RESUMO: O estudo que segue surgiu de reflexão sobre o recente caso julgado no Supremo Tribunal Federal, em que se decidiu pela perda automática do mandato de parlamentar por ocasião de condenação por crimes relacionados ao desvio de poder, em detrimento da interpretação literal que levaria a necessidade de julgamento da perda do mandato pela Casa Legislativa. A atuação da jurisdição constitucional, como nesse caso, tem sido motivo de discussões e debates sobre a suposta interferência do Supremo Tribunal Federal nas atividades legisferantes e executivas de governo. Nesse cenário, diante da necessidade de se confirmar a legitimidade da jurisdição constitucional, que serve para o exercício do controle dos poderes politicamente eleitos e proteção dos direitos fundamentais, se busca estabelecer parâmetros para a atividade judicante. O objetivo é imprimir metodologia a atuação da Corte, que, como guardiã da Constituição, é importante instrumento de proteção dos princípios e direitos fundamentais do Estado constituído.
Palavras-chave: jurisdição, constitucional, limites, separação dos poderes, democracia, direitos fundamentais, minorias.
1. INTRODUÇÃO
O trabalho pretende enfrentar temas que não são necessariamente inovadores, mas que permanecem em discussão frequente, não só no âmbito jurídico. A inspiração para o trabalho surgiu de um debate de ampla cobertura da mídia, sobretudo, televisiva. Por esse motivo, será utilizado, principalmente, o método indutivo, sendo certo que a conclusão tende a ser mais ampla, ultrapassando a discussão do caso concreto.
Busca-se, a partir de um aspecto da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentar a expansão da Jurisdição Constitucional e propor limites. Vale destacar, desde logo, que, com esses parâmetros, em verdade, se busca consagrar a legitimidade da atuação da Corte e não colocá-la em dúvida.
A importância em discutir mais uma vez o tema, apesar de inúmeros trabalhos já tê-lo feito, parte do crescimento da participação do Supremo Tribunal Federal em assuntos que atinjam a sociedade em geral, o que vem despertando a curiosidade pela forma de funcionamento do tribunal. É evidente essa expoência pelo trato frequente dos debates de plenário em jornais da televisão, expostos em horário nobre da transmissão televisiva.
Inicialmente, o caso concreto será descrito no aspecto interessante para este estudo, sendo certo que se refere ao julgamento da Ação Penal nº 470, conhecida como “Mensalão”. Cabe esclarecer, de forma incipiente, que a jurisdição constitucional se exerce tanto pelo exercício do controle de constitucionalidade, como também com a mera interpretação da Constituição. Por isso, em que pese essa demanda seja relacionada ao direito penal, o aspecto a ser tratado explorado neste trabalho está na seara da interpretação constitucional.
Em seguida, serão desenvolvidos os conceitos de constitucionalismo e a democracia, bases ideológicas do Estado Democrático de Direito. O trabalho indicará as origens, significados, a possível dificuldade de convivência entre ambos, além da necessidade de harmonização.
Caberá a demonstração da imprescindibilidade da atuação judicial para conduzir ao mesmo caminho essas duas premissas estatais, na medida em que sua atividade principal se reflete na proteção do texto constitucional, como explicar-se-á no decorrer do estudo.
Dentro do mesmo capítulo, também será abordada a separação dos poderes, em sua conceituação mais completa, ocasião em que se aproveitará para, em linhas gerais, expor as principais atribuições de cada função estatal. Por ora, já impende consignar que essa exposição visará a tão-somente facilitar a leitura da suposta interferência do Judiciário sobre os demais poderes-função.
Após expor genericamente, se tratará com mais cautela da relevante função judicial de desempenhar a jurisdição constitucional. Para isso, temos uma seção que retratará a ascensão dessa competência, que ganhou relevância no período pós-redemocratização, como instrumento de proteção aos direitos fundamentais e mecanismo de repressão ao uso arbitrário do poder.
Além disso, dentro do mesmo tópico, será exposta a problemática do ativismo judicial e da legitimidade democrática do Poder Judiciário. Como já mencionado, o objetivo não é questionar a atuação do Supremo Tribunal Federal, mas sim reafirmá-la, propondo limites que trarão metodologia ao uso do poder decisório.
Por fim, visando a alcançar o objetivo do trabalho, serão propostos quatro parâmetros para imprimir maior legitimidade a atividade jurisdicizante, que não pretendem excluir outros a serem pensados e desenvolvidos. É necessário esclarecer que, apesar de inicialmente o trabalho tenha se extraído de uma reflexão sobre o caso do Mensalão, a conclusão tenderá a ser mais ampla, trazendo limites que não se relacionam a este julgamento.
Todavia, como se buscará legitimar a atuação do Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional, a tendência é de amplitude, mesmo porque, a Constituição brasileira trata de inúmeras espécies de normas, sendo certo que, naturalmente, sua interpretação ocorra em diversos sentidos.
Cabe lembrar que, no Brasil, a Corte atua tanto em julgamentos penais de autoridades públicas com prerrogativas de foro, em ações particulares que discutem prestações relacionadas a políticas públicas – já que os direitos sociais são constitucionalmente garantidos -, até o controle de constitucionalidade em abstrato, dentre outras competências.
Assim, se proporá duas limitações que tangenciam o julgamento do aspecto selecionado do “Mensalão” e outros dois limites mais gerais, relacionados de alguma forma aos casos de reconhecimento de direitos, e prestações sociais relacionadas. Inicialmente, esses direitos são sonegados pelo Executivo ou Legislativo, em que pese previsão constitucional de proteção, sendo devida a atuação judicial para viabilizá-los. Pelo que se pode depreender, quando essa intervenção judiciária acontece, a separação dos poderes sofre uma tensão, daí não ser prudente desconsiderar tais aspectos.
A proposta considerará, então, os seguintes parâmetros bases: quanto mais política a decisão, menor deve ser a atuação judicial; prevalência dos métodos sistemático e teleológico de interpretação; preferência pela analogia, em caso de omissão ou insuficiência de norma e respeito às normas orçamentárias.
Ao tratar dos limites serão destacados os posicionamentos doutrinários favoráveis, bem como os casos em que o próprio Supremo Tribunal Federal já atua considerando o parâmetro. Todavia, quando ainda pendente de aplicação o limite, será demonstrada a sua importância da utilização do critério para o correto exercício dessa importante função que é a jurisdição constitucional.
Então, ao final, se pretende concluir pela aplicabilidade dos limites propostos, que serão fatores de reforço da legitimidade da atuação na Corte, no cumprimento de sua missão institucional de guarda e proteção dos valores constitucionais.
2. O CASO CONCRETO
O Supremo Tribunal Federal, no mais extenso julgamento da história do órgão, decidiu acerca do condenação criminal de parlamentares, membros de governo, líderes partidários e seus aliados privados sobre crimes cometidos durante o Governo Lula, num esquema apelidado de “Mensalão”. Na Ação Penal número 470 – AP 470 -, dentre outras decisões, por maioria apertada (de 5 votos contra 4), o plenário cassou diretamente o mandato dos seguintes parlamentares federais: Valdemar da Costa Neto, Pedro Henry e João Paulo Cunha.
Por mais de uma seção, os ministros do Supremo debateram sobre se a condenação criminal dos acusados geraria ou não a perda imediata para aqueles que estivessem em exercício de mandato eletivo parlamentar. A discussão passou pela interpretação de dois dispositivos constitucionais.
O artigo 15 da Carta da República dispõe:
“É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º”.
Por outro lado, o artigo 55 traz a seguinte redação:
“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. § 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas. § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º”.
Em síntese, a questão residia em saber se por conta do parágrafo 2º do artigo 55 a perda do mandato necessariamente deveria ser decretada pela casa legislativa que o mandatário integra ou se esse dispositivo, considerando o artigo 15, incisos III e V, dentre outras normas constitucionais, demandaria outra interpretação, distinta da literal.
Por certo, gramaticalmente, a leitura do artigo 55 levava a conclusão imediata de que a Câmara dos Deputados deveria resolver pelo destino do mandato dos três deputados supracitados. Nesse sentido, o Presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Marco Maia, se pronunciou dizendo: “Só quem pode cassar mandatos de quem foi legitimamente eleito pelo povo são outros parlamentares legitimamente eleitos pelo povo”[1], numa crítica direta à decisão da cúpula do Poder Judiciário.
Ressalte-se que esse entendimento não é isolado. Durante o julgamento, os voto dos ministros Ricardo Lewandowski – revisor do processo -, Rosa Weber, Carmem Lúcia e Dias Toffoli, expuseram teses com fortes embasamentos jurídicos, defendendo dentre outros princípios, a democracia e a separação dos poderes, em que pese tenham restados vencidos ao final, firmando a tese de que somente a Casa Legislativa poderia cassar o mandato do deputado.
