RESUMO: O presente trabalho teve por escopo fundamental apontar os diversos aspectos da prisão civil do devedor de alimentos, revelando, principalmente, a forma como essa coerção é utilizada no Brasil e a sua duvidosa eficácia quando aplicada em determinadas circunstâncias. O estudo da prisão civil por dívida alimentar é, de fato, tema importante e polêmico e deverá sempre analisar os direitos humanos, tanto sob o aspecto do credor alimentado, que necessita de meios para sua subsistência, como sob o aspecto do alimentante inadimplente, que não pode ser simplesmente coagido ao pagamento sem o devido respeito à sua dignidade. O estudo foi realizado através de pesquisas bibliográficas, análise de jurisprudências e exame da legislação brasileira e estrangeira. O objetivo do presente Artigo Científico foi demonstrar outros meios que também podem ser usados para compelir o devedor de alimentos ao pagamento da obrigação. A comparação da legislação brasileira sobre o tema com a legislação de diversos países do mundo revela que o direito pátrio ainda necessita de alterações que busquem novas alternativas para garantir o cumprimento da dívida alimentícia, sem que, no entanto, restrinja em demasia o devedor dos alimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Obrigação Alimentícia. Prisão Civil. Dignidade da Pessoa Humana.
ABSTRACT: This work was to study fundamental point of the various aspects of civil arrest the debtor, revealing, especially how such coercion is used in Brazil and its dubious effectiveness when applied in certain circumstances. The study of civil imprisonment for debt food is important and controversial issue and should always consider the human rights, both under the aspect of the creditor, who need the means to their livelihood, as under the aspect of the debtor defaulting, which can not simply be coerced to pay without due respect for their dignity. The study was conducted through literature searches, analysis of jurisprudence and review of the legislation in Brazil and abroad. The objective of this scientific article was to demonstrate that other means can also be used to compel the debtor to pay the obligation. The comparison of the Brazilian legislation on the subject to the laws of several countries shows that the law still require changes that seek new alternatives to ensure compliance with the debt food, without, however, restrict the debtor.
KEYWORDS: Alimony Obligation. Civil Imprisonment. Human Dignity.
1 INTRODUÇÃO
No atual ordenamento jurídico brasileiro, a prisão civil em decorrência de dívida, em regra, não possui amparo legal sendo admitida, excepcionalmente, pela Constituição Federal em duas hipóteses: a do depositário infiel e a do devedor voluntário de obrigação alimentícia.
É válido destacar que a prisão civil do depositário infiel não mais subsiste no direito pátrio, tendo em vista a adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, desde a ratificação do mencionado pacto pelo país, não haveria mais base legal para a prisão civil do depositário infiel, prevista no art. 5º, LXVII, mas apenas para a prisão civil decorrente da dívida de alimentos.
Com efeito, a prisão civil do devedor de alimentos é medida excepcional que somente deverá ser utilizada depois de esgotados os demais meios executivos da obrigação, tais como a penhora de bens, o desconto em folha de pagamentos ou a auferição de rendimentos do devedor.
A excepcionalidade da coação pessoal por dívida alimentar se justifica pela observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. Isto porque, quando o alimentado requer a execução da dívida, esta deverá ocorrer da forma mais célere possível, a fim de garantir o suprimento de suas necessidades. Ao passo que, quando se determina a execução contra o devedor, aquela deverá ocorrer da forma que mais lhe favoreça, respeitando sua dignidade.
De fato, a prisão civil, por vezes, é um meio hábil para se coagir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação, mas este instituto não deve ser utilizado de forma arbitrária, posto que, além de ser medida excepcional que somente deverá ser aplicada caso haja inadimplemento voluntário e inescusável, existem outros mecanismos bastante eficazes que também podem levar o devedor a adimplir o débito.
O presente trabalho tem por escopo fundamental demonstrar os diversos aspectos da prisão civil do devedor de alimentos, revelando, principalmente, a forma como essa coerção é utilizada no Brasil e a sua duvidosa eficácia quando aplicada em determinadas circunstâncias.
A metodologia empregada na realização deste artigo científico será bibliográfica, apoiada pela análise em jurisprudências dos tribunais pátrios e também na análise da legislação brasileira e estrangeira. Através do estudo de diversos autores, como Yussef Said Cahali, Carlos Roberto Gonçalves, Orlando Gomes, Araken de Assis e outros, os limites da pesquisa serão delineados.
Dito isto, observa-se no presente Artigo Científico uma breve explanação sobre o conceito da obrigação alimentícia, uma análise crítica dos requisitos para a fixação do valor da prestação de caráter alimentar, os mecanismos utilizados para a execução da sentença que fixa os alimentos e, por fim, os aspectos positivos e negativos da prisão civil por dívida alimentar, com as concernentes alternativas apresentadas pelos estudiosos ao mecanismo da coação pessoal do devedor de alimentos.
2 A OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA NO DIREITO BRASILEIRO
O instituto dos alimentos, conceituado no seu sentido mais comum, pode ser entendido como tudo aquilo necessário à subsistência do ser humano, isto é, como um pressuposto de sobrevivência daquele.
No ordenamento jurídico pátrio, entretanto, esse instituto recebe uma conotação mais abrangente, na medida em que não visa garantir apenas a subsistência do necessitado, mas também a satisfação de outras necessidades, tal como a manutenção da condição social daquele que precisa.
Segundo ensina Gomes (1999), os alimentos são as prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode, por si, provê-las, em razão de qualquer motivo relevante, tal como idade avançada, enfermidade, podendo abranger, além daquilo necessário à subsistência, outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada.
