RESUMO: O presente trabalho monográfico tem por escopo realizar um estudo sobre o panorama atual envolvendo a incidência do ICMS – Mercadorias, tendo em vista as recentes alterações constitucionais envolvendo a temática. No primeiro momento, realizar-se-á análise sobre a fenomenologia da incidência tributária e a Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT), especialmente no tocante ao imposto supramencionado, destrinchando os critérios integrantes do antecedente normativo (material, espacial e temporal), bem como do consequente normativo (pessoal e quantitativo), aptos a gerar a relação jurídico-tributária entre os sujeitos ativo e o passivo e todos os efeitos que lhe são próprios. Por oportuno, serão ponderados valores envolvendo a forma federativa do Estado brasileiro, com suas particularidades, a repartição de competências e o impacto provocado por esse modelo na atuação dos entes federativos quando se tratar de matéria tributária, dando destaque ao federalismo fiscal e a guerra fiscal. É sabido que, no caso pátrio, há grande concentração de atribuições na União, restando às unidades federadas regionais um campo de atuação restrito, razão pela qual o ICMS atua como expressivo protagonista na arrecadação tributária estadual, o que intensifica a disputa entre os Estados-membros. Nesse contexto, serão avaliadas as regras originárias da Constituição Federal (CF) no tocante à incidência do ICMS – Mercadorias nas operações que destinam mercadorias a outros Estados, diferenciando as situações em que o destinatário é consumidor final (ou não), e se é contribuinte do imposto aludido, ou não. Registra-se que, nos últimos anos, a venda de mercadorias através do comércio eletrônico vem ganhando destaque, de modo que, muitas empresas têm se instalado nos grandes centros produtores e distribuidores, localizados notadamente nas regiões Sul e Sudeste. Por outro lado, considerando que os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste acumulam mais consumidores do que produtores e distribuidores, as regras originárias passaram a ser rechaçadas, tendo em vista possível ofensa ao pacto federativo, na medida em que o produto da arrecadação desse tributo, em determinadas operações interestaduais, restavam agrupadas para poucas unidades federadas. Na ocasião também serão consideradas declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal acerca da modificação de tais regras por meio de protocolo firmado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, bem como leis editadas por alguns Estados dispondo no mesmo sentido. Por fim, serão sopesadas as novas regras inseridas na Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 87 de 2015, que, diante dessa conjuntura sobre a venda de mercadorias no comércio eletrônico, alterou a forma de incidência do ICMS – Mercadorias nas operações interestaduais em que o destinatário é consumidor final, porém não contribuinte do imposto, oportunidade em que serão tecidas algumas impressões acerca da inovação constitucional e seu impacto sobre o pacto federativo.
Palavras-chave: ICMS – Mercadorias; Pacto Federativo; Guerra Fiscal; Incidência nas operações interestaduais.
ABSTRACT: This monographic study has a scope to conduct a study on the current situation involving the incidence of the ICMS – Goods, taking into account the recent constitutional changes involving the subject. The first step will be to analyze the phenomenology of the tax incidence and the Rule of Tax Incidence Matrix (TIMR), especially regarding the said tax, by detailing the criteria that is part of the first normative (material, spatial and temporal), as well as the normative consequent (personal and quantitative), able to generate the legal and tax relationship between the active and passive subjects and all the effects they possess. Adequately, the values involving federative form of the Brazilian State the will be weighted, with its peculiarities, the division of powers and the impact caused by this model in the performance of federal entities when dealing with tax matters, highlighting the fiscal federalism and fiscal war.It is known that, in national circumstance, there is a large concentration of powers in the Union, leaving the regional federal units a restricted field of work, which is why the ICMS acts as a significant protagonist in state tax collection, which intensifies the dispute between the States- members. In this context, will be assessed the originating rules in the Federal Constitution (FC) in relation to the incidence of ICMS – Merchandise in transactions directing products to other states, differentiating between situations where the recipient is the ultimate consumer (or not), and whether the recipient is a taxpayer of the aforementioned tax, or not.It is recorded that in in the past few years, the sale of goods through e-commerce has been gaining momentum, in such way that many companies have set in major production and distribution centers, located notably in the South and Southeast regions. On the other hand, considering that the states of the North, Northeast and Midwest accumulate more consumers than producers and distributors, the originating rules began to be rejected, taking into accountpossible offense to the federal agreement, insofar as the product of the collection of this tax in certain interstate operations remained grouped to few federal units. On the occasion will also be considered unconstitutional statements made by the Supreme Federal Court about the modification of such rules by protocol signed under the National Council for Financial Policy– CONFAZ, as well as laws enacted by some states providing the same direction. Finally, the new rules inserted in the Constitution through Constitutional Amendment No. 87 of 2015 will be weighed, which, given this environment for the sale of goods on e-commerce, has changed the form of incidence of ICMS – Merchandise in interstate operations where the recipient is the final consumer, but does not pay the tax, during which will be woven some impressions of the constitutional innovation and its impact on the federal pact.
Keywords: ICMS - Goods; Federative Pact; Fiscal war; Impact on interstate transactions.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – ICMS MERCADORIAS. 2. DO PACTO FEDERATIVO E DA GUERRA FISCAL. 3. INCIDÊNCIA DO ICMS - MERCADORIAS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO. 3.1 ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 87/2015. 3.1.2 Inconstitucionalidade do Convênio nº 21/2011 do CONFAZ e de leis estaduais versando sobre a forma de cobrança do ICMS nas operações interestaduais através do comércio eletrônico. 3.2 APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 87/2015. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico, baseado na normatização vigente, em pesquisa doutrinária, artigos científicos e jurisprudência, tem por objetivo a apreciação pormenorizada da incidência do ICMS – Mercadorias sobre as operações que destinam mercadorias para outros Estados-membros.
O estudo do referido imposto nessas operações reveste-se de alta relevância social, econômica, política e, notadamente, jurídica, dada as características do Estado brasileiro, destacando-se a forma federativa. Isso porque, a Constituição Federal, ao consagrar esse modelo, repartiu as competências, inclusive tributárias, entre os entes federativos, de modo que, de acordo com a preponderância do interesse envolvido, possam todas as unidades desempenhar suas próprias atividades, angariando seus próprios recursos, num processo cíclico.
Tal concepção se mostra importante, pois é através da instituição e arrecadação de tributos, além de outras receitas, que os entes federados podem desenvolver suas políticas públicas e sociais, promovendo seu próprio crescimento. No federalismo, cada ente possui sua própria autonomia, mas existem mecanismos constitucionais de cooperação entre eles, bem como limites para o exercício dessa discricionariedade.
Considerando a concentração de competências na unidade central, a União, o federalismo fiscal é considerado um pacto firmado constitucionalmente entre as unidades federadas para a distribuição do produto da arrecadação das receitas tributárias, apto a gerar o equilíbrio financeiro, privilegiando a igualdade e os valores impostos pelo federalismo. Nesse contexto, além das receitas tributárias típicas, os Estados e o Distrito Federal recebem transferências obrigatórias oriundas de receitas da União, assim como os Municípios também recebem, desta feita, provenientes das receitas dos Estados.
No mesmo sentido, são previstos outros mecanismos para manutenção do pacto federativo e o afastamento da guerra fiscal, tais como a fixação de alíquotas máximas e mínimas pelo Senado Federal nas operações interestaduais e de importação.
Ocorre que, mesmo diante dessas premissas, o federalismo brasileiro se viu ameaçado em razão do crescimento das operações interestaduais realizadas por meio do comércio eletrônico e da insuficiência das regras trazidas constitucionalmente.
Isso porque, há enorme concentração de produtores e distribuidores nas regiões Sul e Sudeste, ao passo que os Estados-membros localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste reúnem mais consumidores não contribuintes que produtores e distribuidores.
Na redação original da Constituição Federal de 1988, constatava-se a existência de três operações interestaduais que previam regras distintas na forma de aplicação das alíquotas e, consequentemente, de distribuição do produto da arrecadação do ICMS – Mercadorias, ensejando o denominado “diferencial de alíquotas”.
Os Estados-membros localizados nessas regiões menos favorecidas defendiam a desproporcionalidade e injustiça da “regra de origem” em que todo o imposto incidente na operação era designado ao Estado de origem, nada restando ao Estado de destino da mercadoria. Por tais razões, vinte unidades federadas firmaram o Protocolo nº 21 de 2011 no âmbito do CONFAZ, que, tão logo, foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte.
