RESUMO: O presente trabalho tem como escopo primordial traçar importantes considerações a respeito do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Inicialmente procurou-se delinear um breve histórico a respeito desse importante instituto no tocante às diferentes ordens constitucionais que já vigoraram em nosso país. Depois, buscou-se diferenciar os diferentes sistemas de controle de constitucionalidade existentes, de acordo com a classificação mais utilizada em sede doutrinária. Por último, objetivou-se definir os dois tipos de controle adotados pelo ordenamento jurídico pátrio, esclarecendo as principais características de cada um deles.
PALAVRAS-CHAVES: Controle de constitucionalidade; histórico; sistemas; tipos; efeitos.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA BRASILEIRO: BREVE HISTÓRICO. 2.1.Constituição de 1824 e 1891. 2.2. Constituição de 1934 e 1937. 2.3. Constituição de 1946. 2.4. Constituição de 1967 e EC n. 1/69. 2.5. Constituição de 1988. 3. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.1. Quanto ao órgão. 3.2. Quanto ao momento. 3.3. Quanto à forma. 4. CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO. 4.1. Breves considerações. 5. CONTROLE DIFUSO, INCIDENTAL OU ABERTO. 5.1. Noções gerais. 5.2 O PAPEL DO Senado Federal no controle difuso. 6. conclusão.
1.INTRODUÇÃO
No Brasil o controle de constitucionalidade é exercido pelos três Poderes da República, em suas variadas formas. O Poder Legislativo e o Poder Executivo exercem um controle preventivo de constitucionalidade. Aquele, através de Comissões de Constituição e Justiça que examina a legalidade do projeto de lei em face da Constituição e este através do veto jurídico ao projeto aprovado pelo Poder Legislativo. Já o Poder Judiciário realiza o controle repressivo, ou seja, verifica a constitucionalidade de uma lei depois de aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo.
O fundamento do controle de constitucionalidade decorre da existência de uma lei maior superior às demais normas jurídicas existente em um país, decorrência da ideia de supremacia da Constituição escrita. Sua finalidade é garantir a harmonia e compatibilidade do ordenamento jurídico impugnando atos ou normas incompatíveis com a Constituição.
A ideia de controle baseia-se em requisitos fundamentais, a saber, uma constituição rígida, que é aquela que possui processo legislativo mais árduo do que o processo de alteração das normas infraconstitucionais, e a competência de um órgão para solucionar as lides constitucionais. A Constituição brasileira é classificada como rígida e tem como órgão de controle, no plano federal, o Supremo Tribunal Federal.
A Constituição brasileira adotou um sistema misto de controle de constitucionalidade. É adotado tanto o controle difuso (abstrato) de constitucionalidade quanto o controle abstrato (concentrado) de constitucionalidade. Naquele, qualquer órgão do Poder Judiciário poderá declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de lei ou norma, e neste o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça dos Estados, conforme o parâmetro seja a Constituição Federal ou a estadual, respectivamente, poderá anular total ou parcialmente uma lei ou norma, com efeitos retroativos ao inicio de sua vigência.
2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA BRASILEIRO: BREVE HISTÓRICO.
2.1.Constituição de 1824 e 1891
No sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, a Constituição de 1824 não contemplava qualquer sistema assemelhado ao modelo atual. A influência do direito francês e do direito inglês ensejou que se outorgasse ao Poder legislativo a atribuição de criar leis, interpretá-las, suspendê-las, e revogá-las, bem com zelar pela guarda da Constituição.
Porém, não foi apenas o dogma do Parlamento que impediu a fiscalização jurisdicional do controle de constitucionalidade no Império. O Poder Moderador assegurava ao Chefe de Estado a função de zelar pela manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes (art. 98 da Constituição Imperial de 1824). Com esse poder de coordenação pelo Imperador, inviabilizou-se o exercício da função de fiscalização constitucional pelo Poder Judiciário.
Já na Constituição de 1891 (primeira Constituição Republicana no Brasil) inaugura-se um novo modelo. Influenciada pelo direito norte-americano, inaugura-se a técnica de controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência. Consolidava-se, assim, o sistema de controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro.
2.2. Constituição de 1934 e 1937
A Constituição de 1934 manteve o controle difuso de constitucionalidade e criou a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (um ente político intervindo em outro para o estabelecimento da ordem), a cláusula de reserva de plenário (a inconstitucionalidade só poderia ser declarada pela votação da maioria absoluta dos membros de um tribunal) e a competência ao Senado Federal de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional.
Apesar da pouca vigência da Constituição de 1934, devido aos fatos daquele momento histórico, foi inegável a evolução que este Texto Magno significou no âmbito do desenvolvimento de controle de constitucionalidade no Direito brasileiro.
