RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar a adequação ou não da aplicação da tutela inibitória no Brasil, a fim de prevenir danos reiterados na esfera do direito do consumidor. Procura-se demonstrar a viabilidade em aplicar o referido instituto no panorama jurídico brasileiro, atentando-se aos requisitos necessários para sua operabilidade diante de situações em que seria esta forma de tutela cabível. A proposta justifica-se pelo fato de que empresas, notoriamente, lesionam direitos dos consumidores e que a mera indenização reparatória torna vantajoso, economicamente, continuar infringindo os direitos dos vulneráveis. É necessário que o Estado intervenha com maior efetividade, e a aplicação de medidas inibitórias em caráter coletivo pode ser utilizada para coibir a atuação lesiva do fornecedor nas relações de consumo. Deste modo, a presente discussão mostra-se relevante, na medida em que colabora com a efetividade da justiça, apresentando-se como um meio para salvaguardar o equilíbrio nas relações consumeristas. As sociedades empresárias terão a certeza prévia de que ao praticarem o ilícito ou nele reincidirem serão punidas pela via indenizatória.
PALAVRAS-CHAVE: 1.direito do consumidor.2.tutela coletiva.3. tutela inibitória
SUMÁRIO: Introdução. 1 A Relação de Consumo e os Potenciais Danos a que os Consumidores Estão Sujeitos; 1.1 Da Responsabilidade Civil no Âmbito do Direito do Consumidor; 1.2 Danos Materiais e Morais aos Consumidores; 1.2.1 Danos Materiais; 1.2.2 Danos Morais; 1.2.2.1 a Natureza Jurídica do Dano Moral; 1.2.2.2 A Chamada Indústria do Dano Moral; 2 Tutela Jurisdicional Coletiva no Direito Consumerista; 2.1 Tutela Coletiva dos Danos Morais; 3. A Tutela Inibitória Como Forma Preventiva a Danos ao Consumidor; 3.1 Conceito de Tutela Inibitória e Sua Diferenciação da Tutela Ressarcitória; 3.2 A Tutela Inibitória e o Combate ao Ato Ilícito; 3.3 A Tutela Inibitória No Plano da Coletividade e Sua Abordagem no Direito do Consumidor; 3.4 O Papel Da Multa na Tutela Inibitória; Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade analisar medidas que assegurem a tutela de direitos consumeristas em caráter coletivo ao buscar posturas jurisdicionais que atendam ao escopo de desestimular a prática de ilícitos onerosos aos vulneráveis, nas relações de consumo.
Sabe-se que as atividades empresariais, notoriamente, lesionam direitos dos consumidores de forma reiterada e a mera indenização ressarcitória ou compensatória torna vantajoso economicamente, especialmente às grandes sociedades empresarias, continuar infringindo direitos consumeristas.
Dessa forma, uma análise sobre as ferramentas que possam inibir reiteradas práticas ilícitas faz-se necessária, tendo em vista a falta de unanimidade, doutrinária e jurisprudencial em disciplinar o tema.
Neste diapasão, o papel do Estado é discutido, pois se defende que este deve intervir com maior efetividade, a fim de proteger os consumidores, vulneráveis por natureza, diante de práticas ilícitas, porém economicamente vantajosas por parte dos fornecedores de produtos e serviços.
Salienta-se que o corrente estudo enfoca institutos a serem considerados para prevenir a atuação lesiva do fornecedor nas relações de consumo, mais especificamente as ações coletivas e a tutela inibitória.
Essa pesquisa aborda em seu primeiro tópico questões fundamentais sobre a relação de consumo e como a responsabilidade civil incide sobre o direito consumerista.
Posteriormente, no ponto dois, discorre-se sobre a tutela coletiva dos direitos do consumidor, expondo o contexto social onde é requerida, tendo em vista a necessidade de se empreender uma proteção efetiva mediante o fenômeno da produção e consumo em massa, que estabelece um novo modelo de relação entre consumidores e fornecedores.
As demandas coletivas, como será explanado, não apenas superam a dificuldade do acesso individual à justiça, mas asseguram uma decisão dotada de compreensão plena da conjuntura social em que se opera o objeto do litígio, além de trazer, em sua decisão judicial, um resultado benéfico à população em geral.
Por fim, no tópico três, será abordada a chamada tutela inibitória, sua natureza e como ela poderá ampliar a proteção aos direitos dos consumidores ao ser capaz de agir contra o ato ilícito praticado por fornecedores de bens e prestadores de serviços, inclusive, de maneira preventiva.
Uma tutela estatal condizente com a estrutura capitalista em que é moldada a composição societária brasileira, já que há visível abuso à posição frágil do consumidor diante de práticas ilícitas contínuas e reiteradas oriundas de atividade empresária por conta de visível vantagem econômica auferida, em detrimento a direitos consumeristas em âmbito coletivo.
Deste modo, a presente discussão aqui apontada mostra-se relevante, na medida em que colabora com a efetividade da justiça podendo trazer benefícios, entre os quais, maior proteção aos consumidores por ter como enfoque a análise de institutos que visam à proteção de interesses coletivos da sociedade brasileira, visto que no sistema econômico capitalista vigente na atualidade, o cidadão deixa de ser um sujeito de dignidade humana garantida constitucionalmente para se resumir a mera fonte de renda aos empresários, muitas vezes responsáveis por produtos ou serviços indispensáveis a existência humana, cuja dependência recai sobre à população e a torna refém de práticas abusivas.
1 A RELAÇÃO DE CONSUMO E OS POTENCIAIS DANOS A QUE OS CONSUMIDORES ESTÃO SUJEITOS
Inicialmente, para se ter compreensão do enfoque desse presente estudo, esclarece-se o que é relação de consumo e o objeto e os sujeitos que a integram.
Vale ressaltar que relação de consumo é uma atividade negocial resultante de um contrato em que, de um lado, figura o fornecedor ou prestador de serviços (art. 3º, caput da Lei nº 8.078/1990, Código de Defesa do Consumidor – CDC) e do outro o consumidor (art. 2º do mesmo diploma legal).
No tocante ao objeto da relação consumerista, este consiste no fornecimento de um produto ou prestação de um serviço (art. 3º, §§ 1º e 2º, CDC), mediante contraprestação pecuniária.