Outrossim, Venosa (2005, p.181) também conceitua o referido instituto:
Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos assim traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua subsistência.
A obrigação alimentar, em sua compreensão ampla adotada pelo Direito Brasileiro, também pode ser entendida como as prestações, impostas por lei e fornecidas por um familiar ao parente necessitado, para assegurar a subsistência deste, devendo tais prestações compreender, além do aspecto físico, os aspectos morais e sociais da vida do indivíduo que delas depende.
Originária do dever de assistência entre os familiares e também decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, a obrigação alimentícia possui, ainda, um fundamento constitucional estabelecido no art. 229 da Magna Carta, o qual dispõe que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
Corroborando com o que dispõe a Lei Maior acima citada, embora se reconheça atualmente como dever do Estado a assistência àqueles que não têm condições suficientes de prover sua subsistência, essa função, conforme já conceituado anteriormente, é, de fato, destinada àqueles que, por uma obrigação ética, devem assistir os necessitados, isto é à família.
Com efeito, o Estado, amparado pela solidariedade que deve existir entre os membros de uma mesma família, institui a obrigação de assistência mútua entre eles, convertendo o dever moral do auxílio familiar em norma jurídica. É o que se pode deduzir dos ensinamentos de Rodrigues (2005, p.282) sobre o tema:
A tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas, no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuges ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência.
Ainda no mesmo sentido:
Seu fundamento encontra-se no princípio da solidariedade familiar. Embora se tenha fortalecido ultimamente a convicção de que incumbe ao Estado amparar aqueles que, não podendo prover à própria subsistência por enfermidade ou por outro motivo justo, necessitam de ajuda e amparo, persiste a consciência de que devem ser chamados a cumpri-lo, se não a satisfazem espontaneamente, as pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar (ORLANDO GOMES, 1999, p.429).
Na perspectiva do entendimento doutrinário acima destacado, resta evidenciado o caráter eminentemente assistencial da obrigação alimentar no direito brasileiro. Isto é, o dever de prestar alimentos, imposto aos familiares por uma norma legal, baseia-se na assistência que já deve existir entre estes, não tendo, pois caráter indenizatório, bastando que, por qualquer motivo justificado, o parente se encontre necessitado, sem condições de prover seu próprio sustento.
Ao concretizar a regra constitucional exposta, o atual Código Civil brasileiro, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11.01.2003, tratando dos alimentos nos artigos 1694 a 1710, assim como algumas legislações esparsas, prevêm a possibilidade do pedido de pensão alimentícia entre os parentes e estabelece, ainda, as regras para a concessão desse direito.
3 REQUISITOS PARA A FIXAÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA
O Código Civil brasileiro regulamentando o instituto acima conceituado, em seu art. 1694, § 1º, estabelece dois requisitos que devem ser levados em conta quando da fixação do montante da prestação a ser paga pelo alimentante ao alimentado. Declara a referida norma que “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Como já demonstrado anteriormente, a obrigação alimentar decorre, primordialmente, dos princípios da solidariedade familiar e dignidade da pessoa humana e seu valor deve ser fixado em observância a esses axiomas. Diante disso e tal como ensina o Código Civil de 2002, quando da fixação do valor a ser pago a título de prestação alimentícia, o juiz deverá sempre observar a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, ponderando os dois critérios, não deixando que um sobreponha o outro.
Nesse contexto, não é justo impor o pagamento de pensão alimentícia àquele que somente possui o necessário a sua própria subsistência e, ainda, àquele que possui parcos recursos não se pode fixar a pensão em valor elevado, ao passo que quando o obrigado tratar-se de pessoa de amplos recursos o valor da pensão deverá ser mais alto, considerando tal circunstância.
Sobre o tema, Gonçalves (2011, p.531):
Não deve o juiz, pois, fixar pensões de valor exagerado, nem por demais reduzido, devendo estimá-lo com prudente arbítrio, sopesando os dois vetores a serem analisados, necessidade e possibilidade, na busca do equilíbrio entre eles.
A regra estabelecida no caput do artigo 1964 do Código Civil dispõe que os alimentos devem ser fixados em favor do alimentado a fim de que ele possa “viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. De fato, a referida norma impõe ao magistrado a fixação justa dos alimentos com a observância das necessidades do alimentado que deverá continuar vivendo conforme sua condição social.
No entanto, a regra é bastante genérica e variará conforme o caso concreto, não podendo os alimentos, sob o pretexto de servirem para manter a condição social do necessitado, servirem, ao invés, como fonte de enriquecimento sem causa daquele. Isto é, não podem os alimentos serem fixados muito além das necessidades de quem os requer sob a argumentação de que quem os deve possuir excelente condição financeira.
Atualmente, a questão gira, basicamente, em torno de, muitas vezes, o magistrado fixar prestação alimentícia em valor exorbitante, considerando, quase que exclusivamente, as grandes possibilidades do devedor, sem, contudo, analisar as verdadeiras necessidades do alimentado. Nesses casos, há a inobservância do requisito da proporcionalidade, ou seja, do binômio necessidade/possibilidade.
Com efeito, a jurisprudência pátria tem entendido que os alimentos não devem servir para constituição de renda ou para a manutenção de luxo do alimentado, senão veja-se:
[...] Os alimentos hão de ter, na devida conta, as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Vale dizer: serão fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Não tem cabida exigi-los além do que o credor precisa, pelo fato de ser o devedor dotado de altas posses; nem pode ser este compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores [...] (TJMG, 8.ª CC, Apelação Cível n.º 1.0702.03.068385-9/001, Rel.ª Des.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO, pub. 24/01/2008).
