de direitos que normalmente não o faria, entende-se que não se pode subtrair de modo absoluto a utilização do juízo arbitral no âmbito do Direito Individual do Trabalho.
Isso acontece, pois não se deve meramente desconsiderar a manifestação do trabalhador que opte livremente pela arbitragem como método de composição de seu litígio, uma vez que se poderia estabelecer mecanismos capazes de garantir a segurança do procedimento e que a vontade do empregado não seja viciada diante sua posição desvantajosa face ao desequilíbrio de forças. Nesse sentido, Carolina Mayer Spina Zimmer entende que:
O que parece ser viável é a criação de certos mecanismos ou, até mesmo, de exigências que visem a dotar de segurança esse meio de solução de conflito. Poderia haver a participação dos órgãos administrativos, cuja finalidade é proteger o trabalhador e assegurar o correto cumprimento das normas trabalhistas, como as Superintedências Regionais ou o próprio Ministério Público do Trabalho. Não se está defendendo a intervenção direta e imediata desses órgãos, mas o exercício de atividades de fiscalização, para que se verifique se estão sendo respeitados alguns princípios básicos, como a boa-fé, a autonomia da vontade, além da própria proteção, tão relevante para o estudo do Direito do Trabalho [6].
Nessa seara, como esses mecanismos eficazes de fiscalização e garantidores do respeito aos princípios – principalmente o do devido processo legal – ainda não foram estabelecidos, mostra-se necessário defender a inaplicabilidade da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas em virtude dos riscos gerados na utilização do instrumento quando se está diante de partes desiguais. Assim, para aplicação do juízo arbitral de forma mais ampla, faz-se mister implementar normas específicas para regular e garantir a segurança e a lisura do procedimento.
Por outro lado, em que pese os argumentos serem contrários à realização da arbitragem nos conflitos individuais, não há que se hesitar sobre a sua aplicabilidade e vantagens no que tange aos dissídios coletivos. Isso se dá, pois a interferência do sindicato ou outro órgão competente protege os interesses da classe de trabalhadores na disputa por melhores condições de trabalho aos seus representados, compensando a desvantagem ao afastar o desequilíbrio de forças.
Com isso, por expressa previsão constitucional, não somente é possível, como deve ser incentivada a instituição da arbitragem nos conflitos coletivos em detrimento da morosidade do Poder Judiciário e sua imensa demanda por decisões judiciais que, muitas vezes, acarreta a ineficácia da prestação jurisdicional.
Tal incentivo deve ocorrer a partir de uma profunda e necessária mudança de mentalidade no meio judiciário já que a maior utilização da arbitragem nos conflitos coletivos pode colaborar no intuito de verdadeiramente diminuir a demanda na Justiça do Trabalho e garantir o reconhecimento do direito da parte de forma mais efetiva e célere, com a pacificação de interesses entre trabalhador e empregador.
Assim, Georgenor de Souza Franco Filho exalta que:
Através da solução arbitral dos conflitos trabalhistas poderá se ter condições de encontrar a almejada convivência realmente pacífica entre os fatores da produção, a partir de que capital e trabalho, em comum acordo, atribuam a um terceiro, privado, independente e isento, a busca de remédios para sarar seus desentendimentos. É forma válida para se obter a composição de divergências entre as categorias econômica e profissional e aperfeiçoar a distribuição da riqueza. Não é mecanismo utópico. Ao contrário, com sua boa implementação e o conhecimento acurado de suas técnicas, poderá ser a fórmula que se busca para o perfeito entendimento entre os parceiros sociais”.[7]
Portanto, a arbitragem, em razão da informalidade, flexibilidade, confidencialidade e celeridade do seu procedimento, caracteriza-se como um enriquecimento na composição de litígios e verdadeira alternativa de solução extrajudicial de conflitos que contribui decisivamente para minimizar a crise estrutural e institucional do sistema judiciário trabalhista brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 10ª Ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2011.
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1997.
MARTINELLI, Dariane Marques. Arbitragem no Direito Coletivo do Trabalho. Disponível em: <http://www.trt9.jus.br/internet_base/pagina_
geral.do?secao=31&pagina=Revista_59_n_2_2007>. Acesso em: 15 dezembro 2015.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MARTINS, Sérgio Pinto. Jornal do Advogado, Nº 86, Julho/2006.
ZIMMER, Carolina Mayer Spina. A Arbitragem e o Direito Individual do Trabalho. Disponível em <http://www.estadodedireito.com.br/2012/
01/15/a-arbitragem-e-o-direito-individual-do-trabalho/>.
[1] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
[2] MARTINELLI, Dariane Marques. Arbitragem no Direito Coletivo do Trabalho. Disponível em: <http://www.trt9.jus.br/internet_base/pagina_geral.do?secao=31&pagina=Revista_59_n_2_2007>. Acesso em: 15 dezembro 2015.
[3] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. Um comentário à Lei 9.307/96. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2004. Pg 59.
[4] Martins, Sérgio Pinto. Jornal do Advogado, Nº 86, Julho/2006, pág. 78.
[5] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 10ª Ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2011. Pg.1250
[6] ZIMMER, Carolina Mayer Spina. A Arbitragem e o Direito Individual do Trabalho. Disponível em <http://www.estadodedireito.com.br/2012/01/15/a-arbitragem-e-o-direito-individual-do-trabalho/>. .
[7] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 74.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, pós-graduado em Direito Constitucional e pós-graduando em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Instituto Elpídio Donizetti, além de técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - TJPE desde o ano de 2012. Autor dos livros Arbitragem: método alternativo de resolução de conflitos (Livro rápido, 2015) e Controle de ato administrativo discricionário (Livro rápido, 2016), além de artigos publicados nas áreas do direito trabalhista (A aplicação da arbitragem ao dissídio trabalhista - Conteúdo Jurídico, 2015), internacional, administrativo, consumidor e processual civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, André de Farias. A aplicação da arbitragem ao dissídio trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45756/a-aplicacao-da-arbitragem-ao-dissidio-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.