A propósito, o CDC, nos artigos 2º e 3º, conceitua os sujeitos envolvidos na relação de consumo:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Explicados, de forma sintética, os alicerces da relação de consumo, enfatiza-se que os pressupostos da responsabilidade civil incidem sobre ela de maneira a proteger o consumidor de atos ilícitos decorrentes de práticas do fornecedor de bens ou prestador de serviços, das quais decorrem os danos materiais e as lesões de cunho moral, também conhecidas como extrapatrimoniais.
1.1 RESPONSABILIDADE CIVIL PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Para conceituação da responsabilidade civil, é utilizado como critério sua origem contratual (negocial) ou extracontratual (aquiliana).
A responsabilidade contratual decorre do inadimplemento das obrigações e sua previsão consta expressa nos arts. 389 a 420 do Código Civil de 2002 (CC/2002).
No referido diploma legal, o título IX do Livro das Obrigações recebe o nome Da Responsabilidade Civil, que trata, a princípio, da responsabilidade extracontratual (arts. 927 a 954, CC/2002), uma vez que o seu dispositivo inaugural faz menção ao ato ilícito (art. 186) e ao abuso de direito (art. 187).
A propósito, a responsabilidade civil extracontratual está prevista na Parte Geral, que traz o conceito de ato ilícito (art. 186) ao lado de abuso de direito (art. 187), categorias básicas da responsabilidade civil aquiliana.
Em verdade, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990, representa uma superação desse modelo dual, unificando a responsabilidade civil. Para a lei consumerista, via de regra, pouco importa se a responsabilidade civil decorre de um contrato ou não.
Destaca-se, ainda, que Código de Defesa do Consumidor consagra como regra a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços, frente aos consumidores.
Com efeito, a responsabilidade consumerista é objetiva porque independe de culpa, tal como especificado em Lei (arts. 12, 14, 18, 19, 20, do CDC). A Lei Consumerista adotou a idéia do risco-proveito, onde a responsabilidade sem culpa incide sobre o fornecedor de bens ou prestador de serviços por eles auferirem benefícios ou vantagens pecuniárias ao expor a riscos os consumidores.
Ademais, o caráter solidário da responsabilidade é caracterizado pela possibilidade de um ou todos os fornecedores responderem por vícios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, conforme o art. 18 do CDC. Vale acrescentar que tratam ainda do tema os arts. 14, 19 e 20 da Lei Consumerista.
Ressalta-se que a única exceção à solidariedade refere-se ao fato ou defeito do produto, cuja responsabilidade é imediata do fabricante, relegada a responsabilidade do comerciante apenas subsidiária, conforme indica o art. 12 do CDC.
Tal opção legislativa de se atribuir, na órbita consumerista, uma responsabilidade objetiva e solidária, visa a facilitar a tutela dos direitos do consumidor, em prol da reparação integral dos danos, constituindo um aspecto material do acesso à justiça. Desse modo, não tem o consumidor o ônus de comprovar a culpa dos réus nas hipóteses de vícios ou defeitos dos produtos ou serviços. Trata-se de hipóteses de responsabilidade independente de culpa, previstas expressamente em lei, nos moldes do que se preceitua a primeira parte do art. 927, parágrafo único do Código Civil:
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Considerando tal forma de pensar, José Geraldo Brito Filomeno (2011, p. 175) apresenta os seguintes pontos fundamentais para justificar a responsabilidade objetiva prevista na Lei 8.078/1990: a) a produção em massa; b) a vulnerabilidade do consumidor; c) a insuficiência da responsabilidade subjetiva; d) a existência de antecedentes legislativos, ainda que limitados a certas atividades; e) o fato de o fornecedor ter de responder pelos riscos que seus produtos acarretam, já que lucra com a venda (teoria do risco-proveito).
Com efeito, frisa-se a irrelevância quanto à gênese da responsabilidade consumerista, se contratual ou extra-contratual, e seu caráter, em regra, solidário.
Passa-se, em seguida, a versar brevemente sobre os danos morais e materiais, este base da tutela inibitória, objeto deste artigo.
1.2 DANOS MATERIAIS E MORAIS AOS CONSUMIDORES
O art. 1º do CDC estabelece as normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, inciso XXXII e do art. 170, inciso V da Carta Magna de 1988.
A proteção deve-se ao fato de, na relação de consumerista, está o consumidor em posição desfavorável, não existindo relação de equivalência entre ele e o fornecedor ou prestador de serviços. Há, portanto, vulnerabilidade diante do produto ou serviço que lhe é ofertado (4º, inciso I, CDC) e hipossuficiência (art. 6º, inciso VI, CDC) quanto a questões técnicas e sócio-econômicas.
De fato, os consumidores estão passíveis de lesões patrimoniais e extrapatrimoniais, caracterizadas por danos materiais e morais, que serão analisados de maneira mais aprofundada no tópico subsequente.
1.2.1 DANOS MATERIAIS
Em regra, não há responsabilidade civil sem de lesão a direitos e ocorrência de dano, elementos esses formadores do chamado ato ilícito.
Todavia, existe corrente doutrinária que entende incidir a responsabilidade civil pela mera lesão de direitos, tal como Marinoni. Enfatizando-se que há doutrinadores que discordam dessa acepção, como Tartuce. Para essa última corrente, é indispensável a verificação da violação de um direito e que este acarrete em um prejuízo (dano) patrimonial ou extrapatrimonial. Observa-se o alargamento do rol de condutas praticadas por fornecedores passíveis de indenizações, ao tratar a responsabilidade civil sob a égide da primeira corrente.
Com efeito, para que o ato ilícito esteja caracterizado, via de regra, é necessária a existência da lesão de direitos e dano (art. 186, CC). A reparação do dano é assim prevista expressamente nos artigos 403 e 927, ambos os dispositivos do CC.
A seu turno, no Código de Defesa do Consumidor, o dever de reparar é expresso no art. 12 e 14, caput.
Com relação aos danos patrimoniais, também chamados materiais, Tartuce conceitua como prejuízos, perdas que atingem o patrimônio de uma pessoa natural ou jurídica ou ente despersonalizado (2009, p. 377).