[...] proporcionar ao alimentando vida de luxo, ostentação e superfluidade não é fundamento da obrigação alimentar, pois a necessidade de viver de modo compatível com a sua condição social não tem, juridicamente, esse desmedido alcance, razão por que se impõe a redução do pensionamento [...] (TJMG, 5.ª CC, Apelação Cível n.º 1.0024.04.357719-6/002, rel. Des. NEPOMUCENO SILVA, pub. 05/12/2008).
Não devem os alimentos, portanto, servir de fonte para o enriquecimento ilícito do alimentado, devendo ser fixados de acordo com as possibilidades de quem os paga, considerando-se, primordialmente, as reais necessidades daquele que os reclama. Observando-se os requisitos trazidos pela lei civil, evita-se que a verba alimentícia perca seu caráter assistencial, correspondendo precisamente àquilo que supre as despesas do reclamante sem que sirva, para tanto, de fonte de seu enriquecimento sem causa, não onerando, ademais, aquele que deve fornecer os alimentos.
Nesse diapasão, pode-se ainda verificar que a fixação proporcional e razoável da prestação alimentícia evita que aquele que é devedor da obrigação deixe de adimpli-la por considerá-la exorbitante, seja porque sacrifica o seu sustento ou mesmo porque serve para a ostentação do credor
4 A EXECUÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA: Prisão Civil do Devedor de Alimentos
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre diversas formas de satisfação do credor de prestação alimentícia, estabelecendo variadas modalidades de execução dessa espécie de crédito, dentre elas a prisão do alimentante inadimplente.
Efetivamente, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LXVII, estabelece duas hipóteses, como medidas excepcionais, de prisão civil no atual sistema jurídico, são os casos da prisão do devedor da obrigação alimentar e do depositário infiel.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
A prisão do depositário infiel, todavia, não mais é admitida no direito pátrio. Tendo em vista a incorporação, pelo Brasil, da Convenção Internacional de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), o Supremo Tribunal Federal entendeu não ser mais cabível essa hipótese de prisão civil por dívida no direito pátrio.
A coação pessoal decorrente da dívida de caráter alimentar, por sua vez, ainda subsiste. Trata-se de uma forma de proteção do interesse público, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, posto que a dívida alimentar tem por escopo a preservação da vida daquele que necessita dos alimentos, devendo, portanto, ser cumprida da forma mais célere possível.
O constituinte, no entanto, em razão da gravidade da execução forçada da dívida alimentar através da prisão condicionou a aplicabilidade desta a dois requisitos, quais sejam à voluntariedade e inescusabilidade da falta de pagamento do devedor. Isto é, faz-se necessário que o devedor de alimentos não cumpra a obrigação de pagar por mera liberalidade unilateral e sem qualquer justo motivo que ratifique seu inadimplemento. Caso não efetue o pagamento por encontrar-se impossibilitado de fazê-lo, não se legitima a decretação da pena detentiva.
Monteiro (1997, p.378), nesse sentido, observa:
Só se decreta a prisão se o alimentante, embora solvente, frustra, ou procura frustrar, a prestação. Se ele se acha, no entanto, impossibilitado de fornecê-la, não se legitima a decretação da pena detentiva. Assim, instituída como uma das exceções constitucionais à proibição de coerção pessoal por dívida, a prisão por débito alimentar reclama acurado e criterioso exame dos fatos, para vir a ser decretada, em consonância com o princípio de hermenêutica, que recomenda exegese estrita na compreensão das normas de caráter excepcional.
Em observância à excepcionalidade estabelecida na Constituição Federal para que seja aplicada a coação pessoal, estabelecida pelo Código de Processo Civil, na execução da dívida alimentar, o legislador infraconstitucional dispõe de uma gradação entre os demais meios de execução dessa dívida, colocando a prisão civil como última hipótese.
De fato, os artigos 16, 17 e 18 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos) formulam uma sequência de atos que devem ser cumpridos antes de ser a dívida executada nos moldes do que dispõe o Código de Processo Civil, isto é, de forma a decretar a prisão civil do devedor que frustra o pagamento.
Embora haja divergência doutrinária acerca dessa gradação, Assis (2007, p.905) reitera que:
Mostra-se evidente, assim, o intuito dos artigos 16 a 18 da Lei 5.478/68, de estabelecer certa ordem no uso dos meios executórios. Das cláusulas cuidadosamente dispostas nos textos legislativos resulta a seguinte gradação: primeiro, o desconto em folha; em seguida, a expropriação (de aluguéis ou de outros rendimentos); por último, indiferentemente, a expropriação (de quaisquer bens) e a coação pessoal.
Dessa forma, em respeito ao princípio processual do menor sacrifício do executado, caso o devedor seja empregado, funcionário público ou militar, primeiro far-se-á o desconto em folha de pagamento do valor da pensão. Quando essa opção não for possível, as prestações poderão ser cobradas de aluguéis de prédios ou de quaisquer outros rendimentos do devedor. Somente se nenhuma dessas hipóteses, quais sejam o desconto em folha ou o pagamento direto através de rendimentos, forem viáveis, o credor poderá requerer judicialmente a prisão civil, com base o artigo 733 do Código de Processo Civil.
