RESUMO: O controle de constitucionalidade representa um grande avanço no sentido de proteger os direitos e garantias fundamentais e proporcionar harmonia ao ordenamento jurídico, preservando a supremacia da Constituição Federal. O presente trabalho tem como objetivo analisar a teoria da abstrativização ou objetivização do controle difuso de constitucionalidade à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir da análise de caso concreto julgado pela Suprema Corte envolvendo a declaração de inconstitucionalidade de artigo da Lei de Crimes Hediondos, que versava sobre a imposição de cumprimento de pena em regime integralmente fechado.
Palavras-chave: Controle difuso de constitucionalidade. Teoria da abstrativização. Efeitos da decisão.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Teoria da abstrativização ou objetivação do controle difuso de constitucionalidade; 2.1 Binding effect no controle difuso brasileiro; 2.2. Da análise do caso concreto; 3. Considerações finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro prevê um sistema misto de controle de constitucionalidade, que pode ser concentrado ou difuso, de modo que cada um apresenta peculiaridades típicas. Uma das características de diferencia o controle de constitucionalidade difuso do concentro é que este opera efeitos erga omnes e vinculante, vez que as decisões são proferidas em ações típicas pelo Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, no controle difuso, as decisões apenas produzem efeitos inter partes, havendo necessidade de manifestação do Senado Federal, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, suspendendo a eficácia da norma declarada inconstitucional pela Suprema Corte, para que possa produzir efeitos em relação a todos. É dentro desse contexto, em que se analisa a ocorrência, ou não, de mutação constitucional do referido artigo, bem como da aplicação, ou não, da teoria da abstrativização ou objetivização do controle difuso de constitucionalidade no sistema brasileiro.
2. TEORIA DA ABSTRATIVIZAÇÃO OU OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle difuso de constitucionalidade, também denominado incidental, é aquele que ocorre no bojo de qualquer ação, em que a parte interessada suscita, por meio de pedido incidental, a análise de determinada matéria, ao juiz ou tribunal competente para conhecer da matéria principal, de modo que o julgamento do pedido depende da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Assim, por se tratar de incidente processual e por não haver a formação de um processo específico para se discutir a constitucionalidade da lei ou ato normativo, a decisão que declara a inconstitucionalidade apenas produz efeitos perante as partes da lide. Em outras palavras, a lei declarada inconstitucional produz efeitos apenas inter partes, pois deixará de ser aplicada apenas naquele caso concreto, permanecendo, pois, plenamente válida e eficaz no ordenamento jurídico brasileiro.
Todavia, tal decisão poderá produzir efeitos erga omnes, desde que o Senado Federal “suspenda a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, conforme determina a Constituição Federal, em seu artigo 52, inciso X.
Percebe-se, pois, que o Senado Federal, embora integrante do Poder Legislativo Federal, não possui a prerrogativa de revogar a norma declarada inconstitucional, pois tal medida dependeria de processo legislativo típico, nos termos constitucionais. Assim, a Casa Legislativa somente suspende a eficácia da norma, que permanece vigente, mas destituída de eficácia. A partir da Resolução do Senado Federal, a declaração de inconstitucionalidade passa a operar efeitos perante todos os indivíduos e casos que se enquadrem em sua previsão. Diz-se, portanto, que os efeitos passam a ser erga omnes.
Registre-se que, a doutrina majoritária entende que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional pela Excelsa Corte, tratando-se, pois, de discricionariedade política, em homenagem ao princípio constitucional da separação dos poderes.
A Constituição Federal de 1988, sobretudo após a emenda constitucional nº 45/2004, trouxe grandes avanços quanto à atuação do Poder Judiciário brasileiro no tocante ao controle de constitucionalidade. Assim, diante das inovações, o controle de constitucionalidade vem ganhando novos contornos na doutrina, principalmente em razão da necessidade de modernização e adequação do sistema brasileiro, para se conferir maior efetividade às decisões judiciais.
