RESUMO: O presente artigo analisa o exercício da atividade jurisprudencial, notadamente trazendo em questão se a jurisprudência se caracteriza ou não como fonte formal do direito, explicitando-se a divergência doutrinária existente a esse respeito.
Palavras-chave: Jurisdição. Atividade Jurisprudencial. Jurisprudência. Precedente. Fonte do Direito.
INTRODUÇÃO
Jurisprudência, entendida como entendimento dominante adotado por uma corte judicial, decorre do exercício da função jurisdicional pelo Estado-juiz. Nesse ponto, subsiste intenso debate a respeito se a jurisprudência poderia caracterizar-se como fonte criadora do direito ou se seria apenas produto da interpretação realizada pelo julgador
Em que pese a existência da referida divergência, é inegável a importância da jurisprudência como instrumento de racionalização e operabilidade do exercício da atividade judicial. Tal relevância é notória tanto na sistemática processual então vigente, como na consagrada no novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, o qual contempla uma verdadeira teoria dos precedentes judiciais.
Uma das primordiais funções do Estado Democrático de Direito é justamente a de dirimir conflitos entre os cidadãos, ou seja, é o poder soberano estatal consubstanciado na função judicante. Dessa forma, a atividade judicial não pode ser encarada apenas como mera técnica ou como um fim em si mesmo. O processo é, antes de mais nada, um instrumento de realização dos valores insculpidos constitucionalmente, uma vez que é ferramenta indispensável à realização da justiça.
Da Função Jurisdicional
De acordo com o dicionário Aurélio, o vocábulo jurisdição significa o “poder atribuído a uma autoridade para fazer cumprir determinada categoria de leis e punir quem as infrinja em determinada área” e, ainda, como “área territorial dentro da qual se exerce esse poder”.
Juridicamente, jurisdição corresponde a dizer o direito aplicando as leis aos casos concretos. Em outras palavras, é a atividade pela qual o Estado, por meio dos juízes, examina as pretensões e resolve os conflitos, com o intuito de promover a pacificação social e a manutenção da ordem jurídica.
Jurisdição é uma das expressões do poder estatal, o qual é uno. O que a diferencia das demais funções do Estado é sua finalidade pacificadora dos conflitos surgidos em concreto entre as pessoas. Outro ponto de destaque é que as decisões proferidas no exercício da sua atividade precípua possuem o caráter da imutabilidade.
Para Feitoza (2010, p. 314), o conceito jurisdição teria dois sentidos. De uma forma ampla, seria “o poder de conhecer e resolver com autoridade certos negócios e conflitos que surgem das relações sociais”. No sentido estrito, jurisdição seria “o poder-dever das autoridades jurisdicionais de decidir imperativamente o direito aplicável no caso concreto e de impor suas decisões, às quais tem caráter de imutabilidade”.
A respeito dessa questão, interessante esclarecimento faz Oliveira (2005, p. 169) que, “como atividade e expressão do poder público, afirma-se que a jurisdição é una, no sentido de se tratar de intervenção do Estado junto aos jurisdicionados, para fins de atuação do direito ao caso concreto [...]”.
Cintra, Pellegrini e Grinover (2007, p. 145), por seu turno, conceituam jurisdição como sendo:
Uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflitos para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada).
Sifuentes (2010, p. 84), comentando o entendimento esposado por Santi Romano assevera que a função jurisdicional é “[...] aquela que tem por objeto a manutenção e a efetivação do ordenamento jurídico, no que se difere da função legislativa, que se destina a constituí-lo”.
Destarte, todos os atos e decisões judiciais proferidos nos processos pelos órgãos investidos de jurisdição, qualquer que seja a competência jurisdicional, caracterizam manifestação do poder estatal, com aptidão para, em tese, produzir determinados efeitos jurídicos.
Mancuso (2010, p. 475) faz interessante colocação, segundo o qual são dois os elementos essenciais que caracterizam a jurisdição propriamente dita, sendo um formal e outro material. O primeiro corresponderia “ao critério funcional, e indica o órgão que está investido do poder judicante”. O segundo, por sua vez, seria “identificado em razão da matéria e diz, e diz respeito com a substância da decisão prolatada”.