Explica ainda o referido autor que, apesar da doutrina preferir utilizar a expressão “ressarcimento” ao se referir a danos materiais, o termo “reparação” também se mostra adequado.
No que concerne às classificações adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio em relação aos danos materiais, dispõe o artigo 402 do Código Civil:
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. (Grifo Acrescido)
A expressão “efetivamente perdeu”, no supracitado artigo, remete aos danos emergentes que são aqueles constituídos pela efetiva diminuição patrimonial da vítima do ato ilícito.
O mesmo dispositivo, ao se referir sobre o que “razoavelmente deixou de lucrar” trata dos lucros cessantes, que correspondem àqueles valores que o prejudicado pelo ilícito deixa de receber, o que efetivamente deixou de lucrar.
Ressalta-se que idêntica aplicação é realizada em sede de direito consumerista, quanto aos danos emergentes e aos lucros cessantes, quando o CDC expressamente aduz ser o fabricante, o fornecedor e o prestador de serviços responsáveis pelos danos causados aos consumidores (arts. 12, 13, 14, 18, CDC).
Agora, passar-se-á ao estudo dos danos morais, essenciais ao desenvolvimento deste estudo, já que é necessária sua ocorrência, além de ser levada em consideração sua natureza jurídica, a fim de efetiva aplicação da tutela inibitória na esfera consumerista, como será explanado nos tópicos subsequentes.
1.2.2 DANOS MORAIS
Dentre diversas classificações ao dano moral apresentadas pela doutrina, uma delas mostra-se relevante para essa pesquisa ao dividi-lo em próprios e impróprios.
Dano moral próprio é aquele que atinge diretamente a vítima do ato ilícito, causando-a dor, tristeza, amargura, sofrimento, angústia e depressão. É conhecido comumente como dano moral in natura.
Por sua vez, dano moral impróprio caracteriza-se por ser lesão a direitos de personalidade, como a vida, saúde, liberdade, opção religiosa, entre outros. É o dano moral em sentido lato sensu e não requer qualquer prova de sofrimento por parte da vítima (TARTUCE, 2009, págs. 390 a 392).
Frise-se que, para fins desse trabalho, leva-se em conta apenas os danos morais impróprios.
A propósito, os direitos da personalidade encontram proteção tanto na legislação infraconstitucional, quanto na Carta Magna (art. 5º, incisos V e X, CF).
Marmelstein (2011, p. 138) conceitua o direito de personalidade como “uma espécie de redoma protetora em torno da pessoa da qual não cabe, em regra, a intervenção de terceiros, permitindo com isso o livre desenvolvimento da individualidade física e espiritual do ser humano”.
Igualmente, Maria Celina Bodin (2009, p. 85) aduz que doutrina e jurisprudência dominantes entendem que o dano moral é aquele que, independente de lesão ao patrimônio, fere direitos da personalidade (dano moral impróprio), que correspondem aos atributos responsáveis por individualizar cada indivíduo.
Quando se trata de lesão a direito da personalidade, não se deve falar em valor para o ressarcimento dos danos morais atingidos, mas de um meio de atenuá-los, de compensá-los.
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VI, admite expressamente a compensação dos danos morais, individuais, coletivos e difusos.
Quanto aos direito coletivos e difusos, tais categorias de danos, suas características, diferenciações e tutelas serão devidamente tratados em momento posterior (tópico 2).
Ainda em relação ao dano moral, importa falar em paradigmas para a fixação deste. Cumpre destacar o ensinamento de Fernando Noronha. Para este autor:
a reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um “preço”, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento atingido, ou compensação pela ofensa à vida ou a integridade física (2003, p. 569).
Ressalta-se, inicialmente, que a doutrina a e a jurisprudência não trazem critérios fixos ou unânimes, a fim de fixar o valor correspondente à indenização compensatória relativa aos danos morais.
Desse modo, o magistrado deve agir com equidade, analisando determinados fatores do caso concreto, quais sejam, a extensão do dano, as condições sócio-econômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes e o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima, tal como reza os artigos 944 e 945 do Código Civil (2009, p. 405 e 406).
Embora os critérios acima mencionados encontrem respaldo jurisprudencial e doutrinário, o valor em si ainda é palco de divergências dada a maneira subjetiva de analisar os pontos sobre os quais o dano moral deve ser fixado.
Tartuce (2009, p. 407), com a finalidade de propor uma visão interdisciplinar sobre a questão vale-se do brocardo jurídico Iura novit cúria. Ou seja, presume-se que o juiz conhece a lei. No entanto, estaria o magistrado apto a enveredar em uma área totalmente diversa de sua formação acadêmica e proferir com propriedade uma decisão que, ultima ratio, esteja norteada pela busca da justiça e da pacificação social no caso concreto? Não, ao referenciar uma simples e estreita formação jurídica do magistrado, ainda mais se levar em consideração as inúmeras variáveis incidentes sobre a questão, como apontados pela dogmática, como visto acima.
É necessário valer-se da interdisciplinaridade quando da fixação do valor do dano moral, intervenção de profissional especialista em sua área. No caso de uma indenização no âmbito consumerista, o melhor exemplo seria fazer uso das ciências contábeis quando da aplicação da indenização no âmbito do Direito do Consumidor, a fim de adequar o montante fixado em juízo à realidade econômica e social na qual o fornecedor está inserido.
Por fim, salienta-se que a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevê a possibilidade de cumulação em uma mesma ação de pedido de reparação de dano material e moral. Este último, por sua vez, será analisado no tópico seguinte, com o objetivo de ressaltar sua importância à justiça consumerista, tanto em âmbito individual, quanto em relação à coletividade.
1.2.2.1 A NATUREZA JURÍDICA DO DANO MORAL
Um ponto relevante em relação à condução do presente artigo é o estudo da natureza jurídica do dano moral, em razão de não haver unanimidade na doutrina brasileira quanto à corrente adotada no ordenamento jurídico dentre as três existentes e elencadas a seguir.
A primeira corrente doutrinária trata a indenização do dano moral apenas em seu caráter compensatório, não existindo qualquer caráter disciplinador ou pedagógico.
Por outro lado, a segunda corrente atribui às indenizações um caráter punitivo ou disciplinador. Tese esta adotada pelos Estados Unidos da América, sob a denominação de punitives damages. Essa segunda teoria foi desenvolvida no Brasil por Carlos Alberto Bittar, sob o nome de teoria do desestímulo.