Parte da doutrina constitucionalista, aqui capitaneada por Zanotti (2010), defende a teoria da abstrativização ou objetivação do controle difuso de constitucionalidade, também denominada de teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão. Vale ressaltar, todavia, que para alguns autores, a teoria da transcendência dos motivos determinantes seria uma das consequências da adoção da teoria da abstrativização do controle difuso, assim entendida como a extensão de características do controle concentrado ao controle difuso.
Conforme já pontuado, no controle difuso, a arguição de inconstitucionalidade da lei representa a causa de pedir, que serve como suporte ao pedido, razão pela qual não faz coisa julgada. Em outro sentido, no controle concentrado a alegação da inconstitucionalidade é o próprio pedido da ação objetiva, o que possibilita a caracterização da coisa julgada material. Assim, tendo em vista as características particulares do controle em abstrato, a decisão opera efeitos erga omnes.
Por tais razões, a regra contida no citado artigo 52, inciso X, da Carta Magna é aplicada somente ao controle difuso, tendo em vista suas peculiaridades. Repita-se, a decisão exarada em controle difuso opera efeitos inter partes, ao passo que a extensão dos seus efeitos para as demais pessoas e casos depende da manifestação do Senado Federal.
Ocorre que, parte da doutrina defende a aplicação da teoria da abstrativização, de modo que as regras atinentes ao controle concentrado sejam aplicadas também ao controle difuso, sem que haja necessidade de manifestação de qualquer órgão além do próprio Poder Judiciário. E mais, defende que se operou o fenômeno da mutação constitucional no tocante ao artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, isto é, uma alteração substancial do sentido da Constituição sem que ocorra fatídica modificação do seu texto.
O que se pretende com a teoria apresentada é justamente ampliar de forma automática e independente os efeitos da decisão concedida em sede de controle difuso, de modo a englobar a totalidade dos indivíduos, ultrapassando os limites da ação subjetiva, sem, contudo, ser necessária a atuação do Senado Federal no sentido de suspender a execução da lei declarada inconstitucional pela Suprema Corte. Em outras palavras, tem-se a oportunidade de conferir os efeitos concedidos ao controle concentrado de igual forma ao controle difuso, sem a necessidade da remessa ao Senado Federal.
Em que pese os argumentos contrários, Zanotti (2010, p. 123-124) apresenta duas finalidades básicas e importantes da teoria, quais sejam “desvincular do controle difuso do STF a análise do caso concreto, tal como se dá no controle em abstrato, e outorgar os mesmos instrumentos utilizados no controle concentrado de constitucionalidade ao controle difuso”. E prossegue ao explicitar que:
Devido a essa aproximação, o Supremo Tribunal Federal tem utilizado instrumentos classicamente atribuídos à Ação Direta de Inconstitucionalidade para as decisões tomadas pelo Pleno do Tribunal no julgamento de causas no controle difuso de constitucionalidade. Assim, qualquer julgado do Pleno do STF, em hábeas corpus, mandado de segurança, recurso extraordinário, entre outros, terá a aplicação de tal teoria.
Registre-se que uma das consequências jurídicas de se reconhecer o efeito vinculante e erga omnes para as decisões provenientes do controle difuso é a possibilidade do uso do instituto da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal.
Isto é, caso a Corte Superior profira decisão de declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso, qualquer pessoa que, em situação análoga, contudo, em processo distinto, obtiver decisão em sentido contrário àquela proferida pelo Supremo Tribunal Federal, poderá fazer uso da reclamação para preservar a autoridade de suas decisões. Isso porque, conforme aponta o artigo 102, inciso I, alínea “l”, do texto constitucional, compete privativamente ao Supremo Tribunal Federal a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.
