Resumo: A sociedade civil ocupa espaço de relevância nas discussões afetas às transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que marcaram o mundo moderno e avançaram pela contemporaneidade. Inúmeros autores se debruçaram sobre a tarefa de contextualizar este importante instrumento de retórica, cuja dinamicidade se personifica para além das mutações sofridas pelo Estado e pelo mercado e a coloca em posição privilegiada, como promessa prodigiosa de propulsão social. Ainda que seja objeto de crítica, o conceito de sociedade civil, este termo é recorrentemente utilizado para indicar as forças democráticas autônomas nascidas em um território social ameaçado pelas lógicas capitalistas de mercado e por um Estado conivente. Jürgen Habermas, com a sua “Teoria da ação comunicativa” e suas reflexões firmadas na obra “Mudança estrutural da esfera pública”, representa verdadeiro divisor de águas na matéria, alimentando reflexões que a cada dia ganham mais voz e consagram a sociedade civil como expressão de uma sociedade móvel e comprometida com ideais democráticos. A reflexão proposta ganha contornos ainda mais intrigantes e atuais diante da promulgação da Lei 13.019 de 31 de julho de 2014, o denominado “Marco Regulatório das organizações da sociedade civil”, que enfrenta percalços até mesmo quanto a sua vigência.
Palavras-chave: Sociedade Civil – Jürgen Habermas - evolução.
Talvez nenhum termo goze de tanto uso e projeção no discurso social e político contemporâneo como o termo “sociedade civil”. Não se passa um dia sequer sem que se faça menção à “sociedade civil”, seja para legitimar movimentos sociais, seja para se implementar políticas públicas, ou mesmo para dar um tom mais democrático aos discursos.
A matéria resvala com relevância no campo jurídico, na medida em que a evolução de seu conceito e o próprio fortalecimento do que se entende por sociedade civil desaguaram em outros arranjos e modelos, tendo, por exemplo, recebido os louros pelo nascedouro do que hoje se denomina por “Terceiro Setor”. Além do mais, os ideais máximos de cidadania e democracia se encontram invariavelmente atrelados à concepção de sociedade civil, tornando tal abordagem tão atrativa em todas as frentes do Direito.
Carregada dos mais diversos significados, o uso, muitas vezes indiscriminado da expressão “sociedade civil”, acaba por evidenciar profundas contradições que levam a sua descrença e alimenta a sanha de seus críticos. Liszt Vieira (1997) dá o tom destas críticas, ao afirmar que “nas democracias liberais do Ocidente, esse conceito tem sido considerado como desprovido de potencial crítico para examinar as disfunções e injustiças da sociedade, ou como pertencente às formas modernas iniciais da filosofia política que se tornaram irrelevantes para as sociedades complexas de hoje” (VIEIRA, 1997: 44).
É possível perceber desde já, que o conceito de sociedade civil se encontra cercado por incontáveis variáveis, sejam históricas, sociais, culturais, econômicas, variando, inclusive, conforme cada espaço geográfico. Na tentativa de se contextualizar, já de início, as dificuldades conceituais do tema, lançamos mão do conceito de sociedade civil consagrado por Norberto Bobbio (1987: 35), que acaba por evidenciar ainda mais as intermináveis facetas e possibilidades do tema, senão vejamos:
Sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através de mediação ou através de repressão. Sujeitos desses conflitos e, portanto da sociedade civil exatamente enquanto contraproposta ao Estado são as classes sociais, ou mais amplamente os grupos, os movimentos, as associações, as organizações que a representam ou se declaram seus representantes; ao lado das organizações de classe, os grupos de interesses, as associações de vários gêneros com fins sociais, e indiretamente políticos, os movimentos de emancipação, de grupos étnicos, de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, os movimentos jovens, etc.
Cumpre ressaltar nesta oportunidade, que eminentes autores, no decorrer da história, se debruçaram sobre o desenvolvimento de um conceito de sociedade civil, no que podemos citar algumas matrizes teóricas de peso, como Tocqueville e Gramsci. Decerto que a abordagem destes autores nos serve como elemento de verificação da evolução histórica do tema, o que julgamos oportuno empreender no tópico seguinte. Apresentado um panorama geral do tema, só então nos debruçaremos sobre as contribuições de Jürgen Habermas, reconhecido como o verdadeiro ponto de partida e expoente do que venha a se entender hoje por sociedade civil.
Trazendo o objeto de estudo para a realidade brasileira, há de se reconhecer que no Brasil, considerado um país de baixa aptidão associativa, fruto de um processo de colonização alimentado muito mais pelo coronelismo (NUNES LEAL, 2012) e pelo mandonismo (DaMATTA, 1997) do que pelo associativismo, a matéria ganha contornos especiais, nos forçando a uma conclusão preliminar, no sentido de se partir do pressuposto de que cada lugar terá sua sociedade civil, que se desenha conforme influências sociais, políticas e econômicas próprias, não havendo fórmula única, restando evidenciada, de pronto, as dificuldades de se buscar uma conceituação neutra e um entendimento único do que venha a ser a sociedade civil.
Decerto que não nos debruçaremos sobre as peculiaridades da realidade brasileira e as peculiaridades de sua sociedade civil, vez que o presente estudo pretende enfrentar o desafio de se buscar uma percepção mais universal da evolução da sociedade civil, o que empreenderemos tendo por referência o pensamento habermasiano.
Nesta ordem, feitas estas considerações iniciais, pretende-se, primeiramente, por oportuno e conforme antecipado, uma incursão geral sobre a sociedade civil no mundo sob a ótica de seus marcos teóricos clássicos, adentrando-se, finalmente, na dialética de Habermas como marco da construção atual de um conceito de sociedade civil.
