RESUMO: O presente estudo tem por finalidade estabelecer, com base nas variadas correntes que se dispõe a tal intento, as diferenças entre as normas-regras e as normas-princípios. Para alcançar tal finalidade, inicia-se o estudo descrevendo distinções preliminares entre as duas modalidades normativas e debruçando-se para análise das diversas correntes que se propõem a oferecer distinções entre as normas-regras e as normas-princípios, algumas com base em critérios quantitativos, outras com base em critérios qualitativos. Estabelecidas as diferenças, estabelecem-se os critérios de ponderação que deverão ser utilizados em casos de conflitos principiológicos em situações concretas.
PALAVRAS CHAVE: Princípios, Norma-Regra, Norma-Princípio, Conflito Principiológico, Ponderação de Valores.
INTRODUÇÃO
A doutrina e a jurisprudência moderna tentam responder da forma mais objetiva e abrangente o que são princípios. Buscando uma resposta para a questão é possível verificar que as normas se sub-classificam em normas-regras e normas-princípios. Sem se enveredar para o esgotamento do tema é importante que se tenha em mente a diferença entre essas duas espécies de normas para que, em seguida, seja possível estabelecer critérios de ponderação a serem aplicados em conflito de normas em caso concreto.
1 O QUE SÃO PRINCÍPIOS?
Princípios são fontes de comunicação entre o sistema de valores e o sistema jurídico. Em razão de sua natureza mais genérica e vaga servem como início do processo interpretativo do ordenamento jurídico, cumprindo a função de trazer concretude às verdadeiras vontades constitucionais. Por outro lado, é também o cerco final do processo interpretativo. Qualquer decisão que viole princípios constitucionais, seja por extrapolar o desejo constitucional em sua interpretação violando-se os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, seja por não observá-lo, estará eivada de vícios em razão de sua inconstitucionalidade.
2 CRITÉRIOS DISTINTIVOS ENTRE NORMA-REGRA E NORMA-PRINCÍPIO
Normas-regras são espécies normativas que expressam um comportamento que deve ser adotado, tem um conteúdo deontológico, expressam uma hipótese que, se verificada, ensejará consequências precisas. Em síntese, pode-se dizer que as normas-regras são objetivas e determinadas. O capítulo do Código Civil que rege o direito à herança, por exemplo, o composto por um conjunto de normas-regras (ÁVILA, 2004, p.62).
As normas-princípios, por sua vez, trazem em seu bojo um conteúdo axiológico, tendo maior grau de vaguidade e indeterminação, o que, consequentemente, abre margem para que o próprio interprete da norma-princípio manifeste fundamentadamente a sua preferência (CUNHA, 2008, p. 146).
Além dessas distinções preliminares, depois de aprofundada pesquisa, encontramos no direito brasileiro, seis possíveis critérios distintivos aptos a justificar a diferenciação entre normas-princípios e normas-regras.
O primeiro critério distintivo toma por base a quantificação do grau de indeterminação, colocando que as normas-princípios são mais vagas e ambíguas do que as normas-regras. Este primeiro critério que visa fornecer parâmetros de diferenciação entre os princípios e as regras, o faz através de método quantitativo, já que toma como principal apoio para distinção justamente a quantificação do grau de indeterminação.
O segundo critério distingue princípios de regras através da generalidade que está envolta ao primeiro com mais consistência. Em síntese, princípios são mais gerais e abstratos do que as regras. De acordo com este critério diferenciador a quantificação é realizada conforme o grau de generalidade, ou seja, o quanto as normas-princípio são mais genéricas quando consideradas em relação às normas-regra.
O terceiro critério que se alvitra a diferenciar princípios de regras coloca o enfoque não mais nas normas em si mesmas, seja pelo grau de indeterminação, seja pelo grau de generalidade, mais sim sobre o intérprete e o trabalho que este realizará, asseverando que na aplicação dos princípios o intérprete tem participação mais ativa do que na aplicação das regras, pois estas não admitem valorações subjetivas. Este critério trabalha com a concepção de que no ordenamento jurídico composto apenas por normas-regras o julgador, em razão da natureza puramente objetiva dessas, será apenas a boca da lei, não exercendo, pois, qualquer papel criativo. As normas-princípios, por sua vez, em razão de suas características de generalidade e vaguidade demandam, para sua aplicação, para de apenas uma simples subsunção, um processo argumentativo racional que justifique a sua incidência sobre o caso concreto.
Este critério visivelmente qualifica regras e princípios de acordo com seu modo de aplicação, o que resulta na atribuição de qualidades próprias intrínsecas aos princípios em relações de pesos.