Na Constituição de 1937 (conhecida como Polaca, devido à forte influência da Constituição ditatorial polonesa de 1935), não obstante tenha mantido o controle difuso de constitucionalidade, trouxe um inequívoco retrocesso ao sistema de controle de constitucionalidade. Estabeleceu que no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma, o Presidente da República, ao seu alvedrio, poderia submetê-la novamente ao Poder Legislativo, com fundamento no bem-estar da população ou na promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, conforme art. 96. Instituía-se uma peculiar modalidade de revisão constitucional que implicava em desproporcional fortalecimento do Poder Executivo.
2.3. Constituição de 1946.
A Constituição de 1946, que restabeleceu a democracia e constitucionalização no País, restaurou o controle jurisdicional difuso tradicional e a atribuição do Senado Federal para suspender a execução da lei declarada inconstitucional. Também se criou uma nova modalidade de ação direta inconstitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, com propositura exclusiva do Procurador-Geral da República (controle concentrado). Esta Constituição possibilitou o controle concentrado de constitucionalidade no âmbito estadual e disciplinou-se a apreciação dos recursos extraordinários.
2.4. Constituição de 1967 e EC n. 1/69.
A Constituição de 1967 (um dos símbolos da ressurreição da ditadura) manteve incólume o controle difuso de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade. No entanto, não incorporou a criação do processo de competência originária dos Tribunais de Justiça dos estados, para declaração de lei ou ato dos Municípios que contrariassem as Constituições dos Estados. As principais novidades trazidas por esta carta Constitucional foram a ampliação da representação para fins de intervenção, confiada ao Procurador-Geral da República e a possibilidade de medida cautelar, em sede de inconstitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal.
2.5. Constituição de 1988.
A Constituição Cidadã de 1988 ampliou consideravelmente os mecanismos de proteção judicial e ampliou o controle de constitucionalidade das leis.
No controle de constitucionalidade concentrado federal, o rol de legitimados para a propositura foi ampliado. Consoante o art. 103 da Constituição de 88, os legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade são: Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara Federal, Mesa de Assembleia Legislativa, Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou Governador do Distrito Federal, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Criou-se o controle de constitucionalidade em face das omissões do Poder Legislativo, tanto na forma concentrada (ação direta de inconstitucionalidade pro omissão, nos termos do art.103, § 2.º) quanto na forma difusa (mandado de injunção, nos termos do art. 5.º LXXI).
Outra novidade foi a criação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (parágrafo único do art. 102) e a criação, através da Emenda Constitucional n.º 03/1993, da Ação Declaratória de Constitucionalidade.
3. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.
3.1. Quanto ao órgão.
No sistema de controle de constitucionalidade, quanto ao órgão, grande parte da doutrina divide em três:
a) controle político, exercido por órgão não pertencente ao Poder Judiciário, ou seja, órgão de natureza política, composto por membros investidos de mandato e que tem por característica principal o afastamento que esse órgão de controle mantém com os demais Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), não mantendo nenhum tipo de vínculo com estes. Logo, nesse sistema, o órgão capacitado para decidir a constitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo profere um decisão política. O fundamento desse sistema é a alegação de que a interpretação da Constituição deve ser reservada a órgãos com sensibilidade política, pois a Constituição deve ter um caráter dinâmico e não pode ser hierarquicamente considerada. Para esse controle, o Poder Judiciário atentaria contra o princípio da separação de poderes, já que daria aos juízes poder de anular as decisões do Legislativo e Executivo. Esse controle tem como exemplos o atual sistema vigente na França, feito pelo Conselho Constitucional e na antiga URSS, que era exercido pelo Presidente do Soviete Supremo.
b) controle judiciário, exercido pelos integrantes do Poder Judiciário. Atualmente predominante, consiste na previsão de um órgão judiciário para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, ou seja, este órgão verifica a adequação vertical entre a os atos legislativos e Constituição Federal. Esse controle, realizado nos autos de ações próprias, as quais são proferidas decisões judiciais para o caso concreto (controle difuso) ou em relação à lei em tese (controle concentrado). É exemplo desse sistema o brasileiro e o americano.
c) controle misto, exercido quando uma Constituição permite, em parte, o controle político sobre determinadas normas e o controle por parte do poder Judiciário em outras. Esse sistema típico tem como exemplo o modelo suíço, em que leis federais se sujeitam ao controle político e leis locais pelo órgão judiciário competente.
3.2. Quanto ao momento.
Nesse sistema, o controle de constitucionalidade pode ser exercido em dois momentos, antes e depois da aprovação do ato legislativo, a saber, preventivo e repressivo
O controle preventivo é aquele realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo, ou seja, antes da elaboração de uma lei, ou antes, da ocorrência do ato lesivo à Constituição, impedindo, se esse for inconstitucional, que a lei ou norma entre em vigor. Esse controle é realizado pelo Poder Legislativo, Executivo e Judiciário.