Sobre o desconto em folha, citando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Gonçalves (2011, p.566) leciona que:
O desconto da pensão em folha constitui meio executório de excelsas virtudes, uma vez que o efeito mandamental imediato realiza a obrigação pecuniária do título. Em atenção “ao êxito e à simplicidade do mecanismo do desconto, o art. 16 da Lei 5.478/68 conferiu-lhe total prioridade, sobrepondo-o, inclusive, à coação pessoal. Compete ao credor socorrer-se primeiro dessa modalidade executiva, para só então, frustra ou inútil por razões práticas – por exemplo: desemprego do alimentante -, cogitar de outros expedientes”.
Sendo assim, caso o devedor não efetue o pagamento, mesmo após a realização dos expedientes acima elencados, não justificando a impossibilidade de cumprir a obrigação, poderá o credor requerer que o juiz cite o alimentante inadimplente, com base no art. 733 do Código de Processo Civil, para “em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo”, sob pena de prisão pelo prazo de um a três meses.
Esclarecendo a norma processual, Moreira (1997, p.261) aduz que:
A imposição da medida coercitiva pressupõe que o devedor, citado, deixe escoar o prazo de três dias sem pagar, nem provar que já o fez, ou que está impossibilitado de fazê-lo (art. 733, caput). Omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor, por tempo não inferior a um nem superior a três meses (art. 733, §1°, derrogado aqui o art. 19, caput, fine, da Lei n. 5478). Como não se trata de punição, mas de providência destinada a atuar no âmbito do executado, a fim de que realize a prestação, é natural que, se ele pagar o que deve, determine o juiz a suspensão da prisão (art. 733, § 3°), que já tenha começado a ser cumprida, quer no caso contrário.
No que concerne ao montante do débito que autoriza a prisão civil do devedor de alimentos, tem-se entendido, majoritariamente, que somente as três últimas parcelas em atraso e as que vencerem no curso do processo poderão permitir a execução através da coação pessoal do devedor. Isto porque, segundo o entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência, o débito anterior aos últimos três meses perde seu caráter alimentar.
Com efeito, é o que estabelece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema em sua Súmula nº 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
No entanto, o tema é controvertido na doutrina e também na jurisprudência brasileira. Segundo o entendimento divergente, não há que se fazer distinções entre a dívida vencida há três meses e aquela vencida há mais tempo, pois ambas possuem caráter alimentar e tratar essas dívidas de forma diferenciada seria permitir uma afronta ao texto constitucional. Nesse sentido, é o entendimento de Farias (2006):
Esclareça-se, demonstrando à toda evidência a inconstitucionalidade do tratamento diferenciado entre alimentos atuais e alimentos pretéritos: admitir efeitos jurídicos diferenciados para o débito alimentar pretérito (vedada a prisão civil como meio de coerção), importaria em tratamento desigual, diferenciado, para devedores e credores com dívidas de idêntica natureza. É dizer, sujeitos da mesma obrigação alimentícia estariam submetidos a consectários diferentes (permitida a prisão civil para a dívida nova, mas não para a dívida velha), o que martirizaria a legalidade constitucional (em especial o caput do art. 5º) 42, além de ser fonte induvidosa de injustiças.
Segundo o entendimento de Gagliano (2005), a quantidade de parcelas que justificará a prisão do devedor deverá ser aferida pelo juiz, dependendo do caso concreto, com a necessária interveniência do Ministério Público e de acordo com os elementos probatórios trazidos pelas partes. Para o autor, não é razoável que a prisão seja decretada apenas em decorrência do atraso das três últimas parcelas, pois não há fundamento jurídico para tal regra.
Em resumo, a norma processual civil e a lei de alimentos, atendendo ao disposto na Constituição Federal, estabelecem diversas maneiras de o credor executar a obrigação alimentícia sem que recorra, primeiramente, à coação pessoal do devedor. De fato, a prisão civil é medida excepcional que só deverá ser aplicada em casos extremos em que o devedor, embora possua meios de saldar a dívida, se recuse a fazê-lo.
5 A EFICÁCIA DA PRISÃO CIVIL NO DIREITO BRASILEITO
Leciona Gonçalves (2011) que, no direito pátrio, a obrigação de prestar alimentos possui cunho assistencial e não indenizatório. Em decorrência desse caráter da prestação, a prisão civil do devedor de alimentos não pode objetivar a punição do alimentante inadimplente, mas apenas forçá-lo ao cumprimento da obrigação, prestando a assistência devida ao credor necessitado.
Diante dessa perspectiva, durante a execução da obrigação alimentar o princípio da dignidade humana deve sempre ser considerado, tanto sob o aspecto do alimentado como também do alimentante. Deve-se buscar o adimplemento da obrigação para que o alimentado não seja privado do necessário à sua subsistência, sem deixar de observar os direitos do alimentante, que também não pode ter afetada a sua dignidade.
Nesse sentido, entende Farias (2006, p.36):
[...]toda e qualquer decisão acerca de alimentos deve ser presidida pelo (fundamental) princípio da dignidade do homem, respeitando as personalidades do alimentante ou alimentado, pena de incompatibilidade com o Texto Magno.
Ademais, o Código de Processo Civil brasileiro baseia o processo executório nos princípios da efetividade e da menor onerosidade do devedor. Conjugando o ensinamento dos dois princípios, a execução deve ocorrer de modo que seja satisfeita a prestação sem que, para tanto, haja um prejuízo excessivo ao devedor.