O grau de importância na ordem jurídica é a base do quarto critério diferenciador. Segundo este, pode-se dizer que os princípios, individualmente considerados, são mais importantes na ordem jurídica do que as regras. Este critério foi adotado por Celso Antonio Bandeira de Mello em uma clássica e importante conceituação de princípios:
Princípio Jurídico é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 1981, p. 230).
O quinto critério diferenciador de princípios e regras tem o olhar voltado para a função desempenhada por cada um na ordem jurídica como um todo, anotando que os princípios desempenham uma função argumentativa mais importante do que as regras, pois eles servem para aplicação e interpretação destas. Este critério quantifica o grau de importância da função desempenhada por cada norma na ordem jurídica.
O sexto e último critério que se alvitra a dar uma resposta sobre o que diferencia princípios de regras assevera que os princípios possuem uma dimensão moral maior do que as regras, incorporando e normatizando valores constitucionais fundamentais (CANOTILHO, 2003, p. 253).
3 CRITÉRIOS DE PONDERAÇÃO E APLICAÇÃO DE NORMAS-PRINCÍPIOS EM CONFLITO
A ponderação e aplicação de normas-princípios em conflito em relação a um mesmo tema também são realizadas de maneira peculiar. Enquanto, os conflitos de normas-regras são resolvidos com base nos clássicos critérios da hierarquia, da especialidade e cronológico, os conflitos entre normas-princípios exigem a efetivação de ponderações por parte do julgador, sempre sem perder de vista os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.
Sobre os critérios de ponderação e métodos de aplicação de princípios jurídicos dois doutrinadores estrangeiros desenvolveram importantes construções.
A primeira construção metodológica foi exibida pelo americano Ronald Dworkim em 1977 no livro Talking Rights Seriously (Levando os Direitos à Sério) no capítulo “The Model Of Rules” onde o autor faz uma crítica ao positivismo jurídico do autor Hebert Hart, que dizia que nos casos difíceis os juízes decidem com discricionariedade. Para Dworkim, “nos casos difíceis, os juízes devem decidir conforme os princípios”.
Para este autor o que diferencia princípios de regras é o modo de aplicação inerente a cada um, pois enquanto as regras determinam consequências precisas, sendo sua aplicação realizada com base no tudo ou nada, isto é, se a regra é válida sua consequência deve ocorrer e havendo colisão de regras uma delas deve sucumbir integralmente à outra segundo os critérios da hierarquia, da cronologia e da especialidade, nos princípios há uma dimensão de peso entre uns e outros, preponderando aquele que tiver o peso maior.
Para ele, os princípios trazem fundamentos impregnados de argumentos morais que devem ser sopesados frente a outros princípios. Logo, havendo colisão entre princípios, diferentemente do que ocorre com as regras, não se aplica a lógica do tudo ou nada, pelo contrário, deve o intérprete verificar a dimensão de peso entre os princípios colidentes com base no caso concreto e expor argumentativamente qual deles será aplicado.
O segundo método construído para conduzir a aplicação dos princípios e das regras que se tem conhecimento foi descrito pelo Alemão Robert Alexy em 1986 no livro Teoria dos Direitos Fundamentais, o qual expõe que regras são comandos definitivos e quando são válidas incidem sobre a situação concreta e devem ser integralmente aplicadas, pois não há cumprimento gradual de regras, ou elas são cumpridas ou elas são descumpridas. Não há, pois, ponderação de regras, havendo colisão entre elas necessariamente uma será inválida.
Já os princípios são mandados de otimização. Assim devem ser aplicados gradualmente conforme a possibilidade jurídica e social de sua efetiva concretização, além de serem aplicados de acordo com a ponderação do intérprete frente à realidade fática e jurídica do caso concreto (ALEXY, 1993, p. 88).
Esse ensinamento é o mais aplicado atualmente pela jurisprudência e inclusive já foi expressamente citado em alguns julgados:
MANDADO DE SEGURANÇA E AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA, COM INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA, TRAQUEOSTOMIZADO E EM VENTILAÇÃO MECÂNICA. PORTADOR DE PRÓTESE VALVULAR E EM USO DE ANTICOAGULANTE ORAL. DIETA VIA GASTROMIA. PACIENTE INTERNADO NO HOSPITAL SÃO RAFAEL PELO SUS. NECESSIDADE DE HOME CARE A SER GARANTIDA PELO IMPETRADO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. Depreende-se, que se opera no caso concreto a colisão entre dois princípios constitucionais. Isto porque, o direito fundamental à vida e à saúde, albergado na Constituição Federal, se contrapõe, neste momento, à garantia do planejamento econômico pelo ente público, através da fixação das políticas públicas sociais e econômicas no âmbito do direito à saúde. E, para a solução racional do conflito entre normas ou princípios constitucionais, Robert Alexy propõe a aplicação do sistema da ponderação. Ante o exposto, verificando que o sacrifício que será imputado ao Impetrante, em caso de denegação da segurança, representará dano inegavelmente maior que aquele que será causado ao Ente Público, em caso de concessão da segurança, impõe-se a prestação da tutela requerida, como forma mais lídima de efetivação dos comandos constitucionais. REJEITADAS AS PRELIMINARES, AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO REJEITADA A PRELIMINAR, SEGURANÇA CONCEDIDA (TJ-BA - MS: 00152455620118050000 BA 0015245-56.2011.8.05.0000, Relator: Carlos Alberto Dultra Cintra, Data de Julgamento: 14/06/2012, Seção Cível de Direito Público, Data de Publicação: 17/11/2012).