O legislativo executa esse controle através de suas comissões temáticas, que tem como função principal a verificação da constitucionalidade do projeto de lei apresentado para aprovação. Na Câmara dos Deputados o controle será realizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (Regimento Interno da CD, art. 32, IV), enquanto o Senado federal exercerá o controle pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (Regimento Interno do SF, art. 101). Não obstante, o plenário dessas casas poderá verificar a inconstitucionalidade do projeto de lei durante as votações. Porém, nem sempre tal controle ocorre sobre todos os projetos normativos, a saber, medidas provisórias, resoluções dos tribunais e decretos.
No direito estrangeiro, o controle preventivo legislativo foi previsto em algumas Constituições antigas, como, por exemplo, no caso do Senado conservador da Constituição francesa de 1799, que deixou passar as alterações constitucionais feitas por Napoleão Bonaparte, na época, flagrantemente inconstitucionais.
Em relação ao Poder Executivo, o Presidente poderá realizar o controle preventivo através do veto ao projeto de lei. O chefe do Poder Executivo, através de sua participação no processo legislativo, poderá vetar o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional por entendê-lo contrário à Constituição (veto jurídico) ou ao interesse público (veto político).
No tocante ao Poder Judiciário, este poderá realizar o controle prévio através de medidas judiciais assecuratórias de um processo legislativo juridicamente hígido. Conforme posicionamento majoritário do Supremo Tribunal Federal, a única hipótese de controle preventivo judiciário sobre projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional é para garantir ao parlamentar o devido processo legislativo, pois o mesmo não pode participar de procedimento contrário aos ditames da Constituição – direito público subjetivo. Aquela Corte Constitucional asseverou, também, que, cabe ao Judiciário somente verificar se foi adotado um procedimento em total conformidade com a Constituição, contudo, não lhe cabe averiguar aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos próprios de cada Casa Legislativa (MS 22.503-3/DF - STF).
Assim, no Brasil o controle prévio de constitucionalidade, observando-se o processo legislativo nos ditames da Constituição, será exercido pelo Poder Legislativo (comissões de constituição e justiça), pelo Poder Executivo (veto) e pelo Poder Judiciário (observância ao devido processo legislativo).
De outro lado, o controle repressivo é aquele realizado a partir da efetiva vigência da lei ou da norma, ou após a realização de ato lesivo à Constituição, atuando para penalizar esse ato com o escopo da inconstitucionalidade. No sistema brasileiro, em regra, quem realiza o controle de constitucionalidade repressivo são os órgãos do Poder Judiciário, com o intuito de retirar do ordenamento pátrio normas contrárias à Carta Magna.
Existem dois sistemas de controle jurídico de constitucionalidade repressivo, a saber, o concentrado (via de ação) e o difuso (via de exceção).
Porém, excepcionalmente, admite-se que os Poderes Legislativo e Judiciário possam realizar o controle repressivo de constitucionalidade. Caso apresentem um vício de inconstitucionalidade.
Conforme estabelece o art. 49, V, da CF/88, é de competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Tal controle repressivo, por parte do Legislativo, será exercido através de um decreto legislativo a ser realizado pelo Congresso Nacional. Outra hipótese está prevista no art. 62 da CF/88, o qual, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá editar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las ao Poder Legislativo. Nesse caso, o Congresso Nacional entendendo que a medida provisória é inconstitucional, deverá rejeitá-la, consubstanciando-se em controle repressivo por parte do Legislativo.
Em relação ao Executivo, boa parte da doutrina admite o controle repressivo por aquele poder, asseverando a tese de que se uma determinada norma é flagrantemente inconstitucional o Chefe do Poder Executivo poderá descumpri-la. Segundo ensinamentos do Ilustre Pedro Lenza é perfeitamente possível o descumprimento de lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo porque um dos efeitos do controle concentrado é a vinculação dos demais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo (LENZA, 2009, p. 174). Outro argumento, alega o Ilustre Pedro Lenza (2009, p.174), é:
“a ideia de possibilidade de descumprimento da lei flagrantemente inconstitucional decorrente dos efeitos da súmula vinculante (E.C. n.º 45), que uma vez editada, vinculará a Administração Pública, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal. Assim, poderá o Chefe do Poder Executivo determinar a não-aplicação de lei flagrantemente inconstitucional.”
Quanto ao controle de constitucionalidade repressivo realizado pelo Judiciário, é considerado de natureza mista, exercido tanto de forma concentrada, quanto de forma difusa. Na forma concentrada, consoante o disposto no art.102, I, a, da CF/88, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Já na forma difusa, o art. 97 da CF/88 estende a possibilidade do controle difuso também nos tribunais, observando-se a regra de que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, poderá ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.