É nesse sentido que se tem entendido ser a prisão civil a última hipótese aplicada na execução de alimentos, não podendo ser decretada antes de serem utilizados outros meios que também possuam eficácia. Entende Marinoni (2007) que a adoção da coerção pessoal somente deve ser utilizada quando não mais existirem meios idôneos para se garantir o pagamento da dívida, pois a execução baseia-se nas regras de menor restrição possível do devedor.
Nesse contexto, apesar da gravidade da prisão civil, existem situações em que essa modalidade de coerção não é eficaz para o pagamento da dívida de natureza alimentar. São os casos em que a aplicação da medida prisional deixa de ser meramente coercitiva e passa a ser uma punição, não somente para o devedor, mas também para o credor, eis que seu problema não encontrou solução e o litígio entre as partes tende a se acentuar.
Insurge salientar o caso do trabalhador autônomo que, ao ser preso, não poderá obter os recursos necessários para cumprir a obrigação. Imagina-se, por exemplo, a decretação da prisão civil de um motorista de táxi. Este, sobrevivendo do que recebe diariamente, impossibilitado de trabalhar, não poderá quitar os débitos alimentares que possui.
Naturalmente, se o alimentante deixar de pagar a prestação, o alimentado poderá utilizar o mecanismo da coerção pessoal para forçá-lo ao pagamento. No entanto, em casos como o referido acima, a prisão civil, provavelmente, não gerará os efeitos esperados, servindo como uma mera punição, fundada muitas vezes no sentimento de vingança, utilizada pelo alimentado contra o alimentante inadimplente.
Na situação citada, seria mais útil, a ambas as partes da execução, estabelecer uma solução alternativa que compelisse o devedor ao pagamento, satisfazendo as necessidades do credor, sem que fosse necessária a prisão civil. Poderia, por exemplo, o magistrado, na execução, aplicar uma multa pecuniária por dia de atraso, posto que, desse modo, se estaria coagindo o devedor ao pagamento sem impedir que ele trabalhe.
Outro caso comum de ineficácia da prisão civil ocorre quando o alimentante não mais consegue cumprir a obrigação por encontrar-se desempregado. A jurisprudência pátria, nesses casos, tem entendido não consistir justificativa plausível para o não pagamento dos alimentos a simples alegação de desemprego, ainda que, verificada a mudança nas circunstâncias fáticas, o devedor proponha ação de revisão da pensão alimentícia.
Nessas situações, é inconteste a ineficácia da aplicação da prisão civil ao devedor de alimentos, visto que este, ainda que temporariamente, restará impossibilitado de adimplir a obrigação, servindo a prisão, mais uma vez, como simples mecanismo de punição pelo não pagamento.
É importante ressaltar que, de fato, não pode o magistrado acolher a mera alegação de desemprego sem prova da inescusabilidade do não pagamento da obrigação. Por outro lado, não se pode permitir que o alimentante, tendo modificada sua situação financeira seja coagido, através da prisão, ao pagamento de uma prestação que ele não mais tem condições de arcar.
Recentemente, acompanhou-se através da mídia o drama do ex-jogador de futebol Zé Elias que foi preso por uma dívida oriunda de obrigação alimentícia no valor de aproximadamente R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Conforme o depoimento do ex-jogador, a prestação, cujo valor correspondia a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), foi acordada enquanto aquele estava no auge de sua vida profissional. Desempregado, Zé Elias não mais conseguiu adimplir a obrigação e, mesmo tendo proposto ação revisional de alimentos, ficou preso por um período de 30 (trinta) dias.
No caso do ex-jogador, além da total ineficácia da prisão, há de se observar que, ainda que o valor da pensão tenha sido reduzido por meio de ação revisional, as prestações anteriores continuam devidas e o pedido de revisão em nada altera a execução sob o rito do art. 733 do Código de Processo Civil. Desse modo, enquanto não há decisão acerca do pedido de revisão dos alimentos, o devedor continua obrigado, e passível de ser executado, a um valor que não mais corresponde à sua condição financeira.
Dificultando ainda mais a situação do devedor nesses casos, salienta-se que as ações revisionais possuem uma tramitação vagarosa, podendo alcançar os vários graus de recurso, com resultado eficaz somente depois de ampla instrução probatória. Enquanto isso, a execução de alimentos corre por um rito mais célere e analisa apenas superficialmente a justificativa de inadimplemento dada pelo devedor, não havendo vasta instrução probatória ou qualquer análise sobre os critérios de proporcionalidade da fixação do valor dos alimentos.
Sobre o tema, interessante destacar, segundo notícia divulgada pelo site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a recente decisão proferida pela Quarta Turma do referido tribunal, na qual foi afastada a prisão civil por se entender que o devedor restaria impossibilitado de prover seus rendimentos e, tal fato, prejudicaria o próprio alimentando.
No caso discutido no STJ, o devedor era um pai que, no momento da fixação do valor da prestação alimentícia, era dono de uma empresa. Posteriormente, essa empresa foi fechada e o alimentante, em novo emprego, passou a receber uma remuneração bastante inferior, deixando de adimplir a obrigação alimentícia. Após o pedido de revisão, a pensão foi reduzida de três salários mínimos para 30% dos rendimentos do devedor, além de afastada a pensão para a ex-mulher. Revisto o valor, o alimentante passou a pagar conforme o ajustado.
No julgamento, segundo o Ministro Raul Araújo, todos os fatos alegados apontavam que o inadimplemento do pai não era de todo inescusável e voluntário, de modo a autorizar a prisão civil, posto que quando foi feita a revisão do valor da pensão, restabeleceu-se a regularidade do pagamento. Ainda conforme o Ministro, no caso em análise, não se trata de negar a existência da dívida, mas apenas de submetê-la ao meio adequado de cobrança, restrito à disponibilidade patrimonial do devedor.
