RESUMO: A pesquisa realizada acerca do desenvolvimento das instituições no Brasil e das marcas deixadas pelo forte traço patrimonialista experimentado pelos brasileiros desde o descobrimento mostrou-se relevante para analisar, de uma ótica diversa da clássica, o problema da efetividade dos direitos fundamentais no país. O principal escopo da pesquisa é demonstrar como o aspecto cultural, no Brasil, é decisivo para explicar a grande dificuldade de ter como regra o respeito aos direitos.
PALAVRAS-CHAVE: EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONTEXTO SÓCIO-CULTURAL BRASILEIRO. PATRIMONIALISMO. HIERARQUIA. JEITINHO BRASILEIRO. CIDADANIA.
ABSTRACT: The research about the development of institutions in Brazil and the marks left by strong trait patrimonialist experienced by Brazilians since the discovery was relevant to analyze from a viewpoint different from that of the classic theories, the problem of the effectiveness of fundamental rights in the country. The main scope of the research is to demonstrate how the cultural aspect, in Brazil, is crucial to explain the difficulty of having, as the rule in the country, the respect of the rights.
KEYWORDS: EFFECTIVENESS OF THE FUNDAMENTAL RIGHTS. SOCIO-CULTURAL BRAZILIAN CONTEXT. PATRIMONIALISM. HIERARCHY. BRASILIAN WAY. CITIZENSHIP.
INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais, considerados por grande parte dos países como pilares da sua ordem jurídica, são tidos como conquistas dos cidadãos em face de desmandos, abusos, explorações, despotismo ou omissões do Estado e dos detentores de poder.
A imprescindibilidade desses direitos no âmbito das Constituições é inegável, pois atuam como sustentáculos de ordens jurídicas que pretendem a valorização do cidadão, a sua liberdade, proteção, participação política, o fomento de condições dignas para todos, o fornecimento de serviços básicos, entre tantas outras garantias que foram conquistadas ao longo dos anos, com um imenso histórico de luta dos povos.
Embora não se discuta sua importância, a questão da eficácia e efetivação dos direitos fundamentais é, por outro lado, bastante controversa. Isto porque é fácil a percepção de que os referidos direitos, embora expressamente garantidos pelas Constituições não são, em muitos países, aplicados, ou pelo menos não de uma forma satisfatória.
No Brasil, essa realidade se apresenta em clareza solar, visto que diariamente são expostas situações de desrespeito aos direitos fundamentais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração. Quando se trata de atender a alguns interesses momentâneos e particulares, não parece haver qualquer constrangimento em mitigar ou mesmo sacrificar esses direitos, quando, na verdade, a sua efetividade deveria ser mister de todos, sob pena de esvaziamento do conteúdo do texto constitucional.
É como se, neste país, os direitos fundamentais fossem essenciais para justificar algumas decisões e legitimar a atuação estatal, de forma que a sua aplicação parece ser sempre secundária e circunstancial e estar sempre a serviço de outros interesses. O respeito aos direitos fundamentais como um princípio basilar, como algo inerente a nossa nação e fundamental para a melhoria definitiva da qualidade de vida dos brasileiros não tem se mostrado, ao longo da história, como objetivo real da República Federativa do Brasil.
De toda sorte, a discussão acerca da eficácia e efetividade entre os doutrinadores brasileiros tomou grandes proporções na década passada, de modo que muito se debateu acerca da classificação dos direitos fundamentais e sobre as possíveis razões pelas quais alguns deles tinham mais dificuldades de alcançar seus efeitos do que outros.
Atualmente, o problema parece ter sido um pouco esquecido, visto que a doutrina não tem se debruçado tanto sobre a questão, fazendo crer, erroneamente, que o tema da efetividade dos direitos fundamentais no Brasil perdeu, de alguma forma, sua relevância.
No que concerne aos aspectos conceituais, de fato, a problemática da eficácia já foi bastante esmiuçada, o que não significa dizer, no entanto, que o plano jurídico é suficiente para explicar a ausência de aplicabilidade dos direitos fundamentais no Brasil.
Este trabalho tem o escopo de contribuir para o estudo da problemática da efetividade dos direitos fundamentais no Brasil, sem a pretensão de apresentar soluções prontas, mas buscando tão-somente abordar a questão por outra ótica, com vistas a demonstrar que a maneira particular de desenvolvimento das instituições no país, bem como o comportamento do próprio brasileiro frente às discrepâncias de tratamento, e como esses aspectos influenciam no descumprimento de direitos fundamentais.
I- A influência dos aspectos fáticos na efetivação da lei e dos direitos fundamentais.
As teorias clássicas que tratam sobre os direitos fundamentais mostram que tais direitos possuem diferentes graus de densidade normativa o que, em princípio, justificaria a maior ou menor dificuldade apresentada no caso concreto em aplicá-los. Trata-se da eficácia jurídica dos direitos fundamentais.
Existem, entretanto, outras particularidades sociais no Brasil que parecem influenciar na aplicação de direitos e da lei. Especificidades que se encontram no âmago das práticas sociais brasileiras sistematicamente repetidas ao longo dos anos ainda que de diferentes maneiras. Nesse artigo, a intenção é expor esses comportamentos sociais dos brasileiros, como estão enraizados na cultura do país e a maneira com a qual sua prática cotidiana obsta a aplicação dos direitos fundamentais.
Para isso, é preciso ter em mente o forte traço hierarquizante que teve o Brasil desde sua colonização. Evidente que a história da colonização do Brasil é bastante conhecida, tendo sido objeto de estudo de grandes autores brasileiros, como Sérgio Buarque de Holanda, Bóris Fausto, T.H. Marshall, Raymundo Faoro, Caio Prado Jr., entre outros, de modo que não será aprofundada no presente trabalho. Por outro lado, é importante que algumas considerações sobre acontecimentos da história brasileira sejam feitas, pois parecem determinantes para o desenvolvimento de certas práticas brasileiras das quais trataremos.
Sabe-se que a dicotomia senhores e escravos, enquanto perdurou no país, estabeleceu padrões de comportamento de acordo com a posição ocupada por cada indivíduo. Assim, cada um tinha o seu papel na teia de relações sociais, e uns não poderiam “misturar-se” com os outros, nem tampouco “sair do seu lugar”.
A escravidão criou raízes no Brasil como um todo, tendo sido amplamente difundida e aceita por todos os segmentos, inclusive os religiosos. Os senhores de engenhos eram, obviamente, os principais possuidores de escravos, mas havia também muitos proprietários com poucos escravos. Existiam aqueles com apenas um escravo, que usavam como sua única fonte de renda. A ideia era tão forte que até mesmo alguns libertos tinham escravos, senão vejamos:
“O aspecto mais contudente da difusão da propriedade escrava revela-se no fato de que muitos libertos possuíam escravos. Testamentos examinados por Kátia Mattoso mostram que 78% dos libertos da Bahia possuíam escravos. Na Bahia, em Minas Gerais e em outras províncias, dava-se até mesmo o fenômeno extraordinário de escravos possuírem escravos. De acordo com o depoimento de um escravo brasileiro que fugiu para os Estados Unidos, no Brasil “as pessoas de cor, tão logo tivessem algum poder, escravizavam seus companheiros, da mesma forma que o homem branco.
Esses dados são pertubadores. Significam que os valores da escravidão eram aceitos por quase toda a sociedade. Mesmo os escravos, embora lutassem pela própria liberdade, embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar os outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a escravidão, pode entender-se. Que os libertos o fizessem, é matéria para reflexão. Tudo indica que os valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade européia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no Brasil” pagina 48/49.
A certeza da necessidade da escravidão, a grande propriedade e um Estado a serviço do interesse privado foram, portanto, a grande característica da época colonial brasileira, o que já incutia, naquela época, no país, uma mentalidade de divisão de hierarquias, que viria a perdurar durante os anos.
A clareza das posições sociais era vivenciada dentro do contexto dos domínios rurais, em que o senhor feudal englobava todo o círculo familiar, inclusive os escravos, e onde, internamente, todos tinham suas posições delimitadas. Não apenas os escravos, mas também esposa e filhos tinham seus comportamentos estabelecidos, sempre pelo patriarca, e agiam de acordo com o que era esperado, sem extrapolar os limites de sua posição.
O quadro familiar, nesse contexto, era tão fechado, forte e arraigado que se estendia para fora dos limites da casa. A força dos senhores era sentido nos domínios públicos, tamanha sua capacidade de concentração de poder. Por ser “o único setor onde o princípio de autoridade é indisputado, a família colonial fornecia a idéia mais normal do poder, da respeitabilidade, da obediência” [1], de modo que se tornava natural que esses sentimentos excedessem os limites do privado, numa verdadeira invasão do Estado pela família.