3.3. Quanto à forma.
Segundo o ilustre doutrinador André Ramos Tavares (TAVARES, 2003), pode-se apontar dois modelos de controle de constitucionalidade, adotados por países que admitem a jurisdição constitucional. De um lado tem-se o modelo norte-americano, baseado no amplo controle por parte dos órgãos judiciários e do outro, encontra-se o modelo austríaco, que contempla a existência de um Tribunal Constitucional ao qual se atribui a tarefa exclusiva de controlar a constitucionalidade das leis e atos normativos.
Deste modo, controle de constitucionalidade, quanto à forma, pode ser concreto ou abstrato.
a) controle concreto, exercido durante um processo jurisdicional em que a apreciação de constitucionalidade de uma lei ou ato normativo se verifica na causa de pedir (razão ou fundamento do pedido) e não no pedido em si. Assim, o mérito de um caso concreto não gira em torno da constitucionalidade ou não de uma determinada lei.
b) controle abstrato, exercido para verificar a adequação de uma determinada lei impugnada com a Constituição (via ação) ou constatar a não edição de uma norma exigida pela Carta Magna (via omissão). O principal objetivo desse controle é a eliminação do ordenamento de uma norma contrária à Constituição, ou a supressão da omissão legislativa, tendo como o centro da discussão a própria lei. Nesse caso, não se protege direito pessoal ou uma determinada situação concreta.
4. CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO.
4.1. Breves considerações.
Hans Kelsen (KELSEN, 2003), que foi o criador do controle concentrado de constitucionalidade no mundo, justificou a escolha de um único órgão para exercer o controle de constitucionalidade salientando que se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir determinada questão dificilmente surgiriam uma lei que vinculasse os súditos do Direito. Devendo-se evitar tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico. Desse modo, se o controle de constitucionalidade é reservado a um único Tribunal, este detém competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional, não só a um caso concreto, mas em relação a todos os casos a que a lei se refira.
O controle de constitucionalidade concentrado apareceu no Brasil através da Emenda Constitucional n.º 16/1965, que conferiu ao Supremo Tribunal Federal competência para processar e julgar originariamente a representação inconstitucional de lei ou ato normativo federal ou estadual, oferecida pelo Procurador-Geral da República.
Através desse controle, é obtida a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente de um caso concreto, com a finalidade de invalidação da lei, garantindo-se a segurança nas relações jurídicas.
A ação direta de inconstitucionalidade, nos moldes da atual Constituição, alterou a antiga representação de inconstitucionalidade, que era privativa do Procurador-Geral da República. Assim, esse instrumento passou a ter uma múltipla legitimação ativa (capacidade para ser autor) e, também, a identificação de curador da presunção de constitucionalidade, a saber, o Advogado-Geral da União, a criação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do controle de constitucionalidade em face da Constituição Estadual, pela via concentrada.
Com o ingresso desse sistema de controle abstrato de normas, com ampla legitimação e outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu o legislador-constituinte reforçar esse controle como instrumento de correção dos vícios no ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, com a ampla legitimação conferida ao controle abstrato e com a possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, a contrario sensu, a Constituição de 1988 acabou reduzindo o controle de constitucionalidade difuso, permitindo que muitas controvérsias relevantes sejam submetidas diretamente ao Supremo Tribunal Federal mediante o controle abstrato de normas.
O controle de constitucionalidade concentrado na constituição Federal contempla cinco situações:
a) Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica (CF, art. 102, I, a);
b) Ação Direta de Inconstitucionalidade interventiva (CF, art. 36, III);
c) Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º);
d) Ação Declaratória de Constitucionalidade (CF, art. 102., I, a e ECs ns. 3/93 e 45/04);
e) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, § 1º).
a) Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica, que busca o controle de constitucionalidade de ato normativo em tese, abstrato, marcado pela generalidade, abstração e impessoalidade. É um mecanismo especial de provocação da jurisdição. É um processo objetivo que não visa compor uma lide, justamente pela ausência de partes, no sentido processual do termo. Seus legitimados ativos buscam, com a provocação do tribunal competente para a jurisdição constitucional concentrada, a defesa da integridade da ordem jurídica constitucional, que é um interesse de toda a coletividade.
Este instrumento constitucional tem como objeto declarar a inconstitucionalidade lei ou ato normativo federal, estadual, editados posteriormente à promulgação da Constituição Federal.
Não se admite a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido.
Com a publicação da lei n.º 9.868/99, a ação direta de inconstitucionalidade ganhou uma natureza dúplice, pois sua decisão acarreta os mesmos efeitos, ora pela procedência (constitucionalidade), ora pela improcedência (constitucionalidade), desde que proclamada pela maioria absoluta dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A ação direta de inconstitucionalidade apresenta inúmeras peculiaridades, entre elas: a inaptidão para solucionar lides; o objetivo de eliminação de lei do ordenamento jurídico; inexistência de conflito de interesses a ser resolvido; a inexistência de contraditório; a ausência de partes, no sentido processual do termo; a impossibilidade de intervenção de terceiros (assistência) e de litisconsórcio; a impossibilidade de desistência; a impossibilidade de suspeição dos ministros e o não-conhecimento se a norma impugnada for anterior à Constituição vigente (não recepção).