Nessa perspectiva, cabe reproduzir trechos publicados nos informativos semanais[2] da Corte:
“Quando o mandato resultasse do livre exercício da soberania popular — excluída a existência de fraude e inocorrente impugnação a sua eleição — não caberia ao Poder Judiciário decretar a perda automática de mandato. Nesse caso, a Constituição outorgaria à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal competência para decidir e não meramente declarar a perda de mandato de parlamentares” – Trecho atribuído ao Ministro Ricardo Lewandowski.
“A Min. Rosa Weber, ao acompanhar o Revisor, manifestou que a possibilidade de perda automática do mandato parlamentar em decorrência de condenação judicial sofrida pelo respectivo titular seria tema extremamente sensível para o equilíbrio dos Poderes. Mencionou que a presença dos institutos relativos a prerrogativa, inviolabilidade e imunidade parlamentares em geral seria necessária. Destarte a Constituição não poderia ser interpretada de modo a não a contemplá-los. Registrou que as prerrogativas parlamentares não configurariam direito cuja finalidade seria a proteção dos próprios parlamentares, mas sim da representação popular por eles exercida. Portanto, sua legitimidade derivaria do direito fundamental dos indivíduos de governar a si mesmos” – Trecho atribuído à Ministra Rosa Weber.
“A Min. Cármen Lúcia explicitou que, em face do princípio da separação de Poderes, a perda do mandato não seria consectário automático de condenação criminal emanada do STF, o qual se restringiria à jurisdição, de modo que caberia à respectiva casa do Congresso Nacional decidir sobre a referida perda, a teor do art. 55, § 2º, da CF” – Trecho atribuído à Ministra Carmem Lúcia.
A despeito das coerentes exposições dos quatro ministros referidos, venceu a tese do relator do processo, Ministro Joaquim Barbosa, que interpretando a Constituição da República teleológica e sistematicamente, entendeu que a perda dos mandatos, naqueles casos específicos, decorreria diretamente da decisão do Supremo Tribunal Federal. Os fundamentos foram variados, sendo relevante para esse trabalho considerar o argumento pautado na legitimidade da jurisdição constitucional exercida no caso, prevalecendo a determinação judicial, por conta de seu papel como interpretador por excelência da Constituição – sendo o dono da “última palavra”, conforme mencionou o Ministro Celso de Mello[3] - e fiscal da moralidade administrativa.
Destaque-se, então, os argumentos vencedores[4]:
“Afirmou, no entanto, que conjectura diversa envolveria a aludida perda a partir de decisão do Poder Judiciário, a qual atingiria não somente o parlamentar eleito como qualquer outro mandatário político. Na decisão judicial, condenado deputado federal ou senador, no curso do mandato, pela mais alta instância judiciária, inexistiria espaço para o exercício de juízo político ou de conveniência pela Casa Legislativa, uma vez que a suspensão de direitos políticos, com a subsequente perda de mandato eletivo, seria efeito irreversível da sentença condenatória. Concluiu que a deliberação da Casa Legislativa, prevista no art. 55, § 2, da CF, possuiria efeito meramente declaratório, sem que aquela pudesse rever ou tornar sem efeito decisão condenatória final proferida pelo STF” – Trecho atribuído ao Ministro Joaquim Barbosa.
“De acordo com essa concepção, não seria legítimo que os parlamentares praticassem atos contrários à lei e, ainda assim, mantivessem a higidez da representatividade popular. (…) Consignou que prevaleceria o cânone constitucional da moralidade administrativa, a reforçar a impossibilidade de manutenção de mandato após condenação na esfera penal” – Trecho atribuído ao Ministro Luiz Fux.
“Atentou para a necessidade de se interpretar a questão em harmonia com o art. 37, § 4º, da CF (‘§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível’). Salientou que, embora nem todas as faltas caracterizadas como atos de improbidade fossem condutas típicas, os crimes contra a Administração Pública dificilmente deixariam de ser considerados atos de improbidade. Ademais, a Lei da “Ficha Limpa” teria permitido situações em que condenado por sentença de órgão colegiado fosse impedido de se candidatar, mas condenado com trânsito em julgado preservaria seu mandato. Exemplificou métodos de solução de lacunas e antinomias preconizados pela jurisprudência do STF, como a via do pensamento do possível, a fim de compatibilizar os preceitos constitucionais acima referidos. (…) Repisou que o primado do Judiciário afastaria a possibilidade de decisão ficar submetida a condição resolutiva de natureza política. Aludiu que o art. 55 da CF seria reservado a situações concretas em que não se teria como consequência da condenação a perda do mandato” – Trecho atribuído ao Ministro Gilmar Mendes.
“Para harmonizar esse conflito, o ministro Celso de Mello se filiou à tese defendida pelo ministro Gilmar Mendes, no sentido de considerar a Constituição como um todo e, fiel às técnicas interpretativas adotadas pelo STF para superar antinomias existentes na CF, prestigiar valores que se expressam nas ideias da ética pública e da moralidade administrativa, preservando, assim, a integridade de valores de fundamental importância, como os postulados da isonomia, forma republicana de governo, moralidade pública e da probidade” – Trecho atribuído ao Ministro Celso de Mello.
Até o momento, apesar da manifestação crítica do presidente da Câmara dos Deputados, não houve agravamento do crise institucional, porém, essa parte do julgamento e os relatos diários pelos canais de comunicação do diálogo entre os poderes[5], mais uma vez, trouxe à atualidade a importante missão de refletir sobre os limites possíveis da jurisdição constitucional e o embate existente entre democracia e constitucionalismo.
Esse tema passa pela análise da legitimidade da atuação do Judiciário, guardião da Constituição, com a tomada de decisões que parecem comprometer a separação dos poderes, na medida em que intervenham nas atividades da Administração Pública e do Parlamento.
Impende frisar que o caso relatado tem grande apelo popular pela condenação, dada a gravidade dos deslizes cometidos por pessoas diretamente relacionadas ao exercício do Poder Público, contudo, ainda assim, a tese vencedora obteve apertada maioria no tribunal, o que demonstra ser o embate de díficil resolução. Isso porque, o Estado brasileiro, pela Constituição de 1988, se constituiu adotando o princípio democrático[6], pelo qual o poder pertence ao povo, que o exerce por meio de seus representantes, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Carta, o que confere aos parlamentares, em tese, a condição de mandatários legítimos dos seus eleitores, efetivos donos do poder. De outro lado, o Judiciário possui membros não eleitos, o que gera a duvidosa representatividade dos magistrados.
Assim, se pretende analisar os institutos e princípios envolvidos, os conflitos entre os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, a fim de propor e reafirmar os limites da atuação do Poder Judiciário, mas, por outro lado, confirmar a legitimidade de sua atuação de guardião da Carta Magna e protetor da democracia.
3. CONSTITUCIONALISMO VS DEMOCRACIA
O Estado constituído em 1988 no Brasil, se intitula Estado Democrático de Direito[7], trazendo consigo a união do constitucionalismo com a democracia, conceitos que caminham juntos, mas com certa dificuldade.
Para estudar a democracia em moldes não tão longíquos, temos o conceito do final do século XVIII. A Revolução Francesa contribuiu ideologicamente com o renascimento da democracia, cuja origem remonta a Grécia antiga, porém com uma reformulação. Diferente de reuniões em agoras, foi criada a ficção jurídica do mandato eletivo, por conta da ideia de que seria inviável a reunião de todos para exercerem a cidadania diretamente, uma vez que a população francesa já era demasiadamente numerosa.
Na forma de democracia representativa, o povo entrega aos seus eleitos um mandato para que constituam legitimamente o Estado e exerçam efetivamente o poder, em nome do povo. O que se buscava na França, portanto, era uma legitimação para o exercício do poder político.
Paulo Bonavides relata que
“Poder Constituinte sempre houve em toda sociedade política. Uma teorização desse poder para legitimá-lo, numa de suas formas ou variantes, só veio a existir desde o século XVIII, por obra da reflexão iluminista, da filosofia do contrato social, do pensamento mecanicista anti-historicista e antiautoritário do racionalismo francês, com sua concepção de sociedade[8]”.
Assim, temos que a democracia representativa surge juntamente com a Teoria do Poder Constituinte como forma de legitimação do poder. Através do argumento da democracia, os burgueses, que não participavam, até então, da vida política, conseguiram ocupar um espaço antes destinado tão somente à nobreza e ao clero francês. Para isso, criaram um novo Estado, por meio de uma Constituição, cuja origem demandou uma Assembleia Constituinte dotada de representatividade popular, a qual limitava os poderes das classes antes dominantes.
Daí surgiu na Europa, o princípio da supremacia da lei, que, ainda, não está superado. Ora, se o Parlamento é eleito pela maioria dos cidadãos eleitores para representá-los e elaborar as normas jurídicas, o que inclui a Constituição, a lei nada mais representa que a vontade do povo. Como desconstituir num ambiente democrático, em que a eleição da maioria possui essa força de escolher de seus representantes, a legitimidade da obra parlamentar?
