Resumo: O presente trabalho tem por objetivo o estudo do controle difuso de constitucionalidade no sistema brasileiro de justiça constitucional, examinando suas particularidades, nomeadamente os pressupostos de admissibilidade, tanto subjetivos quanto objetivos; a cláusula de reserva do plenário e as hipóteses de sua aplicação; o recurso extraordinário e sua disciplina, mormente os institutos do prequestionamento e da repercussão geral e, por fim; o papel da intervenção do Senado Federal nesta modalidade de fiscalização da norma com a Constituição.
Palavras-chave: Brasil. Controle de Constitucionalidade. Supremo Tribunal Federal. Reserva de Plenário. Recurso Extraordinário.
Abstract: This work aims to study the judicial review in the Brazilian system of constitutional justice, examining its characteristics, including the admissibility requirements, both subjective and objective; the clause of reservation of the plenary and the chances of your application; the extraordinary appeal and discipline, especially the institutes of pre-inquiry and general repercussion and finally; the role of intervention by the Senate this control of constitutionality mode.
Keywords: Brazil. Judicial Review. Supreme Court. Reserve Plenary. Extraordinary Appeal.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. 2.1 REQUISITOS SUBJETIVOS. 2.2 REQUISITOS OBJETIVOS. 3 CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. 4 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 4.1 PREQUESTIONAMENTO. 4.2 VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO. 4.3 REPERCUSSÃO GERAL. 5 PAPEL DO SENADO FEDERAL. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O controle difuso de constitucionalidade é a modalidade de controle que faculta a todos os juízes e tribunais, independentemente do grau ou instância, exercer a atividade de fiscalização da compatibilidade da norma com a Constituição. Ele surge no início do século XIX nos Estados Unidos da América, com o julgamento, pela Suprema Corte daquele país, do célebre case Marbury x Madison, inaugurando, assim, a tradição da judicial review.
Tem como características clássicas principais ser exercido, como já frisado, por qualquer juiz ou tribunal; ser incidental, ou seja, emergir da análise de um caso concreto; ser prejudicial, o que significa que o juízo de compatibilidade da norma com a Constituição é condição necessária e indispensável à solução da lide e; a decisão possui eficácia apenas entre as partes integrantes do processo, não havendo generalização dos efeitos da coisa julgada.
No Brasil, ele surge com o advento da Constituição Republicana de 1891, que sofreu significativa influência do direito norte-americano, cuja judicial review já estava consolidada desde o início daquele século. Assim, foi estabelecida a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Federal (STF) quando a questão versasse sobre inconstitucionalidade de lei federal, tratado ou atos de governo.
A Constituição de 1934 aprimorou os mecanismos do controle difuso, consagrando a cláusula de reserva de plenário e a intervenção do Senado Federal no procedimento de ampliação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, institutos esses conservados até hoje pela vigente Constituição.
Após algum retrocesso operado pela Carta ditatorial de 1937[1] no que atine a esta temática, houve o restabelecimento, quando do surgimento da Constituição de 1946, da sistemática reproduzida na Constituição de 1934, que praticamente foi mantida sem maiores alterações nas subsequentes Constituições brasileiras, até o advento da Emenda Constitucional nº. 45/2004 que trouxe algumas mudanças no procedimento do controle incidental de constitucionalidade.
Este trabalho tem por objetivo analisar o tratamento atual desta modalidade de controle de constitucionalidade no país, especialmente seus pressupostos de admissibilidade, a disciplina da cláusula de reserva de plenário, além do regramento do Recurso Extraordinário, seus requisitos e o papel do Senado Federal neste imbrincado procedimento. Com esta abordagem, espera-se oferecer um panorama geral sobre este importante e indispensável instituto do direito constitucional.
2 PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
O controle de constitucionalidade concreto no Brasil geralmente opera-se pela via difusa, pois, conforme já assinalado, desde a Constituição Republicana de 1891 reconhece-se a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal declarar, de modo incidental, a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos aplicáveis ao caso sub judice.
Todavia, o procedimento de declaração desta referida inconstitucionalidade difere, de modo substancial, se aplicado por juiz singular ou por órgão colegiado, pois, enquanto ao juiz de 1º grau é facultado afastar a aplicação da norma reputada inconstitucional de maneira direta, os Tribunais deverão observar a denominada “cláusula de reserva de plenário”, disposta no artigo 97[2] da Constituição Federal, que prevê um iter mais rebuscado para o alcance da pronuncia da inconstitucionalidade. Assim, necessário se faz analisar os pressupostos de admissibilidade[3] do referido mecanismo de controle.
2.1 REQUISITOS SUBJETIVOS
Aqui, trata-se de saber quais os sujeitos legitimados para levantar o incidente. Historicamente, o direito de arguir a inconstitucionalidade pertence ao Réu no âmbito do caso concreto, tanto é assim que o controle concreto de constitucionalidade também é denominado de controle por via de exceção ou defesa, pois, no conjunto conferido ao demandado para resistir à pretensão do Autor (matéria de defesa) insere-se a arguição de inconstitucionalidade[4] do dispositivo normativo convocado para a causa.