Diante do quadro instaurado e da repercussão gerada pela declaração de inconstitucionalidade do referido protocolo, as discussões foram intensificadas até que, em 16 de abril de 2015 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 87, alterando consideravelmente as regras pertinentes às operações interestaduais.
Percebe-se, pois, a relevância da temática, de modo que o presente trabalho monográfico realizará uma análise minuciosa de todos os pontos apresentados, proferindo, ao final, algumas considerações sobre o impacto dessas alterações no equilíbrio do pacto federativo.
CAPÍTULO I - DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – ICMS MERCADORIAS
Inicialmente, é imprescindível tecer algumas considerações gerais sobre a fenomenologia da incidência tributária apresentada pelo mestre Paulo de Barros Carvalho. Enquanto a incidência diz respeito à subsunção do fato à norma, ou seja, ocorrendo a situação prevista no antecedente da norma, que é abstrata e geral, faz surgir o fato, que projeta efeitos no mundo jurídico, desde que guarde identidade com a situação descrita no antecedente da norma, a fenomenologia da incidência tributária ocorre na relação entre o fato jurídico tributário com a norma, formando uma relação jurídico-tributária.
De acordo com Carvalho (2012, p. 252), a “hipótese tributária está para o fato jurídico tributário assim como a consequência tributária está para a relação jurídica tributária”.
O professor Geraldo Ataliba (1999, p.68) destaca que:
A hipótese de incidência é a expressão de uma vontade legal, que qualifica um fato qualquer, abstratamente, formulando uma descrição antecipada (conceito legal), genérica e hipotética. Fato imponível é um fato efetivo, localizado concretamente – porque acontecido, ocorrido – no tempo e no espaço revestido de características individuais e concretas.
Por sua vez, essa relação jurídico-tributária é composta pelo sujeito passivo (aquele que possui o dever jurídico de pagamento do tributo), pelo sujeito ativo (pessoa que possui direito subjetivo ao recebimento da pecúnia) e a prestação pecuniária, sendo que a fenomenologia da incidência tributária engloba os elementos norma, fato e relação jurídica.
Sendo a hipótese de incidência o antecedente da norma abstrata e geral, o fato jurídico tributário é a concretização, no mundo fenomênico, do que é previsto pela norma, fazendo surgir os efeitos jurídicos próprios. Nos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, “opera-se a concreção do fato previsto na hipótese, propalando-se os efeitos jurídicos prescritos na consequência. Mas esse quadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção” (CARVALHO, 2012, p.250).
Verifica-se, pois, que a fenomenologia da incidência pode ser entendida como o sistema formado pela norma jurídica tributária, pelo fato jurídico tributário e pela relação jurídica tributária que surge a partir da incidência da norma ao caso concreto, o que leva à conclusão de que incidência e aplicação podem ser entendidas como sinônimos.
Posto isto, é de se observar que a Regra Matriz de Incidência Tributária, ou simplesmente RMIT, surge nesse contexto, sendo composta pelo antecedente e seu consequente. A questão da nomenclatura do antecedente e suas variantes não se mostra relevante, havendo “de significar, sempre, a descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na consequência” (CARVALHO, 2012, p. 171).
A hipótese tributária nada mais é do que a norma geral e abstrata que prescreve determinada conduta, cabendo ao legislador extrair da vida social comportamentos que merecem especial atenção, sendo relatados em linguagem competente. Uma vez ocorridos no mundo fenomênico esses comportamentos prescritos, projetam efeitos jurídicos, daí se falar em fato jurídico tributário.
Nesse sentido, pertinentes são os ensinamentos proporcionados por Paulo de Barros Carvalho (2012, p.172) ao citar Alfredo Augusto Becker, a saber:
Ao ganhar concretude o fato, instala-se, automática e infalivelmente [...] o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la. Seja qual for a natureza do preceito jurídico, sua atuação dinâmica é a mesma: opera-se a concreção do fato previsto na hipótese, propalando-se os efeitos jurídicos prescritos na consequência. Mas esse quadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção. É aquilo que se tem por tipicidade [...].
Desse modo, passa-se a analisar de forma mais específica a fenomenologia da incidência tributária em sentido estrito, também denominada de regra matriz de incidência tributária, sendo, pois, “uma regra de comportamento, preordenada que está a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o sujeito pretensor, titular do direito de crédito” (CARVALHO, 2012, p.173). De um lado tem-se a norma geral e abstrata, o antecedente normativo ou suposto da norma que é composto pelos critérios material, espacial e temporal, ao passo que do outro está o consequente normativo integrado pelos critérios subjetivo e quantitativo.
Segundo o mestre Carvalho (2012, p.176), no critério material “há referência a um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo (critérios espacial e temporal)”. No entanto, não se mostra interessante a análise do critério material de modo indissociável dos critérios de espaço e tempo, mostrando-se descabida a referência ao critério material, “como descrição objetiva do fato”, isso porque, o critério material é apenas um dos componentes da regra matriz de incidência tributária (CARVALHO, 2012).
Ao final, será possível perceber que todos os critérios estão intrinsecamente ligados, mas é importante a sua distinção, pois, na ausência ou vício em qualquer um deles, a exação será indevida.
O critério material, em regra, está relacionado a uma ação, configurada por um verbo mais um complemento, que pode ser fazer, dar ou tão somente ser de determinada natureza ou grupo, “abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação) como aquelas espontâneas (verbos de estado: ser, estar, permanecer etc.)” (CARVALHO, 2012, p.177).
Sobre o tema, esclarecedoras são as palavras do professor Paulo de Barros Carvalho (2012, p.177):
A invariável presença do verbo, na esquematização formal do suposto normativo, que levemente sublinhamos na obra Teoria da norma tributária. Regressando ao tópico da transcendente importância do verbo, para a definição do antecedente da norma-padrão do tributo, quadra advertir que não se pode utilizar os da classe dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover), porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance. Isso concerne ao sujeito, que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, há de existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos. É forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento.
Nesse sentido, quanto ao ICMS – Mercadorias, o critério material se perfaz no verbo circular acrescido do complemento mercadorias, isto é, fazer circular mercadorias, através da celebração de negócios jurídicos, sendo que tal circulação necessariamente deve ser jurídica e não meramente física, pressupondo aquela a transferência, entre pessoas, da propriedade ou da posse da mercadoria, de modo que sem a ocorrência da alteração da titularidade do bem, não se pode falar em incidência do ICMS - Mercadorias (CARRAZZA, 2011).
Ainda no que diz respeito à matéria, o professor Roque Antonio Carrazza (2011, p.48) observa a importância de recordar “que mercadoria, nos patamares do Direito, é o bem móvel, sujeito à mercancia. É, se preferirmos, o objeto da atividade mercantil, que obedece, por isso mesmo, ao regime jurídico comercial”. E complementa o autor no sentido de que:
O ICMS é devido quando ocorrem operações jurídicas que levam as mercadorias da produção para o consumo, com fins lucrativos. Observamos que, alcançado o consumo, o bem deixa de ser mercadoria e o ICMS não mais pode ser cobrado, a menos que se inicie o ciclo econômico, quando o bem móvel, readquirindo o status de mercadoria, passa a ser vendido agora como sucata, mercadoria usada, etc.
Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo (2015, p.353) asseveram que as operações:
Configuram o verdadeiro sentido do fato juridicizado, a prática de ato jurídico relativo à transmissão de um direito (posse ou propriedade). Ninguém fica obrigado a recolher o tributo pelo simples fato de possuir ou ser proprietário de mercadoria. Aplica-se à venda e à troca de mercadorias (permuta de bens mercantis e equivalentes).
No mesmo sentido, nota-se que, a constatação de ser determinado bem mercadoria, ou não, para fins de incidência do ICMS, está na preordenação para a prática de operações mercantis, de modo que “toda mercadoria é bem móvel corpóreo (bem material), mas nem todo bem móvel corpóreo é mercadoria” (CARRAZZA, 2011, p.49). Logo, Paulsen e Melo (2015, p.359) aduzem que mercadoria:
É o bem corpóreo da atividade profissional do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, como é o caso do ativo permanente. Este conceito sofreu ampliação constitucional, ao submeter o fornecimento de energia elétrica (coisa incorpórea) ao âmbito da incidência do imposto, enquadrando no espectro mercantil (art. 155, § 3º, CF).