Desde então, é possível observar, no Brasil, que alguns valores pessoais, geralmente cultivados dentro da “casa”[2], como o compadrio, a amizade e o parentesco, acabam influenciando o mundo exterior, a “rua”, as instituições públicas. Assim, ser protegido do coronel ou manter com ele alguma relação próxima garantia a quem quer que seja uma posição de destaque na sociedade, já fortemente hierarquizada.
É claro que com a súbita vinda da família real portuguesa para o Brasil, houve a aceleração de um movimento de urbanização, ainda tímido no país. Tal fato, aliado às mudanças econômicas experimentadas à época (como também a ascensão da elite cafeeira), contribuíram para uma diversificação de classes sociais no Brasil, sem, entretanto, formular alterações significativas em termos de hierarquia social. Nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda:
“Com o declínio da velha lavoura e a quase concomitante ascensão dos centros urbanos, precipitada grandemente pela vinda, em 1808, da Corte portuguesa e depois pela Independência, os senhores rurais principiam a perder muito de sua posição privilegiada e singular. Outras ocupações reclamam agora igual eminência, ocupações nitidamente citadinas, como a atividade política, a burocracia, as profissões liberais.
É bem compreensível que semelhantes ocupações venham a caber, em primeiro lugar, à gente principal do país, toda ela constituída de lavradores e donos de engenhos. E que, transportada de súbito para as cidades, essa gente carregue consigo a mentalidade, os preconceitos e, tanto quanto possível, o teor de vida que tinham sido atributos específicos de sua primeira condição [3]”.
Note, portanto, que as novas profissões que surgiram com o processo de urbanização, tais como as profissões liberais, os cargos políticos e o funcionalismo público, isto é, os ofícios que exigiam mais inteligência e pouco esforço físico, foram destinados àqueles que já estavam no topo da hierarquia social do momento anterior, ou seja, senhores e seus descendentes.
Os filhos dos grandes proprietários de terra tinham condições de estudar na Europa, geralmente em Coimbra e voltavam para o Brasil com idéias revolucionárias, modernas, vanguardistas, formando no país uma elite intelectual, pronta para ocupar os cargos mencionados. Entre demais brasileiros, a possibilidade de se formar algum pensamento crítico, desprendido do capital dos latifundiários e que pudesse efetivamente se reverter em bons frutos para a grande população, era mínima. Isso porque a metrópole portuguesa nunca teve interesse em trazer a educação básica à colônia, tendo sido esse direito repetidamente negligenciado ao longo da história do Brasil, o que gerou prejuízos inenarráveis para a produção de consciência crítica na população [4].
De qualquer sorte, foram muitos dos descendentes dessa elite escravocata e latifundiária que, educados nas profissões liberais e monopolizando os cargos importantes da fase urbana do Brasil, foram inserindo idéias antitradicionalistas, as quais, posteriormente, viriam a “arruinar a situação tradicional, minando aos poucos o prestígio de sua classe e o principal esteio em que descansava esse prestígio, ou seja, o trabalho escravo [5]”.
O trabalho escravo, por sua vez, foi deixando de ser compatível com o momento econômico que então se apresentava. A criação de sociedades anônimas, a reestruturação do Banco do Brasil, com unidade e monopólio das emissões, a fundação do Banco Rural e Hipotecário, bem como a abertura das primeiras linhas de estradas de ferro do país inauguraram não só uma novidade econômica desprendida das terras, mas também novos interesses, como a supressão do tráfico negreiro, primeiro passo no sentido da abolição.
“A organização e expansão do crédito bancário, literalmente inexistente desde a liquidação do primeiro Banco do Brasil, em 1829, e o conseqüente estímulo à iniciativa particular; a abreviação e o incremento dos negócios, favorecidos pela rapidez maior na circulação das notícias; o estabelecimento, enfim, de meios de transporte modernos entre os centros de produção agrária e as grandes praças comerciais do Império são algumas das conseqüências mais decisivas de tais sucessos. Seria inútil acrescentar que a riqueza oriunda dos novos tipos de especulação provocados por esses meios tendia a ampliar-se, não só à margem, mas também e sobretudo à custa das tradicionais atividades agrícolas. Pode-se mesmo dizer que o caminho aberto por semelhantes transformações só poderia levar logicamente a uma liquidação mais ou menos rápida de nossa velha herança rural e colonial, ou seja, da riqueza que se funda no emprego do braço escravo e na exploração extensiva e perdulária das terras de lavoura [6]”.
As pressões externas de um mundo em processo de industrialização que se pautava na mão-de-obra assalariada somadas aos acontecimentos internos de pujança econômica nas cidades – e exigindo um mercado livre - foram tornando a abolição inevitável. O tratamento dado aos escravos recém-libertos, entretanto, não foi muito diferente do deferido antes da abolição. Grande parte dos ex-escravos voltou para as fazendas em que costumava trabalhar, agora recebendo um salário miserável. Aqueles que se dirigiam às cidades engrossaram a grande parcela da população sem emprego fixo. Passados várias anos, a situação dos seus descendentes era apenas um pouco melhor do que seus antepassados escravos.
Nesse contexto, surgiu também a figura do imigrante europeu e japonês, que assim como os militares envolvidos na instauração do regime republicano de 1889, inovaram de certa forma o contexto social brasileiro. Aos imigrantes, atraídos pelo governo, eram garantidos empregos nas lavouras de café e nas indústrias recém criadas e a carreira militar passou a chamar mais a atenção, o que diversificou um pouco as figuras brasileiras e certamente contribuiu para a diversificação econômica do país, mas não chegou a modificar significativamente as relações de poder e hierarquia social.
Assim, é certo que, em meio a tantas modificações políticas e econômicas, o sistema social pouco precisou se reinventar. Em que pese o surgimento de novas figuras no cenário nacional, os senhores continuaram a ser senhores, topo na pirâmide social, detentores de todo o poder econômico e político. O deslocamento econômico do açúcar para o café e posteriormente para uma indústria incipiente, bem como o fortalecimento das profissões liberais e o engrandecimento das cidades provocaram certa modificação dos eixos de poder. É claro que algumas famílias da tradição açucareira perderam dinheiro e novas elites foram se formando. Entretanto, é preciso ter em mente que todas essas mudanças ocorreram para um número pouco significativo de pessoas. A grande população continuou alheia às mudanças e, socialmente, pouco se alterou. Como dito anteriormente, o sistema de hierarquias se quase não teve mudanças substanciais. Os recém-abolidos, que antes trabalhavam nos feudos brasileiros continuaram a fazê-lo, ou migraram para as cidades, mas permaneceram à margem da sociedade. Os imigrantes, embora livres, estavam atrelados ao seu local de trabalho, em regra presos à sua condição social.
No entanto, algumas alterações comportamentais foram percebidas na elite brasileira. Diante de formas evidentes de segregação social, como era a escravidão, a distinção de pessoas era feita de uma maneira mais simples. Entretanto, com as transformações do início do século XX, sobretudo a abolição, a aristocracia precisou inventar outras formas de hierarquização, já que não existia mais regra formal que segregasse os grupos sociais, como bem explica Roberto DaMatta. Vejamos:
“ Diante da lei geral e impessoal que igualava juridicamente, o que facia o membro dos segmentos senhoriais e aristocráticos? Estabelecia toda uma corrente de contra-hábitos visando a demarcar as diferenças e assim retomar a hierarquização do mundo nos domínios fundamentais do mundo das relações pessoais e dos elos de substância. E assim inventamos uma “teoria do corpo”, acompanhada de uma prática cujo aprendizado é, até hoje, extremamente cuidadoso. A teoria do corpo, especialmente a partir da Abolição, passou a ser o racismo à brasileira [...][7]”
A teoria do corpo, a que se refere DaMatta, foi, portanto, a maneira adotada no Brasil contra a lei que vinha, ao menos em tese, para todos igualar. O modo de vestir-se e de asseiar-se eram atitudes segragacionistas, utilizando o fator estético e pessoal para distinguir-se dos demais. Essa forma de diferenciação foi bem particular do Brasil, por isso chamada pelo renomado antropólogo de “racismo à brasileira”. Em outros países também com forte tradição racista, outras formas de diferenciação foram criadas, como a aprovação de leis segregacionistas nos Estados Unidos.
É certo que, com o tempo, apenas mudanças lentas e graduais foram sendo experimentadas no país, mas, é claro, mais notáveis que as ocorridas até então. Aos poucos, o crescimento econômico e as exigências internacionais instigaram uma modernização da nação, o que necessariamente incluía mudanças mais profundas no trato social. Discriminações escancaradas, segregação racial e demais diferenciações sociais foram se tornando “feias”, politicamente incorretas e até contrárias à lei.
O mundo inteiro experimentou a amargura das conseqüências de comportamentos segregacionistas, como o Apartheid na África do Sul e o anti-semitismo na Europa, de modo que, em um cenário global, atitudes que lembrassem esse tipo de separação foram sendo aos poucos combatidas e entendidas como nocivas ao desenvolvimento das nações. Assim, o Brasil, novamente instado a adaptar-se às tendências de comportamento exteriores, precisou criar mecanismos de combate às diferenciações evidentes.