Finley (1985) atesta que Aristóteles, teria sido um dos primeiros pensadores a retratar algo próximo do que identificamos hoje por sociedade civil, tendo tratado, no seu Koinonia politike[1], de um “princípio associativo” dotado de cinco dimensões básicas, em sendo: (i) a participação livre e sem coerção; (ii) propósitos comuns, em maior ou menor escala, seja por um curto ou mais longo espaço de tempo; (iii) realizações comuns; (iv) reciprocidade; (v) relações sociais pautadas na concepção de justo/justiça[2] (FINLEY, 1985: 38).
Decerto que, ainda que presentes na concepção aristotélica alguns dos mais importantes referenciais do associativismo, é fato que as dimensões citadas não refletem ainda o que o senso comum imediatamente associa ao termo “sociedade civil”, qual seja, o seu desenvolvimento em contraposição ao Estado. No desenho inicial do tema ora em desenvolvimento, não havia uma separação entre o que se entendia por sociedade civil e o Estado, sendo os mesmos tratados como sinônimos. Esta é a tônica presente nos textos de Hobbes (1991), Locke (1990), dentre outros. Havia uma preocupação de se “escapar” dos “estados de natureza” (caracterizado pela falta de ordem, pela ausência de um governo) e de se adentrar em uma forma contratual de governo pautado na lei, o que verdadeiramente representaria um estágio na evolução da civilidade humana. Esta quebra preliminar, com uma suposta ausência de ordem, caracterizaria o impulso necessário à construção da sociedade civil desejada. Neste momento, o Estado era uma referência secundária. A preocupação primeira era com o rompimento da antítese natureza-civilização.
Locke inaugura outro estágio no entendimento de sociedade civil, atrelando-a à propriedade privada, como reflexo de uma sociedade já em transformação pelo capitalismo agrário. O papel da propriedade privada no desenvolvimento da sociedade civil é recorrente também em Rousseau (apud COLÁS, 2002: 32) que chegou a afirmar que “o primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, (...) dizendo ‘isto é meu’ e encontrando pessoas simples o bastante para acreditar nele, foi o fundador real da sociedade civil”.
De toda forma, é muito presente a correlação de sociedade civil com a sociedade capitalista de mercado do fim do século XVIII, de maneira que o termo se tornou intimamente ligado à divisão do trabalho, à produção em massa e o foco na propriedade privada, marcas do capitalismo moderno. Este era o principal enfoque dado à sociedade civil por autores como Adam Smith e Karl Marx, destacando-se aqui, portanto, o aspecto econômico de sociedade civil, caracterizada, essencialmente, pela prosperidade e pela estabilidade da sociedade burguesa.
Outro autor que também merece menção, como expoente das reflexões primeiras acerca da sociedade civil, é Hegel, tendo contribuído com duas inovações basilares no desenvolvimento da discussão, em sendo: (i) o reconhecimento da importância de associações independentes como componentes fundamentais da sociedade civil, cumprindo a missão de verdadeiras mediadoras entre a família e o Estado e, (ii) o reconhecimento do indivíduo consciente e ativo, responsável pela construção da sociedade civil moderna (BOBBIO, 1987: 30).
Tais lições seriam fruto do entendimento hegeliano de que o espaço de interação promovido pela sociedade civil era condicionado a três elementos, em sendo: um “sistema de necessidades”, a “administração da justiça” e a “polícia e corporação”. Tais elementos reforçam o caráter econômico dado à sociedade civil, evidenciando o fato de que para Hegel a sociedade civil é formada por indivíduos detentores de direitos e, finalmente, um aspecto regulador tanto da esfera econômica quanto da esfera garantidora de direitos (estes últimos invariavelmente perpetuados pelo Estado).
De toda forma, a força do pensamento de Hegel repousa sobre o reconhecimento do papel desempenhado por corporações, associações e comunidades, especialmente em seu aspecto mediador, servindo de ponte para as relações estabelecidas entre o indivíduo e o Estado.
Necessário percorrer todo o caminho até então empreendido, a fim de adentrarmos, finalmente, em dois referenciais teóricos de peso: Alexis de Tocqueville e Antônio Gramsci. O primeiro, ainda se firma como influência do pensamento contemporâneo, na medida em que constrói referenciais pautados nos ideais de liberdade, igualdade e do associativismo mais puro; o segundo, responsável por uma releitura dos ideais marxistas e pela distinção entre sociedade política (o Estado em sentido estrito) e sociedade civil, sugerindo a construção desta, em bases materiais próprias, fruto de um espaço autônomo de manifestação. A construção destas bases, a promover uma independência material, fundamentaria, ontologicamente, “a sociedade civil como uma esfera própria, dotada de legalidade própria, e que funciona como mediação necessária entre a estrutura econômica e o Estado-coerção” (COUTINHO, 1981: 93).
Tocqueville (2010), extasiado[3] com as experiências que teve em sua viagem aos Estados Unidos entre os anos de 1831-1832, traduziu em sua expoente obra “A democracia na América”, um estudo detalhado da sociedade civil americana emergente, pautada em diretivas muito próximas daquelas presentes na Revolução Francesa. Impressionado não só com o senso de igualdade dos americanos, Tocqueville ressaltou, recorrentemente, a propensão associativa[4] dos mesmos, acentuando sua admiração pela “arte infinita com que os habitantes dos Estados Unidos chegavam a fixar uma finalidade comum aos esforços de grande número e a fazê-los livremente marchar para ela” (TOCQUEVILLE, 2010: 353).