Interessante observar que o bem apenas mantém a qualidade de mercadoria enquanto integrante do processo econômico circulatório, pois, após adquirido e inserido no ativo fixo da empresa perde essa característica, a menos que seja reintroduzido no mercado (CALMON, 1993).
Ainda sobre o tema, esclarecedores são os ensinamentos do professor Geraldo Ataliba, citados por Antonio Roque Carrazza (2011), no sentido de que:
A sua perfeita compreensão e a exegese dos textos normativos a ele referentes evidencia prontamente que toda a ênfase deve ser posta no termo “operação” mais do que no termo “circulação”. A incidência é sobre operações e não sobre o fenômeno da circulação.
Quanto ao critério espacial, destaca o mestre Carvalho (2012, p.178) que:
Há regras jurídicas que trazem expressos os locais em que o fato deve ocorrer, a fim de que irradie os efeitos que lhe são característicos. Outras, porém, nada mencionam, carregando implícitos os indícios que nos permitem saber onde nasceu o laço obrigacional. É uma opção do legislador.
Adverte-se que, em alguns casos, o legislador se mostra mais atento à definição do lugar em que se considera exigível a exação, no entanto, em outros há apenas indicações passíveis de dar ao aplicador do direito a compreensão sobre qual lugar deve ser considerado para composição da regra matriz de incidência tributária.
Elucidando a temática, o douto Paulo de Barros Carvalho (2012, p.179) apresenta três situações:
a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico;
b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido;
c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.
No tocante especificamente ao ICMS – Mercadorias, a legislação que o regulamenta apresenta de forma detalhada os requisitos utilizados para definição do critério espacial, destacando-se o artigo 11, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1956, considerando “o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável”:
I - tratando-se de mercadoria ou bem:
a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;
b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária;
c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado;
d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;
e) importado do exterior, o do domicílio do adquirente, quando não estabelecido;
f) aquele onde seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandonados;
g) o do Estado onde estiver localizado o adquirente, inclusive consumidor final, nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo, lubrificantes e combustíveis dele derivados, quando não destinados à industrialização ou à comercialização;
h) o do Estado de onde o ouro tenha sido extraído, quando não considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial;
i) o de desembarque do produto, na hipótese de captura de peixes, crustáceos e moluscos;
Percebe-se, pois, que a referida lei complementar apresenta as diretrizes para definição do critério espacial do ICMS, podendo se enquadrar nas três definições apresentadas pelo professor Paulo de Barros Carvalho, tendo em vista ser possível extrair situações em que o local é aquele em que se dá a ocorrência do fato típico, outras em que se verifica a presença de localidades específicas e outras mais genéricas.
Do artigo 11 da Lei Complementar nº 87/1996 também se extrai a indicação do critério no sentido de definir o local onde acontece a circulação de mercadorias, e, consequentemente, o fato imponível, tendo como referência o estabelecimento empresarial. O parágrafo terceiro do aludido enunciado determina que:
Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:
I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação;
II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular;
III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado;
IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular.
Percebe-se que a definição legal é bastante ampla, incluindo toda localidade, pública ou privada, com ou sem edificação, própria ou de terceiro, em que as pessoas físicas ou jurídicas possam exercer suas atividades de maneira temporária ou permanente, além de armazenarem suas mercadorias.
Nos mandamentos de Marco Aurelio Greco (2005, p.340):
A ideia de estabelecimento supõe o exercício de uma atividade econômica, profissional ou empresarial, vale dizer, a reunião de elementos objetivos (coisas, bens, estruturas, etc.) e subjetivos (pessoas na qualidade de dirigentes, funcionários, agentes, clientes, fornecedores etc.) que encontram no exercício da empresa seu critério aglutinador.
Para caracterização do estabelecimento empresarial imprescindível é a atividade nele exercida, que indica a ocorrência de operações de circulação de mercadorias, pouco importando se sua estrutura é inteiramente física, ou não, visto que tal condição não foi imposta pela lei complementar. Daí resulta a possibilidade de o estabelecimento empresarial ser parcialmente virtual, utilizando-se de ambiente eletrônico para operacionalizar suas transações, como a prestação de serviços ou o oferecimento de mercadorias, ainda que disponha de equipamentos físicos aptos a viabilizar tais operações (GRECO, 2005).
Tal terminação é posta por Greco (2005, p.348), a saber:
A conclusão que resulta é no sentido de que o intérprete deve ficar aberto a reavaliar os conceitos que vem adotando, pois, até mesmo os dispositivos legais existentes podem conter certo grau de abrangência que alcance os sites da Internet, sem necessidade de criação de legislação nova.
Imperiosa é a análise do critério temporal, momento a partir do qual os sujeitos envolvidos na relação jurídico-tributária tomam conhecimento sobre sua existência. Para Carvalho (2012, p.180), o critério temporal posto na norma jurídica oferece:
Elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto — o pagamento de certa prestação pecuniária. O marco de tempo deve assinalar o surgimento de um direito subjetivo para o Estado (no sentido amplo) e de um dever jurídico para o sujeito passivo. A eleição do momento adequado para a realização do fato jurídico tributário se faz no plano das elaborações legislativas. É aquela entidade que designamos, por um processo de abstração lógica, de critério temporal da hipótese, isto é, o conjunto de elementos que nos habilitam a identificar a condição que atua sobre determinado evento, subordinando-o no tempo.
Ainda que verificado a ocorrência dos critérios espacial e material, a projeção dos efeitos jurídicos somente se opera em determinado marco temporal, momento em que nasce a obrigação tributária.
Nesse contexto, o critério temporal do ICMS - Mercadorias está previsto no art. 12 da Lei Complementar nº 87/1996, podendo considerar:
Ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
II - do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento;
III - da transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou em depósito fechado, no Estado do transmitente;
IV - da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente;
V - do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;
VI - do ato final do transporte iniciado no exterior;
VIII - do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços:
a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto de competência estadual, como definido na lei complementar aplicável;
IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002);
XI – da aquisição em licitação pública de mercadorias ou bens importados do exterior e apreendidos ou abandonados; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002);
XII – da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização; (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000).
É de se destacar certa incongruência, ao menos imprecisão, das expressões utilizadas pela legislação específica, tendo em vista que se opera confusão entre o critério temporal e o material.
Logo, circulação é “a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob um título jurídico, sendo irrelevante a mera circulação física ou econômica” (PAULSEN; MELO; 2015, p.358).
Por oportuno, faz-se ressalva quanto à súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça que aduz não constituir “fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”, manifestando-se em sentido oposto ao disciplinado pelo artigo supramencionado.
Noutro norte, o consequente normativo é composto pelos critérios quantitativo e subjetivo, ou seja, a partir do instante em que se concretizam todos os critérios definidos no antecedente normativo, o acontecimento passa a projetar efeitos jurídicos, uma consequência juridicamente relevante, nascendo, assim, a relação jurídico-tributária que imputará deveres e direitos a determinados sujeitos, bem como o valor da exação a ser cobrada do sujeito devedor (CARVALHO, 2012).
No critério quantitativo encontram-se a alíquota e a base de cálculo, sendo a primeira um percentual incidente sobre a segunda, apta a gerar o valor correspondente à obrigação tributária principal.
A base de cálculo do ICMS – Mercadorias é o valor da operação relativa à circulação jurídica da mercadoria, asseverando Paulsen e Melo (2015, p.399) que:
A base de cálculo é o valor da operação mercantil; é o preço dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Assim, o imposto não incide sobre serviços gratuitos, demandando sempre a onerosidade, reveladora da capacidade contributiva.
Para Geraldo Ataliba (1999, p.97), o aspecto material da hipótese de incidência é dimensionado na perspectiva da base imponível, “com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debeatur”. E complementa o autor:
A base imponível [...] é, portanto, uma grandeza ínsita na hipóteses de incidência (Alfredo Augusto Becker a coloca, acertadamente, como cerne da h.i.). É, por assim dizer, seu aspecto dimensional, uma ordem de grandeza própria do aspecto material da h.i.; é propriamente uma medida sua.
No tocante às alíquotas, o texto constitucional estabelece que “resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação” (art. 155, §2º, IV, CF), ao passo que é facultado ao Senado Federal:
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros.