A lei 9.868/99, preservando a orientação que veda a intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade, trouxe significativa inovação, ao autorizar que o relator, considerando a matéria e a representatividade dos postulantes, admita a manifestação de outros órgão ou entidades (art. 7º, § 2º), o que positivou o chamado amicus curiae – amigos da corte. Trata-se de providência que confere caráter pluralista ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade.
Outra característica desse instrumento de controle da Constituição é o fato de o órgão jurídico não ficar adstrito aos fundamentos deduzidos na petição inicial, admitindo outros fundamentos que acharem pertinentes. O que evidência, mais uma vez, o caráter dúplice dessa ação.
b) Ação Direta de Inconstitucionalidade interventiva, que busca o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo, ou omissão, de atos estaduais que desrespeitem os princípios sensíveis, previstos no art. 34 da Constituição federal.
A Constituição Federal, em seu art. 18, diz que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos. O que evidencia a regra da autonomia dos entes federados. Mas a constituição permite a intervenção, de forma excepcional, nos casos previstos taxativamente nos incisos do art. 34.
Conforme acentua o ilustre Alexandre de Moraes (MORAES, 2008, p. 766):
a ação direta interventiva possui dupla finalidade, pois pretende a declaração de inconstitucionalidade material e formal de uma lei ou ato normativo estadual (finalidade jurídica) e a decretação de intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal (finalidade política), constituindo-se, pois, um controle direto, para fins concretos.
O Presidente da República decreta a intervenção federal (art. 84 da CF/88), mediante requisição do Supremo Tribunal Federal, cujo decreto se limitará a suspender a execução do ato impugnado, caso essa medida estabeleça a normalidade. Entretanto, caso seja não suficiente, será decretada a intervenção, rompendo-se provisoriamente a autonomia dos Estados-membros.
c) Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, que busca combater a inefetividade das normas constitucionais. Através desse instrumento busca-se tornar efetiva norma constitucional destituída de efetividade (normas constitucionais de eficácia limitada).
Consoante o art. 103 § 2º da Constituição Federal que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das medidas necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
A inconstitucionalidade por omissão (inconstitucionalidade negativa) resulta da inércia, do silêncio do poder político, que deixa de praticar determinado ato exigido pela Constituição.
A legitimação ativa para a ação de inconstitucionalidade por omissão é a mesma da ação direta de inconstitucionalidade genérica, contida no art. 103 da CF/88.
O Supremo Tribunal Federal tem competência originária para julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Os efeitos da decisão são diferentes para o Poder Legislativo e para o órgão administrativo. No primeiro caso, a Corte Constitucional dará ciência ao Poder Legislativo. Nesse caso, não é uma determinação ou uma punição ao Poder faltante, e sim um aviso que a norma está omissa, observando-se o princípio da independência dos Poderes assegurado o art. 2º da Constituição Federal. Se a omissão for de órgão administrativo, a decisão será imperativa, ou seja, o órgão faltante deverá suprir a omissão em trinta dias, sob pena de responsabilização do Poder Público administrativo.
Note-se que a omissão poderá ser total (não houve o cumprimento constitucional do dever de legislar) ou parcial (a lei integrativa infraconstitucional legislou de forma insuficiente).
Há de se ressaltar a diferença entre a ação direta de inconstitucionalidade por omissão do mandado de injunção. Este tem por objeto o não-cumprimento do dever de legislar que, de alguma forma, afeta direitos constitucionais concretos (falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania e à cidadania, de acordo com o art. 5º, LXXI). Aquela tem por finalidade tornar efetiva norma constitucional, no plano objetivo, devendo-se dar ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo, para editá-lo em trinta dias.
d) Ação Declaratória de Constitucionalidade, que busca declarar a constitucionalidade de uma norma ou ato normativo federal. Esse instrumento constitucional foi introduzido pela Emenda Constitucional n.º 03 de 1993 e teve como finalidade dar ao Estado a oportunidade de obter uma célere decisão judicial definitiva do Supremo Tribunal Federal, produzindo efeitos erga omnes, evitando-se decisões contrárias em instâncias inferiores e o não-cumprimento da medida legislativa adotada. Destarte, transforma-se uma presunção relativa de constitucionalidade de uma lei ou ato normativo em presunção absoluta (jure et de jure), não mais se admitindo prova em contrário.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade foi definida como processo objetivo, caracterizada pela ausência de partes, em seu sentido material, e pela possibilidade de o processo de ser instaurado independentemente de demonstração de interesse jurídico específico. É desse modo porque se destina a acabar com a insegurança jurídica ou a incerteza sobre a legitimidade de determinada lei ou ato normativo federal.