Entretanto, também é reconhecida ao Autor a faculdade de suscitar a questão constitucional, segundo Barroso[5], com a massificação das decisões de caráter preventivo (tutela antecipada, provimento liminar, medida cautelar), este fenômeno tem-se observado de modo mais intenso, notadamente quando do manejo das ações constitucionais de mandado de segurança e habeas corpus. Outrossim, poderá o Ministério Público levantar a inconstitucionalidade, quer funcionando como parte ou como fiscal da lei (custos legis), assim como os terceiros intervenientes.
Quanto à possibilidade do juiz ou tribunal reconhecer ex offício a questão constitucional quando não houver manifestação das partes, há que operar uma diferenciação entre o sujeito apto a exercitá-la. Nas instâncias ordinárias (1º e 2º graus de jurisdição) não existe maiores dificuldades em reconhecer tal faculdade aos magistrados – em relação aos tribunais, devem estes observar o procedimento do art. 97 da Constituição Federal (CF) e dos arts. 948 a 950 do Código de Processo Civil (CPC) para emissão do juízo de inconstitucionalidade.
Porém, conforme destaca Barroso[6], na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 117.805-PR), “em sede de recurso extraordinário, não tendo havido prequestionamento da matéria constitucional, a regra de que a inconstitucionalidade poder ser declarada de ofício deve ser recebida com temperamento”[7].
2.2 REQUISITOS OBJETIVOS
Segundo os precisos ensinamentos de Gilmar Mendes[8], inexiste, na dogmática constitucional brasileira, uma disciplina bem definida relativa à arguição da questão constitucional no controle difuso-concreto de constitucionalidade. Entretanto, partindo de uma análise da evolução histórica do instituto, o eminente professor elenca, basicamente, três requisitos.
Primeiramente, o ato combatido por pechado de inconstitucionalidade, necessariamente, deve possuir natureza normativa e ser oriundo do Poder Público[9]. Em segundo lugar, mister se faz que a questão levantada seja relevante para a resolução do caso concreto. Aqui, reside o conceito de prejudicialidade: a questão enfrentada deve constituir pressuposto lógico para a decisão da causa, não se admitindo a arguição impertinente, ou seja, aquela que invoca a inconstitucionalidade de norma da qual não dependa o julgamento da lide. Por fim, será improcedente a arguição se rejeitada pela maioria absoluta dos membros do órgão fracionário de determinado Tribunal.
3 CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO
A cláusula ou princípio da reserva do plenário constitui parte indelével da memória constitucional brasileira, sendo instituída pela vez primeira na Constituição de 1934 (v. supra) e atualmente encontra assento no artigo 97 da Carta Política vigente no Brasil. Dispõe mencionado artigo que “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. A adoção deste quórum qualificado para declarar a inconstitucionalidade das normas tem sua justificação no princípio do favor legis, ou da presunção de constitucionalidade das leis.
O procedimento para decretação da inconstitucionalidade nos tribunais está insculpido nos artigos 948 a 950[10] do Código de Processo Civil brasileiro (Lei nº. 13.105/2015) que, somando ao princípio da reserva de plenário, constitui a disciplina regente da matéria. Assim, tem-se que, embora a maioria dos julgamentos de recursos ocorra nos órgãos fracionários, só ao plenário (ou órgão especial onde houver) é acometida a legitimidade para declarar inconstitucionalidade das normas.
Em uma tentativa de sistematizar o regramento recursal, pode-se afirmar que arguida a questão incidental de inconstitucionalidade, o relator do recurso submeterá o incidente para análise do órgão fracionário ao qual integre. Rejeitada a questão, o julgamento da causa seguirá seu trâmite regular, inclusive sendo possível a aplicação da norma cuja inconstitucionalidade fora afastada ao caso.
Porém, se acolhida a arguição, a turma, câmara ou seção suspenderá o processo e remeterá a questão para o plenário (ou órgão especial) do tribunal, visando o cumprimento do artigo 97 da CF. Ou seja, o processo decisório é dividido em duas fases. Opera-se o fenômeno denominado pela doutrina de “cisão funcional da competência”.
O plenário deliberará sobre a questão, observando o quórum qualificado para o procedimento. Da decisão do pleno não cabe recurso e, após o julgamento do incidente, este órgão encaminhará a decisão para o órgão fracionário que julgará o recurso adstrito às balizas traçadas no acórdão do plenário. Afirma o insigne processualista José Carlos Barbosa Moreira[11] que:
“(...) a decisão do plenário (‘ou do órgão especial’), num sentido ou noutro, é naturalmente vinculativa para o órgão fracionário, no caso concreto. Mais exatamente, a solução dada à prejudicial incorpora-se no julgamento do recurso ou da causa, como premissa inafastável”.