Sendo assim, cabe aos Estados estabelecer suas alíquotas dentro dos limites fixados pelo Senado Federal.
Já o elemento pessoal ou subjetivo indica as partes integrantes dessa relação jurídico-tributária de modo que de um lado se tem o sujeito ativo, aquele que possui direito subjetivo ao recebimento da prestação pecuniária, e de outro, o sujeito passivo, o que detém o dever jurídico de realizar o pagamento decorrente da compulsoriedade típica dos tributos. Sendo assim, o vínculo obrigacional resulta do preenchimento das condições impostas pela regra matriz de incidência tributária, sendo estabelecido entre os sujeitos ativos e passivos, de modo a firmar o caráter deôntico, em que se verifica o caráter intersubjetivo e bilateral das relações jurídico-tributárias (CARVALHO, 2012).
Nesse norte, Ataliba (1999, p.72) preleciona que:
O aspecto pessoal, ou subjetivo, é a qualidade – inerente à hipótese de incidência – que determina os sujeitos da obrigação tributária, que o fato imponível fará nascer. Consiste numa conexão (relação de fato) entre o núcleo da hipótese de incidência e duas pessoas, que serão erigidas, em virtude do fato imponível e por força de lei, em sujeitos da obrigação. É, pois, um critério de indicação de sujeitos, que se contém na hipótese de incidência.
Sobre o critério pessoal da relação jurídico-tributária envolvendo o ICMS – Mercadorias, o sujeito ativo é o Estado-membro de origem da mercadoria, o destinatário do bem ou ambos, a depender da situação concreta, conforme restará demonstrado ao final do presente trabalho. Quanto ao sujeito passivo, estabelece o artigo 4º, da Lei Complementar nº 87/1996:
Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Em regra, a pessoa que exerce o verbo mais o complemento descritos no antecedente da norma é considerada empresária para fins de incidência do ICMS, dado o fato de ter ela praticado a operação de circulação de mercadoria, ao celebrar negócios jurídicos, sendo, portanto, o sujeito passivo da relação exacional.
Paulsen e Melo (2015, p.383) observa que “os requisitos da “habitualidade” e do “volume” constituem requisitos de difícil aferição, impregnados de considerável dose de subjetividade, que não se compadecem com a rigidez da tipicidade tributária”.
É de se ressaltar, ainda, que a nomenclatura utilizada após o Código Civil de 2002 para designar o sujeito passivo da relação jurídico-tributária é a do empresário, sendo considerado “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (Código Civil, art. 966).
Nesses termos, o sujeito passivo é quem pratica a operação de circulação de mercadorias, sendo qualquer pessoa jurídica ou física que desempenhe tais atividades de forma habitual e em quantidade volumosa apta a assinalar o intuito mercantil.
CAPÍTULO II - DO PACTO FEDERATIVO E DA GUERRA FISCAL
A Constituição Federal institui, dentre as características do Estado Nacional brasileiro, a forma federativa de Estado, sendo a República Federativa do Brasil composta por unidades dotadas de autonomia administrativa, organizacional, legislativa e governamental, observados os limites constitucionais expressa e implicitamente impostos, formando um todo indissolúvel, denominado pela doutrina de princípio da indissolubilidade do vínculo federativo.
Trata-se dos entes federativos assim designados União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que possuem seu âmbito de atuação delimitado conforme a preponderância do interesse público envolvido na matéria.
O Estado Federal, nos ensinamentos de Mendes, Coelho e Branco (2009, p.851):
Expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de regra, há uma Suprema Corte com jurisdição nacional e é previsto um mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade física e da identidade jurídica da Federação.
É de se observar que a forma federativa de Estado diferencia-se do Estado Unitário por consagrar a descentralização do poder, gerando vários núcleos de poder, tendo sido elevada à condição de cláusula pétrea, ou seja, matéria que não pode ser suprimida do texto constitucional, não podendo existir, se quer, uma proposta de emenda à Constituição tendente a aboli-la, por se matéria intocável, dada a previsão constante no artigo 60, §4º, inciso I, da Constituição Federal.
Muitos são os caminhos a serem percorridos para formação de uma Federação, sendo que, no Brasil, duas classificações são relevantes, a saber: quanto ao modo de surgimento ou formação da Federação, adotou-se o modelo do federalismo por desagregação, também denominado de segregação, de modo que o Estado deixou de ser Unitário dando abertura à descentralização do poder num movimento de formação centrífuga; já quanto à atual concentração de poder, o modelo pátrio adota o federalismo centrípeto, havendo maior concentração de poder em determinado ente (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009).
No tocante à repartição de competência, destacam-se três modelos: o horizontal, em que a separação de atribuições é extremamente rígida, havendo competências exclusivas ou privativas, razão pela qual não se pode argumentar no sentido da existência de cooperação ou interpenetração entre as entidades políticas; o vertical, em que as competências são distribuídas de modo concorrente ou comum, firmando-se uma aproximação entre os entes federativos, que, via de regra, atuam em conjunto e com cooperação; e o misto que reúne os dois modelos apresentados, também denominado federalismo cooperativo ou neo-clássico, sendo este o caso da Federação brasileira. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009).
Ressalte-se que, embora se possa falar em Estado Federal brasileiro, ao se analisar os enunciados constitucionais, é possível constatar que há uma grande concentração de atribuições para a União em detrimento dos demais entes políticos. No padrão clássico, a Carta Magna apenas apresentava as competências da União, ficando toda a matéria residual para os Estados, diferentemente do que ocorre no arquétipo moderno, em que o texto constitucional apresenta tanto as competências da União, como dos Estados e dos Municípios.
Aliás, frise-se, por oportuno, que a federação brasileira adota uma concepção distinta da seguida pelos demais países, em razão da presença dos Municípios como entidades autônomas, daí porque ser o presente modelo conhecido como federalismo de segundo grau.
“A repartição de competências consiste na atribuição, pela Constituição Federal, a cada ordenamento de uma matéria que lhe seja própria” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.848). Nesse contexto, tendo em vista o princípio da preponderância do interesse para definição da repartição de competência, a Carta Magna apresenta, notadamente entre os artigos 21 e 30, as competências de cada um dos entes, de forma exclusiva, privativa, comum ou concorrente, neste último caso num verdadeiro “condomínio legislativo”. Em referidos artigos são encontradas atribuições materiais e legislativas imputadas aos entes federativos, de maneira que, para sua consecução, faz-se necessária a existência de recursos financeiros aptos e em montante suficiente para cobrir as despesas ocasionadas pela sua materialização.
Dada a previsão constante no artigo 60, §4º, inciso IV, alínea “a” da Constituição Federal, considerando ser a forma federativa de Estado cláusula pétrea, Mendes, Coelho e Branco (2009, p.256) dispõem que:
Não é passível de deliberação a proposta de emenda que desvirtue o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição, em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os locais, consagrada na Lei Maior, onde os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão.
No entanto, sobre a possibilidade de alteração na repartição de competências que é categórica para a caracterização do Estado Federal, “não deve ser considerada insuscetível de alterações. Não há obstáculo à transferência de competências de uma esfera da Federação para outra, desde que resguardado certo grau de autonomia de cada qual” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.256).
Em matéria de Direito Tributário, compete à União estabelecer normas gerais, incluindo valores e princípios a serem seguidos por todos os demais entes políticos, o que não exclui a competência dos Estados para legislar de forma plena, quando não existir tal norma geral da União. Trata-se, portanto, de uma competência concorrente.
É sabido que além de outros recursos de natureza originária, as ações e serviços prestados pela Administração Pública são custeados com receitas derivadas oriundas da arrecadação de tributos, isto é, cabe à Constituição Federal não somente determinar as áreas de atuação de cada ente, mas oferecer mecanismos para que cada unidade federativa angarie recursos financeiros suficientes para o atendimento de suas finalidades, o que é feito através de previsão permissiva para a instituição de tais tributos, efetivado através de lei instituidora.
Em tese, cada ente federativo é dotado de disponibilidade financeira apta a permitir sua atuação através do exercício da atividade tributária. Todavia, o próprio constituinte, antevendo a sobrecarga de atribuições e competências à União, já estabeleceu uma presunção no sentido de que os entes menores não alcançarão essa suficiência através exclusivamente de seus tributos próprios. Previu, portanto, a repartição constitucional de receitas tributárias, em que, obrigatoriamente, o ente de nível mais elevado repassa ao ente de nível menos elevado parcela da arrecadação de determinados tributos, conforme disposto nos artigos 157 ao 164.
