RESUMO: O presente artigo tem por objetiva investigar a evolução histórica acerca do reconhecimento dos danos extrapatrimoniais ou morais. O estudo parte da análise do debate travado entre as Teorias Negativistas e as Teorias Positivistas do Dano Moral, passa pela discussão sobre a possibilidade cumulação dele com os danos materiais e chega até o estágio atual da matéria, numa leitura histórica e civil constitucional sobre o tema.
Palavras chave. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Negativismo. Positivismo. Direitos da Personalidade. Dignidade da Pessoa Humana.
INTRODUÇÃO
Atualmente, e mais do que nunca, os direitos da pessoa demandam uma tutela em caráter especial. Dessa forma, os direitos da personalidade, incluindo-se neles a dimensão externa do indivíduo/aparência, ganharam maior proteção no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988, notadamente com a expressa disposição contida no art. 5º, inciso X.
Nesse aspecto, o Prof. Gustavo Tepedino[1], afirma que:
“A pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integrada, que supere dicotomia direito público e direito privado e atenda à cláusula geral fixada no texto maior, de promoção da dignidade humana”.
Dentro desse contexto, a compreensão da evolução histórica do debate acerca do reconhecimento do jurisprudencial, doutrinário e legislativo dos danos morais mostra-se como um instrumento útil aos operadores do direito na medida em que possibilitar entender sobre o atual momento no qual é ampla tutela dos direitos da personalidade face ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Incursão histórica sobre o reconhecimento do dano de caráter extrapatrimonial. Primeira Fase. Teorias Negativistas e Teorias Positivistas.
Por muito tempo houve controvérsia acerca da possibilidade de reparação do dano moral, o que foi superado em razão não somente da evolução jurisprudencial e doutrinária, como também em face de expressas disposições infraconstitucionais – Código Civil de 2002 (art. 186) – e constitucionais – CF/88 (art. 5º, inciso X).
REGINA VERA VILLAS BÔAS, fazendo um estudo acerca da Responsabilidade Civil e da sua relação com a História do Direito, identifica que o Direito da sociedade de massas procura exercer funções de caráter social, objetivando a proteção dos direitos do homem[2], afirmando ilustre autora que:
“Observa-se uma grande transformação da ordem jurídica que vem se consolidando a partir da observância dos princípios fundamentais garantidores da dignidade da pessoa humana. Na esfera do Direito Privado observa-se o respeito e aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos institutos jurídicos, da solidariedade na busca do bem comum, da imputação civil dos danos, todos corroborando a efetividade do Direito, reconhecendo da importância do instituto jurídico da responsabilidade civil para o equilíbrio das relações sociais, a partir das situações socioeconômicas, garantidas pela ordem jurídica”.
Dessa maneira, a noção de irresponsabilidade por danos cometidos ao homem não se coaduna com os ideais de justiça hodiernamente preconizados e, muito menos, com o fundamento da Constituição Federal respeitante a dignidade da pessoa humana.
Ainda assim, seguindo as lições de AGUIAR DIAS[3], é oportuno conhecer os argumentos dos contrários à reparação do dano extrapatrimonial a fim de que se valorize a conquista dos favoráveis às teses positivistas. Dessa forma, o supracitado autor elabora uma espécie de lista com os argumentos mais utilizados pelos defensores da irreparabilidade do dano moral, destacando os seguintes[4]: “1) falta de efeito penoso durável; 2) incerteza do direito violado; 3) dificuldades em descobrir a existência do dano moral; 4) indeterminação do número de pessoas lesadas; 5) impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro; 6) imoralidade da compensação da dor com dinheiro; 7) extensão do arbítrio concedido ao juiz”.
Quanto ao primeiro argumento listado pode-se afirmar que a duração das consequências do dano serve apenas para dimensionar a avaliação dele e não sua existência. Violado o direito do indivíduo, deverá haver a devida compensação, sendo a duração apenas referência para a estipulação da reparação.
Já no que diz respeito à incerteza do direito violado, é importante registrar que dano é lesão a direito e a repercussão dessa lesão, se patrimonial ou moral, é que vai configurar o elemento de certeza da reparação.
A dificuldade de descobrir se existe o dano extrapatrimonial também não se mostra convincente. O dano moral decorre de um evento danoso que é fato provado de per si[5]. Ninguém pode negar que a perda de um membro configura uma ofensa à esfera psíquica do ofendido, o fato por si torna indiscutível a existência do dano.