Em verdade, a Teoria do Desestímulo é caracterizada por atribuir ao praticante do ato ilícito o ônus de pagar um montante arbitrado pelo judiciário a quem teve seus direitos lesionados, a título de punição, para inibir a conduta reprovada, servindo ao mesmo tempo de desestímulo ao infrator e de exemplo a todo meio social no tocante ao resultado de práticas idênticas ou similares.
Outrossim, a teoria do desestímulo é uma ferramenta que reforça o respeito aos direitos consumeristas, tanto na esfera individual, quanto na coletiva. Contudo é passível de críticas que serão abordadas em momento posterior (tópico 2), embora cumpra destacar, de antemão, que a indenização da teoria do desestímulo é eminentemente ressarcitória, ou seja, combate eminentemente o ilícito já cometido.
Por fim, para a terceira corrente, a indenização por dano moral está revestida de um caráter principal reparatório e um de natureza acessória, pedagógico ou disciplinador, cuja finalidade é inibir a prática reiterada de condutas ilícitas. É a chamada teoria do desestimulo mitigado. Diferentemente da teoria do desestímulo, portanto, há uma discriminalização do valor correspondente ao dano moral é o do valor referente à punição por certa conduta ilícita.
Vale ressaltar que no contexto da tutela inibitória trazido por Marinoni, a indenização moral possui apenas caráter compensatório, à medida que cabe à multa o caráter inibitório do ato ilícito tal como será oportunamente explanado no tópico três.
1.2.2.2 A CHAMADA INDÚSTRIA DO DANO MORAL
É conhecida como indústria do dano moral a suposta superproliferação de demandas de ressarcimento nas cortes nacionais em face dos contornos ainda imprecisos do dano extrapatrimonial, como explica Schreiber (2013, p. 193, 194).
Segundo o referido autor, a expressão “indústria” evidencia, muito mais que uma preocupação com o crescimento exponencial do número de ações de indenização por dano moral. É, na verdade, uma rejeição à produção mecanizada e artificial que visa, apenas, à obtenção de lucro.
Como já explicado, o uso da expressão indústria do dano moral denota crítica doutrinária ao dano extrapatrimonial passível de compensação. Crítica esta, considerada infundada por Schreiber (2013, p. 78) ao aduzir que, embora haja casos pontuais de reconhecimento de danos chamados por ele de imaginários ou mesmo exageradamente elevados, nem estas duas hipóteses combinam com freqüência, nem o percentual destes julgados em relação à grande massa das condenações pode ser considerado alarmante.
Na realidade o raciocínio do fornecedor é matematicamente simples. Para o entendimento, se fará uso de um exemplo hipotético. Considerando uma pratica ilícita de, por exemplo, cobrar uma certa quantidade de dinheiro, ainda que pequena, na conta de telefonia de maneira ilícita, o fornecedor obtém lucros exorbitantes, levando em conta a vasta gama de consumidores de fazem uso do serviço de comunicação. Apenas uma pequena parcela desses consumidores busca tutela jurisdicional por uma variedade de motivos, entre eles, por conta da quantia cobrada indevidamente ser ínfima a título individual. Contudo, ainda assim, uma porcentagem mínima dos consumidores faz uso do judiciário.
Ainda de acordo com o exemplo acima referido, o fornecedor calculará o lucro obtido com a prática ilícita menos o quanto ele teve que pagar ao ser demandado pelo judiciário. Se o resultado corresponder a um montante positivo para ele, a prática ilícita gera lucros e, consequentemente, continuará a ser repetida. Essa prática, sim, deveria ser conhecida como indústria do dano moral.
Também entende que a expansão da ressarcibilidade deve ser comemorada ao invés de rechaçada, já que corresponde a uma legítima ampliação da tutela de interesses individuais e coletivos, desde que esteja comprovado o dano.
Como visto, frisa-se que existem danos que ultrapassam o indivíduo em sua singularidade, abrangendo uma coletividade que merece ser protegida de forma diferenciada. Essa tutela coletiva requerer uma análise à parte exposta no tópico subseqüente.
2 TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA NO DIREITO CONSUMERISTA
Grande desafio do Estado Democrático de Direito moderno consiste em garantir a proteção eficiente do consumidor dentro do atual contexto de surgimento de novas realidades no âmbito consumerista.
Em verdade, o fenômeno da produção e consumo em massa decorre da evolução científica e industrial e representa um novo modelo de relação entre consumidores e fornecedores criando cenário propício à ocorrência de ilícitos.
Por exemplo, os contratos de adesão tornaram-se prática comum na qual o consumidor não possui nenhuma possibilidade de discussão ou alteração das cláusulas contratuais, que são previamente estabelecidas de maneira unilateral pelo fornecedor, restando-lhe apenas as alternativas de aceitar ou não.
Podem-se listar contratos de fornecimento de água, energia elétrica, serviços telefônicos, entre outros, são exemplos típicos de contratos de adesão impostos ao consumidor, que, diante de necessidades prementes dos produtos ou serviços oferecidos, aceita o contrato em todos os seus termos, muitas vezes, impregnados de cláusulas abusivas.
Assim, a ordem jurídica deve acompanhar a realidade e criar mecanismos eficientes para a garantia de relações de consumo equilibradas.
Antônio Junqueira de Azevedo chama de danos sociais aqueles lesivos à sociedade como um todo pelo rebaixamento de seu patrimônio moral (AZEVEDO, p. 376).
Neste panorama de busca por ferramentas aptas a incrementar a tutela jurisdicional aplicável aos anseios sociais, surge a tutela coletiva.
Desse modo, percebe-se que o consumidor carece de formas de proteção condizente com a realidade imposta. O exercício da tutela coletiva apresenta-se como um poderoso instrumento para alcançar esse fim.
Inicialmente cumpre esclarecer o que significa tutela jurisdicional: é a proteção prestada pelo Estado quando provocado por meio de uma ação judicial.
Por sua vez, a tutela coletiva corresponde a uma espécie de tutela jurisdicional voltada para direitos materiais que transcendem a individualidade.