É nesse sentido que habita a colisão entre democracia e constitucionalismo, já que as premissas desse último contém a proteção dos direitos fundamentais – o que inclui os direitos das minorias - e a separação de poderes - que pressupõe uma fiscalização mútua entre as funções públicas para evitar o uso arbitrário do poder.
O constitucionalismo nasce com a Revolução Americana do final século XVIII, que culminou em sua independência, também com o intuito limitar a atuação do poder, legitimando-o. Nesse contexto, surge o Judiciário como principal protetor do texto constitucional e das leis, principalmente, nos Estados Unidos da América[9], o que se alastrou após o segundo pós-guerra pela maioria dos países europeus e americanos.
Ocorre de, por vezes, sob o fundamento de proteger os direitos fundamentais de alguém ou a própria separação das funções públicas, o Judiciário invalidar alguma atuação do Poder Executivo ou do Legislativo, cujos membros foram eleitos pelo povo ou realizar uma interpretação não literal da legislação (obra parlamentar), sob o fundamento de dar coerência ao sistema, considerando o princípio da unidade. É o exercício do que Alexander Bickel denominou dificuldade contramajoritária[10].
No caso da AP 470, na decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da perda imediata do mandato eletivo, tivemos o exercício dessa função, pois a interpretação não gramatical do texto constitucional – promulgado democraticamente – provocou a cassação imediata do mandato de representantes do povo.
O Judiciário, composto de membros não eleitos no Brasil, aparece com a função ordinária de defender o texto constitucional, criado soberamente pela manifestação popular, em um momento de instituição do Estado de Direito. Por outro lado, os membros do Legislativo são eleitos sobre livre escolha popular, recebendo um mandato do povo para o exercício do poder, através do voto. De onde surge, então, a legitimidade da decisão judicial para cassar um mandatário escolhido legitimamente e interpretar a Constituição em sentido não literal, em que pese sua elaboração tenha origem num poder constituinte democrático, e quais são seus limites de atuação?
É necessário destrinchar alguns conceitos para responder a essa pergunta.
3.1. Separação dos poderes
Separação do poderes contribuiu para limitação do poder do Estado, tendo como primeira referência ideológica o liberal Montesquieu. O filósofo francês partia da premissa do pessimismo antropológico, pelo qual se revela a tendência em que o possuidor do poder tende a abusar de suas prerrogativas[11].
Diante disso, se propõe o que se convencionou denominar de separação orgânico-funcional, sendo fundamental separar as funções estatais para que possa o poder não ficar concentrado nas mãos de um só, o que facilitaria o abuso.
Nos Estados Unidos da América, essa ideia foi complementada por James Madison. Esse pensador idealizou a teoria dos freios e contrapesos – check in balances -, pela qual os poderes devem se controlar e fiscalizar mutuamente[12].
O princípio da separação dos poderes, em sua concepção mais completa, vislumbra, então, não só a separação, mas a fiscalização entre as funções, o que abre espaço para atuação judicial, por exemplo, de conter o abuso de poder do exercente de mandato eletivo, dentre outras interferências que serão oportunamente listadas.
Cabe primeiro, entretanto, listar quais seriam os papéis principais de cada poder.
3.1.1. Poder Executivo
À chefia do Poder Executivo no Brasil cabe acumular as funções de chefe de Estado e de Governo. O que inclui, no primeiro caso, administrar as relações com países estrangeiros e, no segundo, exercer a direção superior da Administração Federal, a iniciativa de projetos de leis, editar medidas provisórias, expedir regulamentos para fiel execução de leis, realizar o planejamento e controle orçamentários, controle de despesas e dirigir as Forças Armadas[13].
Exemplificadamente, se pode citar as atribuições para iniciativa de propositura das leis orçamentárias[14], indicação de membros para compor o Supremo Tribunal Federal[15] e o exercício do veto presidencial à projeto de lei[16], como formas de exercício do controle sobre os demais poderes.
3.1.2. Poder Legislativo
O Poder Legislativo como funções principais exerce as tarefas de legislar e fiscalizar[17]. No exercício do controle dos demais poderes, julga por crime de responsabilidade o Presidente da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal[18]. Além disso, pode aprovar emenda constitucional[19], que eventualmente pode superar entendimento da Corte, o que será válido se não ferir cláusula pétrea, dentre outras limitações; bem como vetar atos que extrapolem o Poder Regulamentar do Poder Executivo[20] ou derrubar o veto da presidência da República[21].
3.1.3. Poder Judiciário
Cabe ao Poder Judiciário julgar as lides que envolvam partes privadas ou públicas, nacionais ou estrangeiras, nos limites de sua competência determinada na legislação, além de exercer com exclusividade a jurisdição constitucional. É, no ambiente do exercício de sua função principal – a jurisdição – que se pode posicionar contra decisões de outros poderes.
4. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
Segundo o professor Luís Roberto Barroso, que relata a ascensão da jurisdição constitucional, na Europa Continental, a partir do final da II Guerra Mundial e, no Brasil, desde a edição da Constituição da República de 1988,
“a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a Constituição[22]”.
Essa competência subtrai-se do artigo 102 da Constituição da República, que dispõe: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, (…)”, redação repetidas vezes utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para descrever e legitimar sua atuação, como nos trechos[23] a infracitados:
“A defesa da CR representa o encargo mais relevante do STF. O STF – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições das República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental. Ao menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional (ADI 2.010-MC, relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 30-09-1999, Plenário, DJ de 12-04-2002)”.
“A força normativa da Constituição e o monópolio da última palavra, pelo STF, em matéria constitucional. O exercício da jurisdição constitucional – que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição – põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do STF, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que ‘A constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la. Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo STF – a quem a se atribui a função eminente de ‘guarda da Constituição’ (CF, art. 102, caput) – assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-vigente em nosso país confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor sobre o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental. (ADI 3.365, relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 25-08-2005, Plenário, DJE de 20-8-2010. No mesmo sentido: AI 733.387, relator Ministro Celso de Mello, EM 16-12-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2013; RE 132.747, relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 17-6-1992, Plenário, DJ de 7-12-1995)”.
Então, após o período de redemocratização do país, temos no Brasil a eminência da jurisdição constitucional, diante da necessidade de se atribuir mais força normativa à Constituição, objetivando resguardar os direitos fundamentais – não só da maioria, mas de todos – e impedir o uso arbitrário do poder. Por essas razões, pautadas em traumas históricos da repressão provocadas no período ditatorial, o Judiciário – e, sobretudo, o Supremo Tribunal Federal - teve sua ascensão, passando de fato a ostentar o poder político tal como o Executivo e o Legislativo.
Destaque-se a citação de uma das obras mais clássicas da literatura jurídica nacional, em que o professor Paulo Bonavides revela:
“Na equação dos poderes que se repartem como órgãos da soberania do Estado nas condições impostas pelas variações conceituais derivadas da nova teoria axiológica dos direitos fundamentais, resta apontar esse fenômeno de transferência e transformação política: a tendência do Poder Judiciário para subir de autoridade e prestígio, enquanto o Poder Legislativo se apresenta em declínio de força e competência”[24].
Além de revelar o papel importante que vem assumindo o Judiciário, esse brilhante doutrinador faz referência à crise de representatividade que sofre o Legislativo, por conta do descrédito, após tantos escândalos envolvendo esquemas de corrupção, como foi o caso do “Mensalão”. Por ora, é imprescindível anotar que o Judiciário, tais como os demais poderes, possui legitimidade democrática, o que se depreende de suas atribuições constitucionais, motivo pelo qual deve exercer sua função também com representatividade.
Cabe explicitar que não é só o voto popular capaz de dar legitimidade a atuação das funções estatais, outrossim, da mesma forma, a Constituição possui tal prerrogativa; mesmo porque, a Carta de 1988 foi devidamente promulgada, após a realização de uma Assembleia Constituinte. Ou seja, se a Carta constitucional teve como origem a vontade do povo e, se esse documento, intitula a Corte como sua guardiã, não se pode negar a legitimidade da atuação do Supremo quando esse busca resguardar a incolumidade das normas constitucionais, principalmente, de seus valores primordiais, conhecidos como cláusulas pétreas.
Vale frisar que a Constituição deve ser protegida por conta dos valores sociais e políticos que representa, sendo, também segundo José Afonso da Silva, o motivo pelo que emergiu a jurisdição constitucional[25]. Assim, é possível que Pretório Excelso limite a atuação dos demais poderes, desde que o faça a fim de impedir agressão aos axiomas definidos pela ordem constitucional instaurada.
Não obstante essas premissas, o Poder Judiciário não está imune ao controle e a respeitar certos limites para que sua atuação seja considerada legítima. Quando ultrapassa a limitação, gera uma patologia na atividade de julgar, o que se convencionou por intitular ativismo judicial.