O autor traça um interessante paralelo entre sociedades aristocráticas e sociedades democráticas[5], a fim de demonstrar a importância do associativismo para as sociedades democráticas, uma vez que os povos democráticos, formados por cidadãos independentes e frágeis, “quase nada podem sozinhos e nenhum dentre eles seria capaz de obrigar seus semelhantes a lhe emprestar seu concurso. Por isso, caem todos na impotência, se não se aprendem a se ajudar livremente” (TOCQUEVILLE, 2010: 353).
Ainda que as reflexões de Alexis de Tocqueville tenham se dado sob o foco da realidade estadunidense, o senso de auto-governo local e o reforço constante aos ideais democráticos presentes em seu texto, o tornam um autor atual e de citação obrigatória.
Antônio Gramsci, por sua vez, ainda que reconhecidamente um autor marxista, promove um releitura dos ensinamentos de Marx no desenvolvimento do tema, tendo se aproximado de uma concepção hegeliana de sociedade civil, tratando-a como “o conjunto de organismos designados vulgarmente de ‘privados’ (...)” (GRAMSCI, 2000: 20). Neste ponto, Gramsci chama atenção para o que denominou de “aparelhos privados de hegemonia” (1999: 33), formado pelas organizações responsáveis tanto pela elaboração quanto pela difusão das ideologias, compreendendo assim o sistema escolar, as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (jornais, revistas, meios de comunicação em massa).
Estes organismos sociais coletivos, contrapostos e autônomos aos da sociedade política (o Estado em sentido estrito), formam a sociedade civil gramsciana. Esta sociedade civil é portadora da hegemonia que se apresenta como mediadora entre a esfera econômica e a esfera política (Estado em sentido estrito). Aqui, percebemos a real contribuição das reflexões de Gramsci, na medida em que, como antecipamos, se esmerou em separar a sociedade política da sociedade civil. Esta sociedade civil, seria parte integrante do que Gramsci denominou de “ Estado ampliado”, em contraposição àquela sociedade política, universo da classe dominante, detentora do monopólio legal da repressão e da violência.
Nesta ordem, vale o reforço de que a sociedade civil assume toda uma centralidade na obra de Gramsci, como arena de transformação, espaço de luta pela hegemonia e instrumento de “persuasão” e “direção”.
Feitas estas reflexões, com um panorama geral sobre a sociedade civil, por certo adentrarmos no tópico seguinte, no estudo que inicialmente nos propusemos a empreender, tratando de contextualizar e reproduzir os ensinamentos e as contribuições de Jürgen Habermas ao tema, considerado o maior responsável pela contraposição da sociedade civil não só com o Estado, mas também com o mercado (SOUZA, 2003: 61).
Representante da segunda geração da Escola de Frankfurt, formada pelo conjunto de pensadores de inspiração marxista dedicados à análise filosófica da sociedade capitalista do início do século XX, Jürgen Habermas é ainda hoje um dos mais importantes teóricos na compreensão dos processos de racionalização das sociedades contemporâneas.
De sua vasta produção intelectual, interessa-nos mais de perto, a “Mudança estrutural da esfera pública” e a “Teoria da Ação Comunicativa”. A primeira, publicada em 1962, e esta última, publicada em 1981, nos servirão de matrizes teóricas obrigatórias no descortinar da sociedade civil no mundo contemporâneo. Para fins mais didáticos, dividiremos as reflexões deste autor em dois outros subtópicos: o tópico seguinte tratará da contextualização da esfera pública como verdadeiro ideal normativo e defendido por Habermas na obra “Mudança estrutural da esfera pública”, sua tese de livre-docência e; um segundo tópico voltado ao “agir comunicativo” e sua concepção de “mundo da vida”.
III.1 – A Mudança estrutural da esfera pública
Logo no prefácio da obra “Mudança estrutural da esfera pública” (do outono de 1961), Habermas já sinaliza que sua tarefa investigativa se voltaria para a análise da “esfera pública burguesa[6]” (1984: 9). Intentou, portanto, analisar suas características fundamentais e sua evolução, buscando demonstrar “(1) suas tensões internas e fatores que levaram a sua transformação e parcial degeneração e, (2) o elemento potencial de verdade e emancipação que ela conteve, apesar das suas contradições e de suas deformações ideológicas[7]” (CALHOUN, 1992: 3).
É certo que suas reflexões partem da análise histórica da esfera pública burguesa alemã, francesa e inglesa, mas não há como não se destacar o caráter essencialmente discursivo e argumentativo das mesmas, firmadas na “razão crítica” e, segundo Habermas, a principal responsável pela “racionalização” desta esfera, essencialmente fundada no modo de produção capitalista. Este é o principal ponto para onde parece convergir todo o trabalho do autor, não só quanto a sua crítica sobre os rumos atuais da esfera pública nas sociedades de capitalismo avançado, mas também para a construção de suas ponderações sobre o “agir comunicativo”, que aprofundaremos no tópico seguinte.
O autor constrói todo o delineamento da esfera pública burguesa, partindo de um momento único: quando se é capaz de identificar uma “esfera crítica[8]”, que mais tarde dará vazão à “opinião pública”. Outro referencial é a importância da imprensa na construção de um “público pensante” e a progressiva constituição deste por uma massa ativa, que na França era frequentadora de cafés, salões e clubes de leitura; na Alemanha, participava de reuniões privadas da burguesia e; na Inglaterra, era representada pelo Parlamento.