2.1 BINDING EFFECT NO CONTROLE DIFUSO BRASILEIRO
Bruno Taufner Zanotti (2010) apresenta, ainda, como tema correlato à teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, o instituto americano binding effect, como sendo a denominação que se dá ao efeito vinculante vertical, ou seja, ocorre a vinculação da decisão tomada pela Suprema Corte aos demais juízes e tribunais de instância inferior. Esse termo surgiu no controle de constitucionalidade difuso norte-americano, que possui duas características quanto à vinculação dos efeitos da decisão: na hipótese de existir um leading case (isto é, precedente) a eficácia da decisão é horizontal, atingindo todos os juízes de mesma hierarquia e da mesma Corte que decidiu a questão; ao passo que, conforme explicado acima, o binding effect proporciona que o precedente atinja, também, os juízes e tribunais de hierarquia inferior. Nas palavras de Zanotti (2010, p. 133):
A questão reside em analisar se o binding effect possui aplicação no controle difuso de constitucionalidade brasileiro. [...] em regra, as decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade não possuem efeito vinculante (o descumprimento não autoriza o manejo de Reclamação). Por isso, a priori, não se pode falar na existência do binding effect.
Especificamente sobre esse tema, em que pese a extrema correlação com a teoria da transcendência dos motivos determinantes, a Suprema Corte não parece ter se debruçado sobre ele. Todavia, trata-se de instituto novo, com contornos e efeitos muito parecidos com os já tratados no presente trabalho, razão pela qual, pode-se afirmar, preliminarmente, que a jurisprudência brasileira igualmente não acata o instituto norte-americano do binding effect.
2.2. DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO
Na reclamação nº 4335/AC, o relator Ministro Gilmar Mendes defendeu que o sentido inicial empregado à regra contida no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, estaria superado, tendo em vista a mutação constitucional ocorrida. O Informativo de Jurisprudência nº 454, publicado no site da Suprema Corte em 1º de fevereiro de 2007, assim apontou:
Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP.
Nesse contexto, no julgamento do habeas corpus nº 82959, o Ministro Gilmar Mendes, seguido pelo Ministro Eros Grau, atualmente aposentado, afirmou expressamente que “as decisões do Plenário do STF proferidas em controle difuso de constitucionalidade possuem efeitos erga omnes e que o papel do Senado, atualmente, é o de tão-somente dar publicidade ao que foi decidido, tendo havido mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88”.
Para o Ministro Gilmar Mendes, a concepção tradicional está ultrapassada e não mais se coaduna com a atual ordem constitucional, em virtude da necessidade de uma ressignificação dos institutos ligados ao controle incidental, sendo legítimo entender que o papel do Senado Federal é o de proporcionar o efeito de publicidade da decisão da Suprema Corte, ao publicá-la no Diário do Congresso Nacional.
Verifica-se que, o Supremo Tribunal Federal apresentava iniciais manifestações no sentido de haver uma tendência para admissão da teoria da abstrativização do controle difuso, o que, entretanto, não foi confirmado posteriormente pelo pleno.
Mostra-se interessante, pois, analisar a sequência concreta dos julgados envolvendo a problemática, para melhor compreensão sobre a discussão acerca da aceitação, ou não, da teoria pela jurisprudência brasileira. Para tanto, será analisado no presente trabalho o caso sobre a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei de Crimes Hediondos, conforme restará ao final demonstrado.
Inicialmente, cumpre destacar que a Lei n° 8.072/90, em sua redação original, vedava a progressão do regime de cumprimento de pena para os crimes hediondos e outros a eles equiparados, de modo que a pena deveria ser cumprida em regime integralmente fechado. O Supremo Tribunal Federal, em 23 de fevereiro de 2006, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei n° 8.072/90, no bojo do habeas corpus nº 82959/SP, impetrado em favor de um único paciente, portanto, em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Os argumentos utilizados para a declaração de inconstitucionalidade, além de outros, podem ser assim sintetizados: a) violação do princípio constitucional expresso da individualização da pena (artigo 5º, XLVI, CF), segundo o qual a pena deve ser aplicada conforme as circunstâncias pessoais do réu e as peculiaridades do caso concreto; b) a inviabilização de operacionalizar a ressocialização do preso, em razão da proibição de progressão de regime.