Conforme assevera o Ilustre Doutrinador Uadi Lammego Bulos (BULOS, 2008, p. 225)
na realidade, o instituto possui um escopo claro e inconfundível: banir o estado de incerteza e insegurança provindo de interpretações maliciosas ou traumatizantes ao texto da Lex Mater, ratificando a presunção de que uma dada norma jurídica é constitucional. Nisso, procura conferir orientação homogênea às controvérsias, evitando que pronunciamentos dispares de câmaras, turmas ou grupos ou seções de um mesmo tribunal, proferidos em sede de controle difuso de normas, gerem polêmicas intermináveis, em detrimento da justiça .
Segundo já decidiu o Supremo Tribunal Federal, existe a ´´necessidade de que esse dissídio se exteriorize em proporções relevantes, pela ocorrência de decisões antagônicas, que, em ambos os sentidos e em volume expressivo, consagrem teses conflitantes`` (STF, ADC n.º 08/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo STF n.º 160). Portanto, o Supremo não pode ser transformado em um simples órgão de consulta jurídica sobre a constitucionalidade de uma lei antes da comprovação de uma séria contenda judicial.
A ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal é processada e julgada originariamente, na Corte Suprema (CF, art. 102, I, a). Por ser um mecanismo do controle abstrato de normas essa competência decorre do fato de ser exercido, apenas, pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao se obter um pronunciamento definitivo do Supremo acerca da compatibilidade de determinada norma perante a Carta da República, a ação declaratória de constitucionalidade vincula os Poderes Públicos, impedindo que certo assunto volte a ser reexaminando em sede de controle difuso, procrastinando a solução dos feitos.
No tocante a decisão, se for pela procedência da ação, conduzirá à declaração de constitucionalidade da norma questionada. Se, ao contrário, for pela improcedência, a conclusão será pela a inconstitucionalidade. Isso se dá devido a natureza dúplice dessa ação (arts. 22 a 24 da lei n. º 9.868/1999). Também, é possível decisão parcial de provimento da declaratória, reconhecendo parte de uma norma como constitucional e a outra parte restante como inconstitucional.
O Supremo Tribunal Federal não fica adstrito aos fundamentos e argumentos invocados pelo autor da ação, podendo incursionar livremente por tantos outros quantos sejam necessários à decisão final sobre a constitucionalidade, ou não, da norma atacada.
Após a Emenda Constitucional n. º 45/2004 (Reforma do Poder Judiciário), os legitimados para a propositura da referida ação passaram a ser os mesmos da Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica (art. 103 da CF/88).
A Ação Declaratória de Constitucionalidade tem eficácia erga omnes (impede que a questão seja levada novamente à decisão do Supremo tribunal federal) e, principalmente, efeito vinculante (proíbe que qualquer órgão judiciário julgue diferentemente do que julgado pelo Supremo Tribunal Federal e proíbe, também, que órgãos administrativos recorram em processos decididos contra a União, por exemplo, em primeiro ou segunda instância e que o Executivo dê aplicação à lei dita inconstitucional). É possível, ainda, cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade, com eficácia vinculante e subordinante, com todas as consequências jurídicas daí decorrentes.
Não cabe essa modalidade de ação para a declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual, em razão da omissão constitucional.
d) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que, consoante o art. 102, § 1º, da Constituição Federal, estabeleceu uma nova forma de controle concentrado de constitucionalidade, competindo ao Supremo Tribunal Federal apreciar e julgar a arguição de descumprimento de preceito fundamental (direito e garantias fundamentais as Constituição, bem como os fundamentos e objetivos fundamentais da República, de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais). Essa ação constitucional, prevista em norma de eficácia limitada, veio a ser regulamentada somente pela lei n. º 9.882/1999.
A ação de descumprimento de preceito fundamental será cabível, de acordo com a lei em supramencionada, ora na modalidade de ação autônoma, ora por equivalência ou equiparação. A arguição autônoma tem por objeto evitar – caráter preventivo - ou reparar lesão – caráter repressivo - a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Na equiparação, a arguição tem como fundamento relevante a controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual, distrital ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição, devendo demonstrar a divergência jurisdicional relevante na aplicação do ato normativo, violador do preceito fundamental.
Essa ação constitucional, por ter uma natureza subsidiária, não será admitida quando houver outro meio de sanar a lesividade (art. 4.º, § 1º da lei 9.882/1999). Desse modo só poderá ser proposta se não for cabível ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, mandado de segurança, ação popular, reclamação, ou outra medida judicial capaz de sanar a lesividade. Corroborando isso, a título de exemplo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite arguição ser conhecida como ação direta de inconstitucionalidade genérica, dado o seu caráter subsidiário (ADPF 72 – QO/PA, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 1º-6-2005. Informativo n. 390).