Decidido o caso concreto no órgão fracionário, a parte poderá recorrer, inclusive no que diz respeito à declaração de inconstitucionalidade, se o plenário a tiver declarado. Houve casos em que os órgãos fracionários afastavam a incidência da norma embora não declarassem, expressamente, sua inconstitucionalidade. Tal prática se mostrou colidente com o princípio da reserva de plenário, visto que:
“(...) a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, em controle difuso, é pressuposto para o afastamento da aplicação da norma tida por inconstitucional e que tal declaração, em se tratando de decisão proferida por tribunal, só pode ser feita pelo plenário ou pelo órgão especial, por maioria absoluta”[12][13].
A adoção reiterada deste expediente levou o Supremo Tribunal Federal a editar o verbete vinculante nº. 10 da Súmula da jurisprudência do tribunal, com a seguinte redação: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte”.
Destaquem-se, por derradeiro, as exceções feitas pela própria legislação ao procedimento do artigo 97 da CF. No § único do artigo 949 do Código de Processo Civil está previsto que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes[14] ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Referido entendimento é fruto de uma evolução jurisprudencial que objetivou trazer celeridade e racionalidade aos trabalhos dos tribunais, e só alcançou a consagração legislativa no ano de 1998, com o advento da Lei nº 9.756, de 1998, que alterou o CPC então vigente (de 1973), para incluir expressamente essa previsão. Dispositivo que, como já visto, foi reproduzido no atual Código de Processo Civil[15].
Observe-se que o Supremo Tribunal Federal também se submete à cláusula da reserva de plenário, mas a sistemática não é a mesma que a elencada no Código de Processo Civil, sendo regida pelos artigos 176 a 178 do Regimento Interno[16] da Corte. Destaque-se como principal diferença a atribuição do plenário para o julgamento do mérito da causa após o enfrentamento da questão prejudicial de inconstitucionalidade, não sendo necessário devolver o processo à Turma de origem.
Sinteticamente, assim se apresenta o sistema de declaração de inconstitucionalidade exercida no âmbito dos tribunais brasileiros compaginado com o princípio constitucional da reserva de plenário. Buscou o legislador conferir maior legitimação as decisões que padecem do vício insanável da inconstitucionalidade normas exaradas pelos Poderes Públicos, reservando ao órgão máximo dos tribunais (salvo as exceções elencadas) a obrigação de os incidentes de constitucionalidade[17].
4 RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, a quem, por determinação expressa do texto magno, cabe precipuamente a guarda da Constituição. O tribunal, a exemplo dos demais pretórios nacionais – não obstante detenha o monopólio do controle concentrado-abstrato de constitucionalidade –, exerce o controle incidenter tantum das normas, tanto nos processos de sua competência originária, como nos julgamentos de recursos ordinários ou nos extraordinários. Entretanto, se concentra nessa ultima modalidade recursal o maior número de ações que tramitam junto àquela Corte, tornando a principal via de exercício do controle concreto de constitucionalidade pelo STF.
O recurso extraordinário está previsto no artigo 102, III[18] da Constituição Federal que elenca as hipóteses de seu cabimento. Referido instrumento possui uma dupla função ou finalidade: garantir a supremacia normativa da Constituição, através da palavra de seu “guardião” e; serve como instrumento de uniformização da jurisprudência acerca da interpretação das normas constitucionais[19].
Podem ser intentados contra as decisões proferidas em única ou ultima instância que ponham termo à causa. De logo, percebe-se que, ao contrário de outros países (a exemplo de Portugal), no Brasil exige-se o pleno esgotamento das vias ordinárias. Geralmente o recurso extraordinário é manejado contra as decisões dos tribunais, todavia, há situações em que são cabíveis contra provimento do juiz singular[20].
Sua disciplina está exposta nos artigos 1029 a 1035 do Código de Processo Civil. O prazo para sua interposição é de 15 (quinze) dias (CPC, art. 1003, §5º). Deve ser interposto perante o presidente ou vice-presidente (nos casos em que há previsão no regimento interno do tribunal) da Corte. Recebida a petição, será o recorrido intimado para apresentar contrarrazões. Em seguida, o relator adotará uma das providências do art. 1030 do CPC[21].
Negado o recurso, cabe agravo para o STF (CPC, art. 1030, §1º). Note-se que, ao presidente (ou vice) do tribunal não cabe analisar o mérito do recurso (pois esta competência é reservada ao STF), tocando-lhe apenas verificar se os requisitos de admissibilidade estão devidamente preenchidos.
Remetido o processo à Corte Suprema, o relator sorteado irá proceder a um novo juízo de admissibilidade, este sim um juízo definitivo, pois possui o Ministro poder para negar seguimento ao recurso, mesmo que tenha sido admitido pelo presidente do tribunal “a quo”. É o chamado sistema desdobrado ou bipartido de admissibilidade dos recursos.