Nesse sentido, a decisão pela prisão civil deve ser revestida de muita prudência, considerando-se, minuciosamente, as circunstâncias do caso concreto. Utilizar-se da prisão civil como principal meio de execução da dívida alimentar é ofender o Texto Constitucional, se esquivando do caráter excepcional desse instrumento executório.
Efetivamente, na utilização do mecanismo da prisão civil, há que se fazer uma ponderação de interesses. A execução da obrigação alimentícia, ao possibilitar a coerção pessoal do devedor, coloca em confronto dois direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, quais sejam o direito à vida e o direito à liberdade. Sopesando os dois direitos, considerando que não são absolutos e ilimitados, a Carta Magna permite a prisão civil por dívida alimentar com o fim precípuo de evitar a morte daquele que necessita dos alimentos. Todavia, considerando, em determinadas circunstâncias, a total ineficácia desse mecanismo de execução não se estaria protegendo o direito do alimentado. Ao contrário, haveria um detrimento do direito à liberdade do devedor sem que se estivesse garantindo a vida do credor necessitado.
Ademais, não se pode esquecer que o devedor de alimentos, no Brasil, não possui prerrogativa alguma ao ser detido, ficando em celas lotadas por presos que cometeram as mais variadas espécies de crimes. Não é legítimo que um pai de família impossibilitado de pagar a pensão do filho seja inserido em um meio criminoso, ainda mais quando, mesmo após a medida coercitiva, continue sem possibilidades de adimplir a obrigação. Nesse caso, não há qualquer benefício ao credor alimentando, ao passo que o devedor sofre restrições excessivas à sua dignidade.
Interessante salientar uma notícia divulgada, no ano de 2011, pelo Jornal da Tarde de São Paulo, que mostrou que o número de pais devedores de pensão alimentícia foragidos, no Estado de São Paulo, equivale a 20 vezes o número de presos em um centro de detenção provisória. O noticiário afirmou, ainda, que a Polícia Civil, no referido estado acumula, atualmente, 26.200 (vinte e seis mil e duzentos) mandados de prisão a serem cumpridos contra pais e mães que não pagam as prestações de alimentos devidas aos filhos. Os números são surpreendentes e apontam, além da ineficácia do próprio decreto prisional que permite que o devedor se esquive da ordem, os problemas administrativos a serem enfrentados pela polícia quando da execução daqueles.
Outro problema enfrentado pelo Direito de Família no que concerne à prisão civil do devedor de alimentos consiste no fato de que esta atinge direta e profundamente, a relação afetiva familiar. Não bastasse a separação anteriormente sofrida pela família, a prisão de um pai, requerida por um de seus parentes, por exemplo, pode resultar em um distanciamento ainda maior, afetando a relação daquele com seus filhos.
Finalmente, a prisão civil do devedor de alimentos é legítima forma de execução permitida pela Carta Magna de 1988. No entanto, atualmente, reconhece-se que a coerção pessoal não tem contribuído de forma efetiva para a conclusão eficaz das ações executivas de alimentos. Sendo assim, considerando as limitações da utilização desse instrumento executório, impende pensar em outras medidas que sejam capazes de tornar efetivo o cumprimento da obrigação alimentícia.
6 ALTERNATIVAS À EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
Na cidade de Tramandaí, localizada no estado do Rio Grande do Sul, um pai de família foi denunciado por deixar, sem justa causa, de prover à subsistência de seus filhos. O pai era devedor de prestações alimentícias estabelecidas judicialmente e, sem qualquer justificativa, deixou de pagar os alimentos devidos aos filhos.
Denunciado pelo crime de abandono material, previsto no art. 244 do Código Penal brasileiro, o pai foi condenado à pena de um ano de detenção, a ser cumprida em regime aberto, e trinta dias-multa, tendo sido substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade. O julgamento da Apelação de nº 70039100128, que confirmou a referida condenação do juízo de primeiro grau, foi realizado pela Sétima Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O caso narrado acima explicita que o Direito Penal brasileiro, considerando as particularidades de cada réu, caminha no sentido de reconhecer que a prisão deverá ser a última hipótese na aplicação da pena. De fato, preenchido os requisitos legais, o pai condenado por abandono material teve a possibilidade de cumprir sua pena em liberdade. O Direito Processual Civil, confirmando o que dispõe a Constituição Federal sobre a excepcionalidade da prisão civil e a exemplo das regras de Direito Penal, quando da execução de alimentos, deverá considerar as peculiaridades de cada devedor, analisando o caso prático e aplicando alternativas que também possibilitem a execução, tratando a prisão civil como última hipótese.
É nesse contexto que se busca, atualmente, outros meios eficazes de se executar o devedor de alimentos, sem que seja necessário o uso da prisão civil, até porque, em muitos casos, o devedor consegue esquivar-se, inclusive, dessa coerção pessoal.
De fato, muitos devedores de alimentos resistem à citação no processo executório com objetivo de não ser coagido ao pagamento. Sobre o tema Dias (2005) sugere que seja realizada uma interceptação telefônica do devedor, a fim de que se possa localizá-lo e, desse modo, prosseguir com a execução. O tema é controvertido na doutrina, mas o entendimento da autora não deixa de apresentar uma solução cabível à execução de alimentos.