O Direito então precisou ocupar espaços morais, estabelecendo que determinadas condutas consideradas segregacionistas e preconceituosas fossem abolidas. A deflagração do regime democrático demandou uma reformulação da máquina estatal, estabelecendo que a coisa pública deveria ser pautada pela impessoalidade e moralidade, em uma tentativa de acabar com o caráter particular com que era tratado o Estado.
Assim, dessa vez o sistema social procurou se reinventar gradativamente[8]. Entretanto, tais modificações não foram capazes de extinguir de vez os reforços de hierarquia nem tampouco os favorecimentos e burla as leis. Vê-se, ainda, no Brasil, uma tentativa dura e cotidiana de maquiar uma realidade social hierarquizada, em que todos sabem que são iguais perante a lei, mas cada um também sabe seu lugar. Assim, comportamentos segregacionistas mais “discretos” foram se enraizando no país, mas ainda com o mesmo escopo de demonstrar a hierarquia pela qual é marcada a sociedade brasileira.
É fácil perceber essa realidade em situações do dia-a-dia, com expressões do tipo “nada contra pobre, desde que eu aqui e ele lá” ou uma mais clássica: “eu não sou preconceituoso, mas...” e a frase é seguida por um comentário preconceituoso, geralmente feito de maneira expositiva, em que se reclama de uma inversão de papéis ou se constata que alguém “saiu do seu lugar”, ou seja, deixou de se comportar como exige sua classe ou nível social.[9]
O que é de especial importância para essa análise, entretanto, é como a hierarquização fortemente presente na sociedade brasileira influencia o cumprimento - igualitário ou não - da lei e, sobretudo, a aplicação (ou não aplicação) de direitos fundamentais. Ou seja, buscaremos entender os motivos que fazem com que a lei seja duramente aplicada para alguns e para outros, relativizada; e mais: por quê os direitos fundamentais são por um lado fortemente aplicados e por outro meros argumentos de retórica. Para isso, faz-se necessário o estudo de alguns ritos e designações explicados por importantes estudiosos da realidade social brasileira, como se verá a seguir.
Roberto DaMatta, ao identificar a sociedade brasileira como hierarquizada, percebe também as pretensões igualitárias e cordiais dessa mesma sociedade. É como se, no Brasil, houvesse um embate entre duas realidades distintas que fazem parte do mesmo contexto social: de um lado existe a pretensão de igualdade, o apego à cordialidade, à integração e o avesso ao conflito, mas de outro a preservação das “categorias exclusivas, colocadas numa escala de respeitos e deferências[10]”.
Esse apego à manutenção de classes, isto é, tentativa de manter os segmentos sociais escalonados e distintos faz com que alguns mecanismos de diferenciação sejam amplamente utilizados nas mais variadas situações do cotidiano em que alguém precisa destacar sua posição social para se sair bem no caso e para isso utiliza sua rede de parentesco, apadrinhamento, contatos, seu status social ou mesmo seu poder econômico.
Esses artifícios servem, portanto, não para estabelecer uma relação de hierarquia, mas para demonstrá-la. No momento em que são utilizados, a relação de hierarquia entre o locutor e o interlocutor já existe e pode derivar do fato de: a) ser o locutor uma autoridade superior ao interlocutor ou mesmo uma pessoa de status socioeconômico superior b) parente ou apadrinhado de alguma figura tida como importante e que, em regra, tem alguma influência ou, ainda, c) um empregado do figurão[11].
Percebe-se, desse modo, que a pessoa que age no sentido de demonstrar e reforçar uma relação de a hierarquia que julga existir pode ser qualquer uma, desde que entenda ter alguma influência na situação. E tal influência não é necessariamente proporcionada por uma vantagem econômica, mas principalmente pela rede social que tal pessoa possui, a qual, na sua percepção, é capaz de destacá-lo de um grupo de pessoas que foram igualadas pela lei.
É certo que o principal aspecto que permite o uso de meios de destaque em situações nas quais todos deveriam ser tratados igualmente, é estar em uma posição social que naquela comunidade seja tida como dominante ou, ainda, estar conectado a quem possui tal posição.
Para demonstrar sua posição dominante, as pessoas se utilizam dessas formas de diferenciação social, isto é, maneiras de se destacar dos outros, que as garante tratamento especial, evitando o “constrangimentos” de passar por situações teoricamente comuns a todos, como enfrentar uma fila, ser parado em uma blitz, prestar depoimento à polícia, etc.
Esse destaque dificilmente é visto “a olho nu”, exceto quando se trata de uma celebridade ou uma grande autoridade, muito conhecida no meio. Em regra, é preciso informar ao interlocutor a sua posição social ou sua rede de parentesco e contatos para que possa fazer jus ao tratamento diferenciado. O importante é, pois, criar uma situação tal em que seja possível reforçar a hierarquia, deixando claras as diferenças de status social, para evitar situações de “intolerável igualdade”[12], inadmissíveis por quem detém privilégios sociais.
Assim, “na medida em que as marcas de posição e hierarquização tradicional, como a bengala, as roupas de linho branco, os gestos e maneiras, o anel de grau (...) se dissolvem, incrementa-se imediatamente o uso da expressão separadora de posições sociais para que o igualitarismo formal e legal, mas evidentemente cambaleante na prática social, possa ficar submetido a outras formas de hierarquização social[13]”.
A expressão a que se refere o professor Roberto DaMatta é a conhecida “sabe com quem está falando?”[14], geralmente utilizada em um tom arrogante para deixar claro que os personagens ali envolvidos não são iguais. Embora a frase possa ser usada em várias ocasiões do dia-a-dia, é inegável que em todas elas se busca uma posição de destaque no meio, que só é reconhecida e aceita porque o traço de hierarquização no Brasil, por mais que se busque esconder, ainda é muito forte.
Note-se, portanto, que o uso do “sabe com quem está falando?” é uma forma de reforço de uma diferenciação entre as pessoas que, em princípio, deveriam ser tratadas igualmente, sobretudo pelas instituições estatais. Essa elevação temporária de status que permite em situações pontuais que uns tenham mais benefícios que outros, ratifica uma condição permanente de segmentação social que pode ser percebida em diversos aspectos da vida civil e na relação indivíduo versus Estado. Isso demonstra que, até mesmo aos olhos do Estado, “cada um tem que saber o seu lugar”.
Desse modo, é possível perceber o “sabe com quem está falando?” nas mais diversas situações, como nas repartições públicas, onde, em regra, é preciso esperar por atendimento, lidar com a burocracia e a falta de servidores. Nesses locais, é frequente deparar-se com algumas pessoas que desfrutam de atendimento preferencial, não por estarem protegidas por alguma lei que garanta esse tipo de tratamento, mas em razão da sua rede de influências, apadrinhamento ou parentesco. Em tais casos, o “sabe com quem está falando?” é invocado por alguém para sair de uma posição de igualdade com os demais - o que iria lhe render horas de fila e mais algum aborrecimento causado pela burocracia – e colocá-lo em uma posição de importância, superioridade que lhe proporciona sua rede social.
Nos referidos casos, o funcionário para que se dirige o “sabe com quem está falando?”, ao identificar seu superior em escala funcional ou social, geralmente aceita a mensagem que está sendo transmitida e aceita garantir os privilégios solicitados implicitamente no momento em que a expressão é invocada, o que faz por medo, respeito ou simplesmente porque todos sabem que “as coisas funcionam assim mesmo”. Desse modo, a lei, que a todos alberga e por todos deve ser obedecida, é, nesse momento, relativizada ou ignorada para fazer valer a lei social e cultural do “sabe com quem está falando?”.
A despeito disso, a lei aparece no contexto do cotidiano social como reforço do igualitarismo, uma vez que estabelece a todos que se encontram em uma mesma situação fática ou jurídica, um tratamento igual. Eventuais distinções e prioridades entre indivíduos só pode ser criada em virtude de lei, caso em que se justificam os privilégios dados a determinados grupos por suas carências e necessidades, como ocorre, por exemplo, quando se garante prioridade em filas aos idosos.
Dessa feita, percebe-se a função que o Direito possui, qual seja, a de manter todas as pessoas em certo nível de igualdade, no sentido de que todas são obrigadas a obedecer às leis, sem possuir quaisquer diferenciações, exceto nos casos em que a própria lei as estabelece. Entretanto, encontra-se na prática formas de burlar essa impessoalidade trazida pelas leis, pois, no Brasil, ter o mesmo tratamento que as outras pessoas - principalmente quando se trata de tratamento igual a pessoas de status diferentes – é motivo de grande indignação.
O importante, assim, é sair do anonimato para uma posição dominante naquele determinado contexto social[15]. Quando isso ocorre, a pessoa que estava sendo tratada com impessoalidade e às vezes até mesmo com alguma rudeza pela autoridade a que se dirige, passa a ser tratada com pompa, deferência, respeito e cordialidade.