É de se destacar que atos particulares (atos envolvendo particulares), atos políticos (veto imotivado do Poder Executivo a um determinado projeto de lei), atos legislativos em fase de formação (projetos de emendas constitucionais e projetos de leis) e atos normativos secundários (regulamentos, instruções, portarias, dentre outros atos infralegais) não podem ser objeto de ação de descumprimento de preceito fundamental.
Sua finalidade é preservar a base constitucional, buscando racionalidade e segurança ao sistema jurídico. Como a arguição serve, apenas para a defesa de preceitos fundamentais, não é razoável a demora em seu julgamento, sob pena de perecer aquilo que se busca tutelar.
A lei 9.882/99 concedeu legitimidade ativa para as mesmas pessoas e órgãos previstos no rol estabelecido no art. 103 da Constituição Federal, ou seja, as mesmas previstas para ação direta de inconstitucionalidade.
A decisão proferida, em sede de arguição de preceito fundamental, em regra, produzirá eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação ao Poder Público e os efeitos no tempo serão ex tunc (retroativos). Contudo, foi atribuída a Suprema corte, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a possibilidade de estabelecer, por maioria qualificada de dois terços dos Ministros, a restrição da decisão, decidindo que esta só produzirá efeitos a partir do transito em julgado ou de outro momento futuro que venha a ser fixado. É possível, também, a decisão, pela maioria absoluta dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o deferimento de medida liminar em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, que consistirá na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresenta relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental.
5. CONTROLE DIFUSO, INCIDENTAL OU ABERTO.
5.1Noções gerais.
O controle de constitucionalidade difuso, que surgiu no Brasil na Constituição de 1891, é exercido pro todos os integrantes do Poder Judiciário. Qualquer juiz ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade da lei no caso concreto. Esse controle atrela-se à via da exceção ou de defesa e por esta via, qualquer das partes, no curso de um processo, pode suscitar o problema da inconstitucionalidade, como questão incidental, cabendo ao respectivo juiz ou tribunal decidi-la, pois só assim a lide principal poderá ser resolvida.
Consoante assevera o Ilustre Alexandre de Moraes (MORAES, 2008, p. 711):
“o controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo, pois, objeto da ação principal.”
Logo, o controle difuso de constitucionalidade tem como requisitos: a satisfação de um direito individual em litígio (incidentur tantum), ou seja, a inconstitucionalidade de um ato legislativo ou normativo é argüida incidentalmente por qualquer das partes; a questão pode ser argüida perante qualquer juiz ou tribunal, o que pode ocasionar decisões conflitantes; a eficácia da decisão é inter partes, vinculando e produzindo coisa julgada somente para as partes da relação processual; a questão só poderá ser argüida pelo titular do direito individual ou coletivo.
Considerando o controle difuso como um amplo instrumento de controle de constitucionalidade, várias matérias podem ser objeto desse controle, a saber, leis ou atos normativos municipais em face das cartas estaduais, leis ou atos normativos municipais em face da Carta Federal, leis ou atos normativos distritais, espécies normativas (emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções), tratados internacionais, leis estrangeiras inconstitucionais e atos normativos privados (convenção de condomínio ou estatuto de empresa, por exemplo).
Todavia, existem matérias que não podem constituir objeto do controle difuso de constitucionalidade, ora por não serem atos normativos, ora por terem efeitos abstratos, a saber, leis ou atos normativos revogados (anteriores à Constituição Federal), normas constitucionais originárias, atos inconstitucionais com efeitos erga omnes, leis e atos de efeitos concretos, súmulas, ementas de leis diversas de seu conteúdo, respostas do Tribunal Superior Eleitoral, convenções coletivas de trabalho e normas regimentais do processo legislativo.
5.2. o papel do Senado Federal no controle difuso.
A Constituição Federal, em seu art. 52, X proclama que compete, privativamente, ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Portanto, da decisão do Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade incidental de lei ou ato normativo, ocorrerá uma comunicação ao Senado Federal para que utilize, ao seu alvedrio, a competência atribuída acima, para que suspenda, por resolução, a lei ou o ato normativo.
Essa norma somente se aplica em sede de controle difuso de constitucionalidade, campo em que o Supremo Tribunal Federal poderá declarar a inconstitucionalidade incidental:
a) de leis ou atos normativos federais, estaduais, distritais ou municipais;
b) de leis ou atos normativos formais, elaborados pelo Poder Legislativo (emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções); e
c) de leis ou atos normativos materialmente legislativos (decretos presidenciais, medidas provisórias, regulamentos autônomos, regimento internos de tribunais, etc.).
Assim, a Suprema Corte emitindo decisão transitada em julgado, no caso concreto entre as partes, com a declaração incidental de inconstitucionalidade, ela oficia junto ao Senado Federal para suspender a execução da lei que ofendeu a Constituição.
Por conseguinte, o Senado Federal suspende a executoriedade, por meio de resolução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso.