Por seu turno, quanto à indeterminação das pessoas lesadas, constata-se que a verificação deve ficar a cargo do juiz no caso concreto, não se adotando critérios rígidos para determinar atingidos pelo evento danoso.
No que tange à impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro a doutrina majoritária afirma que esse argumento foi o que experimentou mais êxito, pois é fato que não há um parâmetro exato, capaz de equacionar dano e reparação.
Contudo, apesar da consistência da tese, não se poderia aceitá-la basicamente por dois motivos. O primeiro é o de que estar-se-ia beneficiando o ofensor em detrimento da vítima por não ser possível estabelecer com exatidão o quantum reparatório. O segundo motivo é o baseado na constatação de que até mesmo nos danos de caráter patrimonial muitas vezes não é plausível a restituição ao status quo ante. Dessa forma, equivalência na reparação do dano não implica em igualdade entre indenização e prejuízo sofrido. A satisfação seria dada por aproximação do estado anterior das coisas.
Nesse sentido, vejamos a lição lapidar do Civilista Sérgio Cavalieri Filho[6], in verbis:
“Com efeito, o ressarcimento do dano moral não tende à restitutio in integrum do dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Substitui-se o conceito de equivalência, próprio do dano material, pelo de compensação, que se obtém atenuando, de maneira indireta, as consequências do sofrimento. Em suma, a composição do dano moral realiza-se através desse conceito – compensação -, que, além de diverso do de ressarcimento, baseia-se naquilo que Ripert chamava de ‘substituição do prazer, que desaparece, por um novo’. Por outro lado, não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar impune a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como espécie de pena privada em beneficio da vítima”.
Quanto à suposta imoralidade de se compensar a dor com pecúnia, os adeptos do positivismo afirmam que esse argumento não atende ao sentimento de justiça, na medida em que:
“... não é possível, em sociedade avançada como a nossa, tolerar o contra-senso de mandar reparar o menor dano patrimonial e deixar sem reparação o dano moral. Isso importaria em olvidar que os sistemas de responsabilidade civil são, em essência, o meio de defesa do fraco contra o forte, e supor que o legislador só é sensível aos interesses materiais.”[7].
Por fim, o último argumento, concernente ao aumento em demasia dos poderes do magistrado quando do arbitramento da reparação, tem-se que o mesmo não se sustenta já que o próprio ordenamento jurídico é quem faculta ao juiz arbitrar o dano, até mesmo em hipóteses de danos patrimoniais quando não for possível auferir esses com exatidão.
Segunda Fase. Do debate sobre a (im)possibilidade de cumulação de danos morais e materiais.
Num segundo momento, a discussão passou a ser no sentido de se indagar acerca da possibilidade ou não de cumulação dos danos morais com os danos materiais. Os que pugnavam pela impossibilidade de cumulação argumentavam que o dano material quando indenizado absorveria o dano moral.
Com efeito, YUSSEF SAID CAHALI, aponta que Supremo Tribunal Federal, apesar da doutrina majoritária anterior à Constituição de 1988 reconhecer a reparação autônoma do dano moral, em diversos julgamentos proferidos no período que vai do final da década de quarenta até fins da década de oitenta[8], entendeu pela não indenização do valor afetivo exclusivamente. O mencionado autor cita julgado de 1948 proferido pela 2ª Turma no qual foi negada a reparação por dano moral em razão de morte de filho sob o fundamento de que este “não contribuía em nada para o sustento da casa”. Era entendimento adotado pela Corte o de que a indenização por dano moral estaria abarcada pelos lucros cessantes no caso de morte de parente.
Assim, pode-se afirmar que as Teorias Negativistas do Dano Moral tinham forte influencia na Jurisprudência de modo a gerar consideráveis controvérsias entre os estudiosos da responsabilidade civil.
AGUIAR DIAS[9], citando Pontes de Miranda, destaca que este “...empenhou no debate sua profunda autoridade, estranhando, igualmente, que na sua época ainda se sustentasse a absoluta irreparabilidade do dano moral: ‘Que mal-entendida justiça é essa, que dá valor ao dano imaterial ligado ao material e não ao dano imaterial sozinho?’...”.
Novamente, adotavam-se premissas falsas como forma de não reconhecer efetivamente o dano extrapatrimonial. A reparação decorrente do dano material não poderia ser abrangente e suficiente de tal modo a não se reconhecer o direito à compensação pelo dano moral, pois, em diversos casos, o evento danoso não somente atinge os bens auferíveis economicamente da vítima, mas também os bens da personalidade.
Dessa forma, a indenização por dano patrimonial, ainda que proveniente da mesma causa/evento, não abrange o dano extrapatrimonial já que os bens jurídicos atingidos são diversos.