4.1 PREQUESTIONAMENTO
Conforme já pontuado, há no Brasil a exigência de esgotamento pleno das instâncias ordinárias para que se tenha acesso à Corte Suprema através do recurso extraordinário[22]. Não existe a possibilidade de recurso per saltum (a exemplo de Portugal). Como corolário lógico desta exigência, tem-se que a matéria constitucional deva ser enfrentada nos tribunais “a quo” antes do processo aportar no STF, pois este não funciona como uma espécie de terceiro grau de jurisdição.
Antes, como se deriva da própria ratio do recurso extraordinário, a função de uniformizar a interpretação constitucional, requer que ao Tribunal de cúpula da nação só caiba enfrentar questões de direito[23] (e não de fato) objetivando, assim, manter a higidez da ordem jurídica.
Dentro desse contexto situa-se o instituto do prequestionamento. Ocorrerá o prequestionamento quando a questão constitucional for enfrentada na decisão recorrida prolatada pela instância ordinária. A despeito de ser considerado ou não requisito de admissibilidade[24] do recurso extraordinário, o fato é que o instituto em comento é imprescindível para que se possibilite a análise do recurso[25]. O prequestionamento não se encontra expressamente plasmado na Constituição, todavia, entende-se que, de maneira implícita, a Carta Magna o acolhe, pois as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário exigem o debate da matéria constitucional nos juízos “a quo”[26].
Se a decisão não enfrentar a questão constitucional ventilada, a sistemática processual prevê uma modalidade recursal para pugnar pela análise da matéria – os embargos de declaração, que terão efeitos prequestionatórios, ou seja, a parte incitará a manifestação do tribunal.
Verificada a hipótese de, mesmo após a interposição deste recurso, a Corte permanecer silente, entendia o STF que ocorreria o denominado prequestionamento ficto[27], assim, a simples interposição dos embargos restaria suficiente para atender a necessidade de prequestionamento[28]. Este entendimento, inclusive, foi positivado no art. 1025 do CPC[29] vigente, encerrando uma longa controvérsia que existia entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça[30]. Por fim, anote-se que para efeito de cumprimento do requisito, não é essencial a menção expressa do dispositivo constitucional vergastado[31].
4.2 VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO
Para efeitos de manejo do recurso extraordinário a jurisprudência do STF tem entendido que a violação à Constituição deve se dar de forma direta, de maneira frontal, ou seja, se, em determinada conjectura, para se chegar ao preceito constitucional violado a parte recorrente, na construção de sua argumentação, alegar desconformidade do ato normativo com a legislação infraconstitucional, o recurso não será conhecido, pois a afronta à Constituição ocorreu de maneira indireta ou reflexa[32] [33].
Outrossim, cumpre ressaltar que esta violação, embora necessite ser frontal, não precisa ser contra dispositivo explícito na Carta Magna. Ao revés, admite-se o RE contra afronta aos princípios implícitos no texto constitucional. Como bem observa Lênio Streck[34]:
“O que importa referir, nos limites destas reflexões, é a importância do recurso extraordinário como mecanismo de acesso à jurisdição constitucional. Adquirem relevância, nesse contexto, os princípios constitucionais, para mostrar que não é somente a violação de um preceito explícito no texto constitucional que pode acarretar um juízo de inconstitucionalidade. Partindo do princípio de que a vigência de uma lei é secundária em relação à sua validade, e essa validade somente pode ser aferida a partir de sua conformação com o texto constitucional (entendido em seu todo principiológico), qualquer texto normativo que tenha o condão de arranhar a Constituição deve passar pelo crivo do controle de constitucionalidade. Daí a importância dos princípios como o da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da proibição do excesso (Übermassverbot), ao qual, no direito alemão (e, como se vê, também no direito brasileiro), outorga-se “qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado de Direito. Cuida-se, fundamentalmente, de aferir a compatibilidade entre meios e fins, de molde a evitar desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais””.
4.3 REPERCUSSÃO GERAL
A repercussão geral foi um instrumento criado pela Emenda Constitucional nº. 45/2004[35], posteriormente regulamentado pela da Lei 11.418/2006 – que alterou o CPC de 1973, incluindo os arts. 543-A e 343-B que disciplinavam o instituto – e, atualmente, encontra-se positivado no art. 1035 do CPC vigente.
Este mecanismo visa à filtragem dos recursos extraordinários interpostos perante o STF, além da otimização e do máximo aproveitamento dos julgamentos da Corte. Percebeu o legislador constituinte derivado que o excessivo número de recursos extraordinários distribuídos ao Supremo estava dificultando os trabalhos do Tribunal.
