RESUMO: Como se sabe, as decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade possuem, em regra, efeitos inter partes em razão de terem sua origem em um incidente processual o qual surge em ação na qual se discute direitos subjetivos do tutelado. Diz-se "em regra" haja vista a nova tendência de se conferir efeitos expansivos às decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso. Assim, o presente estudo tem por escopo a análise das inovações legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias que vêm a encampar a força expansiva dos precedentes.
Palavras-Chave: Controle Difuso de Constitucionalidade. Força Expansiva dos Precedentes. Teorias. Inovações Legislativas.
1. INTRODUÇÃO:
É clássica a lição doutrinária de que as decisões judiciais produzem efeitos apenas para as partes da relação jurídico processual, sem que possa afetar terceiros alheios ao processo.
Tal concepção encontra-se, inclusive, positivada no art. 472 do Código de Processo Civil de 1973, o qual restringe os efeitos da coisa julgada às partes entre as quais é dada sentença, não podendo beneficiar nem prejudicar terceiros.
Certo é, contudo, que tal concepção clássica vem caindo por terra nos últimos anos, tendo em vista as fortes influências da doutrina pós-positivista que, com fundamento no princípio da segurança jurídica e na busca pela uniformização jurisprudencial, defende a força expansiva dos precedentes, mesmo que produzidos em processos individuais.
A denominada expansão dos efeitos dos precedentes judiciais encontra guarida no direito positivo nacional, bem como em diversas teses doutrinárias.
Nesse sentido, sem o intento de tratar com exaustão o tema, o presente trabalho tem por objetivo expor as disposições normativas que garantem uma maior força aos precedentes e as teorias existentes acerca do tema.
2. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDE E FORÇA EXPANSIVA:
Como se sabe, o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos do Poder Público pode ser realizado de duas formas: (a) por meio de um incidente processual ou (b) por meio de uma ação própria de controle.
O primeiro caso é denominado de controle difuso ou concreto, uma vez que pode ser realizado por todos os órgãos do Poder Judiciário, sem distinção. O segundo, a seu turno, é o controle concentrado ou abstrato, apenas realizado pelo Supremo Tribunal Federal quando instado por meio das ações diretas de controle.
A Suprema Corte, haja vista desempenhar papel duplo de guardiã da Constituição e de órgão máximo do Judiciário, realiza tanto o controle concentrado de constitucionalidade, com eficácia erga omnes e vinculante, como o controle difuso de constitucionalidade, pela via recursal ou mediante outros meios constitucionais garantidores de determinados direitos, decisão esta dotada, em regra, apenas de eficácia inter partes.
Por ser o órgão incumbido de dar a última palavra sobre o tema da constitucionalidade das leis, bem como levando-se em consideração o princípio da segurança jurídica e a busca por uma uniformização jurisprudencial, parte da doutrina questionou a possibilidade de se garantir certa força expansiva às decisões proferidas por essa Corte em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Assim, diversas alterações normativas e teorias surgiram sobre o tema.
2.1. Suspensão da execução da lei pelo Senado Federal
Primeira forma em que se faz possível garantir eficácia erga omnes às decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal é decorrente de previsão originária da Constituição de 1988.
Prevista no art. 52, inciso X, possibilita ao Senado Federal "suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal".
Explicando o instituto, Paulo Dantas leciona que[1]:
Quer dizer isso que o Senado, na hipótese de aplicação do dispositivo constitucional suprarreferido, poderá ampliar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, obtida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de recurso extraordinário, fazendo com que a norma propriamente dita deixe de ser aplicada em face de todos, e a partir daquela decisão.
Assim, após a comunicação do teor da decisão ao Senado Federal, este poderá suspender a eficácia da norma em questão. Segundo doutrina e jurisprudência majoritária, trata-se de ato discricionário, não estando o Senado obrigado a proceder dessa forma. A comunicação da decisão pelo STF, por sua vez, é obrigatória, nos termos do art. 178 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Cumpre destacar a existência de posicionamento contrário, entendendo que seria desnecessária a resolução do Senado para que tal decisão tenha efeitos gerais, sendo que tal ato serviria apenas para dar publicidade à decisão do STF. Esta tese é defendida pelo Ministro Gilmar Mendes que afirma a ocorrência do fenômeno da mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal[2].