Também descreve a esfera pública burguesa como dependente do mercado em suas bases institucionais, na medida em que “o pressuposto social dessa esfera pública ‘desenvolvida’ é um mercado tendencialmente liberado, que faz da troca na esfera da reprodução social, à medida do possível, um assunto particular de pessoas privadas entre si, completando assim, finalmente, a privatização da sociedade burguesa” (HABERMAS, 1984: 93). Disto se extrai o papel central assumido pela família na estruturação do espaço privado, em contrapartida ao espaço de participação pública na discussão de questões políticas de maior relevância. Evidencia-se aqui, a distinção da esfera da família, da esfera da atividade econômica (do mercado), ainda que no âmbito da esfera privada. A família, como “(...) o local em que, historicamente, se origina a privacidade, no sentido moderno de uma interioridade livre e satisfeita” (HABERMAS, 1984: 93), se configuraria “um espaço de subjetividade”, onde o comportamento de seus indivíduos estaria livre dos constrangimentos do mundo externo.
Decerto que esta idealização da família como um ambiente livre das determinações do mercado era um tanto ilusória, vez que seus membros estão devidamente envolvidos em uma dinâmica toda própria, de reverência e de papéis muito bem definidos. De toda forma, Habermas se utiliza de toda esta dinâmica para reforçar que “a família forneceu, ela própria, uma base crucial para a crítica imanente da esfera pública burguesa, na medida em que ensinou que havia algo essencial ao ser humano que o status econômico ou de outro tipo não poderia desconsiderar” (CALHOUN, 1992: 12).
Habermas amarra a construção desta realidade com outro ponto recorrente em suas reflexões: o desenvolvimento de uma esfera literária. Na constituição do que o autor calhou chamar de “público pensante”, e ante a pulsante esfera pública literária em formação, está a mediação crescente exercida pela imprensa (como já antecipamos). Com tudo isto, a esfera pública literária pôde se apropriar da esfera pública política, por intermédio de um processo, que o autor definiu por “refuncionalização”, onde os interesses da opinião pública não se voltavam somente para temas humanos privados, mas para assuntos relacionados ao exercício da autoridade estatal. Com este arranjo, institucionaliza-se um tipo de discurso crítico racional que sai do âmbito de interesse comum para assumir rapidamente o caráter de discussão política[9], transformando o foco das discussões na esfera pública.
No cenário acima descrito, Habermas enfatiza a importância da “publicidade[10]”, como elemento diferenciador das esferas públicas moderna e clássica, bem como a progressiva afirmação das leis de caráter geral[11], abstrato e universal, contrariando a tradição da monarquia absolutista (HABERMAS, 1984: 71). Neste sentido, a opinião pública clama ser, “a única fonte legítima desta lei”, percebida através das “relações necessárias que derivam da natureza das coisas”, como força constante e duradoura, tendo por fundamento a visão de que veritas non auctoritas facit legem[12]. Evidencia-se aqui, portanto, toda uma racionalidade da opinião pública, racionalidade esta, sempre presente na obra de Habermas.
Ainda que nem todas as pessoas fossem consideradas sujeitos de plenos direitos, todos aqueles que eram assim considerados, faziam parte de uma categoria indiferenciada de pessoas e, por conta disso, a despeito das diferenças objetivas entre os membros desta esfera pública, ela se apresenta como representante de interesses gerais, especialmente na defesa de liberdades individuais. Nesta percepção da esfera pública como locus dos interesses gerais, a sociedade civil, definida como “a esfera privada emancipada da autoridade pública”, assume uma neutralidade frente as estruturas de poder e dominação social, tão próprias da sociedade burguesa[13].
De toda forma, a noção de que a esfera pública remete a um conjunto mais amplo de cidadãos, e não somente àqueles dotados de cultura e propriedade, é vital para a compreensão da evolução desta esfera nas sociedades contemporâneas, especialmente no sentido de que “a esfera pública burguesa se rege e cai com o princípio do acesso de todos. Uma esfera pública, da qual certos grupos fossem eo ipso excluídos, não é apenas, digamos, incompleta; muito mais: ela nem sequer é uma esfera pública. Aquele público, que pode ser sujeito do Estado de Direito burguês, entende então também a sua esfera como sendo pública neste sentido estrito: antecipa, em suas considerações, a pertença, por princípio, de todos os homens a ela” (Ob. cit., p. 105).
É possível perceber o quanto a questão da “opinião pública” se apresenta como uma questão central para Habermas, na medida em que se configura como um dos eixos principais para a compreensão do processo de construção e transformação da esfera pública nas sociedades contemporâneas. Por conta disso, este autor se ocupa de revelar a evolução do conceito de “opinião pública” sob as perspectivas de Hobbes (“corrente das opiniões”) e Locke (“Law of Opinion”) e as experiências vividas na Inglaterra, França e Alemanha. Habermas confere a Edmund Burke, um filósofo e político inglês, os louros por ter sido o primeiro crítico a formular a diferenciação necessária que deveria ser feita entre os tipos de opinião, tendo sido responsável pela noção de “opinião geral”, como aquela capaz de conferir legitimidade às medidas de caráter legislativo do poder público[14].
Habermas também chama a atenção para os fisiocratas da França, como tendo sido os responsáveis por tratar, pela primeira vez, da “autonomia legislativa da sociedade civil” frente ao Estado, devendo este levar em conta na elaboração das leis e na condução da coisa pública, a “verdade” que emerge da discussão pública dos temas objeto de sua intervenção.
Na Alemanha, valendo-se das ponderações de Kant, Hegel e Marx, Habermas destaca o uso da razão crítica. A opinião pública em Kant assumia a função de “pedra de toque da verdade”, enquanto em Hegel, a mesma tem uma estatura menos nobre, vez que nela também há espaço para as opiniões puramente subjetivas, desprovidas de elementos capazes de enunciar-se de forma “inequívoca, definitiva e aberta no seu significado e sentido” (Ob. cit., p. 116).
