1. Responsabilidade Civil do Estado
Em caso de dano resultante de comportamento originado do Poder Executivo, Legislativo, ou Judiciário, a consequência é a responsabilidade do Estado, e não da Administração Pública, já que ela não tem personalidade jurídica. O Estado é o detentor de personalidade jurídica e o titular de direitos e obrigações na ordem civil.
Segundo Di Pietro (2014, p. 715): “A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária”.
Esta modalidade de responsabilidade civil, também chamada de extracontratual, nada mais é do que a submissão do Poder Público ao Direito. Todos devem, sem distinção, responder por comportamentos violadores do direito alheio. Nada mais isonômico do que o Estado, quando no desempenhar de suas atividades causar dano a alguém, promover a respectiva reparação do bem lesado.
Diferentemente do direito privado, em que a responsabilidade advém de um ato ilícito, no direito administrativo ela pode ter como causa comportamentos lícitos (comissivos ou omissivos) que, contudo, causem prejuízo a terceiros.
Para Di Pietro (2014, p. 716): “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.
Apesar de hodiernamente a tese da responsabilidade pública/estatal parecer lógica, nem sempre foi assim, ela sofreu enorme resistência, mesmo após o surgimento do Estado Constitucional.
2 Fases de Evolução
2.1 Irresponsabilidade do Estado
Própria dos regimes absolutistas, a teoria partia da premissa de que o Estado deveria impor-se a todos, pois o rei não cometia erros (the king can do no wrong). E sendo os agentes públicos representantes do rei, estes também não poderiam ser responsabilizados por seus atos, pois praticavam atos do rei. Excepcionalmente, a responsabilização poderia ocorrer, mas somente se houvesse lei específica e com previsão expressa.
A responsabilização pessoal do agente, quando praticasse ato lesivo ao particular em decorrência de um comportamento pessoal, também era possível, apesar do patrimônio inexpressivo que deveria responder. Era a chamada “garantia administrativa dos funcionários” - Instituída pelo art. 75 da Constituição do Ano VIII (de 13 de dezembro de 1799), estabelecia que as ações contra estes perante os Tribunais Civis dependiam de prévia autorização do Conselho de Estado francês, o qual raramente a concedia.
2.2 Responsabilidade com culpa civil comum do Estado
Nesta fase almejou-se equiparar o Estado ao indivíduo, sendo assim, as hipóteses passíveis de obrigação e responsabilização entre os particulares também deveriam ser utilizadas para que o Estado indenizasse os danos causados aos particulares.
O problema neste momento era prático, pois somente existia a obrigação de o Estado indenizar, quando os seus agentes agissem com culpa ou dolo, o que cabia ao particular lesado provar e trazia grandes dificuldades (elementos subjetivos).
2.3 Teoria da culpa administrativa
Segundo Alexandrino (2013, p.805): “A teoria da culpa administrativa representou o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a responsabilidade objetiva atualmente adotada pela maioria dos países ocidentais”.
Para esta teoria, haveria uma distinção entre a culpa individual do funcionário, pela qual ele mesmo responderia pelo dano que causasse, e a culpa pelo serviço que funcionou mal, em que o funcionário não é identificável, tratando-se de uma culpa anônima. O dever de o Estado indenizar, nesse caso, seria em relação ao dano sofrido pelo particular quando fosse comprovada a falta do serviço.
Ensina Alexandrino (2013, p. 805):
A tese subjacente é que somente o dano decorrente de irregularidade na execução da atividade administrativa ensejaria indenização ao particular, ou seja, exige-se também uma espécie de culpa, mas não culpa subjetiva do agente, e sim uma culpa especial da Administração à qual convencionou-se chamar culpa administrativa ou culpa anônima.
Esta modalidade de responsabilização do Estado (falta do serviço) pode ocorrer de três formas: por inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço. Devendo o particular prejudicado comprovar sua ocorrência para fazer jus à indenização.
2.4 Teoria do risco administrativo
Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais e está alicerçada no artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, segundo a qual: "para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades". Entretanto, quando alguém sofre um ônus maior do que o suportado pelos demais, rompe-se o equilíbrio dessa contribuição comum, e para restabelecê-lo o Estado precisa indenizar o lesado.
Esta teoria serve de fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado. São pressupostos para sua aplicação, segundo Di Pietro (2014, p. 719):
(a) que seja praticado um ato lícito ou ilícito, por agente público; (b) que esse ato cause dano específico (porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal); (c) que haja um nexo de causalidade entre o ato do agente público e o dano.
Não se faz mais necessária a comprovação da culpa ou da existência de falta do serviço. A atuação estatal que cause dano ao particular faz nascer para administração púbica a obrigação de indenizar. Isto é, desde que o particular não tenha concorrido para o resultado, ou a responsabilização (indenização) poderá ser diminuída.
Existe divergência doutrinária, mas a responsabilização estatal também pode ser mitigada em situações que envolvam a culpa de terceiro, a força maior ou o caso fortuito.
2.5 Teoria do risco integral
A teoria do risco integral consiste em uma responsabilidade civil absoluta da administração pública. Nela não existe a possibilidade de atenuantes ou mitigadores (excludentes) da responsabilização do Estado – bastando a existência do evento danoso e do nexo de causalidade para que surja a obrigação de indenizar. Não há a necessidade de atribuição e partilha de culpa, seja ela particular ou estatal. O risco decorrente da atividade e o dano dela decorrente é todo do Estado - integralmente.
Existe divergência na doutrina acerca das hipóteses de aplicação da responsabilização estatal na modalidade “risco integral”. Um dos exemplos mais citados é dos casos de acidentes nucleares (CRFB/88, art. 21, XXIII, “d”).
Di Pietro (2014) cita outras possibilidades, como em casos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, conforme previsto nas Leis n.º 10.309, de 22-11-01, e 10.744, de 9-10-03, e também algumas hipóteses de risco integral nas relações obrigacionais, conforme artigos 246, 393 e 399 do Código Civil.
REFERÊNCIAS:
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 21 ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 27 ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
_____, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992.
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