O tratamento cordial, tão comum no universo brasileiro, está, desse modo, intimamente relacionado à posição social do sujeito, fato típico de sociedades fortemente hierarquizadas. Não há, na prática brasileira, uma uniformidade e previsibilidade de tratamento e isso é bastante notável no funcionalismo público.
Tome-se um singelo exemplo do cotidiano: um cidadão marca hora para reunir-se com o reitor de uma importante universidade pública. Chegando na hora marcada, espera alguns minutos até que uma figura importante adentra o recinto. A secretária do reitor, que “sabe com quem está falando”, imediatamente providencia para que o figurão entre primeiro no gabinete, mesmo sem ter agendado a visita, como manda o protocolo.[16] Nesse caso hipotético, três desfechos são possíveis: 1) ninguém fala nada, todos aceitam aquela situação porque sabem que é assim que as coisas funcionam; 2) a secretária fica constrangida porque sabe que agiu mal e procura se justificar com expressões como “é bem rapidinho” ou “é que ele já tinha marcado”; 3) o cidadão não aceita aquela situação, reclama e é visto como desagradável e inconveniente.
É certo que essas situações de hierarquização e diferenciação social penetram as instituições estatais em todos os níveis. Os entes estatais, personalizados pelos seus servidores, ao mesmo tempo que atuam formalmente como mantedores da ordem e principais responsáveis pela aplicabilidade uniforme de direitos, funcionam também como alvos do “sabe com quem está falando?”. Diante desse cenário, o funcionário, como dito, por medo, obediência ou subordinação, acaba deferindo o tratamento diferenciado exigido pela pessoa que proferiu a expressão.
Nesse contexto, os deveres impostos pela lei são relativizados em razão da identidade da pessoa, ao passo que os direitos dela são imediatamente reconhecidos pelo mesmo motivo. Assim, se, por exemplo, alguém é parado por policiais por suspeita de estar dirigindo após a ingestão de bebidas alcoólicas, será imediatamente convidado a realizar o teste do bafômetro. Caso se negue, será acompanhado até a delegacia e terá seu veículo apreendido. Entretanto, se o motorista possuir uma rede social tal que lhe permita o uso do “sabe com quem está falando?”, automaticamente virará titular de vários direitos, como o de não produzir provas contra si e o de não ser coagido a ir a local algum.
Perceba que a dureza da lei fica destinada aos anônimos, aos indivíduos[17], isto é, àqueles que não contam com relações sociais capazes de destacá-los, e por isso precisam seguir as regras. Aos outros, bem-relacionados, estão destinados todos os direitos. A eles a lei se aplica apenas nas situações em que favorece; quando não, isto é, quando a lei exige uma conduta que, no caso, não lhes convém cumprir, está presente o “jeitinho”, que permite a não aplicação da lei ou a sua suavização.
Assim, estabelece-se um ciclo de perpetuação de antigas práticas de diferenciação em razão de status social, conexões, parentesco, entre outros. Nas palavras de Roberto DaMatta[18]:
“De fato, quando uma regra, universalizante e impessoal perde sua racionalidade diante de alguém que alega um laço de filiação, casamento, amizade ou compadrio com outra pessoa considerada poderosa dentro do sistema, estamos efetivamente operando com uma situação muito complexa. Pois de um lado temos uma moral rígida e universal das leis ou regras impessoais que surgem com uma feição modernizadora e individualista e são postas em prática para submeter a todos os membros da sociedade. E, de outro, temos a moralidade muito mais complicada das relações sociais imperativas,em que a relação pessoal e a ligação substantiva permitem pular a regra ou, o que dá no mesmo, aplicá-la rigidamente.
Como diz o velho e querido ditado brasileiro: “Aos inimigos a lei, aos amigos, tudo!” Ou seja, para os adversários, basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a eles aplicada sem nenhuma distinção e consideração, isto é, sem atenuantes. Mas, para os amigos, tudo, inclusive a possibilidade de tornar a lei irracional por não se aplicar evidentemente a eles. A lógica de uma sociedade formada de “panelinhas”, de “cabides” e de busca de projeção social – como bem percebeu Anthony Leeds no curso de um importante trabalho (1965) – jaz na possibilidade de se ter um código duplo relacionado aos valores da igualdade e da hierarquia”.
Essa repetição sistemática de práticas sociais que fomentam a burla as leis, ou pelo menos as relativizam, contribui para que os brasileiros fiquem cada vez mais descrentes no que tange à cogência das normas. São comportamentos que reforçam a hierarquização, a qual nunca deixou de se fazer presente no Brasil, e que experimenta momentos de fortalecimento quando contam com a permissividade de todos.
Essa permissividade é percebida a todo o momento em que alguém não se indigna com essas práticas segregacionistas, as quais selecionam alguns poucos para uma posição de superioridade, fazendo-os imunes aos ditames legais. A falta de atitude perante esses rituais - como o uso do “sabe com quem está falando” – deriva, sobretudo, da crença de que não se pode mudar o que já perdura desde que o Brasil é Brasil.
Ora, a experiência mostra que nos embates frontais entre alguém do povo[19] e um figurão, o indivíduo em regra sai perdendo. Isto é, quando alguém pugna pela obediência à lei, o respeito ao direito e um tratamento igualitário - pelo menos perante o Estado – é visto como um arruaceiro, desagradável ou ingênuo, que não sabe as regras do jogo, nem tampouco o seu lugar.
O desânimo causado pela repetição dessas situações cria essa passividade frente aos abusos e a crença – muito coerente – de que vivemos em um país em que lei nenhuma consegue suplantar as desigualdades sociais. E não consegue porque a vontade da sociedade de que essas leis existam e valham – requisito essencial para que uma lei tenha cogência - parece existir apenas formalmente.
Ou seja, todos querem que as leis existam e sejam cumpridas. Muitos reclamam da falta de dureza das leis para com aqueles que praticam crimes hediondos ou mesmo quando se trata de punir crimes de colarinho branco. Por outro lado, quando se trata de cumprir a lei e, mais ainda, se submeter a ela no caso concreto, o cenário muda. Quer-se furar a fila porque estamos apressados, passar no sinal vermelho porque o guarda não está vendo, beber algumas cervejas e dirigir nossos carros até o conforto das nossas casas. Defende-semos o Estado de Direito, o devido processo legal, mas condena-se previamente todos aqueles que são apontados como culpados pelos programas de televisão.
E então está formado um paradoxo: todos querem leis, mas para valer para os outros. Alguns podem usar o “sabe com quem está falando”, destacar-se, requisitar privilégios e serem atendidos. Outros, não. Quem não tem “as costas largas”, em regra, se coloca em uma posição de indignação passiva, de quem sabe que os desvios e privilégios existem, não concorda com o fato de existirem, mas não pode fazer nada para que deixem de existir, porque o sistema de hierarquias é forte e se manteve até hoje.
Quando se trata de direitos fundamentais, essa realidade é mais visível ainda. A aplicabilidade dos direitos fundamentais nada mais é do que o uso que se faz deles. Como anteriormente exposto, a doutrina clássica que trata sobre o tema, conclui, em linhas gerais, que a efetivação dos direitos depende, no plano jurídico, da maior ou menor concretude da norma, de modo que quanto aos direitos fundamentais individuais, chamados de primeira geração, não há maiores problemas de efetivação, pois são de aplicabilidade imediata.
No plano fático, entretanto, nada mais comum do que a não aplicabilidade de direitos fundamentais individuais. O uso das formas de reforço de hierarquia são exemplos perceptíveis em que se fere de morte os direitos à igualdade, à isonomia, à imagem, à presunção de inocência e até mesmo à liberdade. A cada uso do você “sabe com que está falando?” o direito à igualdade de alguém está sendo violado. Quando uma autoridade policial dispensa “alguém importante” do constrangimento de ser acompanhado até a delegacia ao passo que permite que outra pessoa seja filmada com algemas dentro da delegacia, fere mais uma dezena de direitos.
Entender como essas práticas foram disseminadas e repetidas no Brasil década após década não é tarefa das mais difíceis. A questão se torna tormentosa quando se verifica que esse tipo de comportamento que cria abismos entre iguais, aplica direitos seletivamente e dissemina práticas corruptas se reinventa e sobrevive à deflagração do regime democrático, à modernização da máquina estatal e aos princípios da Constituição Federal, a todos nós tão cara.