Outro enunciado importante é o artigo 146, que determina ser da envergadura da lei complementar dispor sobre conflitos de competência dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Isso porque, em princípio, ainda que se fale em igualdade das partes integrantes do vínculo federativo, a forma como o mesmo está consagrado abre margens à desacordos e desigualdades tendo em vista possíveis interesses contrapostos, surgindo, com isso, graves problemas de ordem institucional, administrativa e política, desencadeando conflitos de interesse.
O professor Sacha Calmon (1993, p.3) elucida que:
A tarefa do constituinte, portanto, centra-se na repartição entre as diversas pessoas políticas de parcelas de competência para instituírem as três espécies tributárias antes mencionadas. Para tanto, terá que observar princípios técnicos na estatuição das regras de repartição, sem o que não seria possível partir e ordenar harmonicamente o poder de tributar, originariamente uno.
Desse modo, a doutrina aponta o federalismo fiscal como sendo o pacto existente constitucionalmente entre os entes políticos para a distribuição do produto da arrecadação das receitas tributárias, a fim de gerar o equilíbrio financeiro entre os mesmos, privilegiando a igualdade e os valores impostos pelo federalismo. Ponto de destaque nesse federalismo fiscal é a previsão de recursos específicos ao Fundo de Participação dos Municípios e ao Fundo de Participação dos Estados, mecanismos que visam à repartição de receitas para cobrir áreas deficitárias, tudo em prol da isonomia fiscal.
Verifica-se que tal distribuição é compulsória, dado o fato de seu fundamento de validade decorrer diretamente da Constituição Federal. Entretanto, destaca-se, ainda, a possibilidade de transferências voluntárias de receitas tributárias para cobrir necessidades de pessoas físicas ou jurídicas, devendo ser permitida por lei específica, desde que atendidas às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e esteja prevista na lei orçamentária anual ou em seus créditos adicionais, conforme dispõe o art. 26, da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar nº 101 de 2000.
Pelo exposto, constata-se que diante do aparente desequilíbrio em favor da União, esses instrumentos de reequilíbrio do pacto federativo se mostram imprescindíveis, sobretudo por existirem discrepâncias entre os Estados-membros e os Municípios a dependerem da região em que estão localizados. Ressalte-se, todavia, que até mesmo com os repasses obrigatórios e voluntários não é possível alcançar níveis satisfatórios de recursos financeiros que capazes de cobrir com qualidade e eficiência os anseios da coletividade. É preciso, pois, angariar mais recursos.
Diante das premissas postas, cada unidade federativa busca atrair investimentos para seus territórios com intuito de proporcionar o desenvolvimento regional, utilizando-se, para tanto, políticas de concessão de incentivos fiscais, creditícios e financeiros, tais como isenções, renúncias fiscais, redução da base de cálculo e alteração das alíquotas, o que gera, inevitavelmente, conflitos em matéria tributária, o que é comumente denominada de guerra fiscal.
No tocante à temática, esclarecem Paulsen e Melo (2015, p.441) que a forma mais comum de guerra fiscal é aquela que decorre de concessões unilaterais de benefícios, tratando-se:
De litígio existente entre os Estados e o DF – com implicações no âmbito da não cumulatividade – decorrente do fato de que, unilateralmente, são concedidos incentivos de natureza diversificada, sem fundamento em Convênios entre as unidades federativas, na forma prevista na Lei Complementar nº 24, de 7.1.75 (recepcionada pelo art. 34, §§ 4º, e 5º, da CF-88) [...].
A função do pacto federativo e da União enquanto ente de maior nível é estabelecer parâmetros para fixação desses incentivos, bem como limites à atuação dos demais entes políticos. Cabe à União, pois, estabelecer normas gerais amplas e, ao mesmo tempo, limitativas, adequando os interesses regionais aos federais.
Ressalta-se, ainda, que o próprio texto constitucional apresenta instrumentos que visam à proteção do pacto federativo e ao afastamento da guerra fiscal, como a fixação de alíquotas mínimas e máximas pelo Senado Federal (art. 155, §2º, IV e V, CF), assim como a vedação de alíquotas internas serem inferiores às alíquotas aplicáveis às operações interestaduais, salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, através de convênio (art. 155, §2º, VI, CF). No mesmo norte, cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” (art. 155, XII, g, CF).
Analisando a temática, Pereira (2010, p.38) preleciona que:
A exigência constitucional da observância do critério de prévia deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal, para autorização da concessão de incentivos e benefícios fiscais, tem a clara intenção de evitar a ocorrência de conflitos entre a União, os Estados e os Municípios, representando essa regra constitucional uma restrição da competência exonerativa dos Estados e do DF, em prol do equilíbrio federativo.
No mesmo norte, ressalta o autor que, muito embora, existam esses mecanismos que previnem conflitos, pragmaticamente, os mesmos não são suficientes, por si só, de evitar a ocorrência da guerra fiscal entre as unidades federadas (PEREIRA, 2010).
É nesse contexto que o presente trabalho buscará analisar as regras pertinentes à incidência do ICMS – Mercadorias sobre as operações interestaduais e o modo de distribuição da arrecadação tributária, buscando a manutenção do equilíbrio do pacto federativo.
CAPÍTULO III - INCIDÊNCIA DO ICMS - MERCADORIAS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO
3.1 ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 87/2015
Muito recorrentes são as discussões envolvendo a forma de incidência do ICMS – Mercadorias sobre as operações e prestações que destinam bens a outros Estados-membros. Na redação original da Constituição Federal de 1988, constavam três possibilidades de incidência do referido imposto a depender de ser o destinatário do bem consumidor final, ou não, assim como de o mesmo ser, ou não, contribuinte do tributo.
Tal previsão diz respeito ao denominado “diferencial de alíquotas”, hipótese em que, “não havendo operações ou prestações subseqüentes, suscetíveis de virem tributadas, o diferencial de alíquotas acaba funcionando como um verdadeiro instrumento de compensação” (CARRAZZA, 2011, p.537), de modo que, a partir desse instrumento “a Unidade Federativa destinatária da mercadoria ou do serviço acautela suas finanças, já que partilha do ICMS que incidiu alhures, é dizer, fica com a diferença entre a alíquota interna e a interestadual” (CARRAZZA, 2011 p.537).
Sendo assim, segundo Paulsen e Melo (2015, p.421), destaca-se que:
A sistemática constitucional estabelece os regimes de repartição de receitas tributárias entre os Estados (e o Distrito Federal), estabelecendo os distintos regimes 420/642 jurídicos; (i) regime exclusivo de origem; (ii) regime misto, em que se distribui parte da receita entre a origem e o destino da mercadoria, ou serviço; e (iii) regime exclusivo do destino.
O texto constitucional, em seu artigo 155, §2º, incisos VII e VIII, aduzia expressamente, in verbis:
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII - na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
Com base nos enunciados apresentados, é possível destacar três espécies de operações, assim sintetizadas:
1ª operação em que se destinava bens à consumidor final, que também era contribuinte do ICMS - Mercadorias, operação na qual o Estado de origem recebia a alíquota interestadual e o Estado destinatário do bem recebia a diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Constata-se, nesse caso, que o constituinte entendeu como melhor solução a repartição de receitas entre os dois entes envolvidos na operação. Assim, haveria cobrança do imposto duas vezes, primeiro no momento da saída do bem dos estabelecimento vendedor localizado no Estado de origem e segundo quando da entrada do mesmo bem no estabelecimento adquirente, aplica-se, então a diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, sendo o valor destinado ao Estado de destino.
A respeito do tema, Castro (2014, p.562) destaca que:
A maior peculiaridade atinente ao sujeito ativo do ICMS incidente sobre operações interestaduais diz respeito às situações em que o negócio é celebrado entre 2 contribuintes. Aqui, a Constituição Federal determina que o tributo deva ser pago aos 2 Estados em que localizados os sujeitos envolvidos na operação. Ao Estado do alienante do bem, deverá ser recolhido o tributo à alíquota aplicável às operações interestaduais – fixada pelo Senado Federal – (CF/88, art. 155, §2º, VII, a); ao Estado do adquirente, por sua vez, caberá o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (CF/88, art. 155, §2º, VIII).