Interessante destacar, ainda, a atual tendência no Direito Brasileiro, no que concerne à execução alimentícia. Refere-se à possibilidade da negativação do nome do devedor de alimentos perante os serviços de proteção ao crédito. Essa restrição ao crédito tem abrangência nacional e possui grande eficácia, principalmente, quando se trata daqueles devedores que resistem à citação do processo, não possuem empregos ou bens e, portanto, não são atingidos pela penhora e daqueles que, morando em local incerto e não sabido, não são alcançados pelo mecanismo da prisão civil.
Essa alternativa, que possui grande aplicação na jurisprudência pátria, surgiu com a lei argentina de nº 13.074. Segundo Louzada (2008), a referida lei, criada na cidade de Buenos Aires, instituiu o chamado Registro de Devedores Morosos, que tem como função primordial elencar uma lista com o nome de todos os que devem pensão alimentícia, sejam três parcelas seguidas ou cinco parcelas intercaladas. O registro cuida de sancionar a conduta dos devedores de alimentos, fazendo diversas restrições pessoais que condicionam também as atividades bancárias e comerciais.
Segundo a lei argentina, todo aquele que quiser realizar atividades como trâmites bancários, obtenção ou renovação de licença para dirigir, ocupar cargos públicos, postular cargos eletivos, dentre outras atividades, deverá requerer, previamente, um certificado, com validade de 30 (trinta) dias, de que não é devedor de prestação alimentícia.
No Brasil, embora haja diversos projetos de lei no sentido de incluir a restrição de crédito como medida executória dos alimentos, ainda não há uma lei que trate dessas restrições. Todavia, a jurisprudência pátria tem entendido ser possível garantir a execução através desse instrumento. É o que dispõe, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo:
AGRAVO REGIMENTAL ALIMENTOS EXECUÇÃO. Pretensão do exequente de inscrever o nome do devedor contumaz de alimentos nos cadastros do SERASA e SCPC. Negativa de seguimento por manifesta improcedência. Impossibilidade. Medida que se apresenta como mais uma forma de coerção sobre o executado, para que este cumpra sua obrigação alimentar Inexistência de óbices legais. Possibilidade de determinação judicial da medida. Inexistência de violação ao segredo de justiça, uma vez que as informações que constarão daqueles bancos de dados devem ser sucintas, dando conta apenas da existência de uma execução em curso. Privacidade do alimentante que, ademais, não é direito fundamental absoluto, podendo ser mitigada em face do direito do alimentado à sobrevivência com dignidade. Ausência de violação ao artigo 43 do CDC, uma vez que tal artigo não faz qualquer restrição à natureza dos débitos a serem inscritos naqueles cadastros. Cadastros que, ademais, já se utilizam de informações oriundas de distribuidores judiciais para inscrição de devedores com execuções em andamento, execuções estas não limitadas às relações de consumo. Argumento de que o executado terá dificuldades de inserção no mercado de trabalho que se mostra fragilizado, ante a possibilidade de inscrição de outros débitos de natureza diversa. Manifesta improcedência não verificada. Agravo de instrumento que deverá ser regularmente processado e apreciado pelo Órgão Colegiado, para que se avalie se estão presentes as condições para concessão da medida Recurso Provido. (Agravo Regimental nº 990.10.088682-7/50000, 3ª Câmara de Direito Privado, rel. desig. Des. Egidio Giacoia, j. 25.5.2010. Fonte: www.tjsp.jus.br).
A imposição de restrições ao crédito do devedor prestação alimentícia vem sendo considerado um importante mecanismo de coerção utilizado na execução de alimentos. Isto porque, atualmente, o crédito tem sido fundamental na vida do cidadão que depende de credibilidade para realizar diversas operações cotidianas. Trata-se, portanto, de um meio eficaz de pressão sobre o executado que, sofrendo restrições severas, arranjará meios de saldar a dívida alimentícia.
No ano de 2005, na Espanha, foi publicada uma lei (Lei nº 15/2005) que altera o Código Civil daquele país e dispõe sobre a criação de um fundo de garantia e assistência que visa cobrir pensões, estabelecidas por acordo ou decisão judicial, devidas aos filhos menores de idade.
Em Portugal, desde 1998, também existe um fundo de garantia de alimentos devidos a menores. Esse fundo de garantia português funciona da seguinte forma: quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menores não estiverem condições de pagá-los, o Estado assegurará o pagamento das prestações, ficando sub-rogado nos direitos do credor alimentando, passando a execução a correr em favor do Estado.
Diversos outros países também já são adeptos à utilização de um fundo de garantia de alimentos. Esse meio tem se mostrado bastante eficaz, posto que não desampara o alimentando necessitado e, ao mesmo tempo, não restringe demasiadamente o devedor alimentante através da prisão. Este, todavia, torna-se devedor do Estado, passando a sofrer uma execução mais rigorosa, ainda que sem o uso da coerção pessoal.
Como se vê, as legislações estrangeiras têm apresentado diversas alternativas à execução de alimentos sem que seja necessário o uso da prisão civil do devedor, até porque esta, em muitos casos, não é eficaz para satisfação da dívida alimentícia.
No Brasil, as alternativas à execução de alimentos surgem com o entendimento jurisprudencial, já que, conforme se verifica na prática, os meios estabelecidos pelo Código de Processo Civil pátrio (penhora de bens, penhora on-line e prisão civil do devedor), não insurgem como medidas totalmente eficazes para a execução da obrigação alimentícia.
Muito embora, não raro, alguns julgadores, percebendo a ineficácia do emprego da penhora em determinados casos, acabam utilizando-se, em demasia, da prisão civil, sem considerar a permissividade do ordenamento jurídico brasileiro. Isto é, sem analisar instrumentos não proibidos pela lei pátria e que podem ser eficazes na execução de alimentos.