Para Habermas, esta “degradação da opinião pública” é o resultado de uma concepção da natureza da sociedade burguesa que lhe reconhece o caráter antagônico assim como suas divisões e desigualdades. Dessa forma, aquilo que pareceria ser um interesse pretensamente universal se revela, em verdade, a expressão dos interesses particulares dos proprietários privados politicamente pensantes[15]. A esfera pública parece assumir neste contexto, o caráter de um “meio de formação” das consciências individuais, treinando-as na necessária concepção dos assuntos de Estado.
Nesta dinâmica, parece natural que o Estado desloque e submeta a sociedade civil a seus ditames, já que as suas razões de existência não se confundem com a somatória dos interesses dos proprietários privados que dariam substância àquela sociedade civil, ultrapassando-as seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista moral. Neste sentido, o Estado se apresenta como condição da existência da própria sociedade civil, na medida em que ele é a única salvaguarda contra as tendências desintegradoras derivadas da competição entre os agentes privados.
Marx, por sua vez, irá denunciar a opinião pública que deriva da manifestação de proprietários privados pensantes como sendo uma falsa consciência, que esconde o caráter de classe do interesse burguês. Para Marx, é um equívoco esperar neutralidade de poder no interior da esfera da sociedade civil, visto que ela se funda na existência de desigualdades de classe que levam à constituição de novas relações de poder, em especial, aquela que opõe proprietários privados dos meios de produção, de um lado, e os trabalhadores, de outro. Com isso, desnudam-se as ilusões acerca da esfera pública burguesa, pois falta-lhe o fundamento básico da igualdade dos homens frente à propriedade e à cultura, condições de pertencimento àquela esfera. Nesta ordem, “o público não pode mais pretender ser idêntico à nação, nem a sociedade civil burguesa ser idêntica à sociedade de modo geral” (Ob. cit., p. 150).
Com todas estas reflexões, Habermas conclui que a esfera pública burguesa evolui de um espaço social livre, para, com o exercício da razão crítica, um espaço de reivindicações particulares de grupos sociais diversos. E mais, ainda que se reconheça a necessidade de separação entre a esfera do público e do privado, os laços de união entre ambos e as mudanças no mundo produziram uma crescente interligação entre as mesmas, a ponto das organizações privadas começarem a assumir tarefas próprias do poder público.
De toda forma, há de se contextualizar que, na medida em que os diversos grupos de interesse pressionaram, através da esfera pública, para transformar seus interesses particulares em “direitos sociais” protegidos pelo Estado, estava aberto o caminho para a constituição do Welfare State. Este fato teria provocado o empobrecimento e a despolitização da esfera pública, com o abandono do discurso crítico de seus participantes e a progressiva manipulação da mesma. Contribuíram para este cenário, o predomínio dos meios de comunicação de massa, mais preocupados com o jornalismo manipulativo do que com o jornalismo crítico, tendo a atividade política se tornado um campo propício para apresentação de políticos como verdadeiros “media stars”.
Neste momento, Habermas passa a dar ênfase, em toda a sua análise, na formação de uma capacidade de intervenção democrática na esfera pública, proveniente, principalmente, da capacidade comunicativa dos seres humanos. Baseando-se na separação entre sistema e o que chamou de “mundo da vida” (conceito que melhor enfrentaremos no tópico seguinte), Habermas insistirá na necessidade de se permitir que em um processo específico de racionalização possa se efetuar, sem que se corra o risco de prevalecer o caráter desumanizador próprio da integração sistêmica. Em sua opinião, é imperativo criar condições para que a solidariedade, “força de produção comunicativa” (CALHOUN, 1992: 444), possa predominar.
Ademais as críticas recebidas por esta obra “Mudança estrutural da esfera pública” – algumas se dando em razão da superestimada ênfase dada à ação comunicativa, como que único caminho para a democratização interna das instituições sociais e políticas; outras, no sentido do autor não ter dado valor suficiente ao papel exercido por novos atores sociais na esfera pública (crítica facilmente combatida ao se levar em conta que a obra foi publicada em 1961, antes da efervescência no cenário mundial dos grandes movimentos sociais) – a leitura habermasiana das transformações e da decadência da esfera pública burguesa, é reconhecidamente uma das mais importantes contribuições para a análise da sua evolução histórica e social.
Os dilemas e possibilidades inscritas na própria esfera pública burguesa, em especial, no mundo contemporâneo, evidenciam a fecundidade do trabalho do autor particularmente no que se refere à determinação das raízes históricas da esfera pública burguesa, com seu amplo conjunto de determinações econômicas, sociais, culturais, psicológicas e políticas.
No tópico seguinte, avançamos pela evolução pensamento habermasiano, voltando-nos, especialmente, para os aspectos da comunicação humana, como um caminho mais adequado para o fortalecimento das esferas do “mundo da vida” frente ao domínio exercido pela lógica instrumental do poder e do dinheiro. Esta perspectiva encontra-se na raiz de algumas obras voltadas para a fundamentação de uma “Teoria da Sociedade Civil”, entendida como uma esfera que se diferencia, essencialmente, daquelas relacionadas com o Mercado e com o Estado.
III. 2 – O “agir comunicativo” e o “mundo da vida”
Na obra "Teoria da Ação Comunicativa" (de 1981), Habermas parece desenvolver uma teoria “corretiva”, na medida em que se contrapõe à tradição marxista, que via no trabalho a única força propulsora da evolução social. Para Habermas, este foco excessivo no trabalho provoca uma visão muito estreita das dinâmicas sociais, deixando de fora o que chamou de “mundo da vida”.
O autor propõe com a teoria de um “agir comunicativo”, um salto paradigmático, abandonando-se o paradigma da consciência, a favor do paradigma da comunicação, onde: “não é a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo que pode ser representado e manipulado, mas a relação intersubjetiva, de sujeitos que falam e atuam, assume quando buscam o entendimento entre si, sobre algo” (HABERMAS, 1984a: 392).