Com relação à 2ª operação em que se destinava bens à consumidor final localizado em outro Estado, sendo que, diferentemente do primeiro caso, esse consumidor final não era contribuinte do referido imposto, logo, aplicava-se a alíquota interna do Estado de origem, ficando todo o produto da arrecadação destinado a este, localidade em que se concretizou a operação.
Assim, aplicava-se “a regra das operações internas, ou seja, o imposto caberia única e exclusivamente ao Estado em que situado o estabelecimento do alienante. Em outras palavras, equiparadas às operações internas” (CASTRO, 2014, p.561).
Noutro sentido, no tocante à 3ª operação em que se destinavam bens a indivíduo não consumidor final localizado em outro Estado, sendo que tal indivíduo era contribuinte do imposto, ou seja, utilizava os bens adquiridos para revenda. Nesse caso, aplicava-se a regra ordinária da não-cumulatividade, de modo que o adquirente do bem recebia um crédito para compensar na operação posterior, recebendo o Estado de origem o valor correspondente à alíquota interestadual e o Estado destinatário a alíquota interna, após o desconto do crédito adquirido na operação anterior.
Elucidando o tema, aponta o Supremo Tribunal Federal que:
A engenharia tributária do ICMS foi chancelada por esta Suprema Corte na ADI 4565/PI-MC, da qual foi relator o Ministro Joaquim Barbosa, assim sintetizada: a) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final contribuinte do imposto: o estado de origem aplica a alíquota interestadual, e o estado de destino aplica a diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, propiciando, portanto, tributação concomitante, ou partilha simultânea do tributo; Vale dizer: ambos os Estados cobram o tributo, nas proporções já indicadas; b) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final não-contribuinte: apenas o estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interna; c) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a quem não é consumidor final: apenas o estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interestadual; d) Operação envolvendo combustíveis e lubrificantes, há inversão: a competência para cobrança é do estado de destino da mercadoria, e não do estado de origem. (STF, ADI nº 4628, Relator(a) Min. Luiz Fux, Órgão Julgador Tribunal Pleno. Julgamento em: 17/09/2014. Publicado em: 24/11/2014).
De todas as situações apresentadas, verifica-se que a primeira não é tão assídua, sendo a terceira operação a mais recorrente. No entanto, nos últimos anos verificou-se crescente desenvolvimento do denominado e-comerce, ou seja, compras não presenciais realizadas pela internet, enquadrando-se na segunda operação apresentada, em que o Estado em que se localizava o consumidor final não contribuinte não recebia qualquer parcela do imposto, acarretando sério desequilíbrio entre os Estados-membros.
O professor Carrazza (2011) ressalta que a Lei Kandir – Lei Complementar nº 87 de 1996, norma geral da União sobre o ICMS, não disciplinou o tema em comento, apenas tendo aduzido a respeito das operações interestaduais com prestação de serviços, nada dispondo sobre o ingresso de mercadoria proveniente de outro Estado-membro, destinada ao ativo fixo da empresa ou ao uso e consumo.
3.1.1 Inconstitucionalidade do Convênio nº 21/2011 do CONFAZ e de leis estaduais versando sobre a forma de cobrança do ICMS nas operações interestaduais através do comércio eletrônico
Os maiores centros de industrialização, produção e distribuição de bens se localizam nas regiões Sul e Sudeste, e, em elevadíssima concentração, no Estado de São Paulo, o que gera o agrupamento de riquezas nessas localidades, em detrimento dos Estados posicionados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que reúnem mais consumidores do que produtores e distribuidores.
Nesse contexto, diante do alarmante crescimento do comércio eletrônico, da concentração do produto da arrecadação do ICMS em poucos Estados-membros e da ausência de normas regulamentadoras sobre o tema, o Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ editou a Protocolo nº 21 de 1º de abril de 2001, em que os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal assinaram o protocolo versando sobre a exigência do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem a consumidor final, nos caos em que a obtenção tenha ocorrido de forma não presencial, sendo irrelevante o fato de ser o mesmo contribuinte do imposto ou de simples intermediário.
Percebe-se que dos 27 entes federativos - Estados mais o Distrito Federal, 9 (nove) não subscreveram o referido convênio, o que, não por coincidência, a maioria deles possui expressiva arrecadação nesse tipo de comercialização.
Os Estados-membros localizados em regiões menos favorecidas já defendiam a desproporcionalidade e injustiça da “regra de origem”, dado o fato de os Estados destinatários dos bens não possuírem participação na arrecadação, havendo encaminhamento exclusivo para os Estados de origem.
Diante das premissas já firmadas sobre o pacto federativo e a necessidade de manutenção do seu equilíbrio constitucional, os Estados menos produtores, a exemplo da maioria dos Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que vinham deixando de arrecadar receitas tributárias nessas operações, buscaram a realização desse protocolo.
É de se ressaltar que referidos convênios são firmados tendo em vista as previsões no sentido de ser o CONFAZ encarregado de realizar estudos em temas específicos importantes para manutenção do pacto federativo, culminando na celebração de convênios e protocolos de interesse dos Estados-membros e do Distrito Federal. Sobre os quais aduz o Supremo Tribunal Federal:
Os Protocolos são adotados para regulamentar a prestação de assistência mútua no campo da fiscalização de tributos e permuta de informações, na forma do artigo 199 do Código Tributário Nacional, e explicitado pelo artigo 38 do Regimento Interno do CONFAZ (Convênio nº 138/1997). Aos Convênios atribuiu-se competência para delimitar hipóteses de concessões de isenções, benefícios e incentivos fiscais, nos moldes do artigo 155, § 2º, XII, g, da CRFB/1988 e da Lei Complementar nº 21/1975 (STF, ADI nº 4628, Relator(a) Min. Luiz Fux, Órgão Julgador Tribunal Pleno. Julgamento em: 17/09/2014. Publicado em: 24/11/2014).
Verifica-se, pois, que referidos convênios têm por objetivo traçar diretrizes a serem seguidas pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal para concessão de favores fiscais, bem como auxílio e cooperação na atividade fiscalizatória, tendo seu âmbito de atuação limitada pelas normas constitucionais e infraconstitucionais.
Na exposição inicial é possível constatar as razões consideradas para elaboração do referido protocolo, levando-se em consideração (CONFAZ, Protocolo nº 21/2011):
Que a sistemática atual do comércio mundial permite a aquisição de mercadorias e bens de forma remota;
Que o aumento dessa modalidade de comércio, de forma não presencial, especialmente as compras por meio da internet, telemarketing e showroom, deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuintes de ICMS, para vertente diferente daquela que ocorria predominante quando da promulgação da Constituição Federal de 1988;
Que o imposto incidente sobre as operações de que trata este protocolo é imposto sobre o consumo, cuja repartição tributária deve observar esta natureza do ICMS, que a Carta Magna na sua essência assegurou às unidades federadas onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem;
Que a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio, persistindo, todavia, a tributação apenas na origem, o que não coaduna com a essência do principal imposto estadual, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino, resolve celebrar o seguinte
Apresentados os argumentos e finalizado o protocolo, vários Estados, a exemplo da Paraíba e do Piauí, editaram legislação estadual dispondo sobre a incidência do ICMS – Mercadorias nos termos fixados, passando a cobrar a alíquota interestadual sobre as operações que destinavam mercadoria para consumidor final localizado em outro Estado, ainda que não contribuinte do referido imposto.
Em que pese a importância do Protocolo nº 21 de 2011 do Confaz para a diminuição do impacto gerado pelo crescimento do comércio por meio da internet, telemarketing e showroom, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, ao apreciar em conjunto as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) nos 4628 e 4713 declarou a sua inconstitucionalidade.
Isso porque, as regras sobre a incidência do ICMS – Mercadorias previstas pela Carta Magna são bastante enfáticas, não havendo margem de discricionariedade para o disciplinamento da matéria de modo diverso por meio de convenção do CONFAZ, “sob pena de contrariar o arquétipo constitucional delineado pelos arts. 155, § 2º, inciso VII, b, e 150, IV e V, da CRFB/88” (STF, ADI nº 4628/DF, Relator(a) Min. Luiz Fux, Órgão Julgador Tribunal Pleno. Julgamento em: 17/09/2014. Publicado em: 24/11/2014). Na oportunidade, tendo em vista questões de ordem fática, os efeitos da decisão foram modulados, no sentido de a inconstitucionalidade ser válida apenas a partir do momento da concessão da medida cautelar.