Do estágio legislativo e jurisprudencial atual: o amplo reconhecimento dos danos morais.
No estágio atual de disciplinamento da matéria, tal discussão viu-se verdadeiramente sepultada por diversos diplomas legais – notadamente, Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI e VII), Código Civil de 2002 (art. 186) e Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso X), lecionando a Profª. Maria Celina Bodin de Moraes[10] que:
“Com o advento da Constituição de 1988, fixou-se a prioridade à proteção da dignidade da pessoa humana e, em matéria de responsabilidade civil, tornou-se plenamente justificada a mudança de foco, que, em lugar da conduta (culposa ou dolosa) do agente, passou a enfatizar a proteção à vítima do injusto – daí o alargamento das hipóteses de responsabilidade civil objetiva, que independe da culpa, isto é, da prática de ato ilícito”.
Acresça-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão com a edição da Súmula nº 37: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato”. E, ainda, a Súmula nº 387: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
Contudo, cumpre, por fim, registrar que a súmula de nº 37 foi editada com base em Precedentes dos anos de 1990 e 1991, ou seja, em período posterior a edição dos supracitados diplomas legais o que demonstra a importância das alterações legislativas. Enquanto que o enunciado de nº 387 é de 2009, tendo Precedente no Superior Tribunal de Justiça prolatado em 03 de setembro de 1996 em que se reconheceu expressamente a acumulação do dano estético com o moral originários do mesmo fato. Verifica-se, pois, que hoje todos os esforços concentram-se na busca da reparação, tendo-se radicado em nossa consciência coletiva a ideia de que a vítima merece ser ressarcida[11].
CONCLUSÃO
A reparação dos danos de ordem moral constitui, inegavelmente, uma das formas de concretização dos postulados de dignidade humana. É certo que qualquer ordenamento jurídico que se funde em tal princípio não poderia deixar passar impunemente a violação de direitos não quantificáveis economicamente, mas dotados de essencialidade aos indivíduos.
Conforme delineado linhas acima, é forçoso concluir que, no que tange aos danos morais, temos o tema passou por uma ampla evolução na medida em que se partiu da discussão sobre a sua existência até o estágio atual de amplo reconhecimento.
A bem da verdade, nos dias atuais em que o direito busca garantir a dignidade da pessoa humana, é possível visualizar na doutrina e jurisprudência uma contínua e célere modificação das hipóteses de responsabilidade civil, existindo um forte movimento no sentido de diferenciar e tutelar outras espécies de danos no âmbito dos estudos de responsabilidade civil, uma vez que se considerará o bem jurídico violado diretamente, daí se falar em danos sociais, coletivos, por perda de uma chance dentre outros.
REFERÊNCIAS
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed., São Paulo: Atlas, 2009
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: Responsabilidade civil. 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MORAES. Maria Celina Bodin de. Dano moral: conceito, função, valoração. Revista Forense, vol. 403. Rio de Janeiro: jan-jun/2011.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
VILLAS BÔAS, Regina Vera. Concretização dos postulados da dignidade da condição humana: vocação contemporânea da responsabilidade civil. Revista de Direito Privado, v. 47. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul-set/2011.
VILLAS BÔAS, Regina Vera. Marcos Relevantes da História da Responsabilidade Civil. Revista dos Tribunais, vol. 908. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun./2011.
[1] Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 50.
[2] VILLAS BÔAS, Regina Vera. Marcos Relevantes da História da Responsabilidade Civil. Revista dos Tribunais, vol. 908. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun./2011, p. 145-172.
[3] DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pag. 1001 e ss.
[4] Idem.
[5] LOPEZ, Teresa Ancona. LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: Responsabilidade civil. 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004 p. 34.
[6] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 78.
[7] DIAS, José de Aguiar. Ob. cit, p. 1013.
[8] CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 49/52.
[9] Op. cit, p. 1016.
[10] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29.
[11] MORAES. Maria Celina Bodin de. Dano moral: conceito, função, valoração. Revista Forense, vol. 403. Rio de Janeiro: jan-jun/2011, p. 362.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Pós Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Filipe Alves de Lima. Do Negativismo à ampla tutela dos Direitos da Personalidade: uma análise sobre a evolução histórica do reconhecimento dos danos morais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46359/do-negativismo-a-ampla-tutela-dos-direitos-da-personalidade-uma-analise-sobre-a-evolucao-historica-do-reconhecimento-dos-danos-morais. Acesso em: 22 nov 2024.
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