4.1. Ativismo judicial e legitimidade democrática do Poder Judiciário
É imperioso repetir que, quando o Judiciário atua em oposição as posições políticas do Executivo e do Legislativo, enfrenta a dificuldade contramajoritária, visto que os magistrados não são eleitos pelo povo, ao contrário dos membros das demais funções de Estado. Por isso, diante da necessidade de expandir-se para meios não genuinamente judiciais, deve o juiz ter uma cautela maior em sua atuação, isto é, deve agir com senso de auto-contenção.
Diversamente, o ativismo judicial, usualmente, em que pese possa a origem do termo não ter essa característica, denomina situações em o julgador excede os limites da razoabilidade ao exercer a jurisdição, indicando caráter pejorativo, crítico a essa atitude indesejável. Não é oportuno que o Poder Judiciário ocupe, sem critérios, o espaço reservado aos mandatários povo, devendo ser excepcionalíssimas as causas que podem ensejar tal propósito.
Isso porque a democracia é um instituto a ser preservado, uma vez que se trata de escolha popular legítima para regime de governo, o que consta da Constituição da República, no seu primeiro artigo[26]. Some-se, ainda, o fato da última carta constitucional brasileira ter tido como escopo a oposição ao regime anterior que era ditatorial, logo, nada mais evidente que a valorização do princípio democrático.
Destarte, a jurisdição constitucional deve agir no sentido de proteger o ideal democrático, dentre outros consensos mínimos delimitados no texto, e, na verdade, o ativismo judicial provoca o efeito oposto, por ser uma flagrante violação da democracia e da separação dos poderes. Vale salientar que, hodiernamente, a democracia é muito estudada na sua concepção deliberativa, em que se reconhece sua co-originalidade se associada aos direitos fundamentais, de forma que não há democracia sem direito fundamentais e vice-versa. Por conseguinte, mais relevante ainda a jurisdição constitucional, que serve como meio protetor de ambos os institutos.
Todavia, essa patologia é capaz de retirar a legitimidade consagrada do Judiciário, que deve exercer sua função dentro do sistema de freios e contrapesos, porém não deve pretender ocupar uma função que, originalmente, não lhe pertence. Simultaneamente, não se nega a importância da evolução e desenvolvimento estatal com essa postura mais atuante do Judiciário. Dessarte, importante a fixação de possíveis limites, a fim de que as decisões judiciais continuem a resolver questões relevantes, até mesmo de certa conotação política, contudo, preservando-se intactos a democracia e a separação dos poderes, princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito.
5. PROPOSTA DE LIMITES
Por certo, não se pretende esgotar o tema, mas tão somente propor os limites mais evidentes a atuação judicial, buscando imprimir metodologia, ao menos, às críticas veiculadas contra a suposta interferência judicial indevida.
Os critérios eleitos, certamente, foram suscitados pelas melhores doutrinas de Direito Constitucional, passando desde a concepção de que quanto mais política for a decisão, menos deverá ser intervenção judicial, pela prevalência dos métodos sistemático e teleológico de interpretação, preferência pela analogia em caso de ausência ou insuficiência de norma, até o respeito aos limites constitucionais do orçamento, sendo certo que também cabe ao Supremo Tribunal Federal ter deferência às regras constitucionais.
5.1. Quanto mais política a decisão, menor deve ser a atuação judicial
Pelo que já se expôs, parece redundante, mas é imprescindível destacar que o primeiro limite encontrado são as decisões políticas. Ou seja, quanto maior o embasamento político da decisão, menos ativamente deverá se posicionar o Judiciário, devendo ser deferente aos poderes eleitos democraticamente.
Essa ilação não é nova, nem exclusiva desse trabalho. Paulo Bonavides explica a posição de Rui Barbosa[27], do final do século XIX, que se baseia em citações de Jonh Marshall, datadas 1803, do caso Marbury vs. Madison, concluindo que:
“as questões políticas, expressas em atos legislativos e de governo, fogem à alçada judicial, não sendo objeto de exame de constitucionalidade, salvo se interferirem com a existência constitucional de direitos individuais”[28].
Evidentemente, a asserção do ilustre autor tem forte influência liberal, face a preocupação de proteger os direitos individuais – reivindicação de origem burguesa -, devendo ser adaptada aos dias atuais, sendo certo que, na ressalva final, devem ser incluídos não só os direitos fundamentais[29], como todas as cláusulas pétreas da Constituição[30]. Cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal tem como principal mister a proteção desses valores, que, de tão essenciais ao Estado constituído, no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição da República, constam como limites ao poder de reformador da Carta.
Não por acaso, se reserva a cúpula do Poder Judiciário essa função. Ocorre que essas cláusulas dotadas de imutabilidade resguardam a identidade do modelo da ordem constitucional, de forma que sua ruptura conduzirá ao aniquilamento do Estado Democrático de Direito. Cabe citar o Ministro Gilmar Mendes, que defende a mesma posição:
“Tais cláusulas de garantias traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade. É que, como ensina Hèsse, a Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, na medida em que impede a efetivação de um suicídio do Estado de Direito Democrático sob a forma da legalidade”[31].
Assim, a guarda de uma Constituição rígida[32], passa pela proteção das cláusulas pétreas, que uma vez desrespeitadas, podem gerar a ruptura do Estado democraticamente constituído. Nesse diapasão, haverá uma limitação tênue entre o judicial e o político, devendo a magistratura evitar a todo custo atuações não jurídicas, mas, se for necessário a intervenção no espaço político, que seja feito estritamente para proteção do núcleo da ordem constitucional. Do contrário, exercerá o Supremo Tribunal Federal suas competências de forma ilegítima.
A primeira limitação citada tem alguma pertinência com o caso concreto exibido ao inicio desse trabalho. Isso porque, na questão da cassação ou não do mandato do parlamentar pela Corte, o primeiro passo do Pretório Excelso foi avaliar se a Constituição conduziria o tema a uma escolha política da Casa Legislativa, o que foi defendido pelo, então, presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Marco Maia.
Prevaleceu que, por conta da proteção ao princípio da moralidade administrativa, basilar ao Estado Democrático de Direito, a condenação criminal por crime contra administração pública ensejaria como consequência a perda automática do mandato, a ser decretada pelo tribunal, sendo desnecessária a manifestação dos parlamentares. Ou seja, a Corte descaracterizou a decisão como política, a fim de viabilizar sua decisão. O Supremo assumiu, dessa forma, a responsabilidade pelo ato de cassação, sob o argumento de proteção de um canônes do princípio democrático, que é a moralidade administrativa.
5.2. Prevalência dos métodos de interpretação sistemático e teleológico de interpretação
Desse caso particular, se pode deduzir outro limite. Para chegar a uma conclusão, a Corte evitou a interpretação literal do artigo 55 do texto constitucional, realizando uma leitura mais ampla do dispositivo. Assim, se extrai que, em caso de dúvidas quanto à interpretação dos textos legislativos, deverá ser priorizada uma leitura sistemática e teleológica, a fim de alcançar o objetivo da norma, com base no conjunto normativo. Isto é, desvendada a finalidade do texto, a interpretação deverá usar o caminho que melhor traduza o fim legal, considerando o contexto da ordem jurídica vigente para o fato.
Nesse passo, Luís Roberto Barroso explica que o intérprete não pode realizar uma abordagem meramente semântica do texto, “cabendo perquirir o espírito da norma e as perspectivas de sentido oferecidas pela combinação com outros elementos de interpretação”. Em seguida, confirma a prevalência dos métodos sistemático e teleológico com a assertiva “a interpretação sistemática disputa com a teleológica a primazia no processo de aplicação do Direito”[33].
Essa preferência subtrai-se do princípio da unidade da Constituição. A conhecida frase do ex-Ministro Eros Grau “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços” muito explica. Deve-se buscar interpretar a norma de acordo com o sistema constitucional que é integral, considerando as “deliberações elementares do constituinte”[34].
Ressalte-se que, não raras vezes, com o tempo, se torna menos relevante a intenção do legislador ou constituinte na confecção da norma, sendo inviável a interpretação histórica. Isso porque uma vez vigente o texto da lei, ou da Constituição, adquire força própria e o que legitima sua permanência no ordenamento são as mudanças, textuais ou não, que possam vir a ocorrer, que a adaptam constantemente a ordem jurídica.
É verdade que não se pretende que a Constituição seja eterna, afinal, “os mortos não devem governar os vivos”[35], mas se deve compreender que a ordem constitucional tem certa pretensão de continuidade. Por certo, um texto constitucional democrático, dotado de legitimidade, enquanto cumprir seus objetivos fundamentais, terá como aspecto positivo a permanência. Contudo, a sociedade muda e não se nega mais que o Direito interage com a realidade.
Por conseguinte, se admitem tanto as modificações formais do texto, que na Constituição de 1988 estão disciplinadas no artigo 60, quanto as informais. Essas últimas, muito influenciadas pela teoria concretista de Konrad Hèsse[36], pretendem adaptar o texto a realidade, sem mudança de forma, mas somente de interpretação, são as denominadas mutações constitucionais. Identificam-se dois limites para essa capacidade de adaptação da norma, que são as possibilidades semânticas do texto e a preservação do núcleo principiológico da Constituição[37].