Tal modulação foi realizada no sentido de preservar os direitos das pessoas que integram as relações jurídico-tributárias durante o curto período de vigência do mencionado protocolo, prevenindo ofensas aos direitos subjetivos, vez que as decisões de declaração de inconstitucionalidade objetivam “um exame meticuloso, com emprego dos meios elucidativos que se fizerem mais adequados para discernir, diante de cada caso concreto, o alcance da incidência da inconstitucionalidade” (BONAVIDES, 2002, p.310).
“As normas jurídicas, enfim, sejam oriundas do Poder Legislativo, sejam decorrentes da atuação do Poder Judiciário, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, não podem retroagir em desfavor do cidadão” (MACHADO SEGUNDO, 2014, p.525).
Sobre a temática, a ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4628:
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL (ICMS). PRELIMINAR. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. PRESENÇA DE RELAÇÃO LÓGICA ENTRE OS FINS INSTITUCIONAIS DAS REQUERENTES E A QUESTÃO DE FUNDO VERSADA NOS AUTOS. PROTOCOLO ICMS Nº 21/2011. ATO NORMATIVO DOTADO DE GENERALIDADE, ABSTRAÇÃO E AUTONOMIA. MÉRITO. COBRANÇA NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PELO ESTADO DE DESTINO NAS HIPÓTESES EM QUE OS CONSUMIDORES FINAIS NÃO SE AFIGUREM COMO CONTRIBUINTES DO TRIBUTO. INCONSTITUCIONALIDADE. HIPÓTESE DE BITRIBUTAÇÃO (CRFB/88, ART. 155, § 2º, VII, B). OFENSA AO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO (CRFB/88, ART. 150, IV). ULTRAJE À LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS E PESSOAS (CRFB/88, ART. 150, V). VEDAÇÃO À COGNOMINADA GUERRA FISCAL (CRFB/88, ART. 155, § 2º, VI). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS A PARTIR DO DEFERIMENTO DA CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR, RESSALVADAS AS AÇÕES JÁ AJUIZADAS. (STF, ADI nº 4628/DF, Relator(a) Min. Luiz Fux, Órgão Julgador Tribunal Pleno. Julgamento em: 17/09/2014. Publicado em: 24/11/2014) (grifou-se).
Nesse contexto, também foram declarada a inconstitucionalidade das leis estaduais que tratavam sobre o tema, conforme se apura dos seguintes julgados:
CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL. LEI 6.041/2010 DO ESTADO DO PIAUÍ. LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS E PESSOAS (ARTS. 150, V E 152 DA CONSTITUIÇÃO). DUPLICIDADE DE INCIDÊNCIA (BITRIBUTAÇÃO – ART. 155, § 2º, VII, B DA CONSTITUIÇÃO). GUERRA FISCAL VEDADA (ART. 155, § 2º, VI DA CONSTITUIÇÃO). MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Tem densa plausibilidade o juízo de inconstitucionalidade de norma criada unilateralmente por ente federado que estabeleça tributação diferenciada de bens provenientes de outros estados da Federação, pois: (a) Há reserva de resolução do Senado Federal para determinar as alíquotas do ICMS para operações interestaduais; (b) O perfil constitucional do ICMS exige a ocorrência de operação de circulação de mercadorias (ou serviços) para que ocorra a incidência e, portanto, o tributo não pode ser cobrado sobre operações apenas porque elas têm por objeto “bens”, ou nas quais fique descaracterizada atividade mercantil-comercial; (c) No caso, a Constituição adotou como critério de partilha da competência tributária o estado de origem das mercadorias, de modo que o deslocamento da sujeição ativa para o estado de destino depende de alteração do próprio texto constitucional (reforma tributária). Opção política legítima que não pode ser substituída pelo Judiciário. Medida liminar concedida para suspender a eficácia prospectiva e retrospectiva (ex tunc) da Lei estadual 6.041/2010. (STF, ADI 4565 MC/PI. Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Órgão Julgador: Tribunal Pleno Julgado em: 07/04/2011; Publicado em: 27/06/2011).
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL. COBRANÇA NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PELO ESTADO DE DESTINO. EXTENSÃO ÀS REMESSAS PARA CONSUMIDORES FINAIS. COMÉRCIO ELETRÔNICO. “GUERRA FISCAL”. DENSA PROBABILIDADE DE VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL. LEI 9.582/2011 DO ESTADO DA PARAÍBA. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA. 1. A Constituição define que o estado de origem será o sujeito ativo do ICMS nas operações interestaduais aos consumidores finais que não forem contribuintes desse imposto, mas a legislação atacada subverte essa ordem (art. 155, § 2º, II, b da Constituição). 2. Os entes federados não podem utilizar sua competência legislativa privativa ou concorrente para retaliar outros entes federados, sob o pretexto de corrigir desequilíbrio econômico, pois tais tensões devem ser resolvidas no foro legítimo, que é o Congresso Nacional (arts. 150, V e 152 da Constituição). 3. Compete ao Senado definir as alíquotas do tributo incidente sobre as operações interestaduais. 4. A tolerância à guerra fiscal tende a consolidar quadros de difícil reversão. (STF, ADI 4705 MC-REF, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgado em: 23/02/2012; Publicado em: 19/06/2012.
É possível extrair dos julgados algumas questões relevantes que merecem ser destrinchadas. Na oportunidade, asseverou a Suprema Corte que a Carta Magna disciplinava categoricamente as regras sobre a incidência do ICMS – Mercadorias nas operações interestaduais e o modo de utilização da alíquota interestadual, somente podendo ser aplicada na hipótese de o consumidor final ser contribuinte do imposto, o que não autoriza a celebração de convênio no âmbito do CONFAZ por parte dos Estados-membros por se sentirem prejudicados, por expresso confronto material ao texto constitucional. “É dizer: outorga-se ao Estado de origem, via de regra, a cobrança da exação nas operações interestaduais, excetuando os casos em que as operações envolverem combustíveis e lubrificantes que ficarão a cargo do Estado de destino” (STF, ADI nº 4628/DF, Relator(a) Min. Luiz Fux, Órgão Julgador Tribunal Pleno. Julgamento em: 17/09/2014. Publicado em: 24/11/2014).
Ainda que na visão dos Estados menos desenvolvidos as regras constitucionais possam causar desequilíbrio entre os entes federativos, em razão da evolução fático-social, os comandos constitucionais sobre o tema são mecanismos de observância obrigatória necessários à manutenção da higidez do pacto federativo.
Frise-se que, conforme preceitos até então existentes, a incidência de regra diversa acarretaria uma bitributação, além de ofensa ao princípio do não confisco, nas palavras do Ministro Luiz Fux:
A alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, é devida à unidade federada de origem, e não à destinatária, máxime porque regime tributário diverso enseja odiosa hipótese de bitributação, em que os signatários do protocolo invadem competência própria daquelas unidades federadas (de origem da mercadoria ou bem) que constitucionalmente têm o direito de constar como sujeitos ativos da relação tributária quando da venda de bens ou serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outra unidade da Federação. [...]O princípio do não confisco, que encerra direito fundamental do contribuinte, resta violado em seu núcleo essencial em face da sistemática adotada no cognominado Protocolo ICMS nº 21/2011, que legitima a aplicação da alíquota interna do ICMS na unidade federada de origem da mercadoria ou bem, procedimento correto e apropriado, bem como a exigência de novo percentual, a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna, a título também de ICMS, na unidade destinatária, quando o destinatário final não for contribuinte do respectivo tributo. (STF, ADI nº 4628/DF, Relator(a) Min. Luiz Fux, Órgão Julgador Tribunal Pleno. Julgamento em: 17/09/2014. Publicado em: 24/11/2014).
Sendo assim, por todos os argumentos ora expostos, o Protocolo nº 21/2011 do CONFAZ e as leis estaduais sobre a matéria violavam flagrantemente a Constituição Federal e seus preceitos fundamentais, sobretudo, o pacto federativo e a separação de poderes, por gerar grave cenário de guerra fiscal entre os Estados-membros, o que é veementemente indesejado e combatido.
