Resumo: O presente artigo versa sobre a prática do insider trading, com foco na discussão sobre a legalidade ou não dessa prática nas sociedades anônimas, com exposição das razões éticas e econômicas para vedá-la ou permití-la. Será também esclarecido que na legislação brasileira, o combate ao insider trading é realizado mediante normas preventivas e repressivas E, nesse context, serão abordados os aspectos e critérios para que seja configurado o ilícito nas searas civil, administrativa e penal no caso das normas repressivas. Por fim, serão brevemente abordados alguns exemplos de casos famosos de insider trading que ocorreram nos Estados Unidos e no próprio Brasil.
Palavras-chave: mercado; eficiência do mercado; transparência de informações; informações privilegiadas; insider trading; investidores; regulação; ilícito.
1. Introdução
A eficiência do Mercado abrange a capacidade de reação das cotações às novas informações, pois quanto mais rápida a reação, mais eficiente, sendo ideal que o mercado reflita única e exclusivamente informações publicamente disponíveis. E também que a alocação de recursos pelos investidores ocorra nas empresas mais produtivas e rentáveis. Tais objetivos são alcançados com legislação de disclosure (transparência de ?informações) e pela repressão ao insider trading .
A sociedade anônima, tipo societário mais comum para a organização do grande capital, depende da presença de investidores. Estes, por sua vez, precisam sentir segurança ao aplicar seu dinheiro. Assim, a fim de proteger o interesse dos investidores e o correto desenvolvimento do mercado de capitais é que surge a necessidade de uma política intervencionista estatal, através de normas de organização e funcionamento do mercado.
2. Definição de Insider Trading
As normas regulatória impõem responsabilidades e deveres aos administradores, acionistas, membros do Conselho Fiscal e outros, nas companhias abertas. São deveres como de lealdade, de informar e de sigilo, com o objetivo de preservar informações que, se divulgadas prematuramente, podem influenciar a cotação das ações, trazendo vantagens indevidas a quem teve conhecimento de dados que, por algum motivo, ainda não poderiam ser revelados ao mercado. A expressão insider trading refere-se à comercialização de valores mobiliários de uma sociedade envolvendo o uso de uma informação ainda não divulgada, conhecida apenas por pessoas a ela vinculadas.
Segundo o professor Eizirik, o insider trading consiste na utilização de informações relevantes sobre valores mobiliários, por parte de pessoas que, por força de sua atividade profissional, estão “por dentro” dos negócios da emissora, para transacionar com os valores mobiliários antes que tais informações sejam de conhecimento público. Assim, os lucros obtidos pelo insider são decorrentes do uso, em proveito próprio, de informação confidencial da empresa, que teve acesso pela posição ocupada.
No Brasil, tal expressão é comumente designada como negociação com base em informações privilegiadas ou uso indevido de informações privilegiadas. No entanto, a segunda definição requer cuidado, pois há quem defenda que existe um tipo de insider trading que é considerado legal. Como por exemplo, o caso do administrador de uma companhia aberta que negocia ações de sua emissão no mercado de acordo com a política de negociação estabelecida pela referida companhia.
Nesse contexto, a compreensão dos objetivos da regulação do mercado de capitais brasileiro mostra-se de suma importância, uma vez que é a partir destes objetivos que a legislação de combate ao insider trading se origina, notadamente após 2001, quando a Lei 6.385 de 1976 foi modificada para, dentre outras mudanças, incluir como objetivo expresso o combate ao “uso de informação relevante não divulgada ao mercado de valores mobiliários”.
3. Razões econômicas e éticas para proibir ou permitir
Em certa medida, a proteção ao investidor está intimamente ligada à proteção da própria saúde do mercado. Isso porque os investidores devem poder acreditar que seus retornos em aplicação no mercado de capitais estarão ligados aos riscos normais dos investimentos. Caso contrário, tenderão a não aplicar, ou a retirar seus recursos domercado buscando outras opções de investimento. Assim, para parte majoritária da doutrina, a regulação desempenha papel fundamental na diminuição de riscos derivados de comportamentos ilícitos, que tornem artificiais as cotações dos títulos negociados e que abalem a confiança dos investidores.
Nesta linha, a doutrina majoritária sustenta que a negociação com base em informações privilegiadas tenderia a reduzir o nível de eficiência do mercado, uma vez que certo grupo de pessoas negociaria com base em informações não disponíveis ao público e, portanto, não refletidas na cotação dos valores mobiliários negociados. Noutro sentido, os defensores do insider trading argumentam que o uso de informações privilegiadas conferiria maior eficiência ao mercado, pois tais informações ainda não divulgadas poderiam ser incorporadas ao preço dos valores mobiliários de forma mais rápida caso aqueles que as possuíssem pudessem com base nelas negociar. De todo modo, a proteção dos investidores e a busca pela eficiência do mercado se mostra presente independentemente da corrente adotada.
Nota-se, assim, que tanto a proteção dos investidores quanto a busca por uma mercado mais eficiente estão intimamente ligadas à legislação de disclosure, isto é, às regras que exigem a divulgação de informações pelos emissores de valores mobiliários, que devem ser verdadeiras e claras, de modo a não encobrir nenhum fato importante.