Nesta mudança de paradigma, toda a ação comunicativa acontece no “mundo da vida”, que para Habermas é onde acontece toda a interação social, onde “(...) se acumula o trabalho de interpretação realizado por gerações passadas; é o contrapeso conservador contra o risco de desacordo que comporta todo processo de entendimento” (HABERMAS, 1988: 104).
É possível concluir, portanto, que para Habermas, o que está em jogo no processo de racionalização em curso nas sociedades ocidentais é a ameaça, ou a iminência, de que a racionalidade própria dos subsistemas fundados em uma lógica não-discursiva e não-compreensiva, possa “colonizar” (dentro da dinâmica dinheiro e poder) aqueles sistemas que têm na prática discursiva o eixo central de sua dinâmica. O autor trabalha, assim, com o entendimento de que “sociedades são complexos de ação sistemicamente estabilizados de grupos socialmente integrados” (HABERMAS, 1988: 109), o que diferencia duas grandes esferas de ação nas sociedades contemporâneas, cada uma delas fundada num tipo especial de racionalidade: tendo de um lado, o mundo da vida, e, de outro, o sistema, ambos necessários para a integração e o funcionamento sociais.
De fato, toda esta proposta corresponde ao surgimento de mecanismos sistêmicos emergentes que tornam o processo de integração social mais complexo, incrementando a capacidade que tem a sociedade de preservar a si mesma. Estes dois processos apoiam-se mutuamente, de tal forma que “a racionalização do mundo da vida – particularmente da lei e da moralidade – é uma condição necessária para a institucionalização de novos mecanismos de integração social – no mundo moderno, de subsistemas de ação econômica e administrativa, formalmente organizados” (HABERMAS, 1984a: XXVIII).
Diante de todo este contexto, a sociedade civil surgiria como uma forma de frear o que Habermas nominou de “colonização do mundo da vida”, funcionando a mesma como um verdadeiro “projeto emancipatório contemporâneo” (ARATO; COHEN, 1994: 96), onde o formalismo é suplantado por um processo deliberativo realizado do centro desta sociedade civil. Além do mais, a constituição da sociedade civil permitiria a criação de novas formas de mediação entre os subsistemas e o mundo da vida, reforçando-se seu caráter autônomo quando suas atividades são governadas por normas retiradas do mundo da vida e reproduzidas e reformuladas através da comunicação.
É possível notar, portanto, a importância das reflexões de Habermas para a construção de uma nova concepção de “sociedade civil”, engajada, assentada no poder comunicativo e consciente da sistemática dialética que concretiza um Estado Democrático de Direito.
Habermas com o seu “agir comunicativo” e o reconhecimento da força integradora do direito, onde o “sistema jurídico, o processo da legislação, constitui, pois, o lugar propriamente dito da integração social” (HABERMAS, 2011: 52), faz questão de reforçar sempre a importância de todos os cidadãos e da sociedade civil como instrumentos de legitimidade da ordem jurídica. Desta feita, o conceito de direito moderno absorve o pensamento democrático, construído com direitos subjetivos e resgatado “através da força socialmente integradora da ‘vontade unida e coincidente de todos’ os cidadãos livres e iguais” (ob. cit., p. 52).
O pensamento habermasiano, calcado principalmente na força da ação comunicativa, certamente contribuiu para a teorização de uma “nova” sociedade civil alimentada pela autodeterminação, onde, “o indivíduo singular forma uma consciência moral dirigida por princípios e orienta seu agir pela idéia de autodeterminação. A isso equivale, no âmbito da constituição de uma sociedade justa, a liberdade política do direito racional, isto é, da autolegislação democrática” (ob. cit., p. 131).
Vale pontuar, finalmente, que acompanhar a evolução da sociedade civil em um momento em que os movimentos sociais parecem recuperar seu fôlego, serve-nos como instrumento de observação, na medida em que a mesma se formaliza como verdadeira fonte, donde o “direito extrai sua força legitimadora, em última instância, de fontes da solidariedade social” (ob. cit., p. 63).
Nosso interesse pelo desenvolvimento do tema proposto nasce da disseminação no mundo contemporâneo dos mais diversos arranjos e modelos (o denominado Terceiro Setor, por exemplo), que teriam sido decorrentes do fortalecimento daquilo que se tendenciou chamar de “sociedade civil”. Além do mais, nos instiga a versatilidade e a facilidade com que este termo é utilizado para evidenciar, e mesmo legitimar, os mais diversos movimentos sociais, ganhando fôlego a cada dia.
Logo nas linhas introdutórias, já concluímos pela dificuldade de se buscar uma conceituação única para a sociedade civil. Isto se dá ante as mais diversas circunstâncias que influenciam sua caracterização, sejam culturais, sociais, geográficas, políticas, institucionais. De toda forma, ao se buscar uma forma única, corre-se o risco de se deixar de fora as múltiplas possibilidades e a heterogeneidade que o conceito de sociedade civil parece naturalmente contemplar. Insistir em um conceito homogêneo pode tornar estanque o que necessariamente clama por fluidez.
Ciente das dificuldades conceituais do tema em estudo, nossa proposta final é a de um olhar crítico sobre a sociedade civil ao longo da história e através das contribuições de Jürgen Habermas, com o reconhecimento da mesma como um espaço de ação, comunicação e de trocas.