O tema estava sob análise do Supremo Tribunal Federal nos autos da reclamação nº 4.335/AC, ajuizada alegando eventual descumprimento da decisão proferida pela Suprema Corte no HC nº 82.959/ SP, em que se entendeu pela inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime prisional, expressa no art. 2º, §1º, da Lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90).
A tese, contudo, não foi encampada pela Suprema Corte, que, por maioria, entendeu que "a decisão em controle difuso continua produzindo, em regra, efeitos apenas inter partes e o papel do Senado é o de amplificar essa eficácia, transformando em eficácia erga omnes"[3].
2.2. Da repercussão geral
Outra forma de se garantir efeitos gerais à realização de controle difuso de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal é o requisito da repercussão geral, presente nos Recursos Extraordinários.
O requisito da repercussão geral fora inserido no texto constitucional por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, também conhecida como emenda de reforma do Poder Judiciário, que acrescentou, além de outros dispositivos, o §3º do art. 102 da Constituição Federal, com a seguinte redação:
Art. 102, §3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Alexandre Freitas Câmara, ilustrando a questão, traz o exemplo de um recurso extraordinário que verse sobre a eventual inconstitucionalidade de um lei que institui tributo federal, em que, caso julgado procedente, repercutirá para vários outros casos similares, sendo, portanto, “caso em que o recurso extraordinário versa sobre questão de repercussão geral”[4].
Como é de se observar, não se trata de norma constitucional de eficácia plena, dependendo de lei que venha a regulamentar a questão. Assim, editou-se a Lei nº 11.418/2006, que veio a acrescentar dois novos dispositivos ao Código de Processo Civil de 1973, os artigos 543-A e 543-B.
Não deixando à discricionariedade do Supremo Tribunal Federal determinar o que se entende por Repercussão Geral, o §1º do art. 543-A determina que, para tanto, deverá levar em consideração “a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapasse os interesses subjetivos da causa”.
É bem verdade que, ainda assim, não se retirou toda e qualquer subjetividade na interpretação do que se entende por repercussão geral, tendo em vista a adoção de termos bastante amplos pelo legislador. Contudo, seria impossível prever de forma exaustiva e descritiva tudo que se entende por temas de repercussão geral, sem contar que uma previsão taxativa, com o decorrer do tempo, se tornaria lei morta, pois logo deixaria de condizer com a realizada social vigente.
O §3º do art. 543-A, por sua vez, determina que, além dos casos previstos no §1º, “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”.
Cumpre destacar que a análise do requisito da repercussão geral é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (§2º, art. 543-A do CPC), não cabendo ao Presidente do tribunal local deliberar sobre o tema. Contudo, como cabe a este a verificação da regularidade formal do recurso, poderá aferir se foi ou não levantado pelo recorrente, em suas razões recursais, o requisito da repercussão geral.
Dessa forma, o Presidente do tribunal local deverá se limitar à verificação formal do requisito da repercussão geral, competindo exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal a análise material do tema. Caso o tribunal local adentre a uma análise completa do requisito, haverá usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, autorizando-se a utilização da reclamação constitucional para sanar o vício, nos termos do artigo 102, I, “l”, da Constituição Federal.
Sobre o tema, Fredie Didier Júnior leciona que[5]:
(...) somente o STF poderá dizer que não há repercussão geral. Isso não há dúvida. Para isso, deve o recorrente, em suas razões, incluir um item ou tópico tratando da repercussão geral. Se, nas razões do recurso, não houver demonstração de repercussão geral, não cabe o recurso, podendo não ser admitido, inclusive, pelo Presidente ou Vice do tribunal local. Este último não estará dizendo que não há repercussão geral; estará, apenas, observando o descumprimento de um requisito de admissibilidade relacionado à regularidade formal.
Por fim, caso haja uma multiplicidade de recursos versando sobre a mesma controvérsia, deverá o Tribunal de origem encaminhar um recurso modelo à Suprema Corte, sobrestando o andamento dos demais até a deliberação definitiva (art. 543-B, §1º, CPC). Nesse caso, se for negada a repercussão geral ao recurso encaminhado ao STF, automaticamente, os demais que estavas sobrestados considerar-se-ão não admitidos (art. 543-B, §2º, CPC).
Se, contudo, for julgado o mérito do recurso, duas são as opções passíveis de ser tomadas pelo Tribunal local: (a) Se julgado improcedente, poderá declarar o recurso extraordinário sobrestado como prejudicado; (b) Se julgado procedente, poderá realizar o juízo de retratação (art. 543-B, §3º, CPC) ou manter sua decisão, caso em que deverá remeter o recurso ao STF.