Fernando Filgueira[20] afirma que a questão da tolerância a situações de corrupção se dá, no Brasil, em razão da antinomia entre o mundo moral e o mundo da prática. Para o autor, esse comportamento não se relaciona com o caráter do brasileiro ou uma possível propensão à imoralidade, mas sim com a separação que existe entre o que o brasileiro acha que é certo e aquilo que ele acha que deve fazer na prática. De acordo com sua pesquisa, grande parte dos entrevistados compreende a gravidade de realizar práticas corruptas, comungam do conceito de corrupção e a reprovam, mas a maioria concordaria em agir corruptamente, desde que movidos por uma situação de necessidade (que pode ser ajudar os pobres, livrar-se de impostos abusivos, proteger a família, etc). Vejamos:
“Existe uma disposição prática do brasileiro em entrar em esquemas de corrupção, que contrasta com sua configuração moral. Somos capazes de, consensualmente, concordar com determinados valores morais, mas toleramos certa corrupção porquanto ela esteja referida a um capital cultural que a torna cotidiana e latente, com uma natureza extremamente flexível, sendo aplicada a situações muito diferentes.[...] A confrontação entre excelência e cotidiano cria uma antinomia entre valores e práticas, tornando a corrupção um tipo de estratégia de sobrevivência, mesmo em um contexto onde a moralidade existe. [...] A posição contraditória entre o cidadão comum em relação à corrupção acarreta esse contexto de tolerância, fazendo com que os indivíduos tomem atitudes em que preferem aderir a esquemas de corrupção e afirmar que as pessoas têm um preço a seguirem a lei. Os dados mostram, entretanto, que esse mesmo cidadão comum é capaz de reconhecer valores morais fundamentais e, consensualmente, reconhecer que esses valores são importantes na dimensão da sociabilidade e da política. Isso ocorre, do ponto de vista normativo, pela cisão entre valores e necessidades, configurando juízos muitas vezes assentados em uma visão agonística da vida, sem perceber a necessidade de concepções mais amplas da vida republicana”[21].
De fato falta ao brasileiro uma prática republicana. O componente republicano de cumprimento dos deveres cívicos com afinco, bem como a realização de um devotado serviço ao interesse público não são características facilmente visíveis na sociedade brasileira. O apreço pelo serviço público, nos dias atuais, parece exercer mais atração pela estabilidade que oferece do que por uma dedicação ideológica que contribua para a esfera pública.
O Estado, ao mesmo tempo em que vivencia atualmente um agigantamento, sobretudo no que tange à questão social, não consegue despertar nas pessoas um sentimento de unidade e de respeito à coisa pública, de modo que parece ser mais ou menos um consenso entre os brasileiros de que é errado desfalcar o patrimônio público, desobedecer as leis, desrespeitar as instituições, mas que todas essas ações são mais ou menos aceitáveis desde que seja para proteger algo seu, privado: um interesse, um parente, um bem.
Aceita-se, portanto, não porque os brasileiros são desonestos, sem caráter, mas porque são atitudes que, embora erradas, qualquer pessoas faria em um contexto de necessidade. Não há, entre nós, uma mentalidade de respeito às instituições e à lei que seja capaz de suplantar o amor e a devoção as nossas próprias coisas, maiores que a nossa própria necessidade de resolver um problema pessoal ou atender a um interesse particular. Assim, quem pode, isto é, quem está em uma posição hierárquica que lhe permita usar o “sabe com quem está falando?” e conseguir o que quer, o faz. Quem não está na mesma posição, aceita e, no máximo, se queixa, mas, se pudesse, também o faria.
De toda sorte, a este ponto o estudo já está maduro a ponto de ser possível chegar a algumas conclusões. A primeira delas é a inegável influência dos fatores sócio-culturais na concretização de direitos garantidos constitucionalmente e na própria aplicação da lei. É possível afirmar que o brasileiro não apenas permite que seus direitos sejam violados, mas também viola os direitos alheios quando tem a oportunidade. Essa afirmação, embora forte, não é de difícil constatação: os rituais de reforço de hierarquia são um exemplo claro e estão presentes nas mais diversas situações do cotidiano, das mais simples às mais complexas.
A segunda conclusão refere-se às raízes do problema. É inegável que a forma como a instituição familiar se consolidou no país, bem como o desenrolar da história da escravidão e posteriormente do racismo no Brasil, além da particularização da coisa pública tiveram influência na formação dos estamentos sociais e, sobretudo, na forma como a diferenciação social irradia efeitos para todos os outros aspectos que dizem respeito ao país, sobretudo na máquina estatal e no sistema jurídico.
A última conclusão versa sobre a manutenção de comportamentos que beneficiam as relações e interesses pessoais em detrimento das instituições, das leis e dos direitos, mesmo após os avanços percebidos com o crescimento econômico do país e com a consolidação do regime democrático no Brasil. Parece que a aparente dificuldade que o brasileiro tem de agir conforme o que prega parece ter relação com uma relativa descrença de que a sua atitude irá causar mudanças estruturais em um sistema que sempre se alimentou de compadrios, favorecimentos e corrupções.
É certo que as mudanças experimentadas no país hoje são as mais significativas em todos esses anos de História. Ao longo do tópico, procurou-se demonstrar que muito embora muitas mudanças econômicas e políticas tenham ocorrido no Brasil, a mudança social nunca aconteceu tão significativamente a ponto de subverter a ordem hierárquica que cria abismos – não apenas econômicos, mas mesmo perante a lei – entre superiores e inferiores estruturais. Entretanto, o momento presente parece ser o de maior pujança social. O brasileiro médio, o homem do povo está, no mínimo, mais informado do que nunca. As pessoas, via de regra, conhecem seus direitos. Mas daí a fazer com que os mesmo sejam efetivados verdadeiramente é uma outra história.
No tópico que se segue, aprofundaremos o tema dos avanços deflagrados pela Constituição de 1988 e trataremos sobre as formas utilizadas pelo sistema de favorecimentos, hierarquias e corrupções para se reformular e adaptar a nova ordem constitucional. Tentaremos demonstrar como a interpretação para a aplicação dos direitos nos casos concretos pode ser flexibilizada para atender a interesses particulares, de modo a legitimar justamente as práticas que os ideais democráticos visam expurgar. Continua sendo um “sabe com quem está falando?”, mas agora com tudo dentro da lei.
II- A reinvenção do sistema hierárquico brasileiro após o processo de redemocratização de 1988: o exemplo do funcionalismo público
Não há como negar que a Constituição Federal de 1988 foi paradigmática na ordem jurídica e política do Brasil. Pretendeu garantir aos direitos fundamentais uma cogência nunca antes experimentada na história do país e buscou, minuciosamente, coibir práticas patrimonialistas na Administração Pública. Procurou estabelecer “objetivos e diretrizes para a comunidade política, correlacionados a um amplo e generoso projeto de transformação da sociedade brasileira, no sentido da promoção da justiça social, da liberdade real e da igualdade substantiva”[22].
É, sem dúvidas, uma constituição preocupada com a efetividade das normas ali dispostas, tanto que descreveu analiticamente procedimentos para concretizar seus objetivos, tratando, muitas vezes, de matérias que poderiam ter sido deixadas para o legislador infraconstitucional.
Ademais, importou-se de fato em firmar o Brasil como uma República, que até então só estava presente em denominação. Buscou-se consolidar aqui ideais participativos, de controle social, de cidadania efetiva. Fazer do país “um Estado participativo, onde os cidadãos participam da definição de novas políticas (...), com uma capacidade efetiva de reformar instituições e fazer cumprir a lei (...), eficaz e eficiente no desempenho de papéis dele exigidos”[23].
Apenas uma visão pessimista e equivocada poderia afirmar que tais disposições constitucionais não operaram as mudanças almejadas. O Brasil é, hoje, um país com pessoas mais informadas dos seus direitos, com mais acesso ao Judiciário. Há, no país, órgãos de controle atuantes, Ministério Público independente e, principalmente, mais transparência. Sabe-se, atualmente, por meio dos noticiários, revistas e jornais, da maioria os esquemas de corrupção, de desrespeito aos direitos, situações de favorecimentos indevidos e os envolvidos, via de regra, são investigados.
O que, curiosamente, insiste em permanecer nos brasileiros é um sentimento de indignação contida e de que, se pudessem, não fariam diferente daqueles a quem criticam por uma prática corrupta. Indignação contida porque reclamações sobre a política, os representantes, a Justiça e o apadrinhamento são ouvidas com frequência nas conversas informais, mas ao mesmo tempo a maioria trata com uma deferência excessiva esses mesmos “figurões”, ou por não se sentirem aptos a questioná-los ou por acharem que eventualmente precisarão de um “favor”, e por isso devem ser amigáveis.
Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, em estudo feito sobre a corrupção que se percebe diariamente entre a população, conhecido como “jeitinho brasileiro”, mencionam pesquisa realizadas pela PESB (Pesquisa Social Brasileira), cujos resultados se transcreve:
“Dados da Pesquisa Social Brasileira – PESB, coordenada por Almeida (2007) mostram uma sociedade extremamente hierarquizada. Mesmo pessoas de classe social baixa, quando possuem um aumento de sua renda, ainda assim não estariam socialmente autorizadas a frequentar ambientes de classes mais altas que a sua. Segundo a PESB 79% dos entrevistados acreditam que se um porteiro ganhasse na Mega Sena deveria continuar a residir no mesmo bairro, porém numa casa melhor, ao invés de se mudar para um bairro nobre da cidade. Segundo Vieira (2008) tal fato reflete-se na cultura política do brasileiro através de uma mentalidade complacente diante da corrupção, uma vez que o cidadão comum não se sente apto a exercer o controle social sob os políticos.”[24]
Em outras palavras, parece que o sentimento do brasileiro em relação à hierarquização e o patrimonialismo que culminam nas práticas de “jeitinho” e, ainda, o comportamento corrupto, antirrepublicano, que trata o público como privado e suprime direitos é censurável, mas não está nas mãos do cidadão comum modificá-lo, pois as classes não dominantes não estariam aptas a exercer tão robusto mister. Não obstante, pensa-se igualmente que tais comportamentos reprováveis o são quando e porque o outro comete. Entretanto, se o indivíduo estivesse no mesmo lugar daquele que se comporta imoralmente (e ilegalmente!) pensaria em ter exatamente o mesmo comportamento.
As repartições públicas, como já mencionado, são espaços em que se verifica esse comportamento com uma clareza meridiana. Vejamos um exemplo: alguém está na fila para ser atendida em um guichê de órgão público, quando aparece uma outra pessoa, conhecida do servidor público responsável pelo atendimento. Os demais não se manifestam por medo de serem vistos como inconvenientes, arruaceiros( se indignam, mas se contém para evitar constrangimentos). Alguns pensam como gostariam de ter também alguém conhecido trabalhando naquela repartição (aceitação e repetição do comportamento que entendem como inapropriado). Alguém ensaia uma reclamação, mas em seguida se cala, com medo, logo depois de o funcionário apontar para um cartaz colado na parede no qual se lê: “Art. 331- Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa” (uso do direito de modo a atender interesses particulares).
Porém, as situações de corrupção não são percebidas apenas em situações como a relatada, mas nas mais diversas escalas: da agressão a um direito individual até a mácula dos direitos difusos, como à gestão proba de recursos públicos. Ao mesmo tempo em que a Constituição estabeleceu mecanismos de proteção à igualdade, à isonomia, à moralidade, as práticas brasileiras parecem demonstrar que grande parte das pessoas não absorveu de fato o significado e a finalidade de tais exigências, de modo que, em regra, as cumprem apenas formalmente, como forma de mascarar favorecimentos e outras irregularidades.
Há quem argumente[25] que a prática do “jeitinho” não gera necessariamente corrupção, visto que aquele tem mais um viés de favor, dádiva, sem correlação monetária, ao passo que esse está ligado às trocas econômicas. Ainda para aqueles que compartilham dessas ideias é difícil negar a correlação entre as duas práticas. Isso porque aquele que pratica ou aceita o jeitinho 1) sabe que não deve fazê-lo, mas faz mesmo assim ou 2) não se acha em posição de reclamar ou modificar aquela situação. Em qualquer das hipóteses, essa pessoa vai tolerar a corrupção: ou porque faria o mesmo se pudesse, ou porque não pensa que tem o poder de alterá-la, em razão da sua posição hierárquica.
À propósito, sobre a aceitação pelos brasileiros da hierarquia e do patrimonialismo, Carlos Alberto Almeida explica:
“A aceitação social do patrimonialismo é muito grande. O caso mais extremo, no qual alguém se utiliza, no qual alguém se utiliza do cargo público como se fosse particular, é tolerado por 17% da população brasileira. Considerando-se que a gravidade da situação, é possível dizer que 17% é uma proporção bastante elevada (...) A extensão dessa forma de pensar para a esfera de tributos implica considerar recursos advindos dos impostos do governo e não de toda a população. Trata-se do oposto da visão republicana, que advoga que o que é público é de todos e, portanto, deve ser zelado por todos”.[26]
A forma com que se administra a coisa pública não é vista pelos brasileiros como um problema de todos. Relega-se aos gestores e àqueles que “se especializam em fazer política” todas as questões de administração. Não faz parte da vida do cidadão médio brasileiro interessar-se pelo cotidiano público: despesas, receitas, em que se está empregando a verba pública. Essa falta do “olho do dono” facilita as distorções no uso da coisa pública, a burla aos mandamentos constitucionais e, consequentemente, a desobediência de direitos fundamentais, principalmente o tratamento isonômico.
Ainda que o país esteja experimentando níveis de transparência inexistentes até então, o sistema hierárquico-patrimonialista brasileiro se reinventa constantemente para manter as classes e a concentração de poder, imprimindo às suas práticas ares de legalidade, legitimidade e constitucionalidade, apenas porque se segue, formalmente, os ditames legais e constitucionais, ainda que, materialmente, se esteja dando um “jeitinho” para adaptar interesses classistas. Quando casos assim são descobertos, a reação popular é, via de regra, a mesma supramencionada: indignação contida, em casos mais absurdos como o desvio de verbas públicas ou uma certa tolerância ao comportamento patrimonialista porque “as coisas são assim mesmo”.
Tome-se o exemplo da admissão ao serviço público. O emprego público, ainda no século XVI, sinal de nobreza, estritamente ligado àqueles de boa linhagem, aristocratas, com boas relações com a realeza. Aos poucos, o viés econômico foi ganhando importância, de modo que a burguesia passou a fazer jus a certos cargos públicos e se alia à nobreza na formação do aparato estatal.[27] De lá até a Constituição Federal de 1988 o serviço público era composto por servidores indicados por autoridades estatais. Para ser um servidor público a rede de relacionamentos importava mais que a qualificação profissional, muito embora desde a Constituição de 1934 já houvesse previsão de profissionalização do serviço público, instituindo-se a regra geral de ingresso na carreira através de concurso de provas, quando se tratasse de admissibilidade na primeira investidura nos postos de carreira[28]. Houve tentativas reformistas as quais buscavam implementar o sistema de mérito, mas restaram infrutíferas diante da força do patrimonialismo, como explica André Luiz Magalhães:
“Na prática, colonizado o Estado por interesses particulares, seriam sempre privilegiadas as formas que fizessem perpetuar o patrimonialismo, arraigado na estrutura de poder expressa na organização da máquina administrativa, cujo combate ainda consumiria outras tentativas de reforma, a partir do novo sistema constitucional que se inaugurava com a redemocratização do país”.[29]
Apenas com a Constituição Federal de 1988 alguns preceitos começaram a ser levados a sério, como a igualdade, a isonomia, a moralidade, a impessoalidade. O artigo 37, II do referido diploma dispõe que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”, impondo definitivamente o concurso público de provas ou provas e títulos como regra inarredável de ingresso em cargos públicos. Autoriza, entretanto, que se excepcione tal regra quando tratar-se de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
As exceções são exatamente os pontos onde há a maior manifestação da presença das antigas práticas patrimoniais as quais insistem em manter-se nas relações brasileiras. Não raro veem-se situações em que cargos “em comissão” são utilizados para beneficiar pessoas indicadas pelo superior hierárquico do órgão ou setor, em razão da sua posição pessoal e não profissional, em uma nítida subversão da exceção à regra, estabelecida pela própria constituição, o que mutila o princípio da impessoalidade, o tratamento isonômico, a valorização do mérito e a eficiência da Administração, a que todos têm direito.
A situação apontada é ainda mais comum na ocasião de mudança de gestores, quando se vê uma grande quantidade de exonerações e nomeações de servidores, para atender àqueles que formaram um consórcio de partidos que permitirá a sustentabilidade do governo[30].
Outras exceções foram criadas à obrigatoriedade do concurso para o ingresso em cargo ou emprego público, como nos casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público[31]. Nesse contexto, deu-se um “jeitinho” para enquadrar nas exceções casos os quais deveriam ser tratados como regra.
Um desses casos é o da medida instituída pela Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, a qual estabeleceu que “os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos pela sua atuação”.[32]
Mais uma vez o legislador derivado sendo movimentado por interesses circunstanciais. Criou-se mais uma exceção à regra do concurso público. É o pensamento de que se há uma exceção à regra, podem haver duas, três ou dez, até que a regra acabe virando exceção e a Administração, sempre que precise, contrate através de procedimento seletivo simplificado.
Sobre a medida, argumenta José dos Santos Carvalho Filho o fato de que quando se trata de quadro permanente de servidores, a Constituição é muito clara e não permite interpretação extensiva. Para o autor:
“A verdadeira seleção de servidores provisórios pelo método do procedimento seletivo simplificado somente se legitima como constitucional diante da temporariedade e da excepcionalidade das funções a serem executadas.
Não é, porém, o que sucede com o recrutamento dos agentes em foco. As funções de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias têm caráter permanente e se inserem na rotina administrativa comum, nada tendo de temporário ou de excepcional interesse público. Consequentemente, a lei não lhes pode aplicar o mesmo método seletivo adotado para a seleção de servidores temporários – estes, e somente estes, comtemplados no artigo 37, IX, da Constituição[33]”.