Nesse sentido, destaca-se a possibilidade da imposição de multa ou astreinte ao devedor de alimentos. Apesar de não estabelecida em lei, muitas vezes, essa técnica revela-se eficiente meio de pressão sobre o devedor que, vendo sua dívida aumentar em decorrência de sua própria morosidade busca meios que acelerem o cumprimento da obrigação. Nesse caso, a imposição judicial da sanção pecuniária, faria com que o devedor, coagido ao pagamento e sem estar privado de sua liberdade, buscasse meios de saldar a dívida perante o alimentado. È o que tem entendido o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, senão vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS E ASTREINTES - INCLUSÃO NA COBRANÇA DAS PARCELAS VINCENDAS - QUEBRA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - INOCORRÊNCIA - DECISÃO QUE FIRMA A COBRANÇA CONTRA A QUAL SE INSURGE - PRELIMINAR INDEFERIDA - MÉRITO - POSSIBILIDADE DA COBRANÇA DAS PARCELAS VINCENDAS - INTELIGÊNCIA DO ART. 290, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO
Em suma, a execução de alimentos, na maioria das vezes, embaraçada pelo devedor, passa por diversos problemas que merecem atenção especial dos operadores do direito, posto que sem a devida solução, essas celeumas podem prejudicar o direito fundamental à vida do credor alimentando que, muitas vezes, por ineficiência dos meios executórios, não recebe o necessário à sua subsistência.
Efetivamente, o maior problema enfrentado durante o processo de execução de prestações alimentícias consiste no fato de os atuais meios fornecidos pela legislação processual pátria não serem dotados da eficácia necessária ao implemento da dívida alimentar.
7 CONCLUSÃO
A obrigação alimentícia, no direito brasileiro, possui um caráter assistencial e tem por finalidade garantir o necessário à subsistência daquele que dela precisa, além de também objetivar a satisfação de outras necessidades do alimentando, tal como a manutenção de sua condição social.
Tendo em vista a essencialidade da obrigação alimentícia para o alimentando, a sua satisfação deverá ocorrer da forma mais célere possível, desde que essa celeridade não atente contra a dignidade humana do devedor.
O atual ordenamento jurídico pátrio traz diversos mecanismos de execução do crédito alimentar. No entanto, muitos deles, já provaram ser bastante ineficazes em determinadas circunstâncias.
Na maioria das vezes, a prisão civil do devedor de alimentos se apresenta como a solução mais adequada, na opinião de grande parte dos magistrados, para a execução da obrigação alimentícia, posto que coage fisicamente o alimentante inadimplente ao pagamento imediato da prestação.
Ocorre que, em muitos casos, o devedor, mesmo detido, não possui condições de adimplir a dívida e, nessas hipóteses, a prisão civil, considerada medida excepcional e de caráter coercitivo, passa a ser utilizada como uma forma de punição, eis que não resolve a situação do credor necessitado ao passo que restringe abusivamente o alimentante devedor.
De fato, observa-se que a prisão civil vem sendo frequentemente utilizada sem que, antes, sejam esgotados os demais meios de execução estabelecidos na legislação pátria. Nesses casos, há patente afronta ao texto constitucional que estabelece a excepcionalidade do uso desse tipo de coerção pessoal.
Ademais, em muitas situações, além da ineficácia dos demais meios de execução da dívida alimentar, a prisão civil do devedor também não gera o efeito esperado, qual seja o cumprimento da dívida, passando a ser um meio meramente punitivo, causando danos a ambas as partes do processo. Nesse diapasão, no âmbito da execução de alimentos deve-se primar pela observância do princípio da dignidade da pessoa humana. Sob o aspecto do alimentado, não se pode permitir que este seja privado do necessário à sua subsistência, devendo a execução ocorrer de forma célere. Por outro lado, sob o aspecto do alimentante, deve-se realizar a execução da forma que menos o restrinja. Não se pode permitir, por exemplo, que a prisão civil do devedor de alimentos seja utilizada como meio de punição.
Face aos aspectos negativos da aplicação da prisão civil do devedor de alimentos e também à sua total ineficácia quando decretada em determinados casos, faz-se necessário a consideração de alternativas à execução de alimentos.
Mediante a análise da legislação de diversos países, percebe-se que a prisão civil é medida de extrema excepcionalidade e que existem diversos mecanismos que, substituindo a coerção pessoal, são mais eficazes para coagir o devedor ao pagamento das prestações alimentícias que lhe foram imputadas. O direito pátrio tem utilizado, em decisões judiciais, algumas das alternativas já aplicadas por legislações estrangeiras. Tal fato constitui um grande avanço no que concerne à busca de outros meios de execução de alimentos.
Há que se ressalvar que, apesar do avanço no entendimento jurisprudencial, a legislação brasileira ainda carece de reformas que possibilitem a inserção de outros mecanismos executórios, menos gravosos que a prisão civil, e mais eficazes à satisfação do crédito alimentar. Mecanismos que evitem a inclusão do devedor em ambientes prisionais degradantes e que evitem a paralisação das atividades do alimentante, ressalvando o adimplemento futuro, sem atentar contra a sua dignidade.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Kerinne Maria Freitas. Um estudo sobre a eficácia da prisão civil por débito alimentar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45921/um-estudo-sobre-a-eficacia-da-prisao-civil-por-debito-alimentar. Acesso em: 08 dez 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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