Ainda, os efeitos das decisões tomadas em sede de controle concreto (inter partes, facultado ao Senado atribuir efeitos erga omnes como se analisará adiante) por diversas vezes levava repetição massificada de questões constitucionais já discutidas na Corte. Na tentativa de corrigir essas vicissitudes, o legislador estatuiu a repercussão geral.
A lei não apresentou um conceito formal de repercussão geral, convém observar, no entanto, que, nos moldes do art. 1035, §1º do CPC, “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.
Todavia, o preenchimento desses enunciados normativos abertos tornou-se tarefa exclusiva do STF. É possível afirmar que a repercussão geral constitui um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário[36].
Então, para interpor um recurso extraordinário, a parte, além de necessitar se adequar a uma das hipóteses do art. 102, III da Constituição, necessita, através de preliminar do recurso (CPC, art. 1035, §2º), demonstrar a relevância econômica, política, social ou jurídica da questão.
Assim, constitui ônus do recorrente demonstrar a ocorrência de repercussão geral, salvo se o recurso impugnar acórdão que contrarie a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal ou tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal nos termos do artigo 97 da CF (CPC, art. 1035, §3º, I e II), além do recurso contra o julgamento do mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas (CPC, art. 987), hipóteses em que haverá “presunção absoluta” de repercussão geral[37]. A Constituição estabeleceu um quórum qualificado[38] (dois terços, ou seja, oito ministros) para que o STF possa negar a existência de repercussão geral.
Outra inovação atinente à repercussão geral foi a instituição de um “julgamento por amostragem”[39], denominado de Recurso Extraordinário repetitivo, sempre que houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito (CPC, arts. 1.036 a 1041). Inovou o legislador ao estabelecer um procedimento para análise da repercussão onde, dentro de um vasto universo, alguns casos (mais representativos) são escolhidos para julgamento pelo presidente ou vice-presidente do tribunal “a quo”, que os remeterá ao STF, sobrestando-se os demais (CPC, art. 1036, §1º).
Todavia essa escolha não vincula o relator no STF, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia (CPC, art. 1036, §4º). Importante destacar que se a repercussão for negada os recursos sobrestados serão considerados inadmitidos (CPC, art. 1039, § único).
Tais fenômenos (junto com as hipóteses de não incidência do princípio da reserva de plenário, dentre outros) são frutos do que a doutrina denomina de “objetivação”[40] do controle difuso de constitucionalidade no Brasil. Cada vez mais, é notório que a utilização do recurso extraordinário tem servido como instrumento de defesa da ordem constitucional objetiva, preterindo-se o caráter tradicionalmente atribuído de instrumento de defesa da parte. Por via de consequência, o acesso ao STF (pela via do RE) tem se tornado mais difícil com a evolução legislativa.
5 PAPEL DO SENADO FEDERAL
Como já mencionado, a Constituição de 1934 introduziu no ordenamento brasileiro a possibilidade de o Senado suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF (em controle difuso). Tal atribuição fora mantida pela Carta vigente (art. 52, X[41]).
Assim, declarada pelo Supremo a inconstitucionalidade incidental de uma norma, este deverá comunicar ao Senado para que ele, ao seu alvedrio (poder discricionário) suspenda ou não a execução do dispositivo, ou seja, só através da intervenção do Senado, por meio de resolução, é possível generalizar (erga omnes) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo, o que levou Sérgio de Barros a afirmar que em sede de controle difuso “o Supremo Tribunal Federal é senhor da constitucionalidade e o Senado Federal é o senhor da legalidade”[42].
Em que pese a tradição desta função senatorial – cujos defensores[43] definem como uma legitima manifestação da divisão dos poderes e seus “checks and balances” –, com o fenômeno da “objetivação” do controle difuso, este instrumento, segundo ilustres doutrinadores, tem se mostrado anacrônico[44], pois, através de diversos mecanismos, as decisões do STF em controle concreto se revestem de generalidade (o “julgamento por amostragem” na repercussão geral, a dispensa de observância da reserva do plenário quando o STF já tenha declarado inconstitucional a norma, etc.).
Este fenômeno (objetivação do controle difuso) leva, inclusive, os mais apaixonados a defenderem a ocorrência de mutação constitucional para entender que o efeito da resolução editada pelo Senado, atualmente, é apenas o de dar publicidade à decisão do Supremo[45]. O fato é que, vetusta ou não, a regra continua vigente, entrementes o Senado não costuma aplicá-la com assiduidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo se pôde perceber ao fim desta breve exposição, o controle difuso de constitucionalidade é exercido no Brasil por qualquer juiz ou tribunal, diferenciando apenas a disciplina do controle quando é efetivado no primeiro grau de jurisdição ou nas instâncias posteriores (onde se aplica a cláusula da reserva de plenário). Ademais, não obstante o significativo número de recursos extraordinários interpostos anualmente junto ao STF, com o advento da repercussão geral fora instituída verdadeira “cláusula de barreira”, dificultando sobremaneira a elevação destas irresignações ao Pretório Excelso. Além disto, outras possibilidades (o “julgamento por amostragem” na repercussão geral, a dispensa de observância da reserva do plenário quando o STF já tenha declarado inconstitucional a norma, etc.), têm contribuído para uma paulatina “objetivação” do controle difuso-concreto de constitucionalidade no país.