Analisado o instituto da repercussão geral, resta evidente o caráter geral que se buscou dar com a sua criação, quer seja pelo sobrestamento dos recursos repetitivos, em que a decisão do STF poderá afetar a análise desses, quer seja pela própria análise da repercussão geral em si, que veda a apreciação de recursos que versem sobre matérias de índole eminentemente subjetivas e que não trespassem os interesses do indivíduo da relação jurídica afirmada.
Nesse sentido, Marcelo Novelino expõe que[6]:
(...) a exigência de demonstração da repercussão geral das questões constitucionalmente discutidas, como requisito intrínseco de admissibilidade recursal, demonstra que o recurso extraordinário vem perdendo seu caráter eminentemente subjetivo, para assumir um papel de defesa da ordem constitucional objetiva.
3. DAS SÚMULAS VINCULANTES
O instituto da súmula vinculante foi introduzido ao ordenamento constitucional por meio da EC nº 45/2004, posteriormente regulamentado pela Lei nº 11.417/06, e prevê a possibilidade de a Suprema Corte criar enunciados vinculativos aos demais órgãos do Judiciário e a toda Administração quando a matéria versada já tiver sido objeto de reiteradas apreciações pela Corte.
Nesse sentido, o art. 103-A da Constituição Federal prevê que “o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas, federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
No que tange ao objeto da súmula vinculante, de acordo com o §1º do mesmo artigo, deverá versar sobre a validade, interpretação e a eficácia de normas sob as quais haja controvérsia atual entre os órgãos do Poder Judiciário, ou entre este e os demais órgãos da administração pública, e que possa ocasionar grave insegurança jurídica e uma multiplicidade de demandas sobre a questão controvertida.
Como é de se observar, o art. 103-A prevê que a criação de súmula vinculante pode se dar de ofício ou mediante provocação. Contudo, não será toda e qualquer pessoa que poderá provocar o STF nesse sentido. Assim, o §2º do art. 103-A dispõe que os legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade poderão requerer a aprovação, revisão ou o cancelamento da súmula vinculante, sem prejuízo do que viesse a ser estabelecido na lei regulamenta o instituto.
A Lei nº 11.417/06, por sua vez, não limitou tal possibilidade apenas àqueles legitimados da ADI, vindo a estender tal possibilidade aos Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais Militares, ao Defensor Público-Geral da União (art. 3º, Lei 11.417/06), bem como o Município, mas este desde de que tenha fito parte da relação processual (art. 3º, §1º, Lei 11.417/06).
No que diz respeito ao quórum de deliberação, assim como prevê o art. 103-A da Constituição Federal, deverá ser de dois terços dos membros da Suprema Corte, ou seja, oito ministros, que terão o prazo de 10 dias para a publicação do enunciado criado (art. 2º, §4º, Lei 11.417/06), momento a partir do qual produzirá efeitos no mundo jurídico.
Vale destacar, contudo, a possibilidade de o STF restringir os efeitos da súmula, bem como fixar momento distinto para o início de seus efeitos, levando em consideração motivo de segurança jurídica ou de excepcional interesse público (art. 4º, Lei 11.417/06).
Caso seja revogada ou modificada a lei que deu ensejo à criação da respectiva súmula vinculante, deverá o STF revisar o seu teor ou proceder o seu cancelamento, a depender do caso (art. 5º, Lei 11.417/06).
Portanto, fica claro a criação de um instituto destinado a dar um caráter mais abstrato, e inclusive vinculativo, às decisões que ora foram tomadas em controle difuso de constitucionalidade, sendo inclusive possível a utilização da reclamação constitucional para que a decisão tomada em desconformidade com o enunciado vinculante seja a ela adequada (art. 7º, §1º, Lei 11.417/06).
4. TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES:
Toda decisão de cunho judicial, em regra, é formada por três partes: (a) relatório, (b) fundamentação e (c) dispositivo. O relatório é a parte utilizada para descrever os atos processuais e dados fáticos desenvolvidos até o momento. A fundamentação é a parte destinada à exposição das razões e motivos pelos quais se chegou a determinado posicionamento. O mérito, por sua vez, é a parte em que efetivamente se julga a demanda.