Logo, a tutela jurisdicional coletiva é um conjunto de normas processuais diferenciadas por opção legislativa, distintas daquelas aplicadas a tutela individual, por possuírem um alcance mais amplo.
Consiste, assim, em um microssistema coletivo de normas jurídicas voltadas para a proteção de interesses que extrapolam a um único indivíduo. Existem inúmeras leis que compõem o microssistema coletivo brasileiro, como a da Ação Popular (Lei 4.717/1965), o Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/1990), o Estatuto do Idoso (10.471/2003), entre outras.
Todavia a doutrina parece unânime em considerar como núcleo deste microssistema duas legislações: a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/1990), como bem aduz Assumpção Neves (2013, p. 566).
Explica Schreiber que as ações coletivas não apenas superam a dificuldade do acesso individual à justiça, mas também asseguram a plena compreensão da demanda em uma decisão coerente – já que unitária – para todas as vítimas, além de poupar esforços e custos ao Judiciário (2013, p.88).
Frisa-se que tanto o CDC quanto a Lei de Ação Civil Pública devem ser utilizadas conjuntamente, não existindo qualquer ordem preestabelecida entre os dois diplomas legais.
Contudo, nos raros momentos de conflito entre estas leis, ou até mesmo entre elas e outras normas inclusas no microssistema, deve prevalecer a mais benéfica ao consumidor.
Consoante Scheiber, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a tutela de interesses transindividuais (coletivos e difusos) e individuais homogêneos, principalmente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública que se destacam como codificações basilares na tutela coletiva (2013, p. 90).
Existem, assim, variadas espécies de direito material protegidas pela tutela coletiva dentre as quais se destacam, para fins deste trabalho, as de natureza transindividual (diretos difusos e coletivos) e as referentes a direitos individuais homogêneos.
Os direitos difusos, segundo o artigo 81, parágrafo único, inciso I do CDC, são aqueles transindividuais, de natureza indivisível, em que os titulares são pessoas indeterminadas e ligadas sob circunstâncias de fato.
Portanto, o caráter transindividual do direito difuso expressa que o titular não é apenas um único indivíduo, mas sim a coletividade representada por sujeitos indetermináveis, que não podem ser identificados.
Já o caráter indivisível indica que ele não pode ser fracionado entre os membros que compõem a coletividade, de forma que todos suportaram por igual uma violação. E, por último, determina o artigo 81, que todos os seus sujeitos estão ligados por uma situação fática em comum.
Salienta-se que os direitos transindividuais coletivos, conforme o artigo 81, parágrafo único, inciso II do CDC, são os direitos além de transindividuais, indivisíveis, cujo titular é um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte ofensora por uma relação jurídica de base. Portanto seus titulares são indeterminados, porém determináveis, diferindo, assim, dos direitos difusos.
Por último, no artigo 81, parágrafo único, inciso III do CDC, tem-se os direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. A lei quer, na realidade, indicar serem direitos oriundos de mesmo fato ou fundamento jurídico, como elucida Assumpção Neves (2013, p. 580).
Uma vez que os direitos individuais homogêneos possuem como titular o próprio indivíduo, diferem dos transindividuais (difusos e coletivos).
Nos direitos individuais homogêneos haverá uma soma de direitos individuais (Neves, 2013, p. 587). De acordo com Zavascki os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma origem comum (p. 39, 2008).
Vale ressaltar que o patrimônio moral tem por caracteres ser pessoal e individual, razão porque é, em regra, tutelado por meio de ações individuais. Entretanto, ao ocorrer uma lesão que atinja um número expressivo de pessoas, qualificam-se os direitos, em seu conjunto, como individuais homogêneos, o que permite sua tutela coletiva, tal como os direitos transindividuais.
2.1 TUTELA COLETIVA DOS DANOS MORAIS
No tocante aos danos morais coletivos, são aqueles que atingem, ao mesmo tempo, vários direitos de personalidade de pessoas determinadas ou determináveis.
De acordo com Carlos Alberto Bittar:
(...) o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). (BITTAR, 2005) (grifo acrescido)
Explica ainda o autor retrocitado que:
Ocorrido o dano moral coletivo, que tem um caráter extrapatrimonial por definição, surge automaticamente uma relação jurídica obrigacional que pode ser assim destrinchada: a) sujeito ativo: a coletividade lesada (detentora do direito à reparação); b) sujeito passivo: o causador do dano (pessoa física, ou jurídica, ou então coletividade outra, que tem o dever de reparação); c) objeto: a reparação - que pode ser tanto pecuniária quanto não-pecuniária. Sobre essa relação incide a teoria da responsabilidade civil. (BITTAR, 2005) (Grifo Acrescido).
Outrossim, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) admite de maneira expressa a prevenção e reparação dos danos morais difusos e coletivos, como dispõe o artigo 6º, inciso VI:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
A propósito, Tartuce, em relação aos danos morais coletivos, defende que a responsabilidade civil não pode ser dissociada da proteção à pessoa humana e de sua dignidade como valor intrínseco a sua existência, ao destacar os objetivos que as indenizações assumem perante o meio social (2009, p. 425).
Atestada, portanto, a proteção legal aos direitos consumeristas patrimoniais e morais, tanto na esfera individual quanto na coletiva, deve-se buscar uma ferramenta efetiva de fazê-los prevalecer sobre a atuação reiterada do fornecedor de bens ou prestador de serviços, por este auferir vantagens pecuniárias mediante suas práticas ilícitas.
O surgimento de novas nuances sobre as relações consumeristas, exige que a técnica jurídica passe a ser utilizada de modo a permitir a adaptação do Direito às demandas requeridas pelo meio social. A tutela coletiva representa progresso nesse aspecto, já que as ações coletivas surgem como instrumento viável à proteção do consumidor.
Surge, então, uma indagação: de que forma, a que tempo e em que casos a tutela coletiva serve de proteção aos direitos materiais e, sobretudo, aos não patrimoniais para que esses não sejam reduzidos à pecúnia – enriquecimento ilícito ou sem causa seja para o consumidor?
Para uma resposta satisfatória, passa-se ao estudo da tutela inibitória, que, instrumentalizada pelas ações coletivas, apresenta-se como instituto a prevenir ou impedir a repetição do ato ilícito.