No entanto, é baixo risco de ser condenado pela pratica de insider trading, pois é grande a dificuldade em se identificar, processar e condenar as pessoas que se utilizam de informações privilegiadas, o que pode causar o efeito inverso daquele pretendido pelas leis de combate, tornando o mercado de capitais menos eficiente. Nesse rumo, alguns defendem que a legalização do insider permitiria que a CVM concentrasse seus esforços na fiscalização e regulamentação em outras questões igualmente relevantes para o mercado de capitais, desonerando a autarquia da responsabilidade de combater uma pratica extremamente difícil de ser eficazmente detida.
Nesse sentido, a principal diferença entre aqueles que defendem a proibição do insider e os que propõem a sua legalização reside no fato de que enquanto os primeiros entendem que as negociações no mercado de capitais só podem se dar com base nas informações publicamente disponíveis que estejam refletidas no preço das ações, os segundos sustentam que a simetria informacional plena nunca será atingida, logo, seria, mais eficiente para o mercado se aqueles que tem acesso a tais informações pudessem negociar, atuando como mais um canal de informações a ser refletido na cotação das ações.
Assim, a defesa da legalização se pauta no argumento de que o insider treading melhora a eficiência do mercado, diminuindo o problema da assimetria informacional, que é inevitável. Nesse sentido, a legalização permitiria que aqueles, que na grande maioria dos casos tomam conhecimento de informações relevante da companhia antes, negociassem com base em tais informações, afetando a cotação das ações e direcionando-a para o valor certo. O insider, portanto, contribuiria para uma precificação mais precisa dos ativos negociados no mercado.
Assim, proibir o insider treading pode se mostrar não só prejudicial aos investidores mas também uma forma falha de alcançar um mercado mais eficiente, pois mesmo que algumas formas de insider sejam parcialmente coibidas, outras sempre continuarão a existir livres de qualquer punição. E ainda, legalizar o insider faria com que as informações fossem divulgadas de forma mais rápida, constribuindo para a melhora da divulgação ampla e completa das informações.
Ainda, um outro aspecto que pode corroborar com a tese de legalização do insider é que, em muitos casos, mesmo que o insider consiga obter ganhos com informação privilegiada, seus ganhos são tão pequenos que não afetam o mercado como um todo e, portanto, não afetam o investidor. E ainda, as empresas que tem ações negociadas também não seriam afetadas, salvo as shareholders.
No entanto, apesar dos profundos debates nesse tema, a proibição do insider continua sendo um enigma jurídico e econômico. Não ha nenhuma teoria completamente satisfatória que explique a proibição da forma como ela existe, e, ainda, a falta de justificativas satisfatórias para a proibição é particularmente perturbadora em vista das sanções existentes e da baixa probabilidade de punição.
4. Critérios de configuração do ilícito
O combate ao insider trading é realizado mediante normas preventivas e repressivas. As preventivas estão ligadas à promoção do sistema de disclosure, impondo a obrigação de informar. As normas repressivas vedam o uso de informações privilegiadas, cominando sanções de natureza civil, administrativa e penal.
A Lei 6.404/76 representou uma grande inovação ao combate ao insider trading, trazendo as primeiras normas efetivamente repressivas e preventivas. O principal dispositivo de natureza preventiva é o artigo 157 que, inspirado no duty of disclosure do direito societário norte-americano, instituiu o dever de informar para os administradores das companhias abertas. No entanto, antes da inserção do par. 6º feito pela Lei 10.303 /01, a regra contida no caput do art. 157 era considerada não efetiva. Após o parágrafo, os administradores passaram a estar obrigados a informar imediatamente à CVM e às bolsas de valores do mercado de balcão organizado quaisquer modificações em suas posições acionárias.
A responsabilidade na esfera civil existe apenas para os insiders que efetivamente estão dentro da companhias (administradores, diretores, acionistas controladores, empregados da empresa), isso porque, segundo Eizerik, são insiders que efetivamente estão dentro da empresa que estão submetidos ao princípio do disclosure. Mas há quem defenda que, a partir do §4° do artigo 155 da Lei Societária, incluído pela Lei 10.303/01, que veda a qualquer pessoa a utilização de informação relevante ainda não divulgada, com a finalidade de se obter vantagem no mercado de valores mobiliários, que a responsabilidade civil pode incidir sobre qualquer pessoa. Nessa esfera civil, esta prática gera a responsabilização do administrador pela recomposição dos prejuízos causados aos investidores.
No que tange a responsabilidade administrativa, a proibição ao uso de informações privilegiadas está basicamente prevista na Lei 6.404/76 e na Instrução CVM 358/02. Assim, aqueles que se utilizam de informações relevantes e sigilosas as infringem, sujeitando-se, portanto, as sanções administrativas previstas na Lei 6.385/76. A imposição de multa pela CVM, no âmbito da responsabilidade administrativa, é a mais usada no Brasil.