Para a teoria tradicional, essa decisão em sede de controle difuso apenas opera efeitos para as partes da relação processual específica, de modo que sua extensão com efeitos erga omnes depende da manifestação do Senado Federal no sentido de suspender a execução, no todo ou em parte, da lei viciada (artigo 52, X, CF), tratando-se de decisão discricionária da Casa Legislativa.
Considerando a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei n° 8.072/90, determinado indivíduo condenado por crime hediondo ingressou com um pedido perante o juízo das execuções penais, requerendo a progressão do regime de cumprimento de pena, o que indeferido, sob o argumento de que a Lei n° 8.072/90, em sua redação original, vedaria tal possibilidade e que a decisão da Suprema Corte no habeas corpus nº 82959/SP não produziria efeitos erga omnes antes de o Senado Federal suspender a execução do dispositivo declarado inconstitucional.
Diante de tal fato, o condenado apresentou uma reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, alegando ofensa à autoridade de sua decisão, sob o argumento de que já havia declaração de inconstitucionalidade proferida pela Corte máxima do ordenamento jurídico brasileiro. Conforme anteriormente exposto, o Ministro Gilmar Mendes se manifestou no sentido de ser viável a aplicação da teoria da objetivização do controle difuso e do fenômeno da mutação constitucional.
Todavia, os demais Ministros refutaram as conclusões exaradas pelo eminente jurista, entendendo que a decisão em sede incidental continua produzindo, em regra, efeitos apenas inter partes, permanecendo inalterado o sentido original do inciso X do artigo 52, da Carta Magna, de forma que o papel do Senado é o de ampliar essa eficácia, tornando-a, a partir desse momento, aplicável amplamente a todos.
Ocorre que, antes de o plenário do Supremo Tribunal Federal se debruçar de modo definitivo sobre a problemática envolvendo a Reclamação nº 4335/AC, pondo fim à celeuma, o mesmo Tribunal Superior editou, com base no artigo 103-A, da Carta Magna, a súmula vinculante nº 26, para definir que, independentemente de a decisão inicial ter sido proferida no bojo de um habeas corpus, considerando a existência de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional e a controvérsia atual entre os órgãos judiciários, considera-se inconstitucional a imposição de vedação à progressão de regime de cumprimento de pena, nos seguintes termos:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Sendo assim, com base na súmula vinculante supramencionada, editada no interstício compreendido entre a data da propositura da reclamação e o seu julgamento, a Suprema Corte se manifestou no sentido da procedência da reclamação nº 4335/AC. No entanto, note-se que o fez não por acolhida dos argumentos do eminente Ministro Gilmar Mendes, mas considerando o enunciado sumulado. Isso porque, após a edição da súmula vinculante nº 26, a decisão do respeitável magistrado, de fato, passou a contrariar o entendimento jurisprudencial, desrespeitando a autoridade das decisões da Suprema Corte.
Diante de tal cenário, surgiu, então, a indagação a respeito da aceitação, ou não, por parte da Suprema Corte da teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, isto é, se os motivos determinantes da fundamentação do habeas corpus nº 82959/SP teria transcendido para alcançar a reclamação nº 4335/AC.
Para os que defendem a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão, considerando a declaração de inconstitucionalidade em caráter incidental no controle difuso, haveria sim essa transcendência da fundamentação para atingir quaisquer ações com conteúdo e características semelhantes. Para os que refutam a teoria, não houve acolhida, mas simples aplicação da súmula vinculante, tendo em vista a existência de controvérsia atual entre os órgãos judiciários e de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, o que demandaria a atuação do Supremo Tribunal Federal na edição de enunciado com efeitos vinculantes.