A tentativa de utilizar as exceções constitucionais para beneficiar setores específicos fica ainda mais clara no caso da interpretação dada por muitos Estados ao artigo 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal[34], o qual permitiu aos servidores públicos civis que não tivessem ingressado através de concurso público até a data de promulgação da constituição, mas estivesse em exercício a pelo menos cinco anos, poderiam ser considerados estáveis.
Tal exceção à regra foi pensada com intuito de respeito à segurança jurídica daqueles que compunham o quadro de servidores públicos quando da promulgação da Constituição, mas como toda exceção deveria ser enxergada com interpretação restritiva. Mas os interesses particulares eram diversos e quis-se dispor de forma diversa.
Alguns Estados resolverem dar uma interpretação extensiva à norma, entre eles o Estado do Piauí que garantiu:
“aos servidores admitidos “até seis meses antes da promulgação da Constituição, inclusive à título de serviços prestados”, a integração em quadro suplementar, assegurando-lhes a impossibilidade de exoneração, a menos que não lograssem aprovação em concurso de provas e títulos”[35].
Referida norma, albergada no artigo terceiro dos Atos de Disposições Transitórias da Constituição Estadual, foi declarada inconstitucional[36] em razão do seu evidente descompasso com o disposto da Constituição Federal, mas não foi o único caso de tentativa em “adaptar” o dispositivo do ADCT às “particularidades locais”[37].
O exemplo da regra e das exceções relativas ao concurso público, dentro dos quais se encontram direitos envolvidos e desrespeitados, representam um de vários exemplos em que se encontram “brechas” para perpetuar a mentalidade de hierarquização como algo normal e imutável e do “jeitinho” como inofensivo, tornando mais fácil a manutenção do poder daqueles que o detém.
Percebe-se, desse modo, que as exceções do direito brasileiro parecem estar sempre sendo desvirtuadas e aproveitadas para manter práticas patrimonialistas, sob as vestes de cumprimento à lei e aos preceitos constitucionais.
Nesse diapasão muitos direitos fundamentais são postos em segundo plano para favorecer interesses particulares, mais uma vez em uma inversão do público pelo privado em que “manda quem pode, obedece quem tem juízo” porque sempre foi assim e todos tem que “saber o seu lugar”. Aos bem-relacionados: todas as oportunidades, assim como as exceções subvertidas e aos outros: a regra, a dureza da lei.
É nesse contexto que os direitos fundamentais tão festejados vão perdendo força para práticas tão prejudiciais quanto são antigas na realidade do país. Aqui, mais uma vez se torna relevante o pensamento já mencionado de Konrad Hesse sobre a força normativa das constituições: é preciso que haja vontade de Constituição. Em outras palavras, é preciso que todos internalizem o espírito e as mudanças pretendidas pela Lei Maior do país, de modo que tomem para si a responsabilidade inadiável de olhar pelo que é comum e efetivar direitos fundamentais básicos pelos quais se lutou durante anos neste país e fora dele.
É possível que essa caminhada para a cidadania comece na ideia de que ela não é utópica, assim como na crença de que discutir sobre os mecanismos os quais poderão ajudar a se chegar a um nível satisfatório de sentimento republicano não é inútil ou defasado.
III- Conclusão
Passada a euforia característica do período de redemocratização do Brasil, percebeu-se que a Constituição Federal não havia salvo o país de comportamentos abomináveis e que problemas graves, como o desrespeito aos direitos persistiam.
Importantes juristas se debruçaram então sobre a problemática da efetividade dos direitos fundamentais e formularam classificações as quais ficaram conhecidas como a doutrina clássica no que tange ao tema e, em razão de sua importância, são estudados com profundidade nas academias. Tais ideias mostram-se bastante úteis à prática judicial e têm sido muito utilizadas pela Administração Pública para explicar a ausência de concretização imediata de todas as disposições constitucionais.
Em que pese sua importância, são, igualmente, uma explicação jurídica para um fenômeno que pode ser visto de outro viés: sócio-cultural e histórico. Quando o Congresso desvincula receitas que, por disposição constitucional, deveriam ser vinculadas à saúde e educação, para atender aos interesses daquela gestão e, mais tarde, alega a “reserva do possível” para negar prestações à saúde e à educação, não há um problema de densidade normativa, há um problema de má-gestão e de preferência de interesses circunstanciais à norma constitucional.
Quando se faz uso das relações pessoais para adquirir vantagens, como rapidez de atendimento, facilidades diante da burocracia ou ainda o ingresso ao serviço público não há problema de densidade normativa, há problema de mistura entre o público e o privado, entre a casa e a rua. Igualmente, quando utiliza-se das exceções constitucionais para criar situações de desvirtuação das normas constitucionais para aproveitamento próprio, não há problema normativo, há problema fático, há falta de cidadania, há corrupção.
As práticas patrimonialistas revestidas com ares de legalidade perpetuam a desconfiança nas instituições e as situações de desrespeito aos direitos garantidos a todos. Não há interesse de algumas minorias em modificar essas práticas pois elas são lucrativas e mantenedoras do status quo.
Diante delas, o cidadão brasileiro, ao contrário do que se diz, não permanece inerte. Ele se indigna. A questão central é que esse sentimento de inconformidade incrustrado em grande parte dos brasileiros não tem sido, ainda, suficiente para despertar o ideal de participação e cidadania. É uma indignação modesta, às vezes errada, que troca o desejo de respeito aos direitos pela vontade de também ter um padrinho político ou que se revolta e logo se retrai diante da constatação de que é preciso se adaptar.
Viu-se que o pensamento determinista segundo o qual o brasileiro tem uma propensão ao comportamento imoral em razão do seu caráter não prospera. Caráter é algo extremamente subjetivo, de modo que dificilmente poderia ser igual para todos os membros de uma sociedade. O problema do Brasil é outro: é a repetição por séculos a fio de que existem lugares sociais a serem ocupados, rígidos e imutáveis.
A pujança econômica e a gama de direitos constitucionalmente assegurados, embora tenham operado mudanças positivas, como a possibilidade de ascensão econômica através do mérito, maior transparência e acesso à informação a uma gama maior de pessoas, não parece ter despertado o brasileiro para uma verdade simples: a mudança precisa se operar na mente, na descrença nas formas fáceis, no apego à cidadania, aos deveres cívicos, ao pensamento de que as classes são meros instrumentos de dominação que já não têm mais espaço no Brasil.
Os Reis, os governos, leis e Constituições tem o poder de determinar comportamentos através dos instrumentos de coerção dos quais dispõem o Estado, mas não mudam o pensamento das pessoas, salvo quando existe uma base fértil para que a mudança se desenvolva. Não adianta saber de todos os seus direitos e cobrá-los no mesmo passo em que se utiliza ou tolera o “você sabe com quem está falando?”. A hierarquização é o oposto da isonomia, de modo que não é possível a convivência entre as duas. A constitucionalização dos direitos fundamentais, por mais positiva que seja, haja vista dar a eles a força da cogência, ainda caminha a curtos passos quando se trata de resolver o problema fático da ausência de internalização desses direitos, a ponto de diminuir abismos de tratamento no país. Quando se perceber que é preciso respeitar as regras mesmo que “ninguém esteja vendo”, o Brasil poderá deixar de ser um país que precisa tanto do Judiciário e da força para resolver todos os problemas.
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[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, P. 82
[2] Roberto da Matta (1991) explica que “em “casa”, o indivíduo está sujeito ao rígido código de amor e respeito à sua família, o grupo visto como inevitável, inescapável, do qual ele é perpétuo dependente e no qual dissolve sua individualidade em muitas ocasiões. A esse grupo, conforme quer nossa ética social, “tudo se deve”, pois é nele que se aprende a ser “alguém, a tornar-se pessoa”. Assim, embora a própria casa feudal tivesse a sua própria hierarquia interna, garantia aos indivíduos dela participantes, a condição de “alguém” importante perante a sociedade, haja vista a relação com o senhor, topo da escala hierárquica social. Esse status impedia que os protegidos dos senhores fossem vistos como pessoas quaisquer na “rua” que, para DaMatta, é justamente o oposto da “casa”, já que “nele , vemos o indivíduo desgarrado de seu grupo moral e, por isso mesmo, sujeito aos códigos impessoais[...]”.
[3] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, P. 82
[4] José Murilo de Carvalho (2012) menciona uma consideração importante de T.A. Marshall acerca da educação popular. De acordo com a distinção formulada por Marshall sobre as várias dimensões de cidadania, ela própria se estabelece em uma sequencia lógica: primeiro direitos civis, depois direitos políticos e por último direitos sociais. O autor toma o exemplo da Inglaterra: com base no exercício das liberdades civis, os ingleses reivindicaram o direito de votar. A participação popular no governo, permitiu a introdução dos direitos sociais. Marshall excetua a essa ordem apenas um direito social, a educação, que deveria preceder todos os outros. Nas palavras de José Murilo de Carvalho: “ Ela [a educação] é definida como direito social mas tem sido historicamente um pré-requisito para a expansão de outros direitos. Nos países em que a cidadania se desenvolveu mais rapidamente, inclusive na Inglaterra, por uma razão ou outra a educação popular foi introduzida. Foi ela que permitiu às pessoas tomarem conhecimento de seus direitos e se organizarem para lutar por eles. A ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política”.