Em complemento a essa competência, o Regimento Interno do Senado Federal estabelece, em seu art. 386, que o Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade, total ou parcial de lei mediante: comunicação do presidente de Tribunal; representação do Procurador-Geral da República; e projeto de resolução de iniciativa da comissão de constituição, justiça e cidadania. Esses atos acima referidos deverão ser instruídos com o próprio texto de lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento. Por conseqüência, uma vez lida em plenário, a comunicação ou representação será encaminha à comissão de constituição, justiça e cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução de lei, no todo ou em parte.
Porém, uma vez declarado a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por decisão definitiva, em sede de controle difuso, pelo Supremo Tribunal Federal, o mesmo já decidiu que o Senado Federal não está obrigado a proceder à edição da resolução que suspende o ato estatal eivado de inconstitucionalidade, pois é ato discricionário do Poder Legislativo, pela natureza eminentemente política do ato, o que, caso contrário, estaria diante de uma afronta ao principio da separação de Poderes (mandado de injunção n.º 460-9-RJ, Rel. Min.Celso de Mello, 16 jun. 1994).
Contudo, se o Senado Federal editar a resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, de lei declarada incidentalmente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, não poderá, posteriormente, alterar seu entendimento para tornar sem efeito ou mesmo modificar o sentido da resolução.
Quando a resolução é publicada nos órgãos oficiais, suspendendo o ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo, é que os efeitos do controle difuso de constitucionalidade atingirão a todos – eficácia erga omnes. Ou seja, a via de exceção produzirá eficácia geral, ampliando-se os efeitos do controle difuso, não se limitando, apenas, às partes no caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal vem atestando que a resolução senatorial é retroativa, ou seja, desconstitui todas as relações formadas sob a égide do ato declarado inconstitucional pelo Corte Suprema. Apresenta, assim, eficácia ex tunc (efeitos pretéritos). Logo, todas as ações firmadas sob o manto da norma inconstitucional tornam-se válidas, porquanto, a resolução do Senado Federal volta no tempo e desfaz o preceito contrário à Carta maior desde o seu surgimento.
Não obstante a validade do art. 52, X, da Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004 (Reforma do Poder Judiciário), nas questões constitucionais com repercussão geral (regulamentada pela lei 11.418/2006), o Supremo Tribunal Federal, analisando incidentalmente a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, poderá, imediatamente e assegurados os requisitos do art. 103-A da Constituição Federal, editar súmula vinculante, que tem como objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Assim, evita-se a demora na prestação jurisdicional em ações idênticas sobre o mesmo assunto.
Ensina o ilustre doutrinador Alexandre de Moraes (MORAES, 2008, p. 715) que:
“não mais será necessária a aplicação do art. 52, X, da Constituição Federal – cuja efetividade, até hoje, sempre foi reduzidíssima, pois, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, o próprio Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula sobre a validade, a interpretação e a eficácia dessas normas, evitando que a questão controvertida continue a acarretar insegurança jurídica e multiplicidade de processos sobre questão idêntica.”
Corrobora com esse entendimento o nobre doutrinador Uadi Lamego Bulos (BULOS, 2008, p.148) que assevera:
“No panorama do constitucionalismo de nosso tempos o mandamento cristalizado no art. 52, X, da Constituição encontra-se totalmente superado. Tal preceito, que remonta à Carta brasileira de 1934, já passou da hora de ser excluída da normativa constitucional pátria.
O Supremo Tribunal é o oráculo do Texto Maior (art. 102, caput). Seus veredictos, independentemente de quaisquer chancelas, devem lograr eficácia contra todos e efeito vinculante, tanto na via de ação como na de exceção. Por que não convertê-lo numa autêntica Corte Constitucional?”
6. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, constata-se que o instituto jurídico do controle de constitucionalidade passou por uma considerável evolução histórica desde a sua primeira aparição na Constituição de 1891 até os dias de hoje.
O Estado brasileiro sofreu a influência tanto do sistema de controle adotado pelos Estados Unidos, quanto daquele adotado pela Alemanha, adaptando as características de ambos com a realidade do sistema jurídico nacional.
Atualmente, percebe-se que a ordem jurídica interna alberga a existência de um controle de constitucionalidade misto, podendo ser do tipo difuso (incidental) ou abstrato (concentrado).
O controle abstrato tem natureza objetiva. Nele o pedido principal é a própria constitucionalidade ou não de uma norma e sua decisão terá efeito erga omnes. Já no controle difuso a constitucionalidade ou não de uma norma é a causa de pedir da ação, pois é incidentalmente questionada a inconstitucionalidade de um ato legislativo, podendo ser argüida perante qualquer juiz ou tribunal e produzindo efeitos inter partes.
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Servidor Público Federal. Graduado em Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (2010/2). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2012).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Victor Hugo Machado. Considerações gerais a respeito do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46087/consideracoes-gerais-a-respeito-do-controle-de-constitucionalidade-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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