Discussões doutrinárias à parte, o fato é que a Suprema Corte, por maioria, no julgamento final da reclamação nº 4335/AC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, julgada em 20 de março de 2014, não acolheu a tese da abstrativização do controle difuso, muito menos que mutação constitucional do artigo 52, X, da Constituição Federal. Logo, o papel do Senado Federal continua intocável, havendo necessidade de Resolução confeccionada pela Casa Legislativa para conferir eficácia erga omnes às decisões definitivas de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Importante destacar que, em seu voto, o Ministro Teori Zavascki, seguido pela maioria dos ministros, ressaltou que o artigo constitucional que versa sobre a competência do Senado Federal não sofreu mutação constitucional. Todavia, não se pode ignorar que existem decisões da própria Suprema Corte, proferidas em controle difuso, que gozam de força expansiva, o que é diferente da eficácia erga omnes. Assim, no atual nível em que se encontra o ordenamento jurídico brasileiro, caminha-se para um sistema de valorização dos “precedentes judiciais emanados dos tribunais superiores, aos quais se atribui, cada vez com mais intensidade, força persuasiva e expansiva em relação aos demais processos análogos”.
Sobre o tema, destaca-se trecho do voto do Ministro Teoria Zavascki:
Não se pode deixar de ter presente, como cenário de fundo indispensável à discussão aqui travada, a evolução do direito brasileiro em direção a um sistema de valorização dos precedentes judiciais emanados dos tribunais superiores, aos quais se atribui, cada vez com mais intensidade, força persuasiva e expansiva em relação aos demais processos análogos. Nesse ponto, o Brasil está acompanhando um movimento semelhante ao que também ocorre em diversos outros países que adotam o sistema da civil law, que vêm se aproximando, paulatinamente, do que se poderia denominar de cultura do stare decisis, própria do sistema da common law. A doutrina tem registrado esse fenômeno, que ocorre não apenas em relação ao controle de constitucionalidade, mas também nas demais áreas de intervenção dos tribunais superiores, a significar que a aproximação entre os dois grandes sistemas de direito (civil law e common law) é fenômeno em vias de franca generalização [...]. É interessante ilustrar a paulatina, mas persistente, caminhada do direito brasileiro no rumo da valorização dos precedentes judiciais, no âmbito da jurisdição geral.
Assim, nas palavras do ministro, o panorama atual revela uma “inequívoca força ultra partes que o sistema normativo brasileiro atualmente atribui aos precedentes dos tribunais superiores e, especialmente, do STF”.
Por outro lado, em que pese o reconhecimento da força persuasiva e expansiva das decisões da Suprema Corte, não se pode afirmar que será admitido o uso da reclamação todas as vezes em que houver descumprimento das decisões superiores. Destaca o douto jurista que “o mais prudente é conferir uma interpretação estrita a essa competência, restringindo o cabimento das reclamações”. Isso porque, “não se pode dizer que a força expansiva das decisões do STF seja sinônimo perfeito de efeitos erga omnes e vinculantes. A reclamação cabe na hipótese de descumprimento de decisões do STF que gozem de eficácia vinculante e erga omnes, mas não será admitida em caso de violação a decisões que tenham “apenas” força expansiva”.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, verifica-se que, diante das decisões proferidas pela Suprema Corte até o presente momento, não há a aceitação da teoria da abstrativização ou objetivização do controle difuso de constitucionalidade no Direito brasileiro.
Entretanto, destaca-se que as decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no bojo das mais diversas ações, em sede de controle difuso de constitucionalidade possuem força expansiva, o que não permite afirmar, em regra, que são dotadas de eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Por outro lado, tendo em vista a interpretação restritiva atribuída pelo Supremo Tribunal Federal ao artigo 102, inciso I, alínea “l”, a legitimidade ativa para a propositura da reclamação constitucional só é conferida às partes integrantes da relação processual, de modo que somente é cabível a reclamação nas hipóteses em que a norma, constitucional ou infraconstitucional, expressamente estabelecer como efeitos típicos o vinculante e o erga omnes, a exemplo das súmulas vinculantes.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82959 / São Paulo.
Relator(a): Min. Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2882959%2ENUME%2E+OU+82959%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/k5azyos>. Acesso em: maio de 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante nº 26. Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. São Paulo: Saraiva, 2016.
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Pós-Graduação em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Ana Flávia Wanderley Bezerra. Análise da teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade à luz da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46385/analise-da-teoria-da-abstrativizacao-do-controle-difuso-de-constitucionalidade-a-luz-da-jurisprudencia-atual-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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