3. A TUTELA INIBITÓRIA COMO FORMA PREVENTIVA A DANOS AO CONSUMIDOR
3.1 CONCEITO DE TUTELA INIBITÓRIA E SUA DIFERENCIAÇÃO DA TUTELA RESSARCITÓRIA
O principal escopo da tutela inibitória é sua função preventiva que advém da necessidade de um procedimento a impedir a prática, a repetição ou a continuação de um ilícito. Sua importância verifica-se imprescindível em um ordenamento jurídico que se empenha em dar efetividade aos direitos patrimoniais e, principalmente, aos extrapatrimoniais. Afinal, os cidadãos devem ter a sua disposição instrumentos processuais adequados para resguardar seus direitos.
A tutela inibitória é reflexo da tomada de consciência de que os direitos precisam ser tutelados, não apenas de maneira repressiva, mas, igualmente, de forma preventiva. O fundamento principal da inibitória está na preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e em assegurar o direito de acesso à justiça perante ameaça de lesão a direitos (art. 5º, XXXV, CF).
Marinoni assim conceitua a tutela inibitória:
Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à reparação do dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela ressarcitória é saber quem deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano ser ressarcível ter sido produzido ou não com culpa. (2012, p. 32)
De fato, a tutela inibitória configura-se como uma tutela preventiva, apresentando-se em momento anterior a prática do ilícito. Todavia, lesionado o direito, a tutela inibitória continua a ter efetiva aplicabilidade ao se contrapor a continuação ou repetição do ilícito.
Convém esclarecer que a tutela inibitória encontra previsão na Carta Magna e no ordenamento jurídico infraconstitucional pátrio, mais especificamente no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, como será explicado no tópico 3.3.
Com efeito, embora a tutela inibitória seja tutela atípica, o ordenamento jurídico, além de não proibi-la, abre oportunidade às sentenças mandamentais e executivas fazerem seu uso, sem qualquer referência à situação específica de direito substancial, já que restringem a utilização da multa a situações específicas (MARINONI, p35, 2012).
Como se pode verificar não há óbice no ordenamento jurídico brasileiro para o emprego do instituto.
Vale ressaltar, por oportuno, seu distanciamento em relação à indenização ressarcitória. Em primeiro lugar, a tutela inibitória configura-se, eminentemente, como tutela preventiva, cujo objeto é inibir o ilícito, apresentando-se em momento anterior a prática deste. Volta-se, portanto, a momento futuro, diferente da tutela ressarcitória, que aponta inexoravelmente ao passado.
Por outro lado, o caráter ressarcitório não combate o dano - como ocorre com a indenização ressarcitória oriunda da teoria do desestímulo - mas contrapõe-se ao ilícito, objetivando conservar a integridade do direito, como será explanado em detalhes no tópico seguinte.
De antemão, reforça-se a importância latente da tutela inibitória, não apenas porque alguns direitos não podem ser adequadamente reparados ou compensados, mas, principalmente, pela máxima de ser melhor prevenir do que reparar ou compensar.
Em seguida, a segunda diferença diz respeito à discriminação dos valores punitivos. Na indenização comumente utilizada nas cortes nacionais, ao fazer uso da teoria do desestímulo no arbitramento do valor do dano moral, o judiciário combina o critério compensatório com o punitivo, tornando impossível verificar a medida da sanção aplicada.
A seu turno, em sede de tutela inibitória, o valor correspondente à multa é desvinculado de qualquer indenização, pois aquela se trata de ação autônoma que atinge o ilícito e não leva em conta reparação patrimonial ou moral.
Por fim, como terceira diferença está a destinação do montante obtido com a ação. Enquanto na indenização ressarcitória o valor obtido é destinado à vítima do ilícito, o valor alcançado pela multa da inibitória é revertido a um fundo criado para este fim, o que evita o enriquecimento sem causa (tópico 3.4 no corrente trabalho).
3.2 A TUTELA INIBITÓRIA E O COMBATE AO ATO ILÍCITO
Ato ilícito pode ser conceituado como a conduta humana que fere direitos subjetivos privados, por estar em desacordo com a ordem jurídica, e, via de regra, acarreta dano, tal como explica Tartuce (2009, p. 315).
Em verdade, Marinoni esclarece que o dano é uma consequência meramente eventual e não necessária ao ato ilícito, que, para existência deste, basta ser o ato enquadrado no ordenamento jurídico como tal.
Explica o autor que a tutela inibitória não é voltada para a probabilidade do dano, mas contra o perigo da prática, da repetição ou da continuação do ilícito, compreendido como ato contrário ao direito que advém da configuração do dano (2012, p. 39).
Com efeito, o dano não é requisito indispensável da tutela inibitória, pois ela é voltada ao futuro de forma a ser genuinamente preventiva quando em sua forma pura, ao passo que a tutela ressarcitória enfoca tão somente em reparar o dano oriundo da prática do ato ilícito.
Problemática é à questão probatória a ser analisada pelo judiciário. Marinoni explica não ser imperativo provar o dano, já que este não é requisito necessário à tutela inibitória. Deve-se demonstrar, tão somente, se o ato configura-se em desacordo com a ordem jurídica vigente. É a verificação da probabilidade/potencialidade de sua prática, já que ele ainda não ocorreu (2012, p. 49). É a chamada tutela inibitória pura, onde a finalidade preventiva se destaca. Diante dessa hipótese, deve-se demonstrar em juízo que o ato a ser praticado no futuro se enquadra na moldura legal que o proíbe.
Por sua vez, para se requerer a tutela inibitória com o objetivo de fazer cessar atos ilícitos continuados (ou seja, já manifestos), basta a constatação de o ato praticado enquadrar-se na proibição legal, presumindo sua repetida prática ao longo do tempo. Neste caso, embora a tutela inibitória perca seu caráter preventivo – puro – , continua eficaz no sentido de prevenir a reiteração da prática ilícita.
Reforça-se que a análise feita pelo judiciário nas ações de tutela inibitória é sobre a ocorrência, não do dano, mas do ilícito.
Explicados os conceitos gerais e pressupostos da tutela inibitória, este trabalho passa a abordar como a referida tutela pode ser considerada na defesa de interesses coletivos, em especial, do Direito do Consumidor diante da prevenção de atos ilícitos e da cessação de ilícitos reiterados.