E M E N T A- AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE DETERMINA AO ESTADO O ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS DEVIDOS PELO BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - COLISÃO ENTRE AS NORMAS CONTIDAS NOS ARTIGOS 5º, LXXIV, E 100, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - NORMAS QUE VISAM A CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA E DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO RESPECTIVAMENTE - RESOLUÇÃO DO CONFLITO ATRAVÉS DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO DENOMINADA PONDERAÇÃO DE VALORES - PREVALÊNCIA, DIANTE DO CASO CONCRETO, DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA - DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. A regra que enuncia a necessidade de sentença transitada em julgado para pagamento de pequeno valor pela Fazenda Pública, a qual tem por objetivo, em última análise, proteger o patrimônio público e realizar o princípio da segurança jurídica, deve ser relativizada em face da regra referente à gratuidade judicial que concretiza princípio maior e mais relevante no caso concreto, que é o do acesso à ordem jurídica justa, sendo o que se conclui através de uma interpretação pautada na ponderação de valores, tendo em conta o princípio da razoabilidade. Diante da norma que concretiza o princípio do acesso à justiça, garantindo aos necessitados a gratuidade do processo, deve-se interpretar o art. 100, § 3º, da Constituição da República, no caso concreto, de forma a permitir o adiantamento dos honorários periciais pelo Estado em causas em que o favorecido pela prova seja beneficiário da assistência judiciária gratuita -, por decisão interlocutória contra a qual não caiba mais recurso, sem a necessidade de inclusão na ordem de precatórios, tendo em vista se tratar de obrigação de pequeno valor e, outrossim, destinada a dar normal andamento ao processo, o qual, por sua vez, deve cumprir o preceito constitucional de razoável duração, que estaria inviabilizado se o pagamento dos honorários periciais pudesse ser postergado para data indefinida. Recurso improvido. Decisão mantida. (TJ-MS - AGR: 40081556020138120000 MS 4008155-60.2013.8.12.0000, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 27/08/2013, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/05/2014)
Sobre a eficácia das normas constitucionais ensina o Professor Jorge Miranda:
Deve assentar-se no postulado de que todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma pode dar-se interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Mais: a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação, visando sempre a vida com fim último de sua proteção (MIRANDA, 1991, p. 130).
3 CONCLUSÃO
Com base em todos os critérios supramencionados, podemos classificar os princípios como normas gerais, abstratas e indeterminadas, dotadas de conteúdo moral, que desempenham função de elevado grau de importância no ordenamento jurídico, tendo sua aplicação dirigida em papel ativo do intérprete, com o fim de serem aplicadas de forma gradual através de juízo ponderação voltado as peculiaridades fáticas e jurídicas do caso concreto.
Ademais disso, em havendo conflitos concretos entre normas principiológicas há de se ponderar na situação específica qual norma deve prevalecer frente à realidade fática e jurídica posta com base em uma ponderação de valores e pesos entre os princípios colidentes, sem que isso, contudo, cause a revogação do princípio que teve sua aplicação excluída no caso concreto do ordenamento jurídico.
Com efeito, por se tratar de uma hermenêutica em que sua aplicação em um caso concreto é excluída através da ponderação de valores mediante justificação argumentativa especificamente no caso em particular, havendo nova ocorrência de conflito sua aplicação não estará descartada prima facie, já que somente será possível averiguar qual princípio deverá prevalecer após a realização da pertinente ponderação de valores sob a ótica fática e jurídica da nova situação concreta que se apresenta.
REFERÊNCIAS
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SILVA, J. A, Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros. São Paulo, ed. 19, p. 201, 2001.
TAVARES, A. R., Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. São Paulo. 2004.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HORACIO, Lincoln. Distinção entre Princípios e Regras e Critérios de Ponderação em Caso de Conflitos Principiológicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 mar 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46160/distincao-entre-principios-e-regras-e-criterios-de-ponderacao-em-caso-de-conflitos-principiologicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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