Habermas toma o aparelho estatal, sob o ponto de vista sistêmico, como sendo uma força imparcial com relação aos fins que o determinarão. Nessa dinâmica, a esfera pública e o legislativo (Parlamento) são responsáveis pelos conteúdos, a partir dos quais o “poder social” organizado flui para o processo de legislação. A Administração Pública, que tem o dever de aplicar esses conteúdos legislados, encontra resistência desta força social que se impõe entre esta Administração e seu campo de atuação. Esse poder social que age por interesses sistêmicos próprios (HABERMAS, 2011: 87) e muitas vezes fora do poder democrático, alimenta-se da força da solidariedade presente no cerne da sociedade civil e é capaz de impor sua vontade, interferindo tanto na formação quanto na implementação de citados conteúdos. Este poder social, que tanto pode impulsionar quanto restringir a formação do poder comunicativo (elemento tão caro ao autor), é a força que faz Habermas receber os louros pela contraposição do poder social do mercado e do Estado e como expoente na evolução da concepção de sociedade civil.
Trabalhando com os conceitos complementares de “esfera pública” e “ opinião pública”, Habermas as opõe ao poder social do mercado e da burocracia estatal, chamando especial atenção para o núcleo institucional da sociedade civil, formado por movimentos, associações, fundações e organizações não estatais e não econômicas, com capacidade para influenciar o sistema estatal, protegida pelo Estado de Direito, com um sistema eficiente na implementação de seus fins.
Finalmente não se pode deixar de refletir o tema sob o espectro de sua teoria do agir comunicativo, que reafirma a responsabilidade do indivíduo por sua emancipação, por sua autodeterminação, manifestando-se com liberdade e com capacidade para transformar realidades.
É certo que as contribuições de Habermas ao tema não nos dão uma palavra final sobre a questão da sociedade civil contemporânea. Andrew Arato e Jean Cohen (1994), autores que, com propriedade, também empreenderam reflexões sobre a sociedade civil, contextualizam muito bem esta nossa afirmativa, na medida em que entenderam que “Habermas não nos oferece uma teoria da sociedade civil (...) nos fornece os meios para defender a nossa teoria da sociedade civil” (ARATO; COHEN, 1994: 63).
De toda forma, fica a lição de que toda a evolução do conceito de sociedade civil promove a identificação de alguns elementos que seguem inerentes a sua essência. Nesta ordem, acompanham a concepção de sociedade civil, os primados da cidadania e a noção de participação individual. Tais elementos não só ajudaram a mudar radicalmente a dinâmica da sociedade civil ao estimular a manifestação dos mais variados interesses e a ampliação dos espaços institucionais, como também permitiu uma verdadeira reconfiguração da sociedade, admitindo espaços da mais pura heterogeneidade, com os mais variados atores sociais. Nasce assim, uma nova agenda pública, com conteúdos próprios e específicos, conforme as transmutações sofridas pelas sociedades contemporâneas.
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARATO, Andrew; COHEN, Jean. Civil society and political theory. Cambridge: The MIT Press, 1994.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
CALHOUN, Craig. Habermas and the public sphere. Cambridge: The MIT Press, 1992.
COLÁS, Alejandro. International civil society: social movements in world politics. Oxford: Polity, 2002.
DaMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. 6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
COUTINHO, Carlos Nelson. “Gramsci”. In: A relação Estado/sociedade e o controle social: fundamentos para o debate. Serviço Social e sociedade, São Paulo, n. 72, pp. 119-144, 1981.
FINLEY, Moses I. Democracy ancient and modern. New Jersey: Rutgers University Press, 1985.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
__________. Cadernos do cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Edições Tempo brasileiro, 1984.
__________. The theory of communicative action. Lifeworld and system: a critique of functionalist reason. Vol. II. Boston: Beacon Press, 1984a.
__________. The theory of communicative action. Vol I. Boston: Beacon Press, 1988.
__________. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Volume II. Rio de Janeiro: Edições Tempo brasileiro, 2011.
HOBBES, Thomas, O leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
NUNES LEAL, Victor. Coronelismo, enxada e voto. 4a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
SOUZA, André Ricardo de. Uma outra economia é possível, Paul Singer e a economia solidária, São Paulo, Editora Contexto, 2003.
TOCQUEVILLE. Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Coleção Folha de São Paulo, 2010.
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997.
[1] Muitos autores dão crédito à aproximação de Aristóteles ao tema, em razão da tradução feita por Willem Van Moerberke da obra Política (Koinonia Politike), como sendo Societas civilis.
[2] No original: “involves five related dimensions: free and uncoerced participation; common (or shared) purpose whether major or minor, long-term or short-term; common holdings (such as a fund or held resources or a repertory of shared actions); participation involving philia (a sense of mutuality, often inadequately translated as ‘friendship’); and social relations characterized by dikaion (fairness or justice)”.
[3] Já na Introdução de “A democracia na América”, o entusiasmo de Tocqueville pelo que via na sociedade americana era evidente: “Entre os objetos novos que, durante a minha demora nos Estados Unidos, atraíram a minha atenção, nenhum me impressionou mais vivamente do que a igualdade de condições. Não me custou perceber a influência prodigiosa que essa realidade primária exerce sobre a marcha da sociedade; ela dá à opinião pública uma direção definida, uma tendência certa às leis, máximas novas aos governos e hábitos peculiares aos governados. Logo reconheci que esse mesmo fato estende a sua influência para muito além dos costumes políticos e das leis e que não tem menos domínio sobre a sociedade civil que o governo; cria opiniões, faz nascer sentimentos, sugere práticas e modifica tudo aquilo que ele mesmo não produz. Dessa forma, à medida que estudava a sociedade americana, via cada vez mais, na igualdade de condições, o fato essencial, do qual parecia descender cada fato particular, e o encontrava constantemente diante de mim, como um ponto de convergência para todas as minhas observações”.