Destarte, a interpretação constitucional surge, nesse contexto, como importante elemento de preservação do texto, na medida em que permite o uso da mesma Constituição em realidades distintas, favorecendo uma existência mais perene. Por certo, é necessário frisar que não se pode desvirtuar os princípios e objetivos fundamentais, muito pelo contrário, uma vez identificados quais são, servirão de norte a interpretação. Quando, então, se tornar notável que os valores já não são os mesmos, se terá o rompimento natural da Constituição, devendo ecoar uma nova ordem.
Até que isso ocorra, para a preservação do núcleo essencial da ordem jurídica, o Supremo Tribunal Federal deverá interpretar a Constituição a partir de seus mais relevantes princípios, como, por exemplo, o fez com relação ao julgamento em tela, valorizando o princípio da moralidade administrativa, de forma zelar por sua perpetuação no tempo. Aliás, qual seria o papel do guardião da Constituição, se não fosse zelar pela sua permanência?
Por essas razões, se percebe uma eleição dos métodos sistemático e teleógico como preferenciais, pois, a partir deles, se busca o sentido do texto, interpretado a partir do conjunto, e a sua finalidade. Dessa forma, se conduz a produção de uma norma jurídica interpretada condizente com a ordem em vigor, o que torna possível a concretização dos princípios constitucionais, demonstrando que a Constituição, ainda, está apta a proteção de seus fins.
5.3. Preferência pela analogia, em caso de omissão ou insuficiência de norma
Os parâmetros já citados são dotados de alto grau de subjetividade. Por conta disso, como se pretende imprimir mais metodologia ao controle do Poder Judiciário, cabe citar um limite que, por vezes, já é utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, mas sem muito destaque ou sistematização. Nesse rumo, vale destacar o uso da técnica de integração denominada analogia.
Esse método deve ser usado em caso de ausência de norma, quando não seria possível buscar solução na interpretação, pois deverá ser inovado o ordenamento. É basilar o conhecimento de que a novidade legislativa incumbe ao Poder Legislativo, que, entre suas competências, por excelência, é quem tem o poder de verificar qual o momento certo de legislar, pois, pela sua representatividade, possui melhor capacidade de diagnosticar os anseios sociais.
O debate ultrapassa os limites desse trabalho, todavia, é fácil identificar que há uma falha no sistema representativo, já que muitas demandas eclodem no Judiciário solicitando direitos subjetivos, que existem, mas não podem ser exercidos por inércia legislativa. como exemplos temos direito de greve e a aposentadoria especial dos servidores públicos. Em que pese, há quase 24 anos atrás, o constituinte tenha estabelecido esses direitos, até os dias atuais, não temos lei os regulamentando, ou seja, criando regras para viabilizar seu exercício. O que fazer? Pode-se negar legitimidade a atuação da Corte quando exerce a função criar o regulamento que é sonegado a quem tem direito?
Ora, o Poder Judiciário também exerce seu mister com representatividade, o que leva a conclusão que não é mera faculdade a atuação na concretização de tais direitos, mas sim a efetização de um dever institucional. Por certo, em princípio, essa função seria do Legislativo, entretanto, a sua omissão não pode lesar o indivíduo, uma vez que o direito já lhe pertence, desde a publicação da Constituição.
Frise-se que, depois de transcorridos mais de 20 anos de vigência da Carta, não parece mais ser lícito a alegação de que a norma constitucional se encaixa na classificação de norma de eficácia limitada para lhe negar aplicabilidade. É de inexorável relevância a doutrina de José Afonso da Silva, que impulsionou o desenvolvimento do estudo do Direito Constitucional no Brasil[38]. Todavia, a partir dos estudos desse autor, a doutrina evoluiu até o ponto de se buscar não mais alguma normatividade, mas a máxima que se puder[39].
Diante do cenário de ausência ou insuficiência da norma jurídica infraconstitucional ou decisão política, surge a evidente a necessidade de suprimento judicial, sob pena de se agravar ou gerar o dano. Dessa forma, se reforça a normatividade inegável das normas constitucionais, na medida em que não se cogita negar-lhes aplicabilidade pela ausência da função legisferante.
Para efeito do preenchimento das lacunas, o Judiciário deve priorizar a utilização de critérios já elaborados pelos demais poderes em situações semelhantes, por isso, se defende a preferência pelo uso da analogia. Trata-se de uma forma racional de compensação da supracitada dificuldade contramajoritária. Isto é, sendo possível utilizar uma decisão dotada de mais legitimidade, dada a origem em órgão democraticamento eleito, seria pouco cauteloso a total inovação judicial.
Nessa perspectiva, foi notável o uso da técnica da analogia pelo Supremo Tribunal Federal nos casos de aplicação da lei greve dos trabalhadores privados aos públicos, em sede mandado de injunção, a fim de evitar que não fosse esvaziada a norma constitucional que assegura o direito a greve aos servidores públicos. Segue trechos da ementa de um dos processos que decisão se conduziu dessa forma:
“EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). 1.1. (...) 2. O MANDADO DE INJUNÇÃO E O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF. 2.1. O tema da existência, ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou o entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-se-ia à declaração da existência, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica. Precedentes: MI no 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996; MI no 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002; e MI no 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 23.8.2002. 2.2. Em alguns precedentes(em especial, no voto do Min. Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI no 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002), aventou-se a possibilidade de aplicação aos servidores públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado (Lei no 7.783/1989). 3. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR DIVERSAS VEZES, DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS DE CONSOLIDAÇÃO DE TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À MATÉRIA. A EXPERIÊNCIA DO DIREITO COMPARADO. LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS NORMATIVAS E INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE OMISSÃO. 3.1. A permanência da situação de não-regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação da regularidade das instituições de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o). Além de o tema envolver uma série de questões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afastado por uma verdadeira "lei da selva". 3.2. Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional no 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. 3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. 3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. 3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2o). 4. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI No 7.783/1989). FIXAÇÃO DE PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às "atividades essenciais", é especificamente delineada nos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9o, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9o, §1o), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). 4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de "serviços ou atividades essenciais", nos termos do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses "serviços ou atividades essenciais" seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos "essenciais". 4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus) (...)”[40].
É imprescindível anotar que tais soluções, eventualmente, adotadas em caráter aditivo, tem mera intenção de provisoriamente resolver uma situação de inconstitucionalidade por omissão, com fulcro de evitar o esvaziamento de um direito fundamental. De maneira que, sobrevindo o regramento legal, se sobreporá legitimamente, passando a regular o tema. Aliás, o Pretório Excelso, como todo sistema judiciário, age subsidiariamente quando a sociedade por seus mecanismos próprios não equaciona suas questões.
Esse protagonismo atribuído ao Poder Judiciário nos últimos anos, no Brasil, denota, de certa forma, uma falha no sistema, pois a Corte tem sido frequentemente acionada para solução de muitos dilemas, que, por essência, deveriam ser resolvido em outros âmbitos. Em verdade, muito se preocupa com o ativismo judicial, porque questões de relevante interesse político e social estão sendo debatidos no plenário de um tribunal. Todavia, não tem culpa o Judiciário dessa demanda e, se ocorrem problemas nas soluções propostas[41], é porque o debate ocorre no local inapropriado.
5.4. Respeito às normas orçamentárias
O orçamento anual é um limite também não suscitado no caso concreto que inspirou este trabalho, mesmo porque, não havia implicações orçamentárias na questão. No entanto, é um dos parâmetros a serem propostos como barreira a atuação judicial, quando intervier nos demais poderes, lhes impondo ou declarando suas obrigações que gerem despêndio de recursos públicos.
Essa limitação parece inafastável por conta das normas constitucionais consubstanciadas na Seção II do Captítulo II da Constituição da República. Em princípio, não é possível a realização de uma despesa com recursos públicos sem prévia dotação orçamentária e o orçamento é um documento – lei de efeito concreto - confeccionado anualmente. Assim, temos o princípio da anualidade orçamentária como baliza intransponível para a efetivação de gastos com dinheiro público.
Por óbvio, nem toda decisão do Supremo Tribunal Federal, que interfere na atuação dos demais poderes, causa gastos. Por outro lado, caso se esteja diante, por exemplo, da necessidade de implementação de uma política pública, certamente, se estará cogitando da necessidade de utilização de recursos públicos. Nesse caso, o que se sugere é que seja dado prazo ao Legislativo e ao Executivo para que use os meios legais para possibilitar a realização daquela despesa, sem causar furos no orçamento, o que poderia prejudicar alguma outra ação ou programa desempenhadados pelo Poder Público.
Essa discussão ganha relevo quando o tema é a efetivação de direitos fundamentais, sobretudo, quanto aos direitos sociais, que, por essência, dependem de dispêndio de dinheiro para terem efetividade.