Mendes (2009, p. 01) destaca que:
[…] diferentemente do Legislativo e do Executivo, que se encontram em relação de certo entrelaçamento, o Poder Judiciário, ou a Jurisdição, é aquele que de forma mais inequívoca se singulariza com referência aos demais poderes. Konrad Hesse observa que não é o fato de o Judiciário aplicar o direito que o distingue, um vez que se cuida de afazer que, de forma mais ou menos intensa, é levado a efeito pelos demais órgãos estatais, especialmente pelos da Administração. Todavia, o que caracterizaria a atividade jurisdicional é a prolação de decisão autônoma, de forma autorizada e, por isso, vinculante, em casos de direitos contestados ou lesados.
Morais (1999, p. 80) enumera os escopos da jurisdição, demonstrando ser o escopo social o mais importante:
A jurisdição não tem um escopo, mas escopos; é muito pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há de mais importante é a destinação social e política do exercício da jurisdição. Ela tem, na realidade, escopos sociais (pacificação com justiça, educação), políticos (liberdade, participação, afirmação da autoridade, e do Estado e do seu ordenamento) e jurídico (atuação da vontade concreta do Direito).
Com efeito, o brocardo latino “ubi societas ibi ius” retrata a necessidade existente no convívio social de encontrar meios para solucionar os conflitos de interesses entre os indivíduos, ou seja, para promover a pacificação social.
Vigorava primordialmente, entretanto, o sistema da vingança privada ou autotutela, que caracterizava-se pela ausência de julgador distinto das partes e pela imposição das decisões por uma das partes à outra por intermédio da força, do poder bélico ou do poder econômico. Posteriormente, como corolário da autotutela, surgiu a autocomposição, sistema no qual uma ou ambas as partes renunciam no todo ou parte de seus interesses.
Gradualmente, passou-se a deixar de lado aquelas formas parciais de solução dos conflitos, por uma imparcial, havendo a intervenção de terceiros nomeados pelas partes, mas alheios aos seus interesses, surgindo, assim, a heterocomposição ou arbitragem.
Com relação à arbitragem, Zanetti Júnior (2007, p. 38) aponta que:
[…] atividade foi inicialmente confiada a sacerdotes, decorrência do misticismo que envolvia a busca por uma solução justa dos conflitos, numa simbiose entre direito e religião. Também exerciam tal atividade os anciãos e os chefes dos clãs e das tribos.
Diferenciando os três institutos mencionados, esclarecem Cintra, Dinamarco e Grinover (2007, p. 22):
Na autotutela, aquele que impõe ao adversário uma solução não cogita de apresentar ou pedir a declaração de existência ou inexistência do direito; satisfaz-se simplesmente pela força (ou seja, realiza a sua pretensão). A autocomposição e a arbitragem, ao contrário limitam-se a fixar a existência ou inexistência do direito: o cumprimento da decisão, naqueles tempos iniciais, continuava dependendo da imposição da solução violenta e parcial (autotutela).
A função de dirimir os conflitos entre as pessoas somente muito tempo depois foi admitida como papel do Estado, com o desenvolvimento e consolidação da noção daquele. Referida tarefa foi inicialmente atribuída ao soberano, de quem emanava todo o Direito e, mais tarde, aos organismos do Poder Judiciário, dotados de independência e estrutura própria desvinculada dos demais órgãos executores das atividades estatais.
No Brasil, especificamente após consolidado o seu sistema democrático e as instituições dele decorrentes, optou-se pelo fortalecimento do Poder Judiciário, garantindo-lhe independência a autonomia. O crescimento e projeção do Poder Judiciário no Brasil é reflexo do processo de redemocratização do país. Sifuentes (2010, p. 186) assevera, a esse respeito, que “a atribuição do controle de constitucionalidade das leis, difuso ou concentrado, reafirma o seu papel político, em igualdade com os demais Poderes”.
Tal crescimento e evolução do Estado e dos seus poderes, o levaram a deter o monopólio e a possuir o encargo de administrar a justiça, dizendo o direito aplicável ao caso concreto.
A evolução da teoria do processo civil brasileiro aponta para a massificação das demandas. Há, dessa forma, visível tendência para o trato processual de modo coletivo. Sobre esse aspecto, Sifuentes (2005, p. 76) assevera que:
A função de aplicar as leis e resolver litígios entre particulares, tradicionalmente atribuída ao Judiciário, alargou-se, no entanto, no último século: passou à resolução de conflitos coletivos, não raro envolvendo demais Poderes, o que evidenciou seu protagonismo. Esse crescimento trouxe, por outro lado, uma visível incapacidade para atender a todas as demandas.