Como vimos, no controle difuso de constitucionalidade a inconstitucionalidade da norma é analisada apenas de forma incidental para posteriormente adentrar ao real pedido da demanda. Nesse sentido, a análise da constitucionalidade da norma se dará na fundamentação da decisão e não em seu dispositivo, que se dedicará a julgar procedente ou improcedente o pedido subjetivamente afirmado em juízo, parte esta que efetivamente vincula as partes do processo.
Contudo, nos últimos anos, vem surgindo posição doutrinária na defesa de que as razões e motivos invocados pela Suprema Corte em uma decisão tomada em controle difuso de constitucionalidade tenham eficácia erga omnes e vinculativa. Ou seja, quer-se dar um caráter evidentemente normativo à fundamentação de das decisões do STF. Trata-se de uma tentativa de aproximar os efeitos do controle difuso ao concentrado.
Cita-se como precedente jurisprudencial à teoria da transcendência dos motivos determinantes o Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, em que a Suprema Corte entendeu por ser inconstitucional o número de vereadores do Município de Mira Estrala, aplicando “ao Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, o efeito vinculante, emergente da própria ratio decidendi, que ensejou no julgamento do referido caso”[7]. Assim, os demais casos que fossem apreciados pelo Tribunal Superior Eleitoral deveriam observar aquele precedente.
Em defesa da teoria da transcendência dos motivos determinantes, Uadi Lammêgo Bulos expõe que[8]:
A aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso merece aplausos, porque para concretizar os princípios da supremacia constitucional, da força normativa da constituição, da economia, celeridade e efetividade processual (CF, art. 5º, LXXVIII).
Entendemos que o uso da transcendência, com caráter geral, pro futuro e vinculante, dos motivos determinantes da sentença proferida em sede de controle difuso, não precisa de qualquer base legislativa para ser invocada. É desnecessário, por exemplo, submeter os arts. 52, X, e 97, da Carta Magna, ao influxo de emendas constitucionais, a fim de adequá-los a certas exigências. Também é descipiendo movimentar o legislador processual para estabelecer regras nesse sentido.
A justificativa de tudo isso é muito simples: as decisões do Supremo Tribunal Federal devem ser obedecidas e levadas às últimas consequências, sob pena de se burlar o seu posto de guarda da Constituição (Art. 102, caput).
Assim, embora o posicionamento majoritário seja contrário à aplicação da teoria dos motivos determinantes[9], tem-se mais uma forma de se dar efeitos erga omnes às decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade, inclusive com precedentes do STF nesse sentido.
5. EFEITOS GERAIS NAS AÇÕES CONSTITUCIONAIS:
No que se refere à garantia de efeitos gerais às decisões proferidas nas chamadas ações constitucionais, tratar-se-á mais especificamente dos precedentes judiciais e teorias aplicadas ao Habeas Corpus e ao Mandado de Injunção.
O mandado de injunção (MI) é o remédio constitucional destinado à proteção de direitos subjetivos diante da inércia do Poder Público em regulamentar direitos e liberdades constitucionais que lhe são próprios (art. 5º, LXXI, Constituição Federal). Nesse sentido, é realizado controle difuso de constitucionalidade diante da verificação de uma inconstitucionalidade por omissão.
Divergência há no que tange aos efeitos da decisão que julga o
MI, havendo, portanto, 2 correntes doutrinárias acerca do tema, sendo uma denominada de concretista e a outra de não concretista.
Para a corrente não concretista a natureza da decisão que julga a omissão legislativa por meio de MI é meramente declaratória, ou seja, se limita a aferir a existência ou não de uma omissão regulamentadora, o que equipararia os efeitos do MI ao da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Acerca do tema, Paulo Dantas leciona que[10]:
Para essa corrente, portanto, o único objetivo da concessão da injunção é dar ciência ao Poder competente acerca da existência daquela omissão, exortando-o a supri-la, ou, no caso de órgão administrativo, determinando que este supra tal omissão, no prazo de trinta dias.
Diferentemente, a corrente concretista defende que além de possuir natureza declaratória, dando ciência ao órgão competente acerca da omissão regulamentar, tal decisão possui também natureza constitutiva, ou seja, há a criação da referida regulamentação para o caso concreto, até que a questão seja efetivamente definida pelo Poder competente.