Como já se desenvolveu acima, é legítima a decisão judicial que visa a resguardar o direito fundamental, mesmo que não se satisfaça anseios de uma maioria. Aliás, esse é o papel mediador essencial do Judiciário, que permite a coexistência do constitucionalismo – que tem como pressupostos a proteção de direitos, inclusive de minorias - e da democracia – que se traduz em governo de maioria e soberania popular.
É inequívoca a necessidade de intervenção judicial quando um direito social não implementado compromete o mínimo existencial do indivíduo. Consigne-se que Constituição da República, enfatizando o princípio da dignidade da pessoa humana, o designou como fundamento do Estado constituído, sendo essa inspiração para a proteção das condições mínimas para a sobrevivência humana.
Destaque-se a exposição do Professor Ricardo Lobo Torres:
“não se segue, em absoluto, que a obrigação estatal se esgote na garantia do mínimo existencial, mas que este gera a pretensão às prestações positivas obrigatórias do Estado, independentes da vontade da maioria e, por isso mesmo, suscetíveis de adjudicação até mesmo pela jurisdição constitucional, que deverão ser complementadas pelas prestações de direitos sociais sujeitos à reserva do possível”[42].
Para tanto, a atividade judicial deve considerar, dentre outros fatores, a disponibilização de recursos. Dentro desse cenário, temos o que se convencionou de denominar reserva do possível para as prestações sociais que ultrapassem o mínimo existencial, estando a problemática localizada em definir quais seriam as garantias mínimas.
A redemocratização do país acabou por gerar um Estado Social Democrata, reservando-se para o Poder Público, no Brasil, o papel de prestar amplamente diversos serviços públicos, o que resulta numa carga tributária considerável para o povo em geral. Essas atividades tendem a ser fornecidas gratuitamente, principalmente, aos considerados miseráveis, estando difundidas em meios como a saúde (que é gratuita e universal), assistêncial social, educação, moradia, dentre outros.
Por certo, é indiscutível que sempre se pressupõe que o mínimo existencial está incluído na projeção do orçamento anual. Isso porque, dessas obrigações o Estado não pode de despir. O professor Ricardo Lobo Torres consigna sobre o tema que
“ a proteção positiva dos direitos da liberdade em geral e do mínimo existencial em particular projeta sérias consequências orçamentárias, posto que vincula a lei de meios, que obrigatoriamente deve conter as dotações para os gastos necessários, financiados pela arrecadação genérica de impostos”[43].
Assim, se o Judiciário estiver a decidir caso em que se está em jogo o comprometimento do mínimo existencial, poderá de imediato determinar a prestação devida à Administração Pública, pois presume-se que tal gasto está previsto.
Por outro lado, se estivermos diante de direito social não relacionado ao mínimo existencial, o Judiciário deverá ter mais deferência às decisões políticas, visto que se trata de uma questão de conveniência e oportunidade para prestação. Deve-se considerar que as políticas tendem a ser universalizáveis, em respeito ao princípio da isonomia, além disso, são disseminadas de acordo com as prioridades, pois não há verbas para resolver todos os anseios sociais. Por isso, se submetem à reserva do possível[44], não cabendo ao Judiciário intervir, salvo situações excepcionalíssimas, como, por exemplo, se o direito for é regulamentado por lei ou outro instrumento apto a implementá-lo, mas por alguma razão houve a exclusão infundada de um indivíduo ou grupo.
Portanto, impende concluir que o Poder Judiciário terá que decidir com mais auto-contenção com relação às prestações que ultrapassem o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesses casos, sendo necessária a intervenção judicial, não se poderá perder de vista que deverão ser obedecidas as normas orçamentárias constitucionais, de forma a ser conferido prazo razoável para que o Poder Público manobre os meios legais para permitir o gasto público de forma responsável.
Argumentos de reforço a essa tese passam pela questão de que o Poder Público para implementar medidas tende a universalizá-las, quando não se esteja diante dos extremamente desiguais – como os miseráveis -, e que o Judiciário é o ambiente em que se debate a micro-justiça, sendo inapto a visualizar a macro-justiça.
Ambas justificativas estão ligadas ao direito à igualdade, de maneira que devem ser conferidas às pessoas, em mesma situação, semelhantes prestações. Nesse contexto, se não se pode conferir a todos um sistema de educação nivelado com a Universidade de Oxford, que, seja prestado um serviço razoável, mas que o acesso seja amplo. O serviço deverá ser o melhor possível dentro dos parâmetros financeiros estatais. Essa é a expressão exemplificada da reserva do possível.
Como poderá, no caso concreto, em que o tribunal se depara com uma pessoa ou um grupo, uma decisão judicial ter a visão ampla necessária para a concessão do direito? É intransponível a assertiva de que o Judiciário não é capaz de ter a visão periférica para realizar a macro-justiça, universalizando medidas[45]. De lado oposto, o palco pertinente para essa avaliação pertence aos membros de poderes eleitos, pois esses possuem mais proximidade com as causas sociais, já que se revestem da representatividade popular, ao menos em tese.
Vale citar trechos de ementas de decisões do Supremo Tribunal Federal que passaram pelo tema:
“E M E N T A: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. – (…) DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)”[46]
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.(…) 2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do “mínimo existencial” e da “reserva do possível”, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”.[47]
Essa pequena amostragem é uma demonstração dos precedentes que inspiram decisões de instâncias inferiores, sendo salutar deduzir que o Judiciário, se sensibiliza pela proteção dos direitos sociais, tendendo a ser ativista em suas decisões[48]. Reiteradas vezes defendeu-se nesse trabalho, a importância da jurisdição constitucional na concretização dos direitos fundamentais, corolário do constitucionalismo. Contudo, oportunamente, se deve alertar para o desrespeito de outras normas basilares, como a separação dos poderes e sistematização orçamentária, quando se pretende de forma inoportuna entregar uma prestação.
Não se pode esquecer de mencionar que o deslocamento de um recurso público para atender uma demanda de um grupo social ou indivíduo gera a escassez da verba para o objetivo a que originariamente se destinava, podendo colidir com a ideia de isonomia, uma vez que se pode estar favorecendo um ou poucos com medidas não universalizáveis. Somado a isso, temos a preocupação constitucional em dispor sobre o orçamento público, lhe impondo o princípio da anualidade.
Nesse diapasão, de forma racional, sistematiza o professor Ricardo Lobo Torres, sobre os direitos que excederem ao mínimo existencial:
“Se não houver lei ordinária concessiva, inexistirá a obrigatoriedade de o orçamento contemplar as dotações para a despesa, ainda que a Constituição, programaticamente, proclame o direito social. Havendo lei ordinária de concessão do direito social ou econômico, o orçamento autorizará a despesa; mas pode fixar dotações inferiores às propostas ou até mesmo se omitir”[49].
Evidentemente, a tutela dos direitos sociais, o mínimo existencial e a reserva do possível são temas complexos, ainda em pleno desenvolvimento, excedendo aos limites deste trabalho. Todavia, se pretende somente indicar que o caminho para solução do problema tende a conduzir para decisões cautelosas e não extremadas para concessão absoluta dos direitos, nem para negativa perpétua, devendo ser privilegiadas as regras orçamentárias, principalmente, se o direito não tangenciar a dignidade da pessoa humana. Em casos cuja a prestação não imediata seja possível, se sugere a condenação que considere a inclusão no próximo orçamento, uma vez que o mesmo é anual.
6. CONCLUSÃO
Na espreita de uma conclusão, cabe lembrar que este trabalho, que, como sugere o título, pretende debater alguns possíveis limites à jurisdição constitucional exercida principalmente pelo Supremo Tribunal Federal, tem como objetivo imprimir mais metodologia à atuação pretoriana. Por conseguinte, se busca reforçar a legitimidade dessa tão relevante atividade, visando à eliminação de quaisquer correntes que defendam a colocação de balizas rígidas ao Supremo Tribunal Federal.
Dentro desse contexto, frise-se, ainda, que essa defesa pela atividade jurisdicional exercida pela Corte, decorre do protagonismo que essa casa assumiu no período pós-redemocratização do país. Por certo, a defesa do texto constitucional recai na proteção dos direitos fundamentais, inclusive das minorias, e na fiscalização da atuação dos poderes politicamente eleitos, que não podem mais olvidar de cumprir a Constituição.
Historicamente, os detentores do poder político tendem a corromper. Aliás, como mencionado linhas acima, Montesquieu já diagnosticara isso há séculos atrás. Nessa perspectiva, imprescindível a manutenção do controle, pois, no Estado Democrático de Direito, o poder pertence ao povo e, para o povo, deve ser exercido. Surge, então, a questão de como controlar quem exerce o controle.
O Judiciário, na esteira do entendimento do exercício da última palavra em sede de interpretação constitucional, poderia vir a comprometer o equilíbrio entre os poderes. No entanto, a função de guardião da Constituição não lhe assegura a qualidade de super-poder. Como as demais funções estatais, a atividade jurisdicional deve ter representatividade e ser exercida no interesse do poder constituinte.