3.2 APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 87/2015
Diante da situação posta e da repercussão após a declaração de inconstitucionalidade do Protocolo nº 21/2011 e das leis estaduais, as discussões envolvendo a incidência do ICMS – Mercadorias sobre as operações interestaduais foram intensificadas, notadamente pelos entes federativos predominantemente consumidores, e, sobretudo no Senado Federal que é composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal.
Em 16 de abril de 2015 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 87, alterando o inciso VII e revogando suas alíneas, do §2º, do artigo 155, cuja redação passou a ser a seguinte:
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015) (Produção de efeito)
a) (revogada); (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015);
b) (revogada); (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015);
VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015) (Produção de efeito);
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015);
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015).
Verifica-se que a referida emenda alterou a regra de incidência do ICMS – Mercadorias no caso da segunda operação supramencionada, em que o destinatário do bem é consumidor final, porém não contribuinte do imposto, havendo significativa mudança para determinar que o produto da arrecadação seja destinado tanto ao Estado de origem quanto ao Estado destinatário da mercadoria, aplicando-se a alíquota interestadual e a diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Explica-se.
Pela nova sistemática, nessas operações, o montante correspondente à incidência da alíquota interestadual é totalmente destinado ao Estado de origem ao passo que o produto resultante da aplicação da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna será designado ao Estado de destino.
Vale relembrar que, conforme redação constitucional originária, a alíquota aplicável era somente a interna do Estado de origem, ficando com este todo o valor corresponde à incidência do ICMS – Mercadorias na operação.
Outro ponto relevante relaciona-se à responsabilidade pelo recolhimento do ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual que ficará a cargo do destinatário, quando este for contribuinte do imposto ou do remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto (art. 155, §2º, VIII, alíneas “a” e “b”, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 87/2015).
Como regra de transição, a referida emenda incluiu o artigo 99, no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, dispondo que:
Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:
I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.
Nesse sentido, a regra de transição determina que seja realizada a divisão do produto da arrecadação decorrente da aplicação da diferença entre a alíquota interestadual e a interna, até o ano de 2019, vez que, paulatina e gradualmente, o mesmo será entregue tanto ao Estado de origem quanto ao de destino, até atingir sua totalidade, hipótese em que será plenamente reservado ao Estado de destino.
É possível, então, estabelecer as operações hoje vigentes:
Na 1ª operação em que se destinam bens a consumidor final, contribuinte do ICMS - Mercadorias, as regras permanecem as mesmas, de modo que o Estado de origem continua recebendo a alíquota interestadual e o Estado destinatário do bem recebe a diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
Na 2ª operação em que se destinam bens a consumidor final localizado em outro Estado, não sendo o mesmo contribuinte do referido imposto, são aplicadas as regras acima explicadas provenientes das alterações promovidas pela EC nº 87/2015.
Assim como na primeira operação, na 3ª em que se destinam bens a indivíduo não consumidor final localizado em outro Estado, sendo ele contribuinte do imposto, as normas permanecem inalteradas, aplicando a regra constitucional da não-cumulatividade.
No que diz respeito à produção de efeitos da emenda em comento, explícita é a previsão de seu artigo 3º no sentido de a mesma entrar “em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subsequente e após 90 (noventa) dias desta”, isto é, apenas a partir de 2016, o que demonstra certa incongruência quando do confronto com a tabela gradual, mostrando-se inócuo o dispositivo que se refere ao ano de 2015.
Frisa-se, por conveniente, que a forma de distribuição do produto da arrecadação do ICMS influenciará diretamente na repartição constitucional de receitas tributárias, pois, dada a previsão constante no art. 158, inciso IV, no sentido de pertencerem aos Municípios localizados naquele Estado 25% do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, sendo três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios, e, até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal (art. 158, IV, parágrafo único, CF).
Sobre o assunto, preleciona Carrazza (2011, p.708):
Graças ao percentual previsto neste inciso II, todos os Municípios localizados no território do Estado acabam de algum modo partilhando o produto da arrecadação do ICMS. Não fosse assim, pequenos Municípios, onde são realizadas poucas operações ou prestações tributadas por meio de ICMS, ficariam à margem do progresso do Estado e se sentiriam inclinados a encetar verdadeiras guerras fiscais dentro da região onde se localizam, o que a Carta Magna absolutamente não permite.
Com tal regra, todos os Municípios do Estado são atingidos pela repartição constitucional obrigatória, favorecendo o desenvolvimento de todas as regiões, daí a importância de modificar as regras ora estudadas, a fim de proporcionar maior equilíbrio no pacto federativo, restando demonstrada, pois, a importância do tema.
Nesse contexto, o CONFAZ editou novo protocolo para disciplinar a matéria com base no novo panorama constitucional, publicando em 21 de setembro de 2015 o Convênio ICMS nº 93/2015, dispondo sobre “os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada”, não olvidando a tabela gradual acima exposta.
Aludido convênio trouxe regras para facilitar o recolhimento do ICMS – Mercadorias, incidente sobre o comércio eletrônico, que deve operar através de Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais – GNRE, “ou outro documento de arrecadação, de acordo com a legislação da unidade federada de destino, por ocasião da saída do bem ou do início da prestação de serviço, em relação a cada operação ou prestação” (cláusula quarta, Convênio ICMS nº 93/2015).
Ressalta-se, ainda, que a fiscalização do estabelecimento contribuinte situado no Estado de origem pode ocorrer de forma conjunta ou isoladamente por todos os entes federados abrangidos nas operações que destinam mercadoria a outra unidade federativa (cláusula sétima, Convênio ICMS nº 93/2015).
Por fim, embora o acordo tenha entrado em vigor na data de sua publicação em 21 de setembro de 2015, somente passará a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2016, tendo em vista exatamente o enunciado do artigo 3º da EC nº 87/2015 já analisado (cláusula décima primeira, Convênio ICMS nº 93/2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho monográfico buscou realizar um estudo minucioso sobre a incidência do ICMS – Mercadorias nas operações interestaduais, partindo das regras previstas ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988 para alcançar as novas premissas impostas pela recente Emenda Constitucional nº 87 de 16 de abril de 2015.
A partir da análise da Regra Matriz de Incidência Tributária e da fenomenologia da incidência tributária, foi possível detectar cada parte integrante da relação jurídico-tributária, sendo indispensável à compreensão das inovações apontadas, sobretudo, no tocante à sujeição ativa.
Conforme demonstrado na pesquisa, pautada em revisão bibliográfica e jurisprudencial, o Brasil apresenta características peculiares quanto à forma federativa de Estado, dado o modo de repartição de competências, com sobrecarga para União e restrita parcela aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Apesar da autonomia conferida às entidades, elas formam um todo indissociável, razão pela qual se preza pelo equilíbrio do pacto federativo, através de instrumentos próprios constitucionalmente determinados, preservando, pois, a própria estrutura do Estado Nacional.
É de se observar que, o atual panorama constitucional surgiu de pressões realizadas pelos Estados mais consumidores do que produtores e distribuidores, diante do crescimento do comércio eletrônico, para equacionar as receitas tributárias.
No entanto, não se pode olvidar que referidas mudanças não passaram por estudos técnicos pormenorizados que estabelecem metas e diretrizes a serem seguidas, bem como os possíveis impactos delas pelos próximos anos e décadas.
Sendo assim, teme-se que, num futuro não tão longe, tais regras possam causar um desequilíbrio no pacto federativo de forma inversa, tendo em vista que a instalação de indústrias e distribuidoras nos Estados das regiões Sul e Sudeste pode, paulatinamente, esvaziar-se. Além disso, em razão da forte tendência de o e-commerce se tornar o meio mais utilizado para operações mercantis, o processo de concentração de riquezas pode, em longo prazo, sofrer alterações diversas daquelas combatidas pela emenda. Verifica-se, pois, numa visão crítica, que o constituinte reformador derivado, lamentavelmente, ainda não foi capaz de sanar o problema do desequilíbrio do pacto federativo em razão da forma de distribuição do ICMS – Mercadorias nas operações interestaduais.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Ana Flávia Wanderley Bezerra. Panorama atual da incidência do ICMS - mercadorias nas operações interestaduais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46330/panorama-atual-da-incidencia-do-icms-mercadorias-nas-operacoes-interestaduais. Acesso em: 22 nov 2024.
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