Importa, por fim, destacar que o controle difuso de constitucionalidade é um importante mecanismo de salvaguarda e efetividade da Constituição, que permite tanto aos cidadãos demandarem, quanto aos juízes decidirem questões de natureza constitucional (à diferença de muitos sistemas constitucionais, mormente os da Europa continental), e nisto reside a beleza deste instrumento de controle, pois ele potencializa ao máximo o a expressão do Estado de Direito e “democratiza” o acesso à Constituição.
REFERÊNCIAS
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[1] O artigo 96,§ único possibilitava ao Presidente da República apresentar ao Parlamento lei declarada inconstitucional pelo STF, se o Congresso (ambas as Casas) confirmasse referida lei, por maioria de dois terços, a decisão da Corte não produziria efeitos.
[2] Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
[3] Será utilizada a classificação por Gilmar Ferreira Mendes. Fonte: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 247.
[4] Assevera José Afonso da Silva que “a palavra exceção é empregada também em sentido amplo para abranger toda a matéria de defesa; significa defesa e é nesse sentido que se fala em exercício da justiça constitucional por via de exceção, quer dizer, por via da defesa do demandado”. Fonte: SILVA, José Afonso da. “O Controle de Constitucionalidade das Leis no Brasil”, in La jurisdicción constitucional en Iberoamerica /coord. D. Garcia Belaúnde, F. Fernandez Segado, Madrid: Dykinson, 1997, p 398..
[5] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 114.
[6] Idem.
[7] Esta ressalva consta do acórdão mencionado e se relaciona com a falta de prequestionamento da questão constitucional em sede de recurso Extraordinário (adiante aprofundado). Em sentido contrário, assinala José Afonso da Silva que “não há possibilidade de controle de ofício, porque vigora duas regras que o impedem: existe presunção de constitucionalidade, que só dever ser afastada por instância do réu”. Fonte: SILVA, op. cit., p.398, nota 4.
[8] MENDES, op. cit., p.248, nota 3.
[9] No que respeita à natureza normativa do ato, assevera Barroso: “A arguição de inconstitucionalidade compreende os atos legislativos em geral, incluindo emendas à Constituição, lei complementar, lei ordinária, medida provisória (que é ato com força de lei), decreto legislativo e resolução da casa legislativa. Também estão abrangidos atos normativos secundários, como o decreto regulamentar, e mesmo atos dos regimentos internos dos tribunais. Não há distinção se o ato impugnado é federal, estadual ou municipal ou se a impugnação se faz em face da Constituição Federal ou Estadual. Tampouco tem relevância se a inconstitucionalidade apontada é de natureza formal ou material”. Fonte: BARROSO, op. cit., p.116, nota 5.
[10] Art. 948. Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.
I - rejeitada, prosseguirá o julgamento;
II - acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Art. 950. Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.
§ 1o As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento interno do tribunal.
§ 2o A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição Federal poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos.
§ 3o Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
[11] MOREIRA apud BARROSO, op. cit., p.124, nota 5.
[12] BARROSO, op. cit., p.120, nota 5.
[13] Assim se observa também na jurisprudência brasileira: Controle difuso de constitucionalidade de norma jurídica. Art. 97 da Constituição Federal. - A declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica "incidenter tantum", e, portanto, por meio do controle difuso de constitucionalidade, é o pressuposto para o Juiz, ou o Tribunal, no caso concreto, afastar a aplicação da norma tida como inconstitucional. Por isso, não se pode pretender, como o faz o acórdão recorrido, que não há declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica "incidenter tantum" quando o acórdão não a declara inconstitucional, mas afasta a sua aplicação, porque tida como inconstitucional. Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta dos membros de um ou de outro (...). Fonte: BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, T1 - Primeira Turma, RE 179.170-CE, Relator: Ministro Moreira Alves, Diário da Justiça do dia 30/10/1998, p. 00015.
[14] Sob uma perspectiva crítica, anota Lênio Streck: “Tenho sérias dúvidas acerca da constitucionalidade desse dispositivo. Observe-se que o dispositivo vai ao ponto de dispensar o incidente pelos tribunais inferiores na hipótese de pronunciamentos originários deles mesmos, o que proporciona uma vinculação jurisprudencial imprópria para o sistema romano-germânico. Um olhar constitucional sobre a matéria indica que a dispensa de suscitação do incidente é bem vinda quando à decisão vem do plenário do Supremo Tribunal Federal, entretanto, quando a decisão advém de outro tribunal, o incidente não pode ser dispensado, estando presente, aqui, a violação do art. 97 da Constituição”. Fonte: STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 364.