Não se pode esquecer, que as crises institucionais, se levadas ao extremo, podem conduzir a ruptura do Estado constituído e que, nem sempre, isso é desejável. No Brasil, desde 1988, se passou pela primeira vez a ter uma Constituição dotada de normatividade, o que despertou o desejo de que a Carta seja perene. Certo que não se espera a eternidade, até por isso, temos mecanismos que possibilitam sua alteração, porém, enquanto puder servir à paz e organização social e do poder, por corresponder a realidade dos anseios popular, que se mantenha essa Constituição.
Nesse sentido, importante disciplinar atuação do Poder Judiciário, que é relevante, mas não isenta de limites. Por conta da jurisdição constitucional exercida em casos de repercussão política, a Corte frequentemente tem seu papel destacado na imprensa e, por vezes, rouba a cena de participantes da vida política partidária. Isso pode vir a gerar crises institucionais, pois tais atores retiram sua legitimidade do voto popular, de maneira que formalmente é inquestionável sua legitimidade.
Por outro lado, a atividade do judicante, apesar de exercida por membros não eleitos, também possui legitimidade a ser retirada diretamente da Constituição, que como obra do povo – por meio dos seus representantes que atuaram no Poder Constituinte Originário - consignou ao Supremo Tribunal Federal a função de seu guardião.
Mesmo assim, com inspiração nas críticas lançadas a Corte, por ocasião do julgamento do chamado “Mensalão”, vale lançar, na busca de superar a “dificuldade contramajoritária”, quatro parâmetros para balizar a atuação judicial.
A primeira limitação estabelecida surge da assertiva: quanto mais política a decisão, menor deve ser atuação judicial. Isso denota uma deferência às decisões políticas dos poderes eleitos diretamente pelo povo, já que são esses os responsáveis originários por tal atribuição.
No caso concreto supracitado, a Suprema Corte descacterizou o cenário político para possibilitar sua atuação, pautada no princípio constitucional da moralidade. Assim, se tornou possível a perda automática do mandato do parlamentar condenado em ação penal, que julgou excessos e desvios de poder.
A partir desse julgamento, outro parâmetro também foi estabelecido, que é a prevalência dos métodos de interpretação sistemático e teleológico. Revela-se, nesse limite, o interesse de aproveitar o texto ao máximo, zelando pela sua permanência, enquanto útil aos fins a que se destina.
Esses métodos revelam a identidade da ordem jurídica vigente, por conta disso é essencial que o Supremo Tribunal Federal os utilize para concretizar os princípios fundamentais da Constituição.
Na Ação Penal nº 470, essa técnica conduziu ao entendimento de que a interpretação da Constituição como um todo levaria a incidência do princípio da moralidade administrativa, dentre outros, em julgamentos que explicitassem a deturpação do uso do poder político. Assim, não haveria faculdade da Casa Legislativa em decidir pela perda do mandato de parlamentar que abusou do poder político, pois a mesma decorre automaticamente da condenação.
Transcendendo a análise do caso concreto, restaram propostas ainda duas limitações gerais: preferência pela analogia, em caso de omissão ou insuficiência de norma, e respeito às regras orçamentárias.
A primazia da analogia em caso de ausência ou deficiência normativa subtrai-se do princípio da separação dos poderes e da necessidade de compensação da chamada “dificuldade contramajorária”. Isso porque a inovação do ordenamento, pressipuamente, cabe ao Poder Legislativo, sendo certo que só em caso extremos deve o Judiciário intervir na atividade legisferante.
Destarte, existindo norma para situação semelhante, se deve dar preferência em utilizar a obra parlamentar, uma vez que subentende-se que deve existir certa lógica legislativa. Ou seja, pela aplicação do princípio da isonomia, se espera que o Poder Legislativo trate casos similares com regramentos de mesmo rigor, por isso, se defende o uso das regulamentações já existentes.
Contudo, como nem sempre será possível ao Judiciário usar os mecanismos disponibilizados pelo Legislativo ou Executivo, pois, em certos casos, haverá mesmo a total ausência de norma ou política pública, o último parâmetro cogita a hipótese em que, para evitar uma situação de extrema inconstitucionalidade, a Corte terá que ter uma atuação ativista, afinal, valores como a dignidade da pessoa humana não podem ser negados pela vontade de políticas momêntaneas. Para equacionar a questão, se propôe o respeito às regras orçamentárias estabelecidas também na Constituição, na medida do possível.
O respeito ao princípio da anualidade orçamentária, exceto em casos de extremos descumprimento ao mínimo existencial, se apresenta como fator organizacional importante das políticas públicas, pois o desvio de verbas durante a execução do orçamento pode gerar prejuízo ao direito fundamental de uns para privilegiar aquele que buscou a medida judicial. Nesse sentido, se deve ter cautela quando a atuação judicial visar a concretizar direitos fundamentais, pois não se pode abdicar do princípio da isonomia. Assim, somente em casos excepcionalíssimos, o Supremo deverá implementar direta e imediatamente a concretização individual do direito que traga repercussão financeira ao Estado.
Nessa linha, mais uma vez, cabe ressaltar que a conduta ativista inconveniente do Poder Judiciário pode deslegitimar sua atuação, porém, de outro lado, as decisões racionalizadas tendem a reforçar a relevância da Corte, o que fortalece em conjunto a proteção aos direitos e princípios fundamentais da Constituição.
Por fim, este estudo pretendeu demontrar que o ativismo judicial exercido positivamente, dentro de balizas metodológicas, é a maior garantia que o povo tem de promoção de desenvolvimento social do país. Enfim, o que se busca é reprimir excessos e abusos de poder das maiorias ocasionais que surgem a cada eleição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e construção de um novo modelo. Editora Saraiva. 2ª edição. São Paulo, 2010.
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileito. Editora Saraiva. 5ª edição. São Paulo, 2011.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional – Tomo IV. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, 2009.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª edição. Malheiros editores. São Paulo, 2010.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª edição. Malheiros editores. São Paulo. 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira e GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Costitucional. Editora Saraiva. 7ª edição. São Paulo, 2012.
MONTESQUIEU. Do Espírito das leis. Tradução: José Antônio de Freitas. Editora Martin Claret. São Paulo. 2012.
TORRES, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume V. O orçamento e a Constituição. Editora Renovar. 3ª edição. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, 2008.
[1] Trecho retirado de notícia constante no sítio eletrônico www.camara.gov.br, em consulta realizada em 12 de janeiro de 2013. A notícia foi veiculada em 21 de dezembro de 2012.
[2] Informativos 691 e 692, com acesso pelo sítio eletrônico www.stf.jus.br, em consulta realizada em 12 de janeiro de 2013.
[3] Ainda está pendente de publicação, mesmo em informativo semanal, esse voto, mas consta no sítio eletrônico www.stf.jus.br, consultado em 13 de janeiro de 2013, dentre as notícias, a matéria de 17 de dezembro de 2012: “AP 470: deputados perderão mandato com o trânsito em julgado da decisão”, de onde se extrai essa expressão.
[4] Idem ao 2 e 3, esse último referente ao voto do Ministro Celso de Mello.
[5] Preocupado com o possível descumprimento da decisão do Pleno, fato que não ocorreu até 14 de janeiro de 2013, o Ministro Celso de Mello advertiu, conforme consta da notícia já mencionada no item 3, que “É preciso reafirmar a soberania da Constituição Federal e destacar a intervenção do STF, por expressa delegação do constituinte, de ter o monopólio da última palavra da interpretação da Constituição Federal”, “O Legislativo não pode invocar monopólio de interpretações constitucionais, ajustadas a uma visão de conveniência” e, por fim, “Seria a subversão da vontade do constituinte inscrita no texto constitucional”.
[6] Nesse sentido, o artigo 1º da Constituição da República dispõe: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”.
[7] É o que diz a cabeça do artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”
[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª edição. Malheiros editores. 2010, São Paulo, p. 141.
[9] Em 1803, no caso histórico Marbury x Madison, a Suprema Corte americana entendeu que decorreria automaticamente do sistema a função daquela casa de exercer o controle de constitucionalidade das leis. Nesse sentido, o professor Luís Roberto Barroso relata: “Marbury x Madison foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais. Assinale-se, por relevante, que a Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão, de modo explícito, competência dessa natureza. Ao julgar o caso, a Corte procurou demonstrar que a atribuição decorreria logicamente do sistema”. Essa tese relata, ainda, o autor já havia sido defendida por Alexander Hamilton, no Federalista nº 78, em 1788. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileito. Editora saraiva. 2011, 27-28.