3.3 A TUTELA INIBITÓRIA NO PLANO DA COLETIVIDADE E SUA ABORDAGEM NO DIREITO DO CONSUMIDOR
No âmbito do direito do consumidor, a tutela inibitória preventiva (pura) está prevista nos artigos 83 e 84 do CDC.
O artigo 84 do Código de defesa do Consumidor dispõe que:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Já o artigo 83 do mesmo diploma legal afirma que, para a defesa dos direitos e interesses consumeristas, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Ao conjugar o artigo 84 com o artigo 83 do CDC, constata-se o princípio da efetiva e adequada tutela jurídica aos direitos do consumidor o que, por evidente, abarca a tutela inibitória que objetiva cessar ato ilícito já praticado e também a tutela preventiva, chamada pura.
Ademais, o artigo 90 do CDC, estabelece que se apliquem às ações consumeristas as normas da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Processo Civil.
Por toda esta interpretação legal, afirma Scheiber, não haver qualquer parcela de dúvida que os artigos 83 e 84 do CDC sustentam a possibilidade da tutela inibitória pura para qualquer direito difuso ou coletivo (2013, p. 80).
Conquanto, sobre a tutela inibitória a lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 11, aduz que:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. (Lei 7.347/85, Grifo Acrescido)
Verifica-se que o dispositivo legal colacionado adota a forma de tutela inibitória que tem por finalidade cessar a prática do ato ilícito já praticado.
Para um entendimento mais amplo, deve-se mencionar o disposto no art. 12, parágrafo segundo, da supracitada Lei, que prevê a possibilidade de “o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo” (caput) e que “a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento” (§2º).
Como apontado, os artigos 11 e 12, §2, da Lei da Ação Civil Pública prevêem a tutela inibitória que objetiva cessar ilícito já ocorrido, sem que haja nesse diploma legal disposição expressa da tutela inibitória denominada pura (preventiva).
Deve-se frisar que na maioria das vezes o ilícito já foi praticado, havendo receio de sua continuação ou repetição, no entanto, a tutela coletiva pura apesar de pouco utilizada na prática mostra-se relevante em razão de evitar que ocorram transgressões a direito dos consumidores.
Em resumo, os artigos 83 e 84 do CDC conjugados com o artigo 11 da Lei de Ação Civil Pública amparam a tutela inibitória em todas as suas formas, seja para fazer cessar o ilícito ou mesmo impedir que ele ocorra.
3.4 O PAPEL DA MULTA NA TUTELA INIBITÓRIA
A tutela inibitória faz uso da multa para ter sua efetividade no impedimento da prática e reiteração de atos ilícitos na esfera do direito do consumidor, tal como previsto do artigo 84 do CDC e 461 do Código de Processo Civil. Encontra, portanto, a sanção pecuniária, amparo legal.
Logo, a multa objetiva pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, visando à prevenção do ilícito mediante o impedimento de sua prática, de sua repetição ou de sua continuação.
A propósito, é na multa que reside a maior diferença entre a tutela inibitória e a indenização ressarcitória.
Na indenização ressarcitória - embebida pela teoria do desestímulo - o valor pecuniário que objetiva embaraçar a prática causadora de dano vem embutido no dano moral, e o montante é atribuído exclusivamente a vítima deste.
Por sua vez, a tutela inibitória, faz uso da multa, que é desvinculada de qualquer indenização patrimonial ou moral. A pecúnia que terá de despender o demandado, caso ele descumpra a determinação judicial, tem destinação diversa da dada pela tutela inibitória, como explicado ainda nesse tópico.
Como explanado por Marinoni, a multa, em sua essência, tem natureza coercitiva, porque se impõe sobre a vontade do réu, e se destina a convencê-lo a cumprir a ordem judicial.
O autor afirma ainda que para a multa constituir uma autêntica forma de repressão sobre o réu, torna-se indispensável sua fixação com base em critérios que lhe permitam atingir o seu fim, que é garantir a efetividade da tutela jurisdicional. (2012, p. 184).
Salienta-se que, para convencer o réu a adimplir, deve a sanção ser fixada em um valor suficiente para fazer com que o demandado constate ser menos oneroso cumprir a determinação judicial do que praticar o ilícito.
Quando se trata de direitos não patrimoniais, ou de direitos que dificilmente podem ser reduzidos à pecúnia, deve-se dar ao magistrado poder necessário para fixar o valor da multa de modo que atinja, no caso concreto, os fins inibitórios a que se destina. E para a correta mensuração do valor, um estudo especial deve ser realizado.
Portanto, a análise contábil da condição sócio-econômica do causador do dano - quando for este fornecedor de bens ou prestador de serviços -, torna-se indispensável, a fim de que o valor da indenização seja suficiente para fazer a parte transgressora recuar em suas práticas ilícitas, mas sem afetar de sobremaneira a atividade empresária, devido à sua função social consistente em criar empregos e abastecer a sociedade com produtos e serviços prestados.
Questão relevante, no tocante à multa, diz respeito a quem deve ser seu beneficiário. Nesse fato, reside, inclusive, a maior diferença entre a tutela inibitória e a teoria do desestímulo difundida nas cortes nacionais. Já que esta dá margem ao enriquecimento sem causa da suposta vítima pelo fato da quantia, a título de punição, ser atribuída a esta, parte demandante da ação (SCHREIBER, p. 213, 2013).
Em consonância, os artigos 287 e 461, § único do Código de processo Civil, e o art. 84, §2º do CDC, afirmam que a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa, mas não dispõem sobre o destino de seu recolhimento. A carência de indicação pode levar à interpretação de que a multa é devida à vítima, não ao Estado, tanto nas ações individuais quanto nas coletivas, como argumenta Rizzardo (p. 728, 2005).
Caso se traga o entendimento de Rizzardo para o âmbito da tutela inibitória, a sanção desta estaria passível das mesmas críticas atribuídas à teoria do desestímulo.
Entretanto, Marinoni não concorda com essa perspectiva. Afirma ser a função da multa garantir, precipuamente, a efetividade das decisões do juiz, ainda que, mediatamente, seu objetivo seja tutelar o direito das vítimas de ilícitos. Ressalta, ainda, que mesmo quando a multa é requerida pela vítima do dano, nas ações individuais, serve esta apenas para pressionar o réu condenado a adimplir a ordem do juiz, não considerando racional que ela se reverta para o patrimônio dos lesionados, como se tivesse um fim indenizatório (2012, p. 188).