[15] Comentando o conteúdo do artigo 481,§ único do antigo CPC (atual art. 949, §único) averba Gilmar Mendes que “A fórmula adotada consagra in totum a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, assentando a dispensabilidade da submissão da questão constitucional ao tribunal pleno ou ao órgão especial na hipótese de o próprio Tribunal já ter adotado posição sobre o tema, ou, ainda, no caso de o plenário do Supremo Tribunal Federal já ter se pronunciado sobre a controvérsia”. Fonte: MENDES, op. cit., p.255, nota 3.
[16] Art. 176. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenário, será ela julgada em conformidade com o disposto nos arts. 172 a 174, depois de ouvido o Procurador-Geral.
§ 1º Feita a argüição em processo de competência da Turma, e considerada relevante, será ele submetido ao Plenário, independente de acórdão, depois de ouvido o Procurador-Geral.
§ 2º De igual modo procederão o Presidente do Tribunal e os das Turmas, se a inconstitucionalidade for alegada em processo de sua competência.
Art. 177. O Plenário julgará a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questões da causa.
Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição.
[17] Nesta senda, arremata Barroso: Assim, nenhum órgão fracionário de qualquer tribunal dispõe de competência para declarar a inconstitucionalidade de uma norma, a menos que essa inconstitucionalidade já tenha sido anteriormente reconhecida pelo plenário ou pelo órgão especial do próprio tribunal ou pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle incidental ou principal. Remarque-se que a câmara, turma, seção ou outro órgão fracionário do tribunal não pode declarar a inconstitucionalidade, mas pode reconhecer a constitucionalidade da norma, hipótese na qual deverá prosseguir no julgamento, sem necessidade de encaminhar a questão constitucional ao plenário. Tampouco está subordinada à reserva de plenário o reconhecimento e que uma lei anterior à Constituição está revogada por ser com ela incompatível, questão que, na conformidade da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, resolve-se no plano intertemporal – a lei deixa de viger - , e não no da validade da norma. Fonte: BARROSO, op. cit., pp.122-123, nota 5.
[18] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
[19] Anotam os professores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha que “no espectro dessa função desempenhada pelo STF, insere-se o recurso extraordinário, mercê do qual a Corte Suprema rejulga decisões proferidas, em última ou única instância, que tenham violado dispositivo da Constituição Federal. No particular, além de corrigir a ofensa a dispositivos da Constituição, o STF cuida de uniformizar a jurisprudência nacional quanto à interpretação das normas constitucionais”. E continuam “Enfim, o papel do Recurso Extraordinário, no quadro dos recursos cíveis, é o de resguardar a interpretação dada pelo STF aos dispositivos constitucionais, garantindo a inteireza do sistema jurídico constitucional federal e assegurando-lhe validade e uniformidade de entendimento”. Fonte: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 4.ed. Salvador: Jus Podium, 2007, pp. 260-261.
[20] Em relação ao tema, a Súmula 640 do STF dispõe, verbis: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por Juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.
[21] Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
I – negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;
b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;
II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;
IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;
V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:
a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos;
b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou
c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.
§ 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042.
§ 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.
[22] Súmula 281 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.
[23] Súmula 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
[24] Aduzem Didier Jr. e Leonardo Cunha que “Não é o prequestionamento um requisito especial de admissibilidade dos recursos extraordinários” Continuam, reproduzindo doutrina de Nelson Nery Jr. “Evidentemente, a jurisprudência, ainda que do Pretório Excelso, não poderia criar requisitos de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial, tarefa conferida exclusivamente à Constituição Federal”. Fonte: DIDIER JR, op. cit., pp.223-224, nota 19. Em sentido contrário fora a posição adotada pelo Ministro do STF Alfredo Buzaid no julgamento do ERE nº. 96.802 (RTJ 109/ 299-304).
[25] Súmula nº. 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
[26] Em interessante artigo sobre a matéria escreve Júlio Bernardo do Carmo: “Curioso observar que, na Magna Carta de 1988, o prequestionamento não é exigido de forma expressa e literal como o foi nas Constituições anteriores e sim de forma implícita porque ela pressupõe como condição de admissibilidade dos recursos constitucionais excepcionais (recurso extraordinário e recurso especial) que a questão debatida (ofensa ao texto constitucional ou à literalidade da lei federal) tenha sido previamente decidida pelo órgão judicial de cuja decisão se recorre para os tribunais superiores. Fonte: CARMO, Júlio Bernardo do. “Embargos Declaratórios - visão geral e prequestionamento no âmbito do processo do trabalho”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, volume 53, nº. 83, 2011: 109-141.
