Resumo: O presente trabalho tem por objeto as identificadas relações entre o Direito Constitucional (ou a própria Constituição) e o Direito Processual. Partindo de bases doutrinárias aceitas no Direito Comparado e brasileiro, tecemos o caminho entre a concepção da Constituição, as influências desta no processo e, por fim, os instrumentos processuais que servem à própria Constitução. Na introdução do trabalho, discorremos sobre a posição da Constituição no ordenamento jurídico com base na teoria de Hans Kelsen e nas proposições do Neoconstitucionalismo. No desenvolvimento do trabalho, adentramos à temática propriamente dita identificando os valores que defluem da Constituição para o processo. Em seguida, identificamos a disciplina eminentemente processual de instrumentos de defesa da Constituição, bem como os institutos processuais de índole tradicionalmente constitucional. A partir das constatações, definimos e diferenciamos o Direito Constitucional Processual do Direito Processual Constitucional. Por fim, tecemos de forma objetiva as conclusões a que chegamos ao final da pesquisa e das reflexões realizadas.
Palavras-chave: Constituição, Direito Processual, norma fundamental, neoconstitucionalismo, neoprocessualismo, formalismo-valorativo, direitos fundamentais, devido processo legal, controle de constitucionalidade, Direito Constitucional Processual, Direito Processual Constitucional.
1. Introdução
Desde Hans Kelsen, ganhou grande relevo a formulação teórica da estruturação do ordenamento jurídico tal qual uma pirâmide (esquema inicialmente introduzido por Adolf Merkel). Nessa pirâmide, a Constituição, também chamada de “norma fundamental” ou “lei-maior” ocuparia posição de supremacia. Uma vez que todos os outros atos normativos do Estado, situados nos outros patamares da pirâmide, todos abaixo da Constituição, teriam sua validade condicionada à compatibilidade com os patamares superiores, forçoso admitir que, todos eles, sem exceção, deveriam, por consequência e em última instância, se adequarem àquela norma fundamental, uma vez que esta ocuparia o “vértice” do ordenamento jurídico.
A Constituição, por ser a norma informadora da organização do Estado, por estabelecer os princípios pelos quais ele se rege e elencar o rol dos direitos fundamentais conferidos aos indivíduos, não poderia prescindir de tal posição de supra-legalidade.
Essa importância da lei-maior aumenta ainda mais nos atuais tempos de neoconstitucionalismo, doutrina jurídica que, visando imprimir conteúdo predominantemente ideológico à constituição, de respeito aos direitos fundamentais, mas também de asseguração de prestações materiais à sociedade (Estado Democrático Social de Direito), busca uma maior efetividade das normas constitucionais, para que estas passem de enunciados meramente retóricos e conceituais a instrumentos de efetivação dos direitos fundamentais.
Ganha assim, a constituição, uma posição central no ordenamento jurídico (sem prejuízo da noção de superioridade hierárquica), o que faz com que sua supremacia decorra, não apenas daquele caráter lógico de precedência formal, mas também de um sentido axiológico dos valores nela expressos.
Tal posição, evidentemente, faz a Constituição informar a produção das outras normas do ordenamento jurídico, como acima explicitado, mas também, e sobretudo na atualidade, faz com que ela emane os seus valores para os outros ramos do Direito.
Nesse contexto é que passamos a discorrer sobre as relações travadas entre o Direito Constitucional e o Direito Processual.
2. Desenvolvimento
As premissas instituídas pelo Neoconstitucionalismo, como afirmado, pugnam por uma maior positivação de conteúdos ideológicos na constituição, a qual, além de versar sobre a organização do Estado e enumerar prerrogativas dos particulares, passa também a ter um conteúdo essencialmente normativo, ao qual se pretende atribuir uma eficácia direta, diferentemente do conteúdo meramente retórico constante nos textos constitucionais de fases anteriores do constitucionalismo (ou de “outros constitucionalismos”).
Nesse contexto, inevitável que o Direito Processual não sofresse a influência de tamanha renovação do pensamento constitucional. Fala-se, assim, em um Neoprocessualismo ou formalismo-valorativo, disciplina da filosofia, da dogmática e da aplicação do Direito Processual em consonância com a nova proposta constitucional. A exemplo do caráter progressivamente ideológico que vem se imprimindo às novas constituições, também o Neoprocessualismo se preocupa em permear o processo com novas perspectivas axiológicas, em especial os aspectos éticos do processo: a cláusula geral da boa-fé processual e o princípio da cooperação.
Em verdade, mais do que princípios constitucionais processuais, fala-se hoje em dia de direitos fundamentais processuais. Esta última expressão nos remete justamente à idéia de efetividade na aplicação de normas constitucionais. Ao passo que traduzem os valores atribuídos à nova concepção constitucional – ou concepção neoconstitucional – do processo, tais direitos fundamentais processuais nos remetem à noção de verdadeiros direitos subjetivos processuais garantidos constitucionalmente.
O processo, vez que é a via, o instrumento pelo qual o indivíduo provoca o Juiz-Estado a fim de satisfazer a sua demanda (de “resolver o seu problema”), não poderia deixar de ser contemplado com efetivas garantias constitucionais, vez que o acesso à justiça e os direitos de ação e exceção têm de ser assegurados, afigurando-se em verdadeiros direitos fundamentais.
É daí que defluem os diversos princípios e direitos fundamentais processuais. Todos eles podem, em verdade, ser reunidos sob o maior deles, que abarca e subsume todos os demais, qual seja o direito fundamental ao devido processo legal (due process of law), insculpido no art. 5°, LIV da Constituição Federal de 1988.