A respeito desse ponto, Luís Roberto Barroso expõe que[11]:
Coerente com a posição doutrinária aqui sustentada, afigura-se melhor a orientação que identifica no provimento judicial na espécie uma natureza constitutiva, devendo o juiz criar a norma regulamentadora para o caso concreto, com eficácia inter partes, e aplicá-la, atendendo, quando seja o caso, à pretensão veiculada. Esse caráter constitutivo, porém, só se verifica no plano da criação da normatividade ausente, pois o mandado de injunção tem nítido caráter instrumental. Uma vez suprida a ausência da norma, caberá ao órgão julgador fazê-la incidir, sem solução de continuidade, com vistas à resolução da situação concreta que lhe foi submetida. Aqui, então, poderá declarar nulo um ato, constituir uma nova relação jurídica, condenar a alguma prestação (v.g., pecuniária) ou mesmo emitir uma ordem, um mandamento para que se faça ou não alguma coisa.
A corrente concretista, por sua vez, é subdividida em outras duas espécies: (a) concretista geral e (b) concretista individual. Esta defende que a decisão proferida só poderá produzir efeitos para as partes do processo, ou seja, efeitos inter partes, enquanto que aquela corrente defende a possibilidade de a decisão produzir efeitos gerais, atingindo até mesmo pessoas não envolvidas na relação jurídico-processual (efeitos erga omnes).
Quanto à corrente adotada pelo Supremo Tribunal Federal, tem-se que, até pouco tempo, adotava-se a corrente não concretista, assemelhando os efeitos do MI aos da ADO. Entretanto, a jurisprudência mais recente vem sendo no sentido de aplicar a teoria concretista, como é o caso do mandado de injunção que questionou a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos. Neste caso, a Suprema Corte decidiu que, enquanto não for editada norma regulamentadora de tal direito, será aplicada, no que couber, a lei de greve inerente aos empregados celetistas. Cabe destacar que os efeitos da decisão não foram restritos àqueles que foram representados por seus respectivos sindicatos em juízo, tendo o STF aplicado, nesses precedentes, a corrente concretista geral.
O Habeas Corpus (HC), por sua vez, é o remédio constitucional destinado à proteção específica da liberdade de locomoção tendo em vista eventual violação, ou ameaça de violação, a este direito, decorrente de ato ilegal ou praticado com abuso de poder (art. 5º, LXVIII, Constituição Federal).
A decisão proferida em sede de habeas corpus, ainda que no Supremo Tribunal Federal, por meio da realização de controle difuso de constitucionalidade, produzirá efeitos tão somente àqueles que foram parte da relação jurídico processual discutida.
Contudo, cumpre destacar precedente judicial da Suprema Corte no qual, por meio de um HC[12], se definiu a existência de distintas classes de tratados internacionais com hierarquia distintas a depender do seu conteúdo e forma de internalização no ordenamento jurídico pátrio.
A Constituição Federal prevê expressamente que os tratados internacionais referentes a direitos humanos que forem aprovados com procedimento idêntico ao das emendas constitucionais a elas se equivalem (art. 5º, §3º, da Constituição Federal). Assim, tendo em vista a forma por meio da qual foi internalizado, bem como por versar sobre direitos humanos, o tratado internacional terá status de norma constitucional.
Os tratados que não versarem sobre direitos humanos, a seu turno, mantiveram o caráter de norma infraconstitucional equiparada a lei ordinária.
A grande inovação trazida pela referida decisão foi no que se refere à natureza dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos mas que não tiveram procedimento de aprovação idêntico às emendas constitucionais. Tratou-se, mais especificamente, da possibilidade da prisão civil do depositário infiel diante da existência de tratado internacional ratificado pelo Brasil (Pacto San José da Costa Rica), sem ressalvas, vedando qualquer espécie de prisão civil distinta da destinada ao devedor de alimentos.
Assim, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a estes tratados seria conferido natureza supralegal, ou seja, estariam acima das leis ordinárias e abaixo das normas constitucionais. Dessa forma, acabou por se impossibilitar a prisão civil do depositário infiel no Brasil, haja vista que as leis que regulamentavam tal instituto estão em posição hierarquicamente inferior ao Pacto San José da Costa Rica, o que tornou inaplicável a legislação infraconstitucional referente ao tema. Cumpre destacar que há tão somente uma "paralisação" das normas infraconstitucionais, não havendo qualquer modificação do texto constitucional que prevê tal possibilidade (art. 5º, LXVII, Constituição Federal).