Nesse contexto, há atual tendência de transferência das funções antes atribuídas ao Judiciário para outros órgãos, o que pode ser chamado de desjudicialização. Assim, inserem-se como vias alternativas à resolução de conflitos os métodos de composição e de arbitragem, que acabam coexistindo pacificamente com o processo jurisdicional.
Da Jurisprudência
O termo jurisprudência apresenta diversos significados que variam conforme a evolução do direito no tempo e no espaço.
A palavra pode ser utilizada no sentido de tendência interpretativa predominante em um determinado tribunal acerca de um tema. Ou seja, por jurisprudência entende-se o conjunto de decisões dos tribunais, a respeito de uma mesma matéria de sua competência, formado a partir do exercício da atividade típica do Poder Judiciário. É o conjunto de decisões produzido por determinado órgão judicial. Constitui, assim, o resultado final da função jurisdicional do Estado.
O aspecto reiterativo é de suma importância, visto que um único precedente não pode ser caracterizado como jurisprudência. Para tanto, é mister que as decisões, em sua essência, se repitam, pois o precedente, para que constitua jurisprudência, deve ser constante e uniforme.
Mancuso (2010, p. 20) acrescenta, ainda, que “a jusrisprudência, no sentido técnico-jurídico de uma coleção harmônica e sistemática de acórdãos reiterados sobre uma dada matéria, vem por vezes chamada de costume judiciário”.
Jurisprudência como fonte formal do direito
Fonte do direito significa local de onde provêm os preceitos jurídicos. Com efeito, falar em fontes do direito é aceitar que a ciência jurídica não é essencialmente um dado, mas uma construção elaborada no interior da cultura humana.
Sifuentes (2005, p. 148), ao tratar do entendimento de Hans Kelsen sobre o tema, assevera que:
[...] a expressão “fonte” do direito é uma expressão figurada superlativamente ambígua. Parece de início expressar uma entidade diversa do direito, mas não é. Há sempre uma norma jurídica “superior” em relação a outra “inferior”, ou seja, um processo de criação e aplicação do direito.
O sistema jurídico brasileiro, estruturado a partir da família romano-germânica do civil law, toma como base a supremacia da norma legislada, sendo a lei considerada a principal fonte do direito. Assim, o conjunto de reiteradas decisões proferidas por um tribunal, ou seja, a jurisprudência, é considerada por muitos como fonte mediata ou informativa.
Reale (2002) pondera como inegável o caráter de fonte do direito conferido à jurisprudência dos tribunais, uma vez que o magistrado, interpretando a norma legal, acha-se inserto em uma “estrutura de poder” que lhe outorga autoridade e competência para converter em norma particular e concreta – a sentença – o seu entendimento da lei.
Gomes (2007), por seu turno, apesar de reconhecer a importância dos precedentes jurisprudenciais, não admite a inclusão da jurisprudência como fonte do direito, pois os tribunais não criariam regras jurídicas. Para esse doutrinador, nem mesmo as súmulas persuasivas, que condensam o entendimento de um dado tribunal em um enunciado, podem ser consideradas fontes do direito.
Fux (2004, p. 18), ao tratar sobre as fontes do direito processual aduz que:
A jurisprudência, os costumes ou regras de experiência são fontes de ilustração, sem a coatividade legitimada textualmente pela norma legal e a vinculação encerrada pelas fontes concretas do direito processual. Entretanto, crescente é o poder vinculante da jurisprudência empreendido nas recentes reformas processuais, a ponto de se permitir ao relator dos recursos negar ou dar provimento aos mesmos de acordo com o entendimento predominante dos tribunais locais ou superiores.
Nesse mesmo sentido, pondera Cadore (2007, p. 83), citando Cândido Rangel Dinamarco:
Jurisprudência não é fonte do direito, tanto quanto o juiz não é legislador e jurisdição não é atividade criativa de direitos [...]. A afirmação da jurisprudência como fonte do direito incorre, inicialmente, num desvio de perspectiva e mesmo de conceitos. Ela o seria se fosse portadores de normas gerais e abstratas com eficácia em relação aos casos futuros, atribuindo bens ou determinadas condutas e sendo vinculante em relação aos sujeitos atingidos e aos juízes que viessem e aos juízes que viessem julgar a respeito das situações ali previstas.
Interessante é o entendimento esposado por Pereira (2001), segundo o qual, ainda que a jurisprudência não seja considerada fonte formal do direito, atualmente esta pode ser considera como fonte prática do direito.