[5] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, P. 73
[6] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, P. 74
[7] DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p.207
[8] De fato, no Brasil, alguns avanços no sentido de combate ao racismo, por exemplo, foram feitos. O próprio ofendido, ciente dos seus direitos, não aceita mais a violência contra si e busca alguma punição para o ofensor. Entretanto, ainda persiste um “racismo velado”, nem que seja em uma simples menção à cor da pele em uma conversa casual, para lembrar a cada um o seu devido lugar.
[9] Roberto DaMatta (1997)“(...) no caso brasileiro, tudo se passa ao inverso. Aqui, cada um já sabe seu lugar (ou melhor: cada qual busca sempre estar no local adequado), o que significa que o princípio da hierarquia é sempre aplicado, pois o maior temor social no Brasil é o de estar fora de seu lugar, estar deslocado, especialmente quando esse deslocamento implica, (...), se fazer passar por algo diferente do que se realmente é.
[10] DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, P.192.
[11] DaMatta (1997) explica que “os inferiores estruturais não deixam de usar o “sabe com quem está falando?”, que não é exclusivo de uma categoria, grupo, classe ou segmento social. Muito ao contrário, a expressão parece permitir mesmo a identificação por meio de projeção social, quando o inferior dela se utiliza para assumir a posição de seu patrão ou comandante, agindo em certas circunstâncias como se fosse o próprio superior e assim usando os laços de subordinação para inferiorizar um outro indivíduo, que, normalmente (isto é, pelos critérios econômicos gerais), seria igual.
[12] DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 221
[13] DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 206
[14] Para DaMatta (1991), o rito “implica sempre uma separação radical e autoritária de duas posições sociais real ou teoricamente diferenciadas. Talvez por isso, essa mandeira de dirigir-se a um outro, tão popular entre os brasileiros, seja sistematicamente excluída dos roteiros- sérios ou superciais- que visam a definir os traços essenciais de nosso caráter como povo ou nação. O “sabe com quem está falando”, além de não ser motivo de orgulho para ninguém- dada a carga considerada antipática e pernóstica da expressão -, fica escondido de nossa imagem (e autoimagem) como um modo indesejável de ser brasileiro, pois que revelador do nosso formalismo e da nossa maneira velada (e até hipócrita) de demonstração dos mais violentos preconceitos”.
[15] DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p.219
[16] Roberto DaMatta (1997, p. 216) . O exemplo trazido é semelhante a um dos casos representativos contatados pelo autor em sua pesquisa, qual seja, “ na antessala de um gerente de banco, algumas pessoas esperam por sua vez. Entra um senhor, e, após esperar com impaciência alguns minutos, diz num vozeirão: “sabe com quem está falando? Sou fulano de tal!” A secretária, nervosa, vai imediatamente ao gerente , e ele logo depois é atendido.”
[17] Roberto DaMatta (1997) estabelece distinções entre as noções de indivíduo e de pessoa. Segundo o professor, o indivíduo é caracterizado por ser livre, ter um espaço próprio, ser igual a todos, emoções particulares, consciência individual, faz as regras do mundo onde vive, não conta mediação entre ele e o todo. A pessoa, por outro lado, é presa à totalidade social, à qual se vincula de modo necessário, é complementar aos outros, não tem escolhas, recebe as regras do mundo onde vive.
[18] DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p.225
[19] A expressão “alguém do povo” aqui foi usada propositadamente para caracterizar uma pessoa sem influências, um verdadeiro “ inferior estrutural”. De acordo com Da Matta (1991, pgs 242/243), o vocábulo “povo” é sempre usado pelos superiores estruturais que ele denomina “superpessoas” que falam em nome dos inferiores estruturais, o “povo”. Para o autor, “ o grupo superior engloba (Dumont 1970ª, 1970b) os inferiores, fazendo com que seus alvos sejam os alvos de todo o sistema e falando em nome dos “inferiores estruturais”, sempre denominados de povo (uma palavra básica entre nós). O povo é sempre a entidade popular, massificada e forte que está do nosso lado (...) Porque o “povo” é sempre generoso, sempre certo e, como conseqüência de tantos atributos positivos, sempre idealizado e manipulável. Sua vontade – que ninguém precisa conhecer – é a vontade abrangente das pessoas que falam por ele. Do mesmo modo que o inferior estrutural usa a figura projetada do seu patrão para com ela se identificar e assim poder legitimar sua superioridade quando usa o “sabe com quem está falando?”, o superior estrutural, a pessoa, engloba seus inferiores, vistos coletivamente como “povo”, e assim fala por eles”.
[20] FILGUEIRA, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre as normas morais e a prática social. OPINIÃO PÚBLICA. Campinas: vol. 15, nº 2, Novembro, 2009. Disponível em <http://www.consocial.cgu.gov.br/uploads/biblioteca_arquivos/151/arquivo_eed91c6bbe.pdf>. Acesso em 03/06/2012, p.387.
[21] FILGUEIRA, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre as normas morais e a prática social. OPINIÃO PÚBLICA. Campinas: vol. 15, nº 2, Novembro, 2009. Disponível em <http://www.consocial.cgu.gov.br/uploads/biblioteca_arquivos/151/arquivo_eed91c6bbe.pdf>, p.416, 417, 418.
[22] SARMENTO, Daniel. A Ubiquidade Constitucional: os dois lados da moeda. 2012, p. 12 Disponível em <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/A-Ubiquidade-Constitucional.pdf>, Acesso em 18/01/2013
[23] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O Surgimento do Estado Republicano. Lua Nova, nº 62, 2004, p.01 Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n62/a08n62.pdf>, Acesso em 18/01/2013
[24] SIQUEIRA, Rafael de Brito e Schröder Wilfried Peter. Relações de Clientelismo, Parentesco e Patrimonialismo. XVII Congresso de Iniciação Científica, 2009, p.02. <http://www.contabeis.ufpe.br/propesq/images/conic/2009/anais%20%28E%29/conic/pibic/70/097031627SCPO.pdf>. Acesso em 15/03/2013
[25] Vieira, Fabiano Mourão. Cultura brasileira e corrupção. Revista da CGU. Ano III, Nº4. Junho/2008, p.46. Disponível em <http://www.sfc.planalto.gov.br/Publicacoes/RevistaCgu/Arquivos/4edicao.pdf#page=46>. Acesso em 15/03/2013
[26] Almeida, Carlos Alberto. A Cabeça do Brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 102
[27] FAORO, Raymundo. Os donos do Poder. Formação do Patronato Brasileiro. 3ª Edição. São Paulo: Editora Globo, 2008, p. 202
[28] MAGALHÃES, André Luís Alves de. O jeitinho brasileiro na admissão ao serviço público. 1ª Edição. São Paulo: Editora Baraúna, 2011, p. 33
[29] MAGALHÃES, André Luís Alves de. O jeitinho brasileiro na admissão ao serviço público. 1ª Edição. São Paulo: Editora Baraúna, 2011, p. 50
[30] MAGALHÃES, André Luís Alves de. O jeitinho brasileiro na admissão ao serviço público. 1ª Edição. São Paulo: Editora Baraúna, 2011, p. 84
[31] BRASIL. Constituição Federal, Artigo 37, IX
[32] BRASIL. Constituição Federal. Artigo 198, §4º
[33] CARVALHO FILHO, José dos Santos apud MAGALHÃES, André Luís Alves de. O jeitinho brasileiro na admissão ao serviço público. 1ª Edição. São Paulo: Editora Baraúna, 2011, página 94
[34] Art. 19 - Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no Art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor.
§ 3º - O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.
[35] André Luís Alves de. O jeitinho brasileiro na admissão ao serviço público. 1ª Edição. São Paulo: Editora Baraúna, 2011, página 101.
[36] Supremo Tribunal Federal. ADI nº 495, Relator: Ministro Néri da Silveira, Publicado no DJ de 11/02/2000 apud André Luís Alves de. O jeitinho brasileiro na admissão ao serviço público. 1ª Edição. São Paulo: Editora Baraúna, p.
[37] Outros Estados também tentaram ampliar a interpretação do art.19, do ADCT, como Minas Gerais e Amazonas.
Bacharela em direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 2013. Analista de Contas - Especialidade Direito do Ministério Público de Contas do Estado de Mato Grosso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARA MENDES CARCARá, . A influência da cultura hierárquica brasileira na efetivação dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46043/a-influencia-da-cultura-hierarquica-brasileira-na-efetivacao-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
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