Nesse sentido, Vicente Paulo leciona que[13]:
Com efeito, o STF passou a entender que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos celebrados pelo Brasil têm status supralegal, situando-se abaixo da Constituição, mas acima da legislação interna. Deixou assente o Tribunal que os tratados internacionais sobre direitos humanos são atos normativos infraconstitucionais (abaixo da Constituição Federal), porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também são dotados de um atributo de supralegalidade (acima das leis). Por força dessa supralegalidade, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, ratificados pelo Brasil em 1992, tomaram inaplicável a legislação infraconstitucional sobre a prisão do depositário infiel com eles conflitante, seja a ela anterior ou posterior ao ato de ratificação de tais normas internacionais, e, com isso, afastaram a possibilidade de prisão do depositário infiel, prevista no inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal.
Assim, as bases trazidas nesta decisão (HC nº 87.585/TO), serão utilizadas para todas as demais que digam respeito a eventual supralegalidade de tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, e que não foram internalizados com status de norma constitucional, nos termos do art. 5º, §3º, da Constituição Federal.
6. CONCLUSÃO:
Este trabalho teve por objetivo central a realização de estudo da legislação, teorias doutrinárias, bem como da jurisprudência relativa à possibilidade de se conferir efeitos gerais, e não meramente restrito as partes, às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de controle difuso de constitucionalidade, bem como acerca das inovações legislativas tendentes a garantir força expansiva aos precedentes judiciais.
O caráter abstrato do controle concentrado não traz qualquer inovação, visto que a sua procedência significa no reconhecimento da nulidade da norma, a qual é aplicada a todos por si só. Assim, evidentemente, a sua perda de validade traz efeitos para todos os destinatários de direito.
No controle difuso, por sua vez, sendo aquele em que a análise da inconstitucionalidade se apresenta de forma incidental, seus efeitos se restringem as partes que integraram a relação jurídico-processual. Contudo, crescente foi as críticas aos efeitos decorrentes da decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade pela Suprema Corte, que é o mesmo órgão que realiza o controle concentrado de constitucionalidade.
Reforça esta "crítica" o fato de o controle difuso de constitucionalidade ter sido importado dos Estados Unidos da América, país onde vige a regra do stare decisis, ou seja, os precedentes judiciais da Supreme Court além de terem eficácia erga omnes, são vinculativos a todos os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário.
Nesse sentido, houve a criação de diversos instrumentos pelo Poder Judiciário com o objetivo de garantir uma maior efetividade às decisões do STF, como é o caso do instituto da Repercussão Geral, das Súmulas Vinculantes, bem como da possibilidade de suspensão da norma que fora declarada inconstitucional por meio do controle difuso na Corte Suprema.
Também não faltaram criações doutrinárias, destacando-se entre elas a teoria dos motivos determinantes, que visa dar um caráter vinculativo à fundamentação da decisão, que é a parte em que efetivamente se analisa a inconstitucionalidade da norma no controle difuso de constitucionalidade. Tal teoria não é predominante no Supremo Tribunal Federal.
Dentre as criações jurisprudenciais, pode-se destacar a aplicação da corrente concretista geral nos Mandados de Injunção, bem como a decisão proferida em sede de Habeas Corpus na qual se criou uma verdadeira distinção hierárquica acerca dos tratados internacionais, diante do diferente tratamento trazido pela Constituição Federal aos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, aprovados com procedimento idêntico das Emendas Constitucionais.
Dessa forma, embora haja grande crítica por grande parte dos doutrinadores nacionais, torna-se evidente a possibilidade de, em alguns casos, dar um caráter geral às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade
8 - REFERÊNCIAS:
BARROSO, Luis Roberto. O controle da constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Volume II. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2010.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ Comentados 2014. Manaus: Dizer o Direito, 2015.
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Volume III. 8ª Ed. Salvador: Juspodium; 2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 16ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2007.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010.
PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
[1] DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p. 183/184.
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1133/1140.
[3] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ Comentados 2014. Manaus: Dizer o Direito, 2015, p. 70.
[4] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Volume II. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2010, p. 130.
[5] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Volume III. 8ª Ed. Salvador: Juspodium; 2010, p. 330.
[6] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 247.
[7] BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 225.
[8] BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 226.
[9] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 281/282.
[10] DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p. 330.
[11] BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 145.
[12] STF – HC 87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 29/08/2007.
[13] PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 202/203.
Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Processus. Aprovado nos concursos de Analista Judiciário do TJDFT (2015) e de Técnico Judiciário do TJDFT (2015).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FORMOLO, Gustavo Henrique. Da força expansiva dos precedentes judiciais proferidos em controle difuso de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46122/da-forca-expansiva-dos-precedentes-judiciais-proferidos-em-controle-difuso-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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