Tal conceituação defendida por Caio Mário ocorre, pois, a despeito de não ser considerada por muitos como fonte formal, a jurisprudência, na prática, torna-se verdadeira fonte criadora que se amolda às peculiaridades do caso em concreto. Isso se dá pois a norma judicada deve, necessariamente, alcançar mesmo onde não há norma legislada que alcance, uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da le”.
Sifuentes (2010, p. 155) comenta o entendimento esposado por Kelsen:
Para ele a função judicial, como a legislativa, é ao mesmo tempo criação e aplicação do direito. Em relação à norma fundamental, cada ato de criação jurídica é sempre determinado pelo ordenamento jurídico, em diferentes graus. Somente a identificação errônea do direito com os preceitos gerais da lei e do costume, como ocorre na Europa continental, diz Kelsen, tem mascarado o fato de que a decisão judicial “continua o processo de criação jurídica, da esfera do geral e abstrato, para a do individual e concreto.
A jurisprudência cumpre premente papel na renovação e, até mesmo, adequação do direito escrito, apresentando-se como elemento importantíssimo na humanização e atualização da letra fria da lei.
Interessante é o ensinamento de Venosa (2007, p. 20):
As leis envelhecem, perdem a atualidade e distanciam-se dos fatos sociais para os quais foram editadas. Cumpre à jurisprudência atualizar o entendimento da lei, dando-lhe uma interpretação atual que atenda às necessidades do momento do julgamento. Por isso, entendemos que a jurisprudência é dinâmica. O juiz deve ser um arguto pesquisador das necessidades sociais, julgando como um homem de seu tempo, não se prendendo aos ditames do passado. Aí se coloca toda a grandeza do papel da jurisprudência. […] A invocação da súmula, um enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo Tribunal, acaba sendo verdadeira fonte formal. Cientificamente, não pode ser assim considerada, mas, na prática, as súmulas do Supremo Tribunal Federal se, por um lado, tiveram o condão de dar certeza a determinada forma de decidir, por outro lado, colocam em choque a verdadeira finalidade dos julgados dos tribunais que não podem estratificar suas formas de julgar.
Impende lembrar, ademais, que se a lei é norma que impõe conduta obrigatória, geral, impessoal e abstrata, a sua realização integral ocorrerá tão somente quando de sua efetiva aplicação aos casos concretos. Extrai-se daí, portanto, a importante função da jurisprudência, de facilitar a justa solução do conflito em concreto, podendo sinalizar, ainda, a exegese predominante para a solução de casos análogos.
Mancuso (2010, p. 5) aponta para a “caminhada de valorização da jurisprudência”, na qual o direito sumular prosseguiu em linha ascendente.
O costume judiciário simplifica a marcha processual e serve, ademais, como parâmetro para o julgamento de controvérsias afins e para facilitar o julgamento de demandas múltiplas. O citado autor (2010, p. 54) aduz que a jurisprudência traz benefícios para as partes, vez que “possibilita uma certa previsibilidade quanto à solução final do caso”; para o Judiciário, “porque a jurisprudência sumulada agiliza decisões, alivia a sobrecarga acarretada pelas demandas repetitivas e poupa precioso tempo [...]” e para o próprio Direito, “em termos de sua eficácia prática e credibilidade social, porque tratar igualmente as situações análogas é algo imanente a esse ramo do conhecimento humano”. Com efeito, o sentimento do justo integra o Direito desde as origens, conforme depreende-se do brocardo latino “jus esta ars boni et aequo” (direito é a arte do bom e do justo).
Necessidade de uniformização da jurisprudência
O reconhecimento da jurisprudência como fonte formal do direito exige, necessariamente, que ela seja norteada por critérios calcados na aceitação social e na racionalidade. Por certo, não se coaduna com o status de fonte formal do direito a ideia da existência de critérios divergentes e contraditórios nas decisões.
Como necessidade social, impõe-se a uniformização da jurisprudência, de modo a assegurar a estabilidade e ordem jurídica. A uniformização do direito aplicado em concreto proporciona à sociedade uma sensação de segurança e uma resposta precisa e clara ao anseio comum por uma tutela estatal de qualidade, ou seja, justa, tempestiva e econômica.