Corroborando a afirmação de Marinoni, Lenza (2003, p. 152) destaca que o valor arrecadado em razão de multas fixadas em ações que tenham por objetivo interesses coletivos deverá ser destinado ao fundo disposto na Lei de Ação Civil Pública:
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar das ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos, faz expressa remissão ao art. 13 da Lei de Ação Civil Pública:
Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.
Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985. (Grifo Acrescido).
Por todo o exposto, a multa destaca-se como forma de efetivar a tutela inibitória diante de fornecedores e prestadores de serviços, pois os impele, perante o risco de sanção pecuniária considerável, a cumprir determinação judicial.
Assim, seu montante deve atender aos anseios sociais, sem, contudo, deixar de observar o papel social da atividade empresária. Deve, então, ser realizado um estudo econômico/contábil no caso concreto para fixar o valor adequado à situação específica objeto de apreciação judicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo justifica-se pela carência de uma sistematização ao tratamento judicial dado em casos de ilícitos praticados reiteradamente por fornecedores de produtos e serviços em detrimento dos direitos dos consumidores.
Quis-se demonstrar que o fornecedor realiza uma mera análise econômica do que é mais vantajoso: não praticar ilícitos ou praticá-los e assumir o risco de responder judicialmente pela transgressão a direito do consumidor.
Vê-se que, tendo em vista a mera indenização reparatória aplicada pela maioria dos julgadores, é mais proveitoso economicamente ao fornecedor ou prestador de serviços, transgredir direitos do consumidor em razão deste ter pouco esclarecimento sobre seus direitos e dificuldade de acesso à justiça.
As lesões aos consumidores, devido à estrutura econômica hodierna, com produção e consumo em larga escala, em face da necessidade de acesso a produtos e serviços, muitas vezes, indispensáveis a uma existência digna, propiciam danos patrimoniais, não apenas sobre o consumidor individualmente considerado, mas sobre à coletividade submetida às condições impostas unilateralmente pelos empresários. .
O caráter coletivo dos danos infligidos ao consumidor é latente, pois os ilícitos praticados pelo fornecedor têm o condão de atingir direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Esses direitos, tratados em sua coletividade, se destinam a salvaguardar a dignidade da população e são reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, tanto constitucionalmente, quanto na esfera infraconstitucional, com destaque para o Código de Defesa do Consumidor e para a Lei de Ação Civil Pública.
Nesse contexto, as ações coletivas são instrumentos de proteção populacional que está à mercê de práticas abusivas.
Constatada à necessidade e legitimidade em tutelar os direitos consumeristas coletivos atingidos por práticas ilícitas dos fornecedores de bens ou serviços, passou-se a analisar as ferramentas propostas pela doutrina, a fim de suprir à necessidade premente de proteção jurisdicional à parte vulnerável da relação de consumo.
As ações coletivas a que aludem o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública mostram-se como instrumentos eficazes para a concretização de uma tutela que tem por escopo impedir abusos aos direitos consumeristas. A chamada tutela inibitória.
A tutela inibitória é um instituto de prevenção do ilícito e requer a mera probabilidade da prática, da repetição ou da continuação do ilícito, do qual o dano é apenas eventual, ou seja, não necessariamente existe lesão.
Além disso, a tutela inibitória se volta a momento futuro, razão por ser chamada também de tutela preventiva.
O presente trabalho demonstra que a ação inibitória é garantida constitucionalmente (art. 5º, XXXV, CF/1988) e no Código de defesa do Consumidor, em ser art. 84 e nos arts. 11 e 12 da Lei de Ação Civil Pública, muito embora, nesta última, não em sua acepção pura, ou seja, preventiva.
No que concerne à força coercitiva da tutela inibitória, esta reside na aplicação de multa pecuniária, cujo montante deve ser fixado corretamente através de análise por especialista econômico/contábil, a fim de coibir o ilícito por parte dos fornecedores e prestadores de serviços, ao tornar desvantajoso adotar ou reiterar práticas abusivas ou consumidor sem prejuízo à continuidade da atividade econômica da empresa. Ressalta-se que ao aplicar a referida tutela, dois valores devem ser considerados: a indenização dos que tiveram sofreram o dano moral, sendo assim compensados e outro montante a título pedagógico a ser destinado a um fundo de proteção, o que depende dos direitos atingidos pela conduta ilícita do fornecedor.
De certo, para se obter a maior efetividade da tutela inibitória, ela deve ser instrumentalizada por meio das ações coletivas, a fim de que a proteção ao consumidor extrapole os limites do individual e atinja os chamados direitos transindividuais e individuais homogêneos.
A tutela inibitória, pelas razões discorridas neste trabalho, está apta a ser adotada de forma plena no ordenamento jurídico brasileiro no âmbito do direito do consumidor, tendo em vista o respaldo legal de sua implantação e a notória carência de uma proteção mais ampla aos consumidores.
Ante o exposto, a adoção de aplicação sistemática e efetiva da tutela inibitória repercutiria na aplicabilidade do Direito, uma vez que atenta para operacionalidade do sistema jurídico nacional, na medida em que ressalta os benefícios de se utilizar a tutela inibitória por meio de ações coletivas no âmbito do direito do consumidor ao prevenir a ocorrência de danos em larga escala e contribuir para resguardar direitos inerentes à dignidade humana, muitas vezes reduzidos à pecúnia pelo fornecedor, na órbita das relações de consumo.
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Professor de Direito do Consumidor e Direito de Família e Direito das Sucessões da Faculdade Joaquim Nabuco. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela UFPE (2013) e Mestrando em Antropologia, com enfoque em entidades familiares pela UFPE. Advogado inscrito na OAB/PE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVACANTI, João Paulo Lima. A tutela inibitória, suas características e sua aplicação como forma de prevenção de danos no âmbito do direito consumerista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46169/a-tutela-inibitoria-suas-caracteristicas-e-sua-aplicacao-como-forma-de-prevencao-de-danos-no-ambito-do-direito-consumerista. Acesso em: 22 nov 2024.
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