[4] Sobre a capacidade associativa dos cidadãos americanos, Tocqueville pontuou: “Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas; os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir hotéis, edificar igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos antípodas; assim também criam hospitais, prisões, escolas. Trata-se, enfim, de trazer à luz ou se desenvolver um sentimento pelo apoio de um grande exemplo, eles se associam” (Ob. Cit., p. 353).
[5] Tocqueville, em citação emblemática, afirmou que: “Nos países democráticos, a ciência da associação é a ciência mãe; o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela. Entre as leis que regem as sociedades humanas, existe uma que parece mais precisa e mais clara que todas as outras. Para que os homens permaneçam civilizados ou assim se tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na mesma medida em que cresce a igualdade de condições” (Ob. Cit., p. 353).
[6] Igualmente no Prefácio da obra “Mudança estrutural da esfera pública”, se encontra presente o entendimento de Habermas sobre o que venha a ser esta “esfera pública burguesa”, senão vejamos: “Concebemos a ‘esfera pública burguesa’ como uma categoria típica de época; ela não pode ser retirada do inconfundível histórico do desenvolvimento dessa ‘sociedade burguesa’ nascida no outono da Idade Média europeia para, em seguida, ao generalizá-la num ideal-tipo, transferi-la a constelações formalmente iguais de situações históricas quaisquer. Assim como procuramos mostrar que, num sentido preciso, só se pode falar de algo como ‘opinião pública’ na Inglaterra do século XVIII, também consideramos de modo geral a ‘esfera pública’ como uma categoria histórica” (1984: 9).
[7] No original: “Habermas’s task in ‘Structural Transformation’ is to develop a critique of this category of bourgeois society showing both (1) its internal tensions and the factors that led to its transformation and partial degeneration and (2) the element of truth and emancipatory potential that it contained despite its ideological misrepresentation and contradictions”.
[8] Habermas ressaltou que a esfera crítica se constitui “(...) sobretudo em função das intervenções públicas na economia doméstica privatizada” e “já que por um lado, um setor privado delimita nitidamente a sociedade em relação ao poder público, mas, por outro lado, eleva a reprodução da vida acima dos limites do poder doméstico privado, fazendo dela algo de interesse público, a referida zona de contato administrativo contínuo torna-se uma zona ‘crítica’ também no sentido de que exige a crítica de um público pensante” (Ob. Cit., p.39).
[9] As reflexões de Habermas acerca deste ponto se deram na seguinte ordem: “o processo ao longo do qual o público constituído pelos indivíduos conscientizados se apropria da esfera pública controlada pela autoridade e a transforma numa esfera em que a crítica se exerce contra o poder do Estado, realiza-se como refuncionalização (Umfunktionierung) da esfera pública literária, que já era dotada de um público possuidor de suas próprias instituições e plataformas de discussão. Graças à mediatização dela, esse conjunto de experiências da privacidade ligada ao público também ingressa na esfera pública política” (Ob. Cit., 1984: 68).
[10] Habermas correlaciona o reconhecimento da “publicidade”, com o desabrochar do “público que julga”, como tudo aquilo “que é submetido ao julgamento do público” (Ob. Cit., 1984, 41).
[11] Vale pontuar: “Os critérios de generalidade e abstração que caracterizam a norma legislativa, deveriam ter uma peculiar evidência para as pessoas privadas que, no processo de comunicação da esfera pública literária, asseguravam a sua própria subjetividade oriunda da esfera íntima. Pois, como público, já estão sob a lei não expressa de uma igualdade das pessoas cultas, lei cuja generalidade abstrata era a única garantia que os indivíduos subsumidos como ‘meros seres humanos’, exatamente através dela é quem tem liberada a sua subjetividade. (...) o raciocínio político do público burguês ocorre, em princípio, sem levar em consideração quaisquer hierarquias sociais e políticas pré-formadas, conforme leis gerais que, por permanecerem rigorosamente externas aos indivíduos enquanto tais, asseguravam-lhes o desenvolvimento literário de sua interioridade; por terem validade geral, garantiam a individuação; sendo objetivas, permitiam o desenvolvimento da subjetividade; por serem abstratas, possibilitavam um espaço de manobra ao mais concreto” (Ob. cit., p. 72).
[12] Habermas lança mão do aforismo “A verdade, não a autoridade, é que faz a lei”, fazendo estrita menção à teoria hobbesiana de Estado e a fim de demonstrar a “inversão do princípio da soberania absoluta”.
[13] Nos seguintes termos: "no mais, o Estado de Direito Burguês pretende, à base da esfera pública em funcionamento, uma organização do poder público tal que garanta a subordinação às exigências de uma esfera privada que se pretende neutra quanto ao poder e emancipada quanto à dominação. As normas constitucionais são, com isso, fundadas num modelo de sociedade civil burguesa a cuja realidade elas não correspondem de jeito nenhum" (ob. cit., p. 104).
[14] Edmund Burke, em carta endereçada aos eleitores de Bristol, pontifica: “I must beg leave to observe that it is not only the invidious branch of taxation that will be resisted, but that no other given part of legislative right can be exercised without regard to the general opinion of those who are to be governed. That general opinion is the vehicle and organ of legislative omnipotence” (ob. Cit.; p. 116).
[15] “a opinião pública das pessoas privadas reunidas num público não conserva mais uma base para a sua unidade e verdade: retorna ao nível de uma opinião subjetiva de muitos” (ob. cit., p. 144).
Advogada. Mestranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Bolsista CAPES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Daniela Juliano. A evolução da sociedade civil em Habermas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46100/a-evolucao-da-sociedade-civil-em-habermas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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Por: Marcos Antonio Duarte Silva
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Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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