[10] “Quando a Suprema Corte declara inconstitucional um ato legislativo ou um ato de um membro eleito do Executivo, ela se opõe à vontade de representantes do povo, o povo que está aqui e agora; ela exerce um controle, não em nome da maioria dominantes, mas contra ela”. BICKEL, Alexander. The least dangerous branch, 1986, p. 16-23, citado por BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileito. Editora saraiva. 2011, p. 367.
[11] Em algumas passagens Montesquieu revela seu pessimismo, como exemplo temos: “O homem, como ser físico, é assim como os outros corpos, governado por leis invariáveis; como ser inteligente, viola sem cessar as leis estabelecidas por Deus e modifica as que ele mesmo estabeleceu. (...) Como criatura sensível, vê-se sujeito a mil paixões. Tal ser poderia a todo momento se esquecer das leis da religião; tal ser poderia a todo momento se esquecer de si mesmo (...)”. MONTESQUIEU. Do Espírito das leis. Tradução: José Antônio de Freitas. Editora Martin Claret. São Paulo. 2012, fl. 23.
[12] “Tal como um político teórico, ou mais distintivo, Madison acreditava que eram necessários "freios" e "contrapesos" para limitar os poderes de interesses especiais na nova República, que Madison chamou facções. Ele acreditava firmemente que a nova nação devia lutar contra a corrupção e a aristocracia, e estava profundamente empenhado em criar mecanismos que garantissem o republicanismo nos Estados Unidos”. Fonte: sítio eletrônico http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Madison, em 17 de março de 2013.
[13] MENDES, Gilmar Ferreira e GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Costitucional. Editora Saraiva. 2012, p. 969.
[14] Artigo 165 da Constituição da República.
[15] Artigo 84, inciso XIV, da Constituição da República.
[16] Artigo 84, inciso da V, da Constitução da República.
[17] Como exemplo, temos o artigo 70 da Constituição da República e os incisos do artigo 49.
[18] Artigos 52, incisos I e II, da Constituição da República.
[19] Artigos 60 da Constituição da República.
[20] Artigo 49, inciso V, da Constituição da República.
[21] Artigo 66, parágrafo 4º, da Constituição da República.
[22] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileito. Editora saraiva. 2011, p. 359
[23] Extraídos do sítio eletrônico www.stf.jus.br, em 17 de março de 2013.
[24] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª edição. Malheiros editores, São Paulo. 2010, p. 650.
[25] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª edição. Malheiros editores. São Paulo. 2005, p. 557.
[26] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
[27] Paulo Bonavides descreve a seguinte citação do saudoso jurista: “Nestes três lances ressai várias vezes a noção de que os tribunais só não podem conhecer da inconstitucionalidade imputada aos atos do Poder Executivo, quando esses atos se abrangem na categoria daqueles que são confiados à sua discrição, e não interessam garantias individuais. Se entendem com essas garantias, e não se compreendem na ação constitucionalmente discricionária do poder, esses atos constituem matéria judicial. No caso contrário, são propriamente políticos”. Rui Barbosa. Trabalhos jurídicos. apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª edição. Malheiros editores. 2010, São Paulo, p. 320.
[28] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª edição. Malheiros editores. 2010, São Paulo, p. 324.
[29] O professor Luís Roberto Barroso concorda com essa leitura extensiva do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição, legitimando sua posicão, dita como também defendida pela moderna doutrina constitucional, sob o fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana, pela qual, na medida em que se justifica intangibilidade de determinados direitos pelo poder reformador com fulcro de assegurar uma vida digna, deverão estar nesse inciso incluídos todos os direitos dotados de fundamentalidade material. Essa parece a ideia principal do autor, descrita com outras palavras. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e construção de um novo modelo. Editora Saraiva. 2ª edição. São Paulo. 2010, p. 180.
[30] Entendam-se aqui incluídos os incisos do parágrafo 4º, do artigo 60 - a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; além dos já mencionados, direitos e garantias individuais -, bem como, os limites implícitos, segundo Luís Roberto Barroso: princípio democrático, as prerrogativas e competências do poder reformador e o procedimento de reforma, constantes do artigo 60 da Constituição da República. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e construção de um novo modelo. Editora Saraiva. 2ª edição. São Paulo. 2010, p. 167.
[31] MENDES, Gilmar Ferreira e GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Costitucional. Editora Saraiva. São Paulo. 2012, p. 1126-1127.
[32] Classificação atribuída a Constituição de 1988, que prevê uma forma de alteração da Constituição mais rigorosa que as alterações de outras normas. “A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal” – é o que confirma o professor José Afonso da Silva. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª edição. Malheiros editores. São Paulo. 2005, p. 45.
[33] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e construção de um novo modelo. Editora Saraiva. 2ª edição. São Paulo. 2010, p. 293 e 295.
[34] MENDES, Gilmar Ferreira e GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Costitucional. Editora Saraiva. São Paulo. 2012, p. 105.
[35] Frase célebre atribuída a Thomas Jefferson e Thomas Paine, que já no inicio do século XVIII já se preocupavam com o tema.
[36] Buscar livro do hesse.
[37] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e construção de um novo modelo. Editora Saraiva. 2ª edição. São Paulo. 2010, p. 128.
[38] O professor Luís Roberto Barroso relata o caminho de alguns juristas pela busca de reconhecimento de juridicidade das normas Constitucionais, nesse sentido, conclui que “ A doutrina da efetividade consolidou-se no Brasil como um mecanismo eficiente de enfrentamento de insinceridade normativa e de superação da supremacia política exercida fora e acima da Constituição”, quase que como um desabafo. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e construção de um novo modelo. Editora Saraiva. 2ª edição. São Paulo. 2010, p. 219.
[39] Anote-se que, no Brasil, se presencia o crescimento da chamada doutrina da efetividade, que defende que as normas constitucionais são aplicáveis direta e imediatamente, na maior extensão que permitir sua densidade. Esse tema é tangenciado pelo pelo professor Luís Roberto Barroso, que cita, como expoente da “doutrina brasileira de efetividade”, Claudio Pereira de Souza Neto. BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional – Tomo IV. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, 2009, p. 220.
[40] Mandado de injunção 708, relator Ministro Gilmar Mendes. Fonte: sítio eletrônico www.stf.jus.br, em 13 de abril de 2013.
[41] Lembre-se que é defeso ao juiz se abster de decidir. O artigo 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileito (Decreto 4.657, de 04 de setembro de 1942) estabelece: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”
[42] TORRES, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume V. O orçamento e a Constituição. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. 3ª edição. 2008, p. 364.
[43] TORRES, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume V. O orçamento e a Constituição. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. 3ª edição. 2008, p. 406.
[44] O professor Ricardo Lobo Torres acertadamente registrou que “As normas constitucionais sobre direitos econômicos e sociais são meramente programáticas: restringe-se a fornecer as diretivas ou a orientação para o legislador e não têm eficácia vinculativa”. TORRES, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume V. O orçamento e a Constituição. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. 3ª edição. 2008, p. 428-429.
[45] Luís Roberto Barroso, tratando da determinação de entrega de remédios por decisões judiciais, faz a seguinte crítica: “Quando há uma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos, frequentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual que obteve a decisão favorável. Tais decisões privariam a Administração da capacidade de planejar, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao cidadão. Cada uma das decisões pode atender às necessidades imediatas do jurisdicionado, mas, globalmente, impediria a otimizaçnao das possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde pública”. BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional – Tomo IV. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, 2009, p. 220.
[46] ARE 639337 AgR / SP - SÃO PAULO. Relator Ministro Celso de Mello. Consulta ao sítio eletrônico www.stf.jus.br, em 15 de abril de 2013.
[47] RE 642536 AgR / AP - AMAPÁ. Relator Ministro Luiz Fux. Consulta ao sítio eletrônico www.stf.jus.br, em 15 de abril de 2013.
[48] Ricardo Lobo Torres relata essa problemática nos seguintes termos: “Sucede que, no Brasil, em vista das vinculações constitucionais e da confusão entre mínimo existencial e direitos sociais feita por certa parte da doutrina e da legislação assiste-se à justiciabilidade da política orçamentária relativa às prestações sociais dispositivas. A justiça de primeiro grau vem se encarregando de dar plena efetividade àqueles direitos, mediante simples interpretação literal do texto maior sem autorização legal e independentemente das previsões orçamentárias, de preferência com a utilização da ação civil pública e da tutela antecipada”. TORRES, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume V. O orçamento e a Constituição. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. 3ª edição. 2008, p. 432.
[49] TORRES, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume V. O orçamento e a Constituição. Editora Renovar. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. 3ª edição. 2008, p. 433.
Policial Rodoviário Federal. Graduada em Direito, pela Universidade Federal Fluminense. Pós-graduada em Direito Público, pela Universidade Cândido Mendes. Aprovada no Concurso de Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTIAGO, Fernanda Cimbra. Jurisdição constitucional vs ativismo judicial: uma proposta de limites Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46032/jurisdicao-constitucional-vs-ativismo-judicial-uma-proposta-de-limites. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
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