[27] Precisas as lições de Didier Jr. “Admite o STF o chamado prequestionamento ficto, que é aquele que se considera ocorrido com a simples interposição dos embargos de declaração diante da omissão judicial, independentemente do êxito desses embargos (...) Essa postura do STF é a mais correta, pois não submete o cidadão ao talante do tribunal recorrido, que, com a sua recalcitrância no suprimento da omissão, simplesmente retiraria do recorrente o direito de se valer das vias extraordinárias. Fonte: DIDIER JR, op. cit., p.226, nota 19.
[28] Assim manifestou-se o STF em acórdão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence: 1. Recurso extraordinário: prequestionamento e embargos de declaração. A oposição de embargos declaratórios visando à solução de matéria antes suscitada basta ao prequestionamento, ainda quando o Tribunal a quo persista na omissão a respeito (...). Fonte: BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, T1 - Primeira Turma, AgR no RE 399.035-RJ, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça do dia 13/05/2005, p. 00016.
[29] Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
[30] O STJ consagrou esta divergência em sua Súmula 211: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”. Atualmente ea encontra-se prejudicada pelo art. 1025 do CPC.
[31] Novamente o Ministro Pertence: (...)3. Recurso extraordinário: o requisito do prequestionamento não reclama menção expressa ao dispositivo constitucional pertinente à questão de que efetivamente se ocupou o acórdão recorrido. Fonte: BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, T1 - Primeira Turma, ED no RE 361.341-PI, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça do dia 01/04/2005, p. 00036.
[32] Eis aresto jurisprudencial do STF: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: CABIMENTO. OFENSA A CONSTITUIÇÃO: OFENSA DIRETA. I. - A ofensa a Constituição, que autoriza o recurso extraordinário, e a ofensa frontal e direta. Se, para provar a contrariedade a Constituição, tem-se, antes, de demonstrar a ofensa a lei ordinária, e esta que conta para admissibilidade do recurso(...). Fonte: BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, T2 - Segunda Turma, RE 119.236-SP, Relator: Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça do dia 05/03/1993, p. 02899.
[33] Não obstante ser essa a regra que impera no Supremo, a Segunda Turma do Tribunal, não raras vezes, tem excepcionado este entendimento, admitindo o recurso extraordinário, mesmo que a violação seja indireta, quando houver desrespeito aos princípios da legalidade e do devido processo legal. Ver: BARROSO, op. cit., pp.132-133, nota 5; Acórdão do STF: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NORMAS LEGAIS - CABIMENTO. A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta Política da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. Fonte: BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, T2 - Segunda Turma, RE 242.064-SC, Relator: Ministro Marco Aurélio, Diário da Justiça do dia 24/08/2001, p. 00063.
[34] STRECK, op. cit., p.408, nota 14.
[35] Referida emenda acrescentou o § 3º ao inciso III do art. 102 da Constituição com o seguinte teor: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.
[36] Na definição de Filipo Amorim, “pode-se afirmar que a Repercussão Geral nada mais do que um novo requisito de admissibilidade recursal – exclusivo dos RREE – que visa, além de diminuir o número de Recursos Extraordinários, de modo a viabilizar sua apreciação pelo STF, seleciona quais RREE serão apreciados pelos integrantes do Supremo Tribunal Federal”. Fonte: AMORIM, Filipo Bruno Silva. O Amicus Curiae e a Objetivação do Controle Difuso de Constitucionalidade. Brasília: Athalaia, 2010, p.60.
[37] DIDIER JR, op. cit., p.269, nota 19.
[38] Obtempera Barroso que “Essa providência evita que questões sejam preteridas por maiorias apertadas, reduzindo o ônus político associado à utilização da barreira.” Fonte: BARROSO, op. cit., p.142, nota 5.
[39] Expressão cunhada por Didier, in: DIDIER JR, op. cit., p.272, nota 19.
[40] É de bom alvitre reproduzir as palavras do Ministro Gilmar Mendes, proferidas nos autos do processo administrativo nº 318.751/STF (DJ de 17/12/2003): “O recurso extraordinário deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo constitucional (verfassungsbeschwerde). (...) A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazidos à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos”. Fonte: MENDES apud AMORIM, op. cit., pp.38-39, nota 36.
[41] Art 52- Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X- suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
[42] BARROS, Sérgio Resende de. “A função do Senado no controle difuso de constitucionalidade no Brasil”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume 43, nº 1, 2002: 578.
[43] Idem
[44] É o que professa Barroso: “A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo”. Fonte: BARROSO, op. cit., p.157, nota 5.
[45] Nesta esteira Gilmar Mendes: “Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa a suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso, Tal como assente não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa (...) Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de decisão substantiva, mas de simples dever de publicação(...)A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma sua real eficácia”. Fonte: MENDES, op. cit., p.280, nota 3.
Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ (2012). Mestre em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - PT (2014).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MUNGUBA, Filipe Ferreira. Controle difuso de constitucionalidade no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46401/controle-difuso-de-constitucionalidade-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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