Nesse sentido, por encarar a jurisdição como uma importante atividade do Estado, cabendo-a, por isso, a observância dos princípios dispostos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, que vinculam a Administração Pública[1], pondera Cadore (2007, p. 11):
Afinal, o princípio da eficiência também é endereçado ao Estado-juiz, impondo-lhe o exercício imparcial, transparente, participativo, eficaz, qualitativo e sem burocracia, de suas competências, com a melhor utilização possível dos recursos públicos e maior rentabilidade social. (...) Por evidente que a busca por mecanismos mais eficientes e menos onerosos não poderá jamais eliminar as garantias fundamentais do processo civil, como o contraditório e a ampla defesa.
O Poder Judiciário deve cercar-se de meios que o auxiliem a dirimir com prontidão e efetividade as questões que são apresentadas diuturnamente pela sociedade. Do contrário, há um sério risco à manutenção de uma ordem jurídica justa e democrática.
Nesse sentido, os próprios tribunais brasileiros, inclusive os superiores, tem procurado racionalizar suas atividades uniformizando sua jurisprudência. De fato, tornou-se prática jurídica comum e espontânea dos advogados, ministério público e dos juízes invocar decisórios dos tribunais para, com isso, demonstrar ser o entendimento defendido o dominante. Outrossim, a reiteração e consequente uniformização jurisprudencial possibilita, não raras vezes, a alteração da legislação interpretada e evolução da norma legislada.
A divergência jurisprudencial, quando extrapola os limites da razoabilidade, deixa de ser tolerável e passa a violar valores e interesses particularmente relevantes como o sentimento comum de justiça, a respeitabilidade do direito e a imperiosidade de uma resposta judicial de boa qualidade, ou seja, justa, tempestiva e econômica.
Diversos são os instrumentos presentes no ordenamento jurídico que, direta ou indiretamente, vem ensejar uma uniformização jurisprudencial, sendo, dentre eles, a súmula vinculante. Outrossim, no próprio novo Código de Processo Civil, Lei n° 13.105/2015, o legislador consagrou os fundamentos do common law e do stare decisis, com o intuito de privilegiar a busca pela estabilização e uniformização da jurisprudência, de modo a se garantir a efetividade do processo judicial.
CONCLUSÃO
O simples encaminhamento, por parte do cidadão, de petição a um juízo não é suficiente para que se concretize o princípio do acesso à justiça. A função jurisdicional não serve apenas para conceder a possibilidade de se ingressar com um processo judicial, mas, sobretudo, à satisfação do direito pleiteado pelo jurisdicionado.
Assim, para que haja uma reposta judicial de qualidade às demandas da sociedade, faz-se necessário que seja conferido um tratamento racional e uniforme às demandas objetivamente similares. Nesse ponto, tem-se a importância da jurisprudência como fonte do direito, eis que a sua observância privilegia a racionalização do exercício da atividade jurisdicional, resguardando-se a segurança jurídica.
Todas essas questões apontadas revelam, na verdade, um anseio do legislador e da própria sociedade, já que aquele indiretamente a representa, em alcançar uma ordem jurídica justa, na qual não haja uma espécie de “jurisprudência lotérica”, onde há constante contradição entre os julgados de situações substancialmente semelhantes. O novo Código de Processo Civil inclusive corrobora tal ideia na medida em que contempla a chamada teoria do precedente judicial.
Importante, ainda, ressaltar que a jurisprudência cumpre relevante função de renovar e adequar o direito positivado, sendo, pois, imprescindível à evolução da ordem jurídica conforme a evolução das demandas sociais.
REFERÊNCIAS
CADORE, Maria Regina Lusa. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007.
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DONIZETTI, Elpídio. A Força dos Precedentes do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 13 fev. 2016.
FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 6 ed. Niterói: Impetus, 2009.
FERREIRA, Aurélio Buarque Holanda. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
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GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
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MORAIS, José Luis Bolzan. Mediação e Arbitragem: Alternativas à Jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v.1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
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SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2005.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
ZANETTI JÚNIOR, Nungesses. A súmula vinculante no processo civil constitucional brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2016.
[1] Artigo 37, caput, da Constituição Federal: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […].
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidora Pública do Ministério Público Federal lotada na Procuradoria da República em Imperatriz/MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Natanne Lira de. Considerações acerca da atividade jurisprudencial como fonte racionalizadora do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46008/consideracoes-acerca-da-atividade-jurisprudencial-como-fonte-racionalizadora-do-direito. Acesso em: 22 nov 2024.
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