A responsabilidade penal pela pratica do insider trading passou a ser prevista pela lei 10.303, que acrescentou o art. 27-D à Lei 6.385. Atualmente, mesmo tipificado, a responsabilização penal encontra obstáculos. O principal diz respeito ao sujeito ativo do tipo, uma vez que o artigo previu que o crime de uso indevido de informações privilegiadas é cometido “por aquele que tenha conhecimento e deva manter sigilo sobre informação relevante ainda não divulgada ao mercado”. Dessa forma, a doutrina majoritária entende que somente pessoas que por lei ou Instrução da CVM, tem o dever de guardar sigilo, podem ser penalmente responsabilizadas pelo crime. De Sanctis, em contrapartida, entende que, muito embora se exija do sujeito ativo a obrigação de sigilo, trata-se de crime comum, prescindindo, portanto, do nexo de causalidade entre o conhecimento do sigilo e o cargo ocupado pelo agente, escoltado pelo par. 4º do artigo 155 da Lei das SAs.
Quanto a ser crime formal ou material, também existem divergências. Eizerik argumenta, no sentido de que, não obstante a inexistência de exigência expressa da obtenção de vantagem, o crime do art. 27-D é material e se consuma com a produção do resultado danoso, sob o fundamento de que a pena aplicável exige a cumulação da pena de reclusão com a pena de multa. Em sentido diametralmente oposto, Proença defende que o crime insider trading é formal, consumado com a agressão ao bem jurídico protegido, no caso, a confiabilidade e a eficiência do mercado, sem necessidade da obtenção de vantagem pretendida, ou da lesão dos investidores que negociaram em desvantagem.
O tipo subjetivo da conduta criminosa em apreço é caracterizado, pelo dolo. Não o dolo simples, mas sim o dolo especial, com o fim de se obter a vantagem ilícita por meio da negociação de valores mobiliários quando do uso de informação relevante ainda não divulgada. Assim, o insider deve desejar o resultado da vantagem indevida, não bastando a simples consciência da ilicitude.
A prática não ocorre apenas em terras brasileiras. Os Estados Unidos possuem diversos casos exemplares de punição aos insiders. O mais emblemático foi do executivo Raj Rajaratnam, que foi sentenciado em 11 anos de prisão, por casos de insider trading com ações do banco Goldman Sachs, no ápice da crise financeira mundial, em 2009. Nomes como Martha Stewart, apresentadora de TV nos Estados Unidos, e Ivan Boesky, que inspirou o personagem de Gordon Gekko (Michael Douglas) no filme Wall Street, também foram acusados e condenados.
No Brasil, o caso mais famoso ocorreu durante a fusão da Sadia com a Perdigão. Após as reuniões sobre a aquisição da Perdigão, o ex-diretor de Finanças da Sadia e o ex-membro do Conselho de Administração da mesma empresa, compraram as ações da companhia na bolsa de Nova York. Como resultado, foram réus da primeira sentença condenatória proferida no Brasil pela prática do delito de “uso de informação privilegiada”, proferido pelo juiz federal Marcelo Cavali, da 6ª Vara Criminal de São Paulo.
5. Conclusão
A definição de insider trading, ainda não pode ser considerada como um conceito fixo, pois muitas são as discussões em torno do que, de fato, é definido com a prática do insider trading, e, ainda, inúmeros são os fundamentos tanto para defender como para se opor à legalidade da referida prática. Mas certo é que o insider trading é proibido no Brasil, e não pode ser praticado no país, estando positivado em Leis e Instrução da CVM a vedação à prática. No entanto, poucos são os casos de condenação, e isso pode ser explicado pela enorme dificuldade da configuração e comprovação da prática.
6. Referências Bibliográficas
1. EIZIRIK, Nelson; B. GAAL, Ariadna; PARENTE, Flavia; DE FREITAS FENRIQUES, Marcus. Mercado de capitais: regime jurídico. 2.ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008;
2. CORDEIRO, Luiz Felipe Gonçalves. Insider Trading e o Mercado de Capitais: tratamento legal, casos concretos e a ineficiência econômica de seu combate. 255 p. Monografia (Graduação em Direito): Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2013.
3. BRASIL. Instrução CVM nº 358, 3 de janeiro de 2002. Disponível em [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6385.htm]. Acesso em: 10 de fevereiro de 2016;
4. BRASIL. Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, 1976. Disponível em [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L6404compilada.htm]. Acesso em 13 e fevereiro de 2016;
5. BRASIL. Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Brasília, 1976. Acesso em 2 de março de 2016
6. MORAES, Melina. A Figura do Insider Trading no Brasil. JusBrasil. Disponível em < http://melinamps.jusbrasil.com.br/artigos/148391458/a-figura-do-insider-trading-no-brasil>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2016
Graduanda na Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Lara Sena Scapetti. O Insider Trading: razões éticas e econômicas para proibir ou permitir sua prática À luz da eficiência do Mercado de Capitais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46248/o-insider-trading-razoes-eticas-e-economicas-para-proibir-ou-permitir-sua-pratica-a-luz-da-eficiencia-do-mercado-de-capitais. Acesso em: 22 nov 2024.
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