Além do já exposto, há uma segunda correlação existente entre constituição e processo, qual seja, a existência de mecanismos processuais de proteção da constituição.
Como explicitado acima, a constituição, nos dias atuais, ocupa a posição de “vértice”, segundo o esquema kelseniano, ou de “centro” do ordenamento jurídico, na concepção neoconstitucionalista. A despeito da aparente divergência, ambas as doutrinas destacam, na verdade, a precedência formal e material da constituição, esteja ela baseada nos fundamentos lógicos ou axiológicos de sua supremacia (ou supra legalidade).
Nesse sistema, a própria constituição deve estabelecer meios para a sua proteção, evitando que outros atos normativos contrariem o disposto nas normas que defluem do seu texto. É por isso que existem os meios de controle de constitucionalidade.
Analisando o Direito comparado, é possível identificar nos ordenamentos jurídicos mundiais, dois principais modelos de controle jurisdicional de constitucionalidade, quais sejam, o controle difuso (ou modelo americano) e o controle concentrado (modelo austríaco).
O controle (de constitucionalidade) jurisdicional pela via difusa, baseia-se na premissa de que qualquer juiz ou tribunal (respeitadas, por óbvio, as regras processuais de competência) estará autorizado a apreciar uma questão constitucional e, sendo o caso, declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. O controle difuso também é chamado de incidental, visto que a declaração de inconstitucionalidade se dá incidentalmente (de forma prejudicial ao mérito da lide) durante a análise de um caso concreto, seja pela via do processo de conhecimento, de execução ou cautelar. Podemos afirmar que, pela via do controle difuso, qualquer juiz ou tribunal pode exercer a jurisdição constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.
O controle concentrado difere do difuso pelo fato de sempre analisar a constitucionalidade de uma norma em abstrato, em julgamento feito por um órgão (a corte constitucional ou órgão jurisdicional que faça, também, as suas vezes) que tem a competência originária e exclusiva para este tipo de análise. Tal análise não pode ser reputada por incidental, pois a declaração da (in)constitucionalidade é o próprio mérito do processo (dá-se principaliter tantum).
O Brasil adotou, desde 1891, o controle difuso de constitucionalidade, passando, entretanto, a contemplar progressivamente mecanismos típicos do controle concentrado. Hoje, é possível afirmar que o Brasil adota um sistema jurisdicional misto do controle de constitucionalidade.
Tais meios de controle, uma vez previstos pela constituição, devem ser regulados pela legislação processual. É por isso que, além da Constituição Federal, o Código de Processo Civil e outras leis federais (a exemplo da 9.868/99 – Lei da ADI), instituem os mecanismos processuais de controle de constitucionalidade. Assim, ficam positivados os procedimentos para efetivarem-se o controle difuso e o controle concentrado da constitucionalidade das normas.
Quanto ao controle concentrado, podemos ainda relacionar a existência do processo constitucional em sentido estrito, pela via do qual é exercido o controle abstrato de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ou perante os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, no caso do parâmetro de constitucionalidade ser a Constituição Estadual ou a Lei orgânica do Distrito Federal). Exemplos desse tipo de processo são as Ações Diretas de Inconstitucionalidade e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade.
Das referidas relações entre processo e constituição (que se aproximam ante o conteúdo axiológico incorporado a tais ramos do Direito na nova perspectiva da disciplina jurídica) a doutrina reputa a existência de um Direito Constitucional Processual ou Direito Processual Constitucional. Não se trata, contudo, da existência de novo ramo da ciência jurídica, mas sim deste estudo das correlações, progressivamente intensificadas, entre Direito Constitucional e Direito Processual.
Ainda que alguns autores não identifiquem diferença entre as duas expressões acima introduzidas, é possível definir a abrangência de cada uma delas:
1. Direito Constitucional Processual refere-se justamente àquele elenco de princípios e garantias (ou direitos fundamentais) processuais constitucionalmente previstos.
2. Direito Processual Constitucional trata, por seu turno, (a) do processo constitucional em sentido estrito, aquelas ações que materializam a via processual para o exercício do controle concentrado de constitucionalidade; e também (b) da disciplina do controle difuso, exercido incidentalmente pelos juízes e tribunais. É possível assim, dizer que o Direito Processual Constitucional trata, precipuamente, da jurisdição constitucional.
Além disso, o Direito Processual Constitucional também se refere àquelas ações constitucionalmente consagradas, as quais possuem a finalidade de assegurar a integridade das liberdades e dos direitos individuais, os chamados remédios constitucionais, dos quais são exemplos o Habeas Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Injunção e o Mandado de Segurança.
3. Conclusões
Ante todo o exposto, no atual contexto da disciplina jurídica, seja a nível doutrinário, legal, ou jurisprudencial, é integral a relação que se identifica entre Constituição e processo.
Tal “simbiose”, como exposto, é necessária para se imprimir ao Direito um caráter cada vez mais assecuratório tanto (1) das prerrogativas individuais como (2) da solidez do próprio sistema constitucional.
REFERÊNCIAS
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DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2009.
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NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
Bacharel em Direito pela UFPE/ Faculdade de Direito do Recife, pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Técnico Judiciário e Assessor de Magistrado no Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCIO WINICIUS VIEIRA DE MORAES MARANHãO, . Constituição e Processo: relações simbióticas e a origem do Direito Constitucional Processual e do Direito Processual Constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46133/constituicao-e-processo-relacoes-simbioticas-e-a-origem-do-direito-constitucional